quarta-feira, maio 10, 2006

79) Ainda o problema boliviano...

O economista Mauricio David, do BNDES, fez uma série de questões, provocadoras, sobre o problema boliviano. O Embaixador Rubens Ricupero, que já tinha dado entrevista sober o problema (resumida abaixo), se pronuncia novamente sobre aspectos de preço, arbitragem, e pendências entre os países. Eu tambem respondi às questões do Mauricio. Transcrevo abaixo alguns materiais relativos a esse dossiê.

1) Menagem original, do dia 5/05:
From:
Sent: Friday, May 05, 2006 11:41 AM
Subject: Bolivia V

(1) Para começar a entender as posições bolivianas :
Preço do barril do petróleo no mercado internacional : US$ 75
Quanto a Petrobrás estava pagando pelo gás boliviano : US$ 35 (em equivalente ao barril de petróleo)
Diferença ( 75-35) : US$ 40
Em outros tempos, isto seria chamado de super-exploração imperialista.
Ou, usando os conceitos do saudoso Rui Mauro Marini, talvez se trate de um caso típico de sub-imperialismo brasileiro na Bolívia...
Cinco pontos interessantes para a abordagem do problema :
(a) o que faria você, se fosse o presidente da Bolívia, em termos da renegociação do preço do gás nos contratos com a Petrobrás (e outras
empresas) ?
(b) como é que uma empresa como a Petrobrás, que chega a dominar quase a metade do PIB boliviano, se mete em uma aventura destas sem sequer realizar um seguro de risco político ? Pode ?
(c) eventuais perdas da Petrobrás devem ser debitadas à irresponsabilidade do Evo Morales ou à irresponsabiliodade e imprevidencia da diretoria da Petrobrás ?
(d) qual o setor da Petrobrás que é responsável pelo acompanhamento dos riscos políticos das operações externas ? Como foi a atuação deste setor na previsão da crise ?
(e) em que se diferencia o posicionamento do marxista-candomblerista Sérgio Gabrielli com relação à Bolívia do de um petroleiro texano associado ao clã Bush ?

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(2) Resposta de PRA às questões acima:

Meu caro Mauricio,
Vou tentar responder às suas questões, que creio interessam a todo mundo, no Brasil, ainda que elas não tenham sido bem formuladas.

MD: (1) Para começar a entender as posições bolivianas: Preço do barril do petróleo no mercado internacional: US$ 75; Quanto a Petrobrás estava pagando pelo gás boliviano : US$ 35 (em equivalente ao barril de petróleo) Diferença (75-35): US$40
PRA: Esse tipo de comparação não faz o menor sentido, pois compara o preço no mercado spot de uma commodidty, sendo oferecida regularmente e livremente no mercado internacional, com o preço de uma "mercadoria", que está enterrada na Bolívia, que precisa ser retirada por alguém, oferecida e comprada, ou seja, não se trata de uma commodity oferecida livremente num mercado aberto.
O gás boliviano só "existe" por força de acordos governamentais Brasil-Bolívia, e de investimentos maciços da Petrobrás. Se isso não for colocado na equação, não se pode discutir mais nada. Seria como se oferecêssemos hipotéticas "fabulosas reservas de ouro" para quem quiser vir ao Brasil prospectar por sua própria conta e depois quiséssemos fixar o preço internacional do ouro como critério de referência para cobrar do extrator.
Ou seja, esse alinhamento de preços NÃO FAZ QUALQUER SENTIDO.

MD: Cinco pontos interessantes para a abordagem do problema :
(a) o que faria você, se fosse o presidente da Bolívia, em termos da renegociação do preço do gás nos contratos com a Petrobrás (e outras
empresas) ?
PRA: Eu diria ao meu ministro de energia ou de hidrocarbonetos para ir discutir com a Petrobrás a questão dos preços de referência, com base na valorização do preço da energia. Isso seria a única postura correta a ser adotada, ou seja, exigir da Petrobrás um sobrepreço, em função de novas ocorrências no mercado internacional de energia. A Petrobrás poderia aceitar algum reajuste (o que aliás já deve estar previsto nos contratos), ou então dizer o seguinte: a esses valores pedidos, eu prefiro explorar o meu gás da Amazônia ou de Santos, e vamos então negociar um término programado da exploração na Bolívia.

