terça-feira, novembro 25, 2008

377) Cooperacao cientifica e propriedade intelectual

A matéria abaixo transcrita deve ser lida em conjunção com este meu post no blog Diplomatizzando, relativo à questão da cooperação científica e da propriedade intelectual:
947) Relato de uma reuniao cientifica no Brasil (Terça-feira, Novembro 25, 2008)

A matéria abaixo é a prova material de que cooperação não precisa significar ausência de direitos de propriedade intelectual.

Embrapa e Monsanto renovam parceria para o desenvolvimento de projetos agrícolas sustentáveis

Com a presença do CEO da Monsanto, Hugh Grant, e do diretor-presidente da Embrapa, Silvio Crestana, foi feito, a título de royalties, o repasse de R$ 7,8 milhões, que serão destinados, pelo terceiro ano consecutivo, ao fundo de pesquisas da instituição


Mais de dez novos projetos voltados para a agricultura nacional, como o desenvolvimento de alimentos com mais ferro e vitaminas e combate a uma das maiores pragas da citricultura, serão beneficiados com a renovação, pelo terceiro ano consecutivo, da parceria da Monsanto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O anúncio foi feito em cerimônia na sede da entidade, em Brasília, em 20 de novembro.

Na ocasião, foi feito ainda, por parte da Monsanto, o repasse de R$ 7,8 milhões, para o fundo de pesquisa da Embrapa, oriundos do compartilhamento dos direitos de propriedade intelectual, a título de royalties, sobre a comercialização de variedades de soja da Embrapa com a tecnologia Roundup Ready® na safra 2007/08.

Os recursos serão aplicados em mais de 10 projetos da Embrapa e representam mais do que o dobro do investido em 2007 (R$ 3,2 milhões) no desenvolvimento de projetos em biotecnologia, escolhidos por meio do comitê gestor do Fundo de Pesquisa que a Monsanto mantém em parceria com Embrapa, voltados aos agricultores brasileiros.

O CEO e presidente mundial da Monsanto, Hugh Grant, veio especialmente ao Brasil para fazer esta renovação da parceria. De acordo com ele, a parceria abre caminho para outras tecnologias que podem resultar em aumento de produtividade para os agricultores. A iniciativa também apóia projetos que podem tornar a agricultura mais sustentável.

Em junho deste ano, a empresa anunciou um compromisso mundial de dobrar a produtividade das culturas que desenvolve de maneira sustentável, com menor uso de recursos naturais, como água e energia, ao mesmo tempo em que pretende contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos produtores.

"Por conta das demandas agrícolas crescentes, é preciso um esforço conjunto para que possamos produzir mais e conservar mais", afirma Grant. "Estamos otimistas que, em parceria com clientes, políticos, cientistas, organizações não-governamentais, acadêmicos e indústria podemos tornar a agricultura mais sustentável. E, na Monsanto, estamos prontos para fazer a nossa parte".

O líder mundial da Monsanto esteve acompanhado pelo presidente da empresa no Brasil, André Dias, na renovação da parceria com a Embrapa. "Ampliar o acesso de todos os agricultores a modernas tecnologias agrícolas, especialmente em países em desenvolvimento, faz parte do nosso compromisso. A renovação da parceria com a Embrapa reflete como transformaremos idéias em ação", afirmou Dias.

"Há um reconhecimento da ciência e tecnologia nacional da necessidade de ampliar as parcerias público-privadas em inovação. Este é um exemplo importante", afirma o diretor-presidente da Embrapa, Silvio Crestana.

Pesquisas pioneiras

Os recursos irão contemplar os seguintes projetos da Embrapa, com destaque para três iniciativas:

- Identificação, caracterização e incorporação de genes para resistência durável à brusone em arroz cultivado no Brasil, que recebeu mais de R$ 1 milhão;

- Biofortificação, ou seja, desenvolvimento, por meio da biotecnologia, de alimentos mais nutritivos, com adição de ferro e vitaminas;

- O Huanglongbing (ex-greening) dos citros, que desenvolverá abordagens biotecnológicas de manejo para combater uma doença devastadora que praticamente acabou com a citricultura chinesa e sul-africana e chegou ao Brasil alarmando os nossos cientistas.

Os outros projetos contemplados são: Prospecção de genes associados com a resistência a begomovírus em linhagens de tomateiro e estudo dos mecanismos de resistência; Estratégias convencionais e biotecnológicas para o manejo de doenças e sustentabilidade de agroecossistemas envolvendo as culturas de milho e sorgo; Avaliação de segurança alimentar e ambiental de feijoeiro geneticamente modificado para resistência ao Mosaico Dourado do Feijoeiro"; Desenvolvimento de linhagens de soja geneticamente modificadas com os genes Bt e RR2, concomitante à elaboração de um programa de contenção e rastreamento (stewardship); Identificação de marcadores moleculares associados a genes de resistência do algodoeiro a doenças sem controle curativo: doença azul e mancha angular; Desenvolvimento tecnológico para uso funcional das passifloras silvestres; Prospecção de genes para tolerância ao estresse de encharcamento em soja; e, finalmente, um seminário a ser realizado na Embrapa em 2009 com o tema Tolerância à Seca e Mudanças Climáticas.

