Será que eles precisariam de psicanalistas ou de psiquiatras?
Eles se eles também ficassem politicamente deprimidos? Nós poderiamos pensar em eliminá-los do mapa? Calma: não estou pensando em nenhuma solução radical, apenas em juntá-los a outros municípios, de maneira a que eles deixem de viver de "mensalão" governamental...
Nordeste concentra maioria esmagadora dos municípios economicamente deprimidos
Por Paulo R. Haddad
Jornal Valor Econômico - 10.4.06 - pág. A14
Em 2003, coordenamos um estudo para definir quais seriam os municípios brasileiros que poderiam ser classificados como economicamente deprimidos. Inicialmente, dos 5.507 municípios (situação de 2000), 2.625 apresentaram baixo nível de desenvolvimento, baixo ritmo de crescimento na década de 90 e também baixo potencial de desenvolvimento, sempre em relação aos indicadores médios nacionais.
Em seguida, estes 2.625 municípios foram classificados segundo o seu grau de endogenia, sua capacidade de organização social e política para modelar o seu próprio futuro. Há pelo menos três grandes obstáculos para definir o grau de endogenia de determinado município. Dada a importância dos capitais intangíveis (capital social, capital institucional, capital sinergético etc.) no processo de desenvolvimento endógeno, ainda é muito difícil obter indicadores quantitativos que possam caracterizá-los em nível local. Mesmo para aqueles indicadores passíveis de quantificação, há problemas de disponibilidade de informações atualizadas para todos os municípios brasileiros. Finalmente, não há experiência internacional consolidada que possa nortear a mensuração de indicadores de endogenia local.
Para se avaliar o grau de capacidade endógena, foram utilizados três indicadores: o grau de educação da população do município, suas condições de saúde e os riscos de mortalidade prevalecentes, e a qualidade institucional do município. O índice de qualidade institucional de um município será tanto maior quanto maior for o grau de participação das comunidades locais na gestão do município, quanto maior a capacidade financeira do município e quanto melhor a capacidade gerencial do município.
Assim, chegou-se a 1.785 municípios economicamente deprimidos e com baixo potencial endógeno por não apresentarem nenhum indicador socioinstitucional acima dos respectivos indicadores do país. São, pois, municípios pobres, que crescem lentamente, que apresentam baixo potencial econômico dada a sua experiência recente e, principalmente, sinalizam dificuldades para a superação endógena de seus problemas socioeconômicos. Literalmente, são municípios deprimidos num sentido amplo.
Onde estão estes municípios? Eles se concentram pesadamente no Nordeste (particularmente no agreste e no sertão) onde ainda se pode vislumbrar algumas ilhas de prosperidade, assim como em áreas pontilhadas nos Estados do Pará (Terra do Meio), de Minas Gerais (no norte e no leste) e no leste de Tocantins. É importante destacar que há um elemento comum em quase todos estes 1.785 municípios. Eles se encontram em áreas geográficas onde ocorreu, desde o Período Colonial, um intenso processo de uso predatório de seus ecossistemas, reduzindo drasticamente a produtividade dos recursos naturais dos municípios, ou seja, a destruição de seu capital natural.
Ao todo, 1578 cidades do país sobrevivem à custa de transferências do excedente gerado em regiões mais prósperas
Como sobrevivem as populações destes municípios? Por que os seus indicadores sociais e econômicos não se assemelham aos dos países mais pobres da África? Uma hipótese plausível para explicar esta situação talvez seja que estes municípios estão sobrevivendo à custa de transferências que são extraídas a partir do excedente econômico gerado nos municípios mais prósperos do país. Estas transferências se manifestam, em nível da renda das famílias, pela aposentadoria rural, pelo Bolsa-Família, pelo sistema assistencial da LOAS etc., e, em nível das finanças públicas municipais, pelas regras adotadas pelo FPM, pela cota-parte livre do ICMS etc.