(b) como é que uma empresa como a Petrobrás, que chega a dominar quase a metade do PIB boliviano, se mete em uma aventura destas sem sequer realizar um seguro de risco político ? Pode ?
PRA: Não há risco político para esse tipo de negócio, pois seria difícil estimar e seria de toda forma muito caro. A única forma de diminuir a insegurança seria através de um APPI, um acordo de promoção e de proteção recíproca de investimentos, coisa que o Brasil assinou (o então ministro de Itamar, Celso Amorim) com 15 países desenvolvidos, com o Mercosul e outros países em desenvolvimento (inclusive Cuba, a pedido dela, suplicando por investimentos brasileiros na ilha), mas que o PT na oposição e agora no governo jamais aceitou, por ingenuidade ou estupidez, e agora estamos pagando o preço pela imprevidência.

(c) eventuais perdas da Petrobrás devem ser debitadas à irresponsabilidade do Evo Morales ou à irresponsabiliodade e imprevidencia da diretoria da Petrobrás ?
PRA: De responsabilidade total da Bolívia. A Petrobrás relutou muito em se engajar nesse negócio, que só saiu por decisão política dos governos anteriores de realizar essa integração física energética, que diga-se de passagem, faz todo o sentido geopolítico, econômico e técnico. Só a loucura dos homens poderia atrapalhar. Na AL, a lei de Murphy funciona perfeitamente...

(d) qual o setor da Petrobrás que é responsável pelo acompanhamento dos riscos políticos das operações externas ? Como foi a atuação deste setor na previsão da crise ?
PRA: Não importa esse tipo de julgamento, quando você tem garantias políticas dadas por acordos governamentais feitas entre dois países soberanos. O mínimo que se pode esperar é que contratos sejam honrados, e que acordos sejam respeitados. Não foi isso que tivemos da parte da Bolívia e a responsabilidade é inteiramente dela.

(e) em que se diferencia o posicionamento do marxista-candomblerista Sérgio Gabrielli com relação à Bolívia do de um petroleiro texano associado ao clã Bush ?
PRA: Pergunta totalmente sem sentido, que não possui o mínimo de lógica argumentativa. A Petrobrás, infelizmente, não é uma empresa livre para atuar como empresa. A Vale do Rio Doce, que se libertou das amarras do Estado, atua como empresa, o que é sua função "social". A Petrobrás não tem a mesma sorte, precisando atender a critérios políticos que por vezes não têm o menor sentido econômico, comercial ou mesmo técnico. Lamento por ela...
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Paulo Roberto de Almeida
E-mail: pralmeida@mac.com

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3) Resumo de entrevista concedida pelo Embaixador Ricupero:
16 PONTOS PRINCIPAIS DAS OBSERVAÇÕES CRÍTICAS DO EMBAIXADOR RICUPERO COM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DO ITAMARATY

1. Nunca negociamos sob uma posição de força.
2. Nunca pautamos a política externa por razões ideológicas.
3. Nunca fomos frouxos ou mostramos falta de firmeza.
4. É um absurdo considerar que a Bolívia está defendendo sua soberania nacional.
5. Na realidade, houve expropriação de ativos e rompimento de acordos internacionais negociados entre Estados.
6. Não se trata, portanto, de apenas uma questão empresarial em jogo, não é apenas uma prejuízo para a Petrobrás, pois esta empresa realizou investimentos sob a égide de acordos internacionais firmados entre ambos os Estados.
7. Estão sendo ofendidos, assim, os interesses nacionais, e não apenas os da Petrobrás.
8. A Petrobrás está na Bolívia em condições diferentes de outras empresas petrolíferas, pois fundamentou suas iniciativas numa série de acordos negociados logo depois da Guerra do Chaco entre ambos os Estados.
9. Com base nesses acordos, o Brasil construiu um gasoduto de de 3.000 km, ao custo de US$ 8,0 bilhões.
10. Governo brasileiro tem de deixar clara sua revolta e mostrar a indisposição para aceitar desaforos, pois foram violados compromissos internacionais.
11. Porém, o Governo brasileiro se mostrou simpático à iniciativa de Evo Morales, ao comparar a decisão boliviana à nossa campanha do " Petróleo é nosso". Nada mais enviesado ideologicamente e estúpido.
12. O gás natural é da Bolívia, mas lá uma empresa estatal, que já havia vendido todos os seus ativos à Petrobrás, tomou tudo de volta e mais os investimentos adicionais, ocupando as instalações com tropas militares.
13. Não se pode aceitar negociar quando o outro lado está numa posição de força.
14. Quando se rasga um contrato, se perde a razão.
15. É aberrante a participação de Hugo Chávez nas negociações em curso em Puerto Iguazu.
16. Nunca nos distanciamos tanto de nossa tradição diplomática.