376) Um debate atual: ideologia e historia nas escolas brasileiras

O artigo abaixo tem a ver com duas matérias recentes da revista Veja: uma entrevista com a professora aposentada da USP, Eunice Durham, sobre a má qualidade de nossas escolas dos dois primeiros ciclos por incompetência e ideologia dos professores, e uma contestação, com base em novas pesquisas historiográficas, sobre a suposta "democracia" no quilombo dos Palmares, dominado, como se sabe pelos mesmos comportamentos escravistas que eram "estruturais" nas sociedades da época, seja no Brasil, seja na própria África.

Doutrinação Ideológica
Rodrigo Constantino

"O homem, como qualquer outro animal, é por natureza indolente; se nada o estimula, mal se dedica a pensar e se comporta guiado como um autômato." (Albert Einstein)

Na última edição da revista Veja, a entrevista com a antropóloga Eunice Durham merece destaque. Ela constata um fato bastante conhecido, mas infelizmente muito ignorado no país: a péssima qualidade do nosso ensino se deve basicamente à péssima qualidade dos nossos professores. As universidades de pedagogia estão totalmente impregnadas de ideologia, e os aspirantes a professor são bombardeados com jargões de esquerda. Cria-se um ciclo vicioso e perverso, onde os professores não passam de papagaios de chavões ideológicos, doutrinando seus alunos da mesma forma.

Eu posso atestar isso por experiência própria. Minha filha, que completou apenas sete anos e, portanto, freqüenta o primeiro ano do ensino fundamental, teve que fazer uma pesquisa sobre Zumbi dos Palmares, por conta do feriado de cunho racista, o Dia da Consciência Negra. Eu sugeri que ela levasse a reportagem O Enigma de Zumbi, também da revista Veja, pois trata exatamente do assunto pedido, de uma forma menos convencional. Estudos mais recentes feitos por historiadores mostram que Zumbi, muito provavelmente, tinha escravos. Ou seja, ele lutava pela sua própria abolição, mas não pela de todos os escravos. Isso derruba o mito criado sobre sua pessoa, e faz todo o sentido, pois na época era comum os negros terem escravos também. Diga-se de passagem, a escravidão em alguns lugares da África durou até o século XXI, sendo uma das últimas regiões do mundo a abolir a escravidão.

Devemos constatar o fato infeliz de que a escravidão acompanhou a humanidade desde os primórdios. Cada povo conquistado acabava virando escravo do conquistador. O próprio termo slave vem de "eslavo", porque os Vikings escravizaram os eslavos. A prática nefasta da escravidão terminou com a pressão exercida desde as idéias iluministas, com base no direito natural de Locke, abraçado pelos "pais fundadores" dos Estados Unidos. A Declaração de Independência escrita por Jefferson foi uma das principais armas contra a escravidão, usada pelos grandes abolicionistas. Mas resgatar esses fatos todos não interessa nada à agenda politicamente correta da esquerda, que tenta vender uma imagem distorcida da história, onde brancos malvados escravizaram os negros inocentes. A esquerda no fundo parece desejar a segregação em raças, alimentando o ódio por causa da cor. A própria bandeira das cotas raciais não passa de um racismo com o sinal invertido. Em vez de julgar indivíduos com base no caráter, como sonhava Martin Luther King Jr., acaba-se julgando justamente a cor da pele.

Mas voltando ao caso de minha filha, eis que sua professora simplesmente afirmou que a reportagem sobre Zumbi era falsa. Ponto. Nada mais foi dito, nenhum dado novo foi citado, nenhum argumento foi preciso. A professora se limitou ao apelo da autoridade, que se tratando de uma criança indefesa de sete anos, chega a ser uma crueldade. Não houve uma mínima preocupação em estimular a curiosidade nela, em despertar o desejo de buscar mais conhecimento, de querer a verdade. Não passou pela cabeça da professora que o pensamento crítico é fundamental, que as crianças devem aprender a pensar, e não a repetir dogmas. Provavelmente sem se dar conta, a professora repetiu a doutrinação ideológica que deve ter sofrido em sua faculdade. Zumbi não teve escravos. A reportagem, com base em vários estudos novos de diferentes historiadores, é falsa. Simples assim. Ela tem que ser falsa, pois, caso contrário, afeta todo o discurso politicamente correto da esquerda.

O caso não é isolado, tampouco novidade. Minha filha mesmo, na mesma escola, "aprendeu" no Dia do Índio que os índios eram bonzinhos, e que os brancos malvados acabaram com eles. Não obstante o fato de que nenhum desses professores vive numa oca, resta perguntar se eles já ouviram falar de Montezuma, ou de Ataualpa, ou então da prática comum de canibalismo entre os índios brasileiros. Arrancar coração de inocentes, muitas vezes crianças, para fazer oferenda aos deuses é ser "bonzinho"? Nem quero pensar o que é ser malvado para essa gente. Se até mesmo o genocida Fidel Castro é idolatrado por muitos deles... No fundo, a mentalidade de "bom selvagem", herança maldita de Rousseau, dominou o pensamento dos "intelectuais". Cortez e Pizarro podem ter sido cruéis, mas nada muito diferente do que seus inimigos indígenas. Por que vender a falsa imagem de que os índios eram "bonzinhos" e viviam no paraíso até que os homens brancos malvados estragaram tudo? Por que fazer isso com crianças indefesas, que carregam essas crenças com elas? Por que fechar suas mentes com dogmas, em vez de ensinar a pensar por conta própria, a buscar de forma independente e honesta a verdade? Isso sim é uma crueldade sem tamanho!