Se por alguma motivação politicamente perversa fossem fechadas as comportas destes mecanismos de transmissão de benefícios compensatórios, provavelmente teríamos as nossas Somálias e as nossas Ganas. Basta lembrar que, de 1991 a 2000, enquanto o PIB per capita do Brasil cresceu a uma taxa anual de 1,39% e a renda per capita cresceu 2,88% ao ano, o crescimento das transferências per capita foi de 6,9% ao ano. Ou seja, a renda per capita local pode crescer (como continua a crescer no século XXI) sem que tenha necessariamente ocorrido um processo de crescimento econômico no município.
Quando partimos para um indicador-síntese para medir o grau de depressão econômica e socioinstitucional dos municípios, surge, de fato, uma "questão nordestina", pois os 1.555 piores resultados são basicamente dos municípios do Nordeste brasileiro. Neles, em média, os indicadores são menores do que 30% dos indicadores nacionais. Para estes, as políticas sociais compensatórias, ainda que absolutamente indispensáveis e mesmo quando focadas para os seus grupos sociais de baixa renda, não têm capacidade de reverter minimamente as distâncias abissais que os separam dos municípios desenvolvidos e em expansão do Sul e do Sudeste.
Uma das lições do budismo nos ensina que não há nada mais democrático do que o Sol, pois quando se levanta ilumina igualmente todas as regiões. Entretanto, em algumas regiões, para que esta luz se transforme em energia do seu desenvolvimento, é fundamental que as comunidades locais se organizem e mobilizem seus recursos latentes, vencendo o seu estado de apatia, de inércia e de conformismo. Como muitas destas comunidades não dispõem de recursos de mobilização e de familiaridade com modelos de ação coletiva organizada, o seu envolvimento terá de ser mais induzido por políticas públicas.
Enfim, para evitar a formação de um Brasil que viva, crescente e permanentemente, de mesadas transferidas de sua parte mais desenvolvida, é preciso que se estruture, nos municípios deprimidos, um processo de ativação e canalização de suas forças sociais, de melhoria da capacidade associativa e de exercício da iniciativa criativa.
Paulo R. Haddad é professor do Ibmec e ex-ministro do Planejamento e da Fazenda.
Prof. Paulo,
ResponderExcluirExcelente postagem.
Infelizmente essa é a realidade nua e crua de maioria dos municípios do nordeste.
Nasci no interior baiano e conheço bem várias regiões do interior devido a laços de amizade e visitas a familiares interior a dentro.
Eu, sinceramente, lhe digo. O que acontece no interior da bahia, com algumas exceções, é que o sustento do município é feito fundamentalmente pela aposentadoria rural. Tenho familiares que são comerciantes no interior e eles dizem que as vendas só são boas nos primeiros 15 dias do mês. Depois, é um sufoco.
Um outro ponto é que a política local é mais suja do que pau de galinheiro (frasse famosa, heim?). Basta se ir a uma cidade do inteior durante a capanha e você verá. Compra de voto por cimento, dentadura, promessa de concerto na casa, dinehiro vivo...ameaças...tudo que você puder imaginar.
Os prefeitos se endividam e passam uma parte do mandato pagando dívidas de campanha com a grana do povo...todo mundo sabe...tem gente que é empregado da prefeitura que oficialmente recebe 800 reais, mas de fato só pega 400, o resto fica com o grupo para pagar divida e aumentar capital. Sim, aumentar muito o capital, porque não é posívil que com o ordenado de prefeito os caras comprem carros importados os seus filhos (geralmente menores que dirigem tranquilamente suas máquinas) fazendas, apartamentos de luxo em salvador...e a lista segue.
Fato é que praticamente não existe prefeito no interior da bahia que pense em traçar planos para o crescimento do município através do uso de suas possíveis "vantagens comparativas".
Como colocado no texto transcrito vive-se um verdadeira apatia, inércia e conformismo no inteior.
As aposentadorias, junto com os assalariados da prefeitura (e agora os tais programas assistencialistas...) formam as bases de sustentação da economia local...sem grandes perspectivas.
Não fosse os programas de transferência de renda criados em 1988, provavelmente, como colocado no texto, a miseria estaria impregnada nessas muitas cidades do interior do brasil.
O grande problema é que a mudança passa não só pelo espectro econômico (planajamento, uso de potencialidades etc... se possível) mas fundamentalmente político. E isso, meu caro, muda mas custa...infelizmente.