quinta-feira, junho 22, 2006

112) Anti-americanismo as usual...

As raízes profundas do antiamericanismo
Robert Kagan*
O Estado de São Paulo, 21/06/2006

*Robert Kagan é membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace e do German Marshall Fund. Ele escreve uma coluna mensal para o jornal 'The Washington Post'

Recentemente participei de uma mesa-redonda em Londres em que foram discutidos os conflitos civis e os "Estados falidos" em todo o mundo, centralizada na interessante obra do economista britânico Paul Collier. Entre os participantes estavam o filho de um conhecido líder de um movimento de libertação africano transformado em ditador, o ex-dirigente de um grupo guerrilheiro sul-americano, um jornalista paquistanês, um funcionário das Nações Unidos e o chefe de uma organização humanitária não-governamental. Naturalmente, nossa discussão racional e erudita rapidamente se metamorfoseou em uma prolongada competição de críticas à política externa americana.

O mais interessante é que a guerra do Iraque esteve longe de ser o tópico principal. George W. Bush mal foi citado. Ao contrário, os participantes concentraram-se em uma longa lista de queixas contra os Estados Unidos, abrangendo as últimas seis décadas. Discutiu-se muito sobre "legado colonial" e "neocolonialismo", especialmente no Oriente Médio e na África. E, embora as colônias em questão tivessem sido governadas por europeus, os debatedores insistiram que esse passado colonial foi o ponto de partida de muitos dos ressentimentos do mundo em relação aos Estados Unidos.

Foram feitas muitas críticas à política americana durante a Guerra Fria, que teria imposto regimes perversos, produzido pobreza e sofrimento em todo o mundo e bloqueado movimentos de libertação nacional para beneficiar empresas de petróleo e multinacionais. Quando o mediador inseriu no debate o tema da proliferação de armas nucleares e o Irã, os participantes se referiram a Hiroshima e Nagasaki.

No tocante aos "Estados falidos" e os conflitos civis, diversos participantes concordaram que estes foram sempre, e em todos os lugares, culpa dos Estados Unidos. O membro africano insistiu que Bósnia e Kosovo foram destruídos pelas intervenções militares americanas e não por Slobodan Milosevic, e que a Somália é um Estado falido por causa da política americana. O debatedor paquistanês insistiu que os Estados Unidos foram responsáveis pela anarquia em que o Afeganistão mergulhou na década de 90. O ex-líder guerrilheiro insistiu que muitos, se não todos, problemas existentes no Hemisfério Ocidental são produto de mais de um século de imperialismo americano.

Algumas dessas acusações são mais merecidas do que outras, mas até mesmo o mediador ficou exasperado diante da recusa geral em atribuir qualquer responsabilidade a pessoas e líderes desses países afetados por conflitos civis. Contudo, os participantes mantiveram seus argumentos.

Quando alguém afirmou que os jovens que lutam em guerras étnicas e tribais dificilmente estariam combatendo o "imperialismo americano", o filho do ditador africano sustentou que, na verdade, estão. Quando o dirigente da organização não-governamental parou de ranger os dentes para a política americana, sugerindo que, talvez, os Estados Unidos não devessem ser acusados pelo genocídio em Ruanda, o filho do ditador africano disse que os americanos foram culpados porque não intervieram. Os Estados Unidos deveriam ser responsabilizados tanto pelo sofrimento que causaram como pelo sofrimento que não conseguiram aliviar.

A discussão foi esclarecedora. Não há dúvida de que a guerra do Iraque fez crescer a hostilidade em relação aos Estados Unidos em todo o mundo. E muitas críticas podem ser feitas, legitimamente, contra a forma como os EUA conduzem essa guerra. Mas é preciso ter em mente que a cólera contra os Estados Unidos também tem raízes profundas.

A guerra do Iraque reacendeu uma miríade de velhos ressentimentos em relação aos Estados Unidos, milhares de queixas as mais diversas, cada uma específica a uma época e um lugar muito afastados do atual conflito. Essa guerra uniu uma enorme variedade das mais distintas opiniões antiamericanas em uma espécie de solidariedade comum - africanos marxistas ainda irritados com a política americana das décadas de 60 e 70, paquistaneses ainda furiosos com o apoio (bipartidário) dos Estados Unidos ao ditador militar Mohammed Zia ul-Haq nos anos 70 e 80, teóricos franceses que procuraram criar uma barreira contra a "hiperpotência" americana nos anos 90, ex-guerrilheiros latino-americanos ainda envolvidos em um combate que dura décadas contra o imperialismo americano, ativistas árabes ainda furiosos com eventos ocorridos em 1948.

Há alguns meses, durante uma conferência no Oriente Médio, ouvi um estudioso árabe, moderado, queixar-se amargamente de como a política americana alienou os povos árabes nos últimos anos. Um ex-funcionário do governo de Bill Clinton sentado ao lado concordava vigorosamente com a cabeça, mas parou repentinamente quando o estudioso deixou claro que, ao falar em "últimos anos", queria dizer desde 1967.

A guerra do Iraque também tornou o antiamericanismo digno de respeito novamente, como ocorrera durante a Guerra Fria e deixara de ser com o desaparecimento da União Soviética. Pessoas que há uma década não teriam uma plataforma para expor o tipo de argumentos que ouvi nesta mesa-redonda são tratadas hoje como celebridades pela mídia ocidental e global. Essas pessoas sempre estiveram por aí, mas não eram ouvidas. Agora, dominam o rádio e a televisão, colaborando para criar uma opinião pública global cada vez mais hostil, como ficou evidenciado pela recente pesquisa do instituto Pew Research.

De tudo isso, duas lições podem ser extraídas. A primeira é que, com o tempo, este atual maremoto de antiamericanismo sofrerá um refluxo, como ocorreu no passado. Uma diplomacia americana mais inteligente pode ajudar, é claro, assim como um triunfo em lugares com o Iraque.

A segunda lição é que não se deve sucumbir à ilusão de que os Estados Unidos eram amados até a primavera de 2003 e voltarão a ser amados quando George W. Bush deixar o governo. Algumas pessoas parecem acreditar que um retorno às políticas adotadas por Harry Truman, Dean Acheson e John F. Kennedy tornaria os Estados Unidos de novo populares no mundo. Aprecio também essas políticas, mas não vamos nos render à fantasia. Elas também provocaram enormes ressentimentos entre milhões de pessoas em muitos países, ressentimentos que hoje voltaram à tona.

O fato é que os Estados Unidos, por serem a potência dominante no mundo, sempre atrairão críticas e serão sempre acusados pelo que fazem e pelo que não fazem.

Ninguém deve repudiar levianamente essa atual hostilidade sofrida pelos Estados Unidos. Uma legitimidade internacional é necessária. É importante em si e afeta a disposição dos outros para trabalhar conosco. Entretanto, não devemos ficar paralisados por esses ressentimentos inevitáveis gerados pelo nosso poder. Se contivermos nossas ações por temor de que outros, em outros lugares, fiquem irados conosco, então nunca agiremos. E, seguramente, eles nos acusarão por isso também.

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