É importante salientar que minha filha estuda em colégio privado. Se isso ocorre com freqüência nas escolas privadas, imagine o que se passa no ensino público! A lente marxista filtra todos os fatos antes de chegar aos alunos. Estes não aprendem a pensar de forma crítica, mas sim a repetir dogmas. E ainda acusam os outros de alienação! A inversão da realidade sempre foi uma prática comum da propaganda socialista. Para piorar a situação, o governo tem poder demais sobre o ensino no país, e isso apenas reforça o ciclo vicioso, pois é do interesse dos que governam manter o povo na ignorância. Quem aprende a pensar por conta própria, a desenvolver um raciocínio verdadeiramente crítico, não costuma ser vítima fácil dos oportunistas de plantão, em busca de votos para concentrar mais poder. A inteligência crítica não combina com o populismo tupiniquim.

Essa contaminação ideológica no ensino não é monopólio nacional, ainda que a situação esteja mais grave no Brasil. Mas nos Estados Unidos mesmo ocorre algo parecido, e não é de espantar o fato de que o ensino caseiro tem crescido bastante nas últimas décadas. Os pais andam cansados de tanta ingerência estatal no ensino de seus filhos, de tanta doutrinação ideológica, que em vez de formar seres pensantes, deforma a mente dos indivíduos. Antes de pregar que a educação é a solução para todos os males do mundo, cada um deveria questionar qual educação. Pois educação não é panacéia, principalmente se for doutrinação ideológica, em vez de educação verdadeira. Diploma apenas não é educação nem aqui, nem em Cuba, onde até as prostitutas possuem diploma. Os pais precisam lutar contra esta tendência preocupante, caso não queiram ver seus filhos virando papagaios de dogmas marxistas.

http://rodrigoconstantino.blogspot.com

domingo, novembro 23, 2008

375) Os novos piratas do seculo XXI

Who Are the Pirates? Can They Be Stopped?
Find Out Who's Behind Somalia's Pirates, How They Got So Dangerous, What's Being Done About Them
By SCOTT BALDAUF
JOHANNESBURG, South Africa, Nov. 22, 2008

Today's pirates are mainly fighters for Somalia's many warlord factions, who have fought each other for control of the country since the collapse of the Siad Barre government in 1991.
Their motives? A mixture of entrepreneurialism and survival, says Iqbal Jhazbhay, a Somali expert at the University of South Africa in Tshwane, as Pretoria is now called.
"From the evidence so far, these primarily appear to be fighters looking for predatory opportunities," says Jhazbhay. They operated "roadblocks in the past, which were fleecing people as a form of taxation. Now they've seen the opportunities on the high seas."
Initially, one of the main motives for taking to the seas -- working first with local fishermen, and later buying boats and weapons with the proceeds of every ship they captured -- was "pure survival," says Jhazbhay, explaining that armed extortion is one of the few opportunities to make a living in lawless Somalia.
"It's spiked more recently because of a spike in food prices," he says.
Now it has become a highly profitable, sophisticated criminal enterprise hauling in millions of dollars in ransom payments.

Whom Do They Work For?
The pirates mainly work for themselves.
Much of the piracy seems to be based out of the Puntland, a semiautonomous region on the northern shore of Somalia that broke away from Somalia soon after 1991.
Thousands of pirates now operate off Somalia's coast, although there are no accurate numbers on precisely how many there are.
United Nations monitoring reports on arms smuggling in the Horn of Africa have pointed to evidence that pirate gangs have established relations with corrupt officials of the Puntland government. They bribe port officials to allow the pirates to use Eyl and other ports as their bases of operation, and to bring some of their captured ships in for safekeeping while the pirates negotiate ransoms with the ships' owners.
There is also evidence that expatriate Somalis living in Kenya, Saudi Arabia and throughout the Persian Gulf may be feeding information to the pirates about ships that have docked in those regions and may be heading toward the Gulf of Aden and other pirate-infested areas.

Who Benefits From This Piracy?
The money seems to be distributed by warlords to their families and friends, and then further outward toward their fellow clan-members, says Jhazbhay.
There have been charges recently that local Islamist groups may be linked to the pirate gangs, and may have begun to use piracy as a source of funds to buy weapons.
Certainly, Islamist groups such as al Shabab -- an insurgent group formed after the Islamic Courts Union lost control of the country last year in the wake of a U.S.-backed invasion by Somalia's neighbor, Ethiopia -- have used pirate gangs to smuggle weapons into Somalia, which is currently under international weapons sanctions. But the evidence is thin, as yet, that Islamist groups are using piracy on the high seas as a funding mechanism.
"The last thing the Islamists want to do is give an unnecessary provocation to the major powers, who might come after them in a big way," says Richard Cornwell, a senior analyst at the Institute for Security Studies in Tshwane. "What experience tells us is that if the Islamists did take control of Somalia, piracy would stop overnight. They don't want warlords gaining arms and money outside of their control."