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4) Resposta do Embaixador Ricupero, em 10/05/06:
Recebi a seguinte mensagem do Emb Ricupero, que nos proporciona importantes elementos para a análise da questão do gás boliviano. O Emb Ricupero, além de ser um dos melhores especialistas brasileiros na problemática internacional, durante décadas tratou do tema no seio do Itamaraty :

Caro Mauricio,
Li sua mensagem sobre o gás boliviano e agradeço a amabilidade do resumo que faz de minhas posições. Durante décadas, tratei do assunto no Itamaraty e,por essa razão, a atitude boliviana me atingiu duramente. Gostaria, assim, de fazer algumas ponderações acerca do que Você afirma sobre a responsabilidade da Petrobrás.
A comparação do preço do barril de petróleo e do equivalente do que pagamos pelo gás não quer dizer muita coisa porque não leva em conta o custo da amortização do gasoduto recém-construido, o custo do transporte e outros aspectos, o principal dos quais é que existe no contrato entre a Petrobrás e a YPFB uma fórmula, negociada durante anos, que estabelece como base para cálculo não o custo do barril do óleo mas sim o preço de três tipos de óleo combustível, justamente o produto que o gás natural substituiu e deslocou em São Paulo. Como Você talvez saiba, o irônico em todo esse assunto é que a Petrobrás não queria comprar o gás boliviano, não por altruismo ou medo da desapropriação mas simplesmente porque o gás competia com o óleo combustível, subproduto de baixa qualidade do nosso parque de refino e que era fornecido pela empresa às indústrias.Houve pressão do governo brasileiro sobre a Petrobrás porque o governo tinha com a Bolívia um projeto de cooperação baseado na idéia da integração energética da América do Sul ( do mesmo tipo que o existente com a Argentina e agora com a Venezuela). Foi por isso que primeiro se firmou um acordo, isto é, um tratado internacional de governo a governo (em nosso caso com a Bolívia, houve vários, os últimos tendo sido em 1974 e 1988) , celebrado por troca de notas em 17 de fevereiro de 1992 e que já estabelecia no texto que as duas estatais negociariam um contrato entre elas. Como vê, existia e existe compromisso político, formal e solene sob a forma de tratado. No ano seguinte, em 17 de agosto de 1993, já sob o governo de Itamar, sendo Celso Amorim o Chanceler, foi assinado o contrato entre as duas empresas. O contrato tem quase 90 páginas e, além da fórmula de preço a que me referi, prevê na cláusula 15 um mecanismo específico para o reajuste de preço caso o mercado energético mundial assim o exija.Em vez de acionar a cláusula e seguir o processo normal, o governo boliviano preferiu começar pela medida de força da nacionalização. O contrato possui também a cláusula 17, pela qual qualquer divergência deve ser submetida à American Arbitration Association, de Nova York e julgada de acordo com as leis do Estado de Nova York.Quando o governo federal, que não é proprietário da Petrobrás mas apenas seu acionista majoritário, impede a empresa de defender direitos consolidados em tratado, recorrendo à corte arbitral, de quem é o crime de responsabilidade, do presidente da Petrobrás ou do presidente da República?
Abraços do amigo e leitor atento,
Rubens Ricupero

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