segunda-feira, março 24, 2008

327) A China, os Jogos Olímpicos e a independencia de Taiwan

Excelente comentario sobre a historia da China, entrecruzada com a história de Portugal, e sobretudo trazendo a hipotese de uma declaracao unilateral de independência por parte de Taiwan, no contexto dos Jogos Olimpicos. Interessante especulação, num momento em que o velho Kuo-Min Tang volta ao poder, mas com uma liderança renovada, moderna e aberta ao diálogo com os demais paises membros da ONU, em especial com os EUA.
A acompanhar com calma, essa historia de independência, que eu pessoalmente considero inverossimel.
Do blog português Estado Sentido, neste link.

Olimpíadas chinesas e jogos de guerra
Nuno Castelo-Branco

Os mais recentes acontecimentos no Tibete e a já esperada e desproporcionada reacção do PC chinês, fez-me recordar um livro surgido há uns dois anos, publicado exactamente no momento, em que a China foi consagrada como a nova grande potência emergente. Esse livro tratava de um hipotético SE da história universal, mais precisamente, acerca da possibilidade de expansão marítima que no século XV, podia ter trazido os chineses a uma era de Descobrimentos, que afinal, pertenceria a Portugal. Para o ocidental que a caminho do trabalho, aproveita a viagem de comboio ou de metropolitano, para ler o seu jornal diário, a China habituou-o a preencher um substancial espaço na procura da informação. Se o valor do Yuan é ainda um dado praticamente desconhecido na Europa e nos EUA - os grandes impulsionadores do turismo planetário -, a avalanche de produtos que inundam as prateleiras das lojas, as parangonas noticiosas de um crescimento económico infrene, ou, no reverso da medalha, as execuções televisionadas, fizeram do Império do Meio, o centro de muitas esperanças e de outros tantos receios. De facto, se aquele país é hoje um verdadeiro sinónimo de "negócios da China" - mais uma vez esta expressão do Portugal de Quinhentos está presente nesta nova globalização -, por outro lado, parece atrair os medos inculcados por um passado de invasões amarelas em direcção a Ocidente. Átila e os seus hunos, Gengis Khan, Tamerlão, a Horda de Ouro, o imperador Chin, Kublai Khan e, já nos nossos dias, o Grande Timoneiro Mao, confirmam lendas de violência, depredação de terras ancestrais, colonização e tributagem forçada. A China, esse grande dragão do sempre enigmático, maravilhoso e imprevisível Extremo Oriente, é para a generalidade dos ocidentais, capaz do melhor e do pior. Se possibilitou ingentes lucros à talassocracia portuguesa do século XVI, carregando as naus com sedas, lacas, porcelanas e uma infinidade de outros luxos até então inacessíveis, não conseguiu evitar a amplificação extrema dos métodos de governo da sua gigantesca sociedade. Termos como "tortura chinesa", "despótico como um mandarim" ou "chinesice", matizavam uma opinião que da admiração pela sua civilização, passava para uma radical recusa de uma alegada brutalidade e crueldade em que assentava o grande império. Quando da Guerra dos Boxers (1899-1900), o kaiser Guilherme II - desde sempre o arauto da Europa, alertando quanto ao perigo amarelo -, foi um entusiasta da operação punitiva, que reunindo tropas alemãs, inglesas, francesas, russas e japonesas, fez vergar o governo da imperatriz Tseu-hi, não podendo imaginar que selava também, o destino final de mais de quatro milénios de sistema imperial.
A história chinesa do século XX é bem conhecida e se as primeiras décadas pareciam consagrar o seu desaparecimento como unidade estatal e territorial, a conquista do poder pelos comunistas, iniciou um processo que em menos de cinquenta anos, fez evoluir o país de um comunismo ruinoso e para muitos com laivos genocidas, para uma pujante economia de mercado, tão mais surpreendente, porque promovida pelo próprio regime de corte estalinista, ainda no poder.