Is There an Al Qaeda Connection?
While the CIA's chief, Gen. Michael Hayden, suggested recently that al Qaeda was beginning to expand its reach in the Horn of Africa, and possibly reaching out to radical local Islamist parties such as al Shabab in Somalia, there appears to be little evidence of a connection between international Islamist groups such as al Qaeda and piracy.
"There may be some loose elements among the Islamist groups that have tie-ups with the pirates, because the movement is fractured into six or seven different groups, and each may have its own problems getting funding," says Jhazbhay.

How Did They Get So Good at Taking Ships?
Practice, practice, practice.
More than 90 ships have been attacked off the coast of Somalia this year. Seventeen ships remain in the hands of Somali pirates. The Saudi owners of the Sirius Star, the oil tanker taken Nov. 15, are reportedly in contact with the pirates, possibly to negotiate the release of the ship, its crew, and the estimated $110 million cargo of crude oil.
"What staggered the mind is that this capture was 400 nautical miles out to sea," says Cornwell. "That's far deeper water than anything we've seen before. But with a GPS they can hijack to order."
Using a mother ship -- often an old Russian trawler -- to prowl deeper waters for their target, they can offload smaller boats to move in close and overtake the ship, and climb up with hooks and ladders, and submachine guns.
"With a fully laden tanker ship, you have a fairly low free board, so it is easy to get up on board from smaller boats," says Cornwell. "Tankers are an obvious target of opportunity."

How Will It Affect Security and Trade?
Somalia is under international weapons sanctions, and warlord groups continue to fight both against the Ethiopian peacekeeping mission and against each other. But an influx of money is likely to mean a further influx of weapons to an already wartorn land.
"Regionally, I think the major problem is that piracy has given some groups the chance to lay their hands on money," says Jhazbhay. "There may be $30 million in ransom money received in recent years. Once they [the various armed groups] get that kind of money, they can buy a ground-to-air missile. Getting [a hold of] arms can affect the struggle for freedom in Somalia, and that affects the whole region."

What's Being Done to Stop Them?
Currently, the NATO alliance, the U.S. Navy's Fifth Fleet, and a host of other countries have ships patrolling the coast of Somalia and the Gulf of Aden -- an area of approximately 1.1 million square miles -- to prevent piracy.
On Nov. 18, an Indian warship sank a suspected pirate mother ship off the coast of Yemen, after the pirates fired on them.
But given the size of the territory, and the amount of shipping traffic that flows past Somalia from the Suez Canal, naval patrolling cannot guarantee the safety of commercial vessels.
"Unless you have a warship in the immediate area, and, crucially, with a helicopter, you've got no chance of stopping them," says Cornwell.
While individual ships can protect themselves with everything from barbed wire around the ship itself to high-pressure hoses, coalition forces can also do more to track and neutralize suspected pirate mother ships.
"I can't see why more work isn't being done with satellites to find the mother ships," says Cornwell.
Egypt hosted a Nov. 20 emergency meeting with Yemen, Saudi Arabia, Sudan and Jordan to try to forge a joint strategy against piracy, which threatens a crucial international trade route through the Suez Canal in the Red Sea -- Egypt's key source of revenue.

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374) Grandes economistas: Alfred Hayek

Grandes Economistas IV:
Alfred Hayek
Luiz Machado *

"Afirmei que o socialismo constitui uma ameaça para o bem-estar presente e futuro da raça humana, no sentido de que nem o socialismo nem qualquer outro substituto da ordem de mercado que conhecemos poderão sustentar a atual população mundial." (Friedrich August von Hayek)

Friedrich August von Hayek nasceu em Viena, no dia 8 de maio de 1899, e faleceu em Freiburg, Alemanha, no dia 23 de março de 1992.
Friedrich Hayek pertence à quarta geração de economistas da Escola Austríaca, porém ao receber o Prêmio Nobel de Economia em 1974 foi responsável por dar a ela um destaque que talvez jamais tenha sido alcançado pelas gerações precedentes.

A Escola Austríaca surgiu com a chamada revolução marginalista ocorrida entre 1871 e 1874, com a publicação de obras de três diferentes autores que desenvolviam suas pesquisas e seus trabalhos em diferentes países, sem que cada um tivesse conhecimento do trabalho dos outros. Juntamente com William Stanley Jevons, na Inglaterra, e Leon Walras, na Suíça, Carl Menger, na Áustria, reafirma os princípios básicos do liberalismo econômico (que sofriam na época forte ataque dos autores socialistas, em especial de Karl Marx, que publicara sua obra magna, O Capital, em 1867), com uma importante novidade: a ênfase na utilidade para a determinação do valor das mercadorias, o que acentuava o caráter subjetivo do mesmo, em contraposição ao caráter objetivo da visão tradicional, segundo a qual o valor é determinado pela quantidade (tempo) de trabalho necessário à produção de cada mercadoria.

Vale destacar, desde logo, que ao contrário das correntes de Cambridge (ou inglesa) e de Lausanne (ou suíça), que enveredaram para a economia matemática, fazendo amplo uso de métodos quantitativos na análise econômica, a Escola Austríaca optou por uma abordagem mais filosófica, procurando colocar ênfase nos fundamentos ou razões que estão por trás das decisões dos agentes econômicos.

Fica, portanto, evidenciado um antagonismo intransponível entre as duas tradições do pensamento econômico: enquanto a tradição socialista faz uso de uma metodologia que sobrepõe o coletivo (as classes sociais) ao indivíduo, considerando em suas análises basicamente as relações de classes (dominante versus dominada), a tradição liberal faz uso de uma metodologia eminentemente individualista, considerando, como foco central de suas análises, as tomadas de decisão de cada agente econômico, seja ele um indivíduo (pessoa física), seja ele uma empresa (pessoa jurídica).

Cada uma dessas correntes surgidas com a revolução marginalista teve continuidade, posteriormente, com sucessivas gerações. A de Cambridge com Alfred Marshall, principal expoente da chamada síntese neoclássica (registre-se aqui uma controvérsia nos manuais de História do Pensamento Econômico: enquanto para alguns autores a Escola Marginalista se confunde com a Escola Neoclássica, para outros, elas devem ser entendidas como duas Escolas distintas), e Cecil Pigou; e a de Lausanne, com Vilfredo Pareto.

A Escola Austríaca, por sua vez, teve como destaques da segunda geração Friedrich von Wieser e Eugen von Böhn-Bawerk; da terceira, Hans Mayer, Leo Illy e Ludwig von Mises; da quarta, juntamente com Hayek, Fritz Machlup, Oskar Morgenstein e Paul N. Rosenstein-Rodin; e da quinta, que se estende aos dias de hoje, Israel Kirzner e Ludwig Lachmann, além de Murray Rothbard, que se tornou o maior expoente do libertarianismo, uma visão ultraliberal da economia que só teve (alguma) repercussão nos Estados Unidos.

Nascido em Viena, Hayek migrou para a Inglaterra, onde passou os anos mais produtivos de sua vida, em especial como professor da London School of Economics. Não se pense, porém, que foi uma vida fácil. Muito pelo contrário. Mantendo-se fiel aos princípios do liberalismo numa época que os intervencionismos como o keynesianismo e os totalitarismos todos os matizes ganhavam destaque - nazismo, fascismo, socialismo, comunismo - Hayek foi considerado ultrapassado quando publicou, em 1944, o livro O caminho da servidão, onde alertava para a ameaça que todas essas formas de intervencionismo representavam à liberdade individual.

Três anos depois, em 1947, Hayek tomou a iniciativa de reunir os mais importantes representantes do pensamento liberal - entre os quais Milton Friedman, Maurice Allais, Frank Knight, Karl Popper, Henry Hazlitt, George Stigler, Lionel Robbins, Ludwig von Mises e tantos outros - para um encontro em que seriam discutidas as condições e as perspectivas do mundo a partir da retomada da paz, com o fim da 2ª Guerra Mundial.

Teve início, assim, a Mont Pelerin Society, que existe até os dias de hoje, servindo de estímulo a centros de pesquisa (think tanks) em todo o mundo - como o Instituto Liberal, no Brasil, o Institute of Economic Affairs, na Inglaterra, a Heritage Foundation e a Atlas Foundation, nos Estados Unidos - e que reúne, a cada dois anos, os mais expressivos representantes do liberalismo, com o mesmo objetivo de discutir alternativas para os grandes problemas contemporâneos.

Sem sede fixa, a Mont Pelerin Society (cujo nome deriva do local, na Suíça, onde o encontro se realizou) possui membros de diversos continentes e de diversas correntes do pensamento liberal, com destaque, entre os que vieram mais tarde a se agregar, para James Buchanan, Gary Becker e Ronald Coase, todos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia. Hayek, aliás, foi um dos principais inspiradores desses três eminentes economistas, que têm, em comum, o fato de terem privilegiado em sua abordagem teórica uma relação estreita entre a economia, o direito, a filosofia e a política.

Diversos autores destacam esse aspecto da contribuição de Hayek para o desenvolvimento da teoria econômica, entre os quais Eamonn Butler, José Manuel Moreira (em Portugal), além de Og Leme, Ubiratan Iório de Souza, Fabio Barbieri e Ricardo Feijó (no Brasil). Sem desmerecer o trabalho de qualquer um deles, reproduzo a seguir um trecho do argentino Juan Carlos Cachanosky, por considerá-lo de grande clareza para o entendimento deste aspecto:

"Alguns filósofos distinguem entre dois tipos de ordens: (1) ordens criadas e (2) ordens espontâneas. Esta é uma distinção muito velha que vem da Antiga Grécia, mas que Hayek recuperou e desenvolveu ampla e detalhadamente. Uma ordem criada é a que foi desenhada pelos homens, por exemplo, um edifício, um avião, um relógio, um computador etc. Por haverem sido desenhados por homens, podem ser conhecidos até os mínimos detalhes. Os homens podem saber como funciona e para que serve cada uma de suas partes, podem modificá-los e melhorá-los. Pode-se dizer que os homens têm um domínio total sobre o funcionamento deste tipo de ordens.

