segunda-feira, fevereiro 13, 2006

47) Economia brasileira: um retrato cruel (mas necessário...)


Transcrevo matéria postada no Blog Beth7ka, sobre tema da maior relevância para a economia brasileira: os constrangimentos fiscais que impedem o Brasil de crescer a taxas sustentadas.
Como eu sempre digo: o Brasil é um país totalmente preparado para NÃO CRESCER!
Se continuar desse jeito, nosso destino é mesmo patinar no mesmo lugar...

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Vai doer, mas não tem jeito

A dívida pública atinge 1 trilhão e e o governo torra cada vez mais. Para crescer, o país terá de cortar na carne
Giuliano Guandalini e Chrystiane Silva

Lula: em vez de aprimorar o ensino fundamental, decidiu torrar dinheiro com quatro novas universidades, gastos que o economista Raul Velloso condena.

Nos últimos quinze anos, quase todos os países do mundo controlaram a inflação e contiveram a explosão dos gastos públicos. No Brasil, o trabalho ficou pela metade. A hiperinflação já não preocupa mais, mas o governo só consegue equilibrar suas contas porque aumenta brutalmente a carga tributária, que subiu de 30% para 37% do PIB nos últimos dez anos. Não há notícia de país que tenha avançando, no mesmo período, com tamanha voracidade sobre o bolso do contribuinte. Em outros países, o ajuste foi feito com o corte de gastos e a preservação dos investimentos. O Brasil foi na direção oposta: deixou de investir, elevou impostos e continuou gastando. O resultado não poderia ser outro: a dívida pública não parou de crescer, atingindo 1 trilhão de reais no ano passado; aumentou a sonegação; as empresas estrangeiras preferem investir em países com menos impostos e menos burocracia.

Como escapar dessa armadilha? Exemplos internacionais mostram que só há uma saída: cortar gastos. Não se trata de tarefa fácil. É impopular, contraria interesses corporativos e os benefícios podem demorar um pouco a chegar. Mas os esforços compensam. O enxugamento da máquina pública torna a economia mais dinâmica e acelera o crescimento. Países que hoje são considerados modelos, como a Nova Zelândia, viviam até pouco tempo atrás dilemas muito semelhantes aos brasileiros. Eles tiveram a coragem de atacar problemas como o elevado custo previdenciário e hoje estão entre as economias mais avançadas do planeta.

Foi assim, por exemplo, que a história de sucesso da Irlanda teve início. O país tinha uma economia atrasada, enfrentava uma emigração maciça de seus habitantes e a Previdência drenava os recursos públicos. Há vinte anos, um amplo entendimento, que uniu correntes políticas opostas e representantes da sociedade civil, possibilitou que a Irlanda se reformasse. O resultado? O país, até então um dos mais pobres da Europa Ocidental, tem hoje um dos maiores PIBs per capita do planeta e chega a crescer 6% ao ano – o dobro do ritmo brasileiro. A Irlanda conseguiu diminuir em 33% suas despesas em duas décadas. Se o Brasil fizesse o mesmo ajuste, haveria uma economia de 300 bilhões de reais, o equivalente a três vezes a receita anual da Petrobras, a maior empresa brasileira. Em 1982, o governo irlandês gastava 49,8% de tudo o que o país produzia e a economia crescia um minguado 0,3%. Quando as despesas caíram, o país voltou a crescer. Como a Irlanda conseguiu isso? Apertou o cinto e suspendeu alguns programas sociais, congelou contratações e reduziu as vagas no setor público. O consumo do governo também diminuiu. De país pobre e isolado, a Irlanda passou a uma das economias mais globalizadas. Metade do setor manufatureiro e do segmento financeiro está nas mãos de estrangeiros.

Nem sempre é fácil estabelecer as condições para cortar os gastos. A Nova Zelândia só conseguiu gerar mecanismos para reduzir o dispêndio mudando as leis. O país começou a década de 90 com a pior crise fiscal de sua história. O governo precisou se unir à oposição para criar, em 1994, o Ato de Responsabilidade Fiscal – inspiração para a lei semelhante criada no Brasil. A legislação estabelece metas para contenção de despesas e exige transparência nos gastos do governo. A Nova Zelândia reduziu em 26% seus gastos em menos de dez anos. A redução da participação do Estado na economia também é determinante para que as contas públicas voltem a ficar no azul. Foi isso que fez o Canadá na década de 90, quando os gastos públicos chegavam a 52,8% do PIB e o crescimento da economia era de 0,9%. Os subsídios às indústrias foram eliminados, e o governo reduziu o consumo. As companhias do país sofreram no início, mas se adaptaram, ganharam competitividade e passaram a exportar seus produtos para os Estados Unidos. Hoje o país cresce 2,9% ao ano. Já a Espanha sofria com os pesados gastos da Previdência. Até que, para se enquadrar às regras da União Européia, o país teve de reduzir despesas que chegavam a 47,6% do PIB. Os espanhóis fizeram uma profunda reforma do sistema previdenciário e cortaram gastos. Em menos de dez anos, as despesas recuaram para 39,9% do PIB e o crescimento da economia, que era nulo, passou para 3%.