Tal como a Ibéria - termo que povoa algumas mentes menos esclarecidas -, a China não é mais que uma expressão geográfica e não será muito arriscado afirmar, que se trata do nome de uma particular região daquele imenso conjunto territorial, que mercê das contingências da história - e também da força do seu poder imperial estabelecido durante séculos em Pequim -, acabou por dar o nome ao Estado. Com fronteiras bastante indefinidas, onde os jogos de submissão, vagas suseranias, ou reivindicações jamais reconhecidas eram uma constante que confirmava o enigma, a China foi sempre para os ocidentais, um caso inextricável. A sua real força e capacidade de intervenção, foram nos últimos quinhentos anos, secundarizadas pela primazia tecnológica militar dos europeus e assim, se durante séculos apenas existiu uma presença portuguesa no seu território - Macau -, a revolução industrial de oitocentos, trouxe o imenso mercado chinês, para o centro das disputas, onde os banqueiros e industriais, faziam parcerias com técnicos militares, no sentido da obtenção de um quinhão substancial. Na realidade, os primeiros grandes confrontos bélicos do século, tiveram início naquela região do globo, que viu pela primeira vez, uma grande potência europeia ser derrotada por um império asiático que de uma forma tonitruante, fez ouvir a sua voz em todas as chancelarias. A Guerra Russo-Japonesa focou a atenção de todos para uma Ásia que até então, era considerada como um destino para militares em comissão, mercadores em busca de pechinchas, ou de artistas deleitando-se com um apetecido exotismo.
Os governantes de Pequim, decerto têm a plena consciência das dificuldades inerentes ao governo de um colossal território povoado por biliões que não se entendem por uma língua, tradições e interesses comuns. Um manchu é tão chinês - no sentido mais restrito do termo - como um alsaciano é francês. Desta forma, a fuga para a frente movida pelo progresso e bem estar económicos, parecem criar a ilusão de uma rápida fusão de comunidades que não podem deixar de estar unidas, senão por um mútuo interesse no acesso a uma vertiginosa sociedade de consumo que não encontra paralelo neste início do século XXI. Os inflamados discursos patrióticos, entremeados de grandes paradas militares galvanizadoras da fidelidade a uma história milenar - recordemo-nos da fidelidade dinástica aos Habsburgo em 1914-18 -, permitem oferecer uma imagem interna que o regime desesperadamente procura transmitir aos forasteiros. No entanto, os meios de informação que as sociedades liberais ocidentais hoje possuem, são de molde a tornar mais nítida, uma fotografia convenientemente retocada pelos peritos da propaganda do PCC. O simples e já imprescindível telemóvel empunhado por um turista demasiadamente curioso, é de molde a trazer ao conhecimento de centos de milhões, as cargas policiais, os espancamentos, ou o deprimente espectáculo das execuções "tiro na nuca" nos estádios de futebol. Os acontecimentos no Tibete, sempre endémicos, tornam-se hoje muito mais visíveis e os Jogos Olímpicos, poderão ser para o governo de Pequim, um assunto que concilie o melhor e o pior. Se são susceptíveis de se tornarem num poderosíssimo veículo de propaganda - Berlim 1936 foi um bom exemplo -, por outro lado, poderão ser igualmente, uma oportunidade excelente para as muitas oposições que terão uma ocasião de ouro para se fazerem ouvir. O perigo não reside tanto no grupo Falungong ou em alguns milhares de estudantes amotinados. Para lá do Estreito da Formosa, existe um Estado que sendo considerado como "parte da China" por Pequim, é na realidade, uma entidade perfeitamente autónoma. Não nos poderíamos surpreender, se Taiwan aproveitasse o momento para declarar unilateralmente a sua independência. Uma reacção militar continental, sería impensável nos meses em que todas as atenções estariam voltadas para Pequim e decerto, já mais para o fim do ano, uma situação de facto, poderia muito bem, tornar-se para o mundo, num típico caso de jure. Mas, até quando?

Declaração por Nuno Castelo-Branco at 19:45 1 pareceres

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