quarta-feira, junho 28, 2006

118) Revolucao energetica: precisamos de mais uma...

Nosso futuro energético mundial
Jornal Valor Econômico - pág. A13
Por Martin Wolf
28/06/2006

O que teve início no Reino Unido e alastrou-se para o noroeste da Europa - e mais além -, no início do Século XIX, é freqüentemente denominado "revolução industrial". Um nome mais apropriado seria "revolução energética". Os recursos naturais que deram sustentação à era na qual a humanidade entrou há cerca de dois séculos são a antiquíssima luz solar ou, mais prosaicamente, os combustíveis fósseis. A humanidade também aprendeu como extrair e usar combustíveis produzidos por plantas ao longo de vários milhões de anos.

Deepak Lal, o respeitado economista especialista em desenvolvimento, qualificou o resultado como "crescimento prometeico", numa referência ao titã mítico que deu o fogo à humanidade. Como observou Bjorn Lomborg, o controvertido acadêmico dinamarquês, "se pensarmos por um momento na energia que empregamos em termos de ´criados´, com cada um deles dotado da mesma potência de um ser humano, cada pessoa na Europa Ocidental é hoje atendida por 150 criados, cerca de 300 nos EUA e, mesmo na Índia, cada pessoa tem 15 criados para ajudá-la" - The Sceptical Environmentalist (Cambridge University Press, 2001). Não foi por acaso que a revolução energética resultou no (quase total) desaparecimento da escravidão e da servidão. As máquinas puseram fim à servidão e libertaram as mulheres da labuta enfadonha, fatigante e quotidiana no lar. Só onde máquinas não podem (até agora) substituir seres humanos - nos cuidados prestados a crianças e idosos, por exemplo - isso ainda não é verdade.

Segundo especialistas do Departamento de Energia dos EUA, a produção anual mundial de energia resultante da queima de combustíveis fósseis cresceu de praticamente zero em meados do século 18 para 350 bilhões de bilhões de joules (350 exajoules) no início deste milênio. Apenas desde 1900, a produção (e o consumo) de energia da queima de combustíveis fósseis cresceu 16 vezes. E dobrou desde o fim da década de 1960.

De acordo com Angus Maddison, respeitado historiador econômico, o PIB mundial cresceu 19 vezes (em termos de paridade de poder de compra - PPC) entre 1900 e 2001. No mesmo período, o consumo de todas as formas comerciais de energia cresceu 18 vezes. A alta correlação é extraordinária. Entre 1975 e 2001, porém, o PIB mundial cresceu 120%, ao passo que o consumo de energia comercial cresceu apenas 60%. Mas até mesmo esse aumento de eficiência não resultou em queda na demanda energética. O consumo de energia comercial cresceu no decorrer de qualquer período dilatado.

Com o passar do tempo, as fontes de energia comercial mudaram. No século 20, petróleo e gás natural tornaram-se cada vez mais importantes em relação ao carvão, principal fonte de energia da era do vapor. Mesmo assim, o consumo do carvão continuou crescendo. Ao longo do século 20, as fontes de energia comercial, excluídos os combustíveis fósseis, também cresceram em importância. As mais dignas de nota foram as energias hidrelétrica e nuclear. Mas, em 2002, a proporção de energia comercial mundial gerada por hidrelétricas e usinas nucleares foi, respectivamente, de apenas 6,5% e 6,4%, ao passo que fontes geotérmicas e outras não-convencionais geraram apenas 1,4%. Acima de tudo, o consumo de combustíveis fósseis continuou crescendo.

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Se a China e a Índia tiverem desenvolvimento parecido ao da Coréia do Sul, em 25 anos consumirão três vezes mais energia que os EUA hoje
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Quais são então as perspectivas de consumo futuro? A resposta é simples: sem uma mudança radical na tendência, o consumo continuará a crescer. Basta considerar os padrões de consumo energético per capita em um conjunto de países importantes entre 1980 e 2002. Quatro pontos destacam-se nos dados. Em primeiro lugar, alguns países ricos conseguiram conter o aumento do consumo de energia per capita, apesar de grandes aumentos no Produto Interno Bruto (PIB) per capita (em termos de PPC). O Reino Unido, palco de desindustrialização, é um bom exemplo: entre 1980 e 2002, a demanda energética britânica per capita cresceu 3%, ao passo que o GDP per capita cresceu 59%. Em uma análise não publicada, Bernard Wasow, da Century Foundation, de Nova York, argumenta que, considerando o mundo como um todo, quando o PIB per capita dobra, o consumo energético cai 40%. O consumo de energia cresce menos do que o padrão de vida, mas continua crescendo.

Em segundo lugar, alguns países avançados usam mais insumos energéticos do que outros. Em qualquer nível de PIB per capita, os EUA usam cerca de duas vezes mais energia do que o Japão ou o Reino Unido. Além disso, os EUA usam cerca de três vezes mais energia per capita do que o Japão em transporte. Esse maior uso deve-se em parte à dimensão do país e ao clima mais rigoroso (o que deve também valer para a Austrália), mas também reflete os níveis de preços e, portanto, a ineficiência energética do padrão de consumo.

Em terceiro lugar, países em desenvolvimento com crescimento rápido e países em rápida industrialização, em especial, tendem a incrementar mais o seu uso energético. Entre 1980 e 2002, o consumo energético per capita na Coréia do Sul cresceu 300%, ao passo que seu PIB per capita aumentou 270%. Por fim, o chinês médio usa, respectivamente, um décimo e um quinto da energia consumida pelo americano e japonês médios. E o indiano médio usa menos de metade da energia consumida pelo chinês médio. Suponhamos que no curso das próximas duas décadas e meia, China e Índia sigam trajetória desenvolvimentista semelhante à da Coréia do Sul. Então, em 2030, os dois países, juntos, estarão consumindo pelo menos três vezes mais energia do que os EUA hoje.

Os prováveis crescimentos da demanda por energia são consideráveis. Em todo o mundo, sugere a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda (em termos de barris de petróleo) poderá crescer cerca de 60% entre 2002 e 2030. Em termos absolutos, o maior aumento será em geração de eletricidade, que é também o maior consumidor de energia comercial. Mas, com base nas tendências atuais, a demanda também continuará crescendo na maioria dos segmentos de atividade econômica. Acima de tudo, embora os países em desenvolvimento respondam por cerca de 50% da atual demanda energética mundial, a eles corresponderá cerca de 75% do crescimento entre 2002 e 2030. Se o desenvolvimento continuar a propagar-se neste século, a demanda por energia comercial poderá ser quintuplicada, sugere Wasow. Mesmo isso seria menos de um terço do aumento registrado no século passado.

O que é, então, que o profundo nexo entre desenvolvimento econômico e consumo energético significam para o futuro da humanidade? A resposta é que ele aponta para quatro grandes questões. Primeiro, de onde provirá toda essa energia? Segundo, o que isso significa para a segurança energética? Terceiro, no que implica ele para nossa capacidade de enfrentar a ameaça de mudança climática? E, por último, de que maneira pode a política econômica dar sua contribuição? Pretendo abordar essas questões em colunas futuras. Mas um ponto já está claro: se alguém acredita que será fácil reduzir o consumo energético mundial está sonhando.

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