Em troca, as ordens espontâneas não são produto da mente humana. São ordens cujo funcionamento, a mente trata de descobrir através de métodos científicos. As leis da física, os sistemas planetários, não são ordens desenhadas pelos homens; pelo contrário, os homens tratam de descobrir quais são os princípios que governam estas ordens. É o estudo científico que permite ir explicando por que ocorrem as coisas e como funcionam estas ordens. Por exemplo, os homens podem criar as condições para que cresça uma árvore, mas não podem construir uma árvore tal como constroem um relógio ou um computador".

Feita essa distinção, Hayek afirma que antes de se discutir sobre a superioridade de qualquer sistema econômico há que se ver qual a visão de mundo existente por trás de cada um deles. Considerando, pois, os dois tipos de ordens supra mencionados, Hayek mostra que o sistema capitalista, que tem origem no liberalismo individualista que se consagrou no século XVIII, não foi construído pelo homem. Ao contrário, foi resultante de um processo natural de aperfeiçoamento a partir dos sinais emitidos pela interação de milhões de pessoas nas transações efetuadas em mercado.

Nesse sentido, há uma clara correlação entre ordem espontânea e capitalismo. Já os sistemas econômicos que defendem a intervenção estatal para sua construção ou aperfeiçoamento - quer a intervenção plena (sistema socialista), quer a intervenção parcial (sistema intervencionista, segundo Cachanosky, ou sistema misto, para diversos outros autores) - supõem que os homens pode ordenar eficazmente a alocação dos fatores de produção, corrigindo, desta forma, o que eles chamam de falhas de mercado. Assim sendo, constata-se claramente uma correlação entre ordem criada e esses sistemas econômicos.

Evidentemente, num artigo desta natureza, é impossível chamar a atenção para todas as contribuições importantes de Hayek. Para tanto, é indispensável a leitura de seus livros mais importantes, em especial de três deles, Os fundamentos da liberdade, Lei, legislação e liberdade e Arrogância fatal. Neles, ficarão claras algumas das mais relevantes e oportunas dessas contribuições, entre as quais:

1ª) A concepção de mercado como um processo de permanente descoberta e aprendizado, que amortece as incertezas (já que nenhum agente tem conhecimento pleno de todas as variáveis envolvidas nas transações econômicas) e tende sistematicamente a coordenar os planos formulados pelos agentes econômicos. Como bem observa o professor Ubiratan Iório de Souza, "como as diversas circunstâncias que cercam a ação humana estão ininterruptamente sofrendo mutações, segue-se que o estado de coordenação plena jamais é alcançado, embora os mercados tendam para ele".

2ª) O alerta contra o uso inadequado e oportunista de determinadas palavras, sobretudo do adjetivo social, diante de expressões que, a seu juízo, não podem ser entendidas fora desse contexto, tais como justiça, democracia, direito, política etc. Para Hayek, não faz nenhum sentido pensar em justiça ou democracia a não ser dentro de uma perspectiva social, como observa, uma vez mais, o professor Ubiratan Iório de Souza:

"Hayek, em seu derradeiro livro, em um capítulo a que deu o sugestivo título de Our Poisoned Language (A Nossa Linguagem Envenenada), com o objetivo de mostrar o quanto o adjetivo "social" tem de poder mágico, deu-se ao trabalho de enumerar 167 substantivos que costumam ser utilizados com essa mitológica palavra. Para certificarmo-nos de que não houve qualquer exagero de sua parte, basta tomarmos algumas poucas palavras, por exemplo, "preocupação", "consciência", "política", "justiça" e "reforma" e verificarmos o quanto elas ganham em apelo ao lhe acrescentarmos o charmoso objetivo... Da mesma forma, há as expressões "social-democracia" e "liberalismo social" que, na melhor das hipóteses, não passam de pleonasmos, uma vez que, simplesmente, não existem nem uma "democracia não-social" nem um "liberalismo não-social". A democracia e, principalmente, o liberalismo dispensam adjetivos. São o que são e ponto final. Mesmo porque a verdadeira caridade requer ação e não mero discurso".

Espero ter conseguido mostrar, neste artigo, a notável contribuição de um dos maiores nomes de toda a história do pensamento econômico, embora não tenha o merecido reconhecimento, a exemplo do que ocorre com a Escola Austríaca, que continua sendo considerada, na maioria das vezes, apenas como uma ramificação menor das Escolas Marginalista e/ou Neoclássica. Tal aspecto, aliás, não escapou ao professor José Manuel Moreira:

"De que forma tudo isto afetará a vitalidade de uma escola que continua em processo de aprendizagem e descoberta, é algo que não sabemos. Sabemos, isso sim, que tudo isto é sinal de vida de uma tradição do pensamento econômico que, de forma vigorosa, continua aberta à fertilidade do desconhecido e do imprevisto: a um processo onde cada um de nós aprende novas coisas e alcança novas idéias e projetos. Uma tradição que soube transformar a epistemologia (que trata do crescimento do conhecimento) num dos mais promissores ramos da economia. Uma tradição que, ao insistir no caráter espontâneo (descentralizado) da evolução (e cooperação) das instituições humanas, por oposição aos sistemas artificiais (deliberadamente organizados e impostos, isto é, réplicas dos planos de ditadores benevolentes), cedo se deu conta de que o conhecimento não está na origem da amorosa Diversidade da Criação, mas é também a principal (e nem por isso menos desperdiçada) fonte da desejada Riqueza das Nações".