O Brasil, enquanto isso, evita enfrentar os seus problemas, adia as reformas e prefere, de maneira simplista, responsabilizar os juros do Banco Central pelo fato de o país crescer pouco. É aquela velha história de culpar o termômetro pela febre do paciente. Em vez de tornar a máquina mais eficiente, o governo prefere inchá-la ainda mais. Só no ano passado, o governo federal contratou 11.000 novos funcionários. No lugar de melhorar a rede de ensino básico, Lula decidiu criar quatro novas universidades federais. Pode-se até argumentar que o aumento de gastos sociais, como os da Bolsa Família, seja justificável. Mais difícil é compreender por que se torra tanto dinheiro com itens menos essenciais. No ano passado, segundo a ONG Contas Abertas, o governo gastou mais em fotocópias do que com os investimentos feitos pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome – as cópias consumiram 88,6 milhões de reais, enquanto os projetos do ministério levaram 87,4 milhões de reais. As despesas com carros oficiais chegaram a 724 milhões de reais. Nos três anos do atual governo, esses gastos foram 81% maiores do que nos três últimos anos do governo anterior. E, quando o assunto é festa, Lula também bate Fernando Henrique. Os gastos com festividades e cerimônias cresceram 17% nos últimos três anos e chegaram a 22 milhões de reais.

Segundo especialistas, o Brasil tem de tomar decisões difíceis para reverter seu problema fiscal. A primeira delas é sanar o ralo da Previdência. "O Brasil gasta o equivalente a 11% do PIB com pensões e aposentadorias. É um absurdo", afirma o economista italiano Vito Tanzi, um dos maiores especialistas do mundo quando se trata de finanças públicas. O gasto previdenciário equivale ao dos Estados Unidos e da Espanha, mas a população brasileira é muito mais jovem. Segundo dados compilados pelo departamento de pesquisa econômica do Itaú, a Coréia do Sul gasta 2,3% de seu PIB com seus aposentados, e o México, apenas 1,6%. Estudos também comprovam que, sem reformas como a trabalhista e a tributária, não há como reduzir o endividamento público de maneira significativa.

Tanzi, junto com o economista Ludger Schuknecht, fez um amplo estudo para o banco central europeu sobre a reforma dos gastos públicos em 22 países industrializados. De acordo com o trabalho, não há evidências concretas de que o corte dos gastos públicos penalize necessariamente áreas importantes como educação e saúde. Também não fica de pé a tese segundo a qual os países cujos governos gastam muito têm melhor padrão de vida. O índice de desenvolvimento humano de países gastões, como Suécia e Itália, é semelhante ao de nações com o Estado enxuto, como Austrália e Estados Unidos. A análise de ajustes fiscais bem-sucedidos mostra que o enxugamento deve recair principalmente sobre os gastos primários do governo – aqui entram despesas como cafezinho, passagem aérea, funcionalismo e subsídios. Em nenhum dos casos houve um corte abrupto ou irresponsável nas taxas de juro. Os países ajustaram suas contas e com isso criaram condições macroeconômicas para reduzir os juros. Essas mudanças englobam desde alterações na política monetária, como a introdução das metas de inflação na Nova Zelândia, até reformas profundas no sistema previdenciário, como na Espanha.

No Brasil, o fato de a dívida do setor público ter alcançado a marca recorde de 1 trilhão de reais deveria soar um alarme, um sinal de alerta para que o governo corte os gastos quanto antes. Mas não é isso que tem acontecido. O governo gasta muito, mal e cada vez mais. De 2000 para cá, as despesas de estados e municípios foram controladas graças à Lei de Responsabilidade Fiscal, que os impede de gastar mais do que arrecadam. Mas a lei parece não valer para o governo federal, que todo ano fecha no vermelho. Embora o governo federal venda a imagem de que está executando um grande esforço de contenção nos gastos, a análise dos números mostra o inverso. Em 1998, o custeio da máquina federal – excluindo o gasto com juros – consumiu 132 bilhões de reais, o equivalente a 15% do PIB (o total produzido pelo país em um ano). No ano passado, os dispêndios federais totalizaram 352 bilhões de reais (18,2% do PIB). Mas, se o governo não apertou o cinto, como é possível que ele tenha registrado, nos últimos anos, saldo positivo em suas contas primárias – aquelas que não incluem os juros? A resposta é simples: aumentando a carga tributária. Em 1997, as receitas do Tesouro com impostos e tributos equivalia a 13,2% do PIB. No ano passado, a carga chegou a 19,6%. Para contornar esse problema, não há saídas fáceis, e a responsabilidade não cabe apenas ao governo. Cerca de 90% do Orçamento é sugado por despesas obrigatórias, determinadas por lei, que precisam ser executadas independentemente da vontade do governo. Essa é uma das heranças malditas da Constituição de 1988 – que, aliás, poderá ser alterada caso o Congresso aprove o projeto de revisão constitucional, marcado para 2007.

O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, reconhece que será muito difícil reduzir o endividamento do país de maneira significativa sem rever os gastos obrigatórios. "Mas essa não é uma questão apenas do governo, é de toda a sociedade. É um tema no qual o eleitor precisa pensar quando escolher o seu deputado", afirma Levy. Para o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, não será nada fácil chegar ao consenso político necessário para mexer em alguns privilégios e rever o tamanho dos gastos sociais. Mas Velloso concorda em que cabe ao Congresso tomar a difícil decisão de escolher onde alocar os gastos em um país tão carente de recursos como o Brasil. "É para isso que escolhemos os políticos", sentencia. Mas será que eles se lembram disso?

posted by Beth7ka-Brasil: link original.

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