Por fim, um relato que evidencia não apenas o espírito arguto de Hayek, mas também o caráter pendular da história econômica e da história do pensamento econômico. Em 1989, um comentarista econômico francês perguntou a Hayek como ele se sentia sendo tão tardiamente reconhecido pelo valor de seu trabalho, uma vez que recebeu o Prêmio Nobel no ano de 1974, em grande parte graças ao acerto de suas previsões feitas trinta anos antes quando da publicação de O caminho da servidão. Com muita calma, ele respondeu: "Na economia as coisas são assim mesmo: quando eu era novo, o liberalismo era velho; agora que eu estou velho, o liberalismo é que voltou a ser novo".

Referências e indicações bibliográficas

AVENA, Armando. Hayek e o caminho da servidão. Em A última tentação de Marx. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, pp. 49 - 55.

BARBIERI, Fábio. A teoria do processo de mercado na escola austríaca moderna. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano V, N° 101, 2001.

BICHIR, Antônio Sérgio (Org.). Antologia Liberal. São Paulo: Inconfidentes, 1991.

BOETTKE, Peter J. Where did economics go wrong? Modern economics as a flight from reality. Critical Review. Vol. 11, N° I, Winter 1997, pp. 11 - 64.

BUTLER, Eamonn. A contribuição de Hayek às idéias políticas e econômicas de nosso tempo. Tradução de Carlos dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1987.

CACHANOSKY, Juan Carlos. Planificação e dirigismo econômico. Perspectiva Econômica, Vol. 30, N° 90, Julho/Setembro de 1995, pp. 49 - 69.

FEIJÓ, Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austríaca: Menger, Mises e Hayek. São Paulo: Nobel, 2000.

FRIEDMAN, Jeffrey. Hayek s Political Philosophy and his Economics. Critical Review. Vol. 11, N° I, Winter 1997, pp. 1 - 10.

GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. O outro Hayek. Em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 124 - 131.

HAYEK, Friedrich August von. Hayek on Hayek: an autobiographical dialogue. Edited by Stephen Kresge and Leif Wenar. Chicago: The University of Chicago Press, 1994.

______ O caminho da servidão. Tradução e revisão de Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

______ Os fundamentos da liberdade. Brasília: UNB, 1983.

______ Law, legislation and liberty. Chicago: The University of Chicago Press, 1983.

______ A arrogância fatal: os erros do socialismo. Tradução de Ana Maria Capovilla e Cândido Mendes Prunes. Revisão de Ann Leen Birosel. Porto Alegre: Instituto de Estudos Empresariais/ Editora Ortiz, 1995.

IORIO DE SOUZA, Ubiratan Jorge. Economia & Liberdade: a escola austríaca e a economia brasileira. São Paulo: Inconfidentes, 1995.

KIRZNER, Israel. Competição e atividade empresarial. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1986.

LEME, Og. Sumário executivo de O caminho da servidão. Encarte especial da revista Think Tank, Ano I, Número 4 - junho/98.

MISES, Ludwig von. Ação humana - Um tratado de Economia. Tradução de Donald Stewart Jr. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

MOREIRA, José Manuel. Filosofia e metodologia da economia em F. A. Hayek ou a redescoberta de um caminho "terceiro" para a compreensão e melhoria da ordem alargada da interação humana. Porto: Publicações da Universidade do Porto, 1994.

______ Hayek e a história da escola austríaca da economia. Porto: Edições Afrontamento, 1994.

SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.

TRAMBAIOLI, Margarida. A teoria austríaca dos ciclos econômicos. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano II, N° 16, 1994.

ZANELLA, Fernando C. O mercado como processo: a abordagem austríaca. São Paulo: Instituto Liberal, Série Idéias Liberais, Ano I, N° 9, 1994.

Referências e indicações webgráficas

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THE ROAD to Serfdom in cartoons. Disponível em http://www.mises.org./TRTS.htm.
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Este texto foi publicado originalmente em http://www.lucianopires.com.br.
A publicação deste artigo foi autorizada pelo autor.

* Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É Vice-Diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é Professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e História Econômica Geral.

sexta-feira, novembro 21, 2008

373) O relativismo politicamente correto (e estupido)

O Mito do Contexto
Rodrigo Constantino

"O relativismo cultural e a doutrina do contexto fechado constituem sérios obstáculos à disposição de aprender com os outros." (Karl Popper)

Para Karl Popper, uma das componentes do irracionalismo moderno é o relativismo, entendido como a doutrina segundo a qual a verdade é relativa à nossa formação intelectual. Em outras palavras, a verdade mudaria de contexto para contexto, o que impossibilitaria um entendimento mútuo entre culturas, gerações ou períodos históricos diferentes. Eis a frase que define esse "mito do contexto", segundo Popper:

A existência de uma discussão racional e produtiva é impossível, a menos que os participantes partilhem um contexto comum de pressupostos básicos ou, pelo menos, tenham acordado em semelhante contexto em vista da discussão.

Para Popper, esta afirmação é não apenas falsa, mas também perigosa. Se acolhida de forma generalizada, pode inclusive contribuir para o aumento da violência, minando a unidade da humanidade. Sem dúvida uma discussão entre participantes que não compartilham do mesmo contexto pode ser difícil, mas é um exagero afirmar que é impossível ter um debate proveitoso sem esta premissa. Popper vai além, e acredita que um debate entre pessoas com várias idéias em comum pode ser bastante agradável, mas talvez não seja tão proveitoso quanto um debate entre pessoas com pontos de vista totalmente divergentes.

Uma história muito usada para reforçar o mito do contexto é aquela contada por Heródoto, o pai da historiografia. Diz ela que o rei persa Dario I, querendo dar uma lição aos gregos residentes em seu império, teria chamado esses gregos e perguntado por qual preço eles estariam dispostos a devorar os cadáveres dos seus próprios pais. Naturalmente, os gregos responderam que por preço algum aceitariam fazer isso. Em seguida, Dario I teria chamado um grupo de indianos que tinham por hábito comer os pais mortos. Através de um intérprete, ele perguntou aos indianos, na presença dos gregos, por qual preço aceitariam queimar os restos de seus parentes falecidos. Os indianos teriam ficado indignados, exortando o rei a não dizer blasfêmias. Os adeptos do relativismo costumam usar este exemplo como evidência de que há um abismo intransponível dependendo do contexto. Mas Popper não concorda.

Na verdade, Popper sustenta que tal discussão não teria sido infrutífera. A experiência do confronto entre hábitos tão diferentes sem dúvida permitiu algum aprendizado novo aos envolvidos. A conclusão de Heródoto é que devemos olhar com tolerância para os costumes que são diferentes dos nossos, e isso já seria um resultado positivo do choque de culturas. O fosso existente entre contextos ou culturas diferentes pode ser ultrapassado, e essa é a tese de Popper. O próprio avanço da civilização Ocidental é fruto do choque de diferentes culturas. Podemos aprender com os diferentes contextos, e podemos evoluir em nosso conhecimento acerca do mundo. O método que permite este aprendizado é o da crítica. Conforme coloca Popper, "uma das principais tarefas da razão humana é tornar o universo em que vivemos algo compreensível para nós". Essa é a tarefa da ciência. E todos os povos têm capacidade de utilizá-la.

As barreiras às discussões racionais e críticas são muitas, sem dúvida. Os elementos pessoais ou emocionais podem dificultar esse debate. O instinto de tentar "vencer" um debate precisa ser vencido pela razão, pois uma "vitória" no debate não significa nada, "ao passo que a mínima clarificação de um problema que se tenha – mesmo a menor contribuição para uma compreensão mais clara da sua própria posição ou da de um opositor – constitui um grande sucesso". Tentar, em suma, se aproximar genuinamente da verdade, eis um ideal importante que pode ser buscado. Por outro lado, uma expectativa extremamente otimista em relação aos debates, de que é possível obter freqüentemente como resultado a vitória da verdade sobre a falsidade, pode levar a uma frustração que conduz ao pessimismo generalizado sobre a fecundidade das discussões.

Mantendo-se o realismo acerca das dificuldades desses debates, ele pode produzir efeitos extremamente positivos. As leis e costumes de um povo fazem enorme diferença para todos que vivem sob a sua alçada. Alguns costumes podem ser cruéis, bárbaros, enquanto outros podem aliviar o sofrimento ou favorecer a cooperação mútua e voluntária. Alguns povos respeitam a liberdade individual, outros não, ou em grau bem menor. Como afirma Popper, "estas diferenças são extremamente importantes e não podem ser postas de lado ou ignoradas pelo relativismo cultural ou através da afirmação de que leis e costumes diferentes se devem a padrões diferentes, ou a diferentes formas de pensamento, ou a diferentes marcos conceituais que são, por isso, incomensuráveis ou incomparáveis". Popper acha justamente o contrário: devemos tentar compreender e comparar. Devemos tentar avaliar quem tem as melhores instituições, e devemos aprender com elas através de um olhar crítico.

Hegel e Marx foram, talvez, os mais influentes pensadores do mito do contexto. Para Marx, a ciência era dependente das classes sociais. Haveria uma ciência proletária e outra burguesa, cada qual prisioneira de seu contexto. A classe é que definiria o pensamento do indivíduo, sendo totalmente impossível um debate racional. A falibilidade humana pode representar um perigoso atrativo para tais doutrinas. O fato de existir parcialidade em todos os seres humanos não quer dizer que uma aproximação da verdade seja inviável. O curioso é que o próprio Marx, que não era proletário, arrogava-se a capacidade de pensar por esta classe, uma gritante contradição à sua própria crença. É evidente que o contexto pode influenciar nossos pensamentos. Mas parece claro também que os homens desfrutam da magnífica capacidade de olhar crítico, de debate racional independente de seu contexto. Não existe uma razão diferente para cada situação. Existe uma razão, que pode não ser infalível, mas em compensação é capaz de nos afastar dos erros e, portanto, nos aproximar da verdade.

A conclusão fica com Popper: "As prisões são os contextos. E aqueles que não gostam de prisões opor-se-ão ao mito do contexto. Acolherão com agrado a discussão com um parceiro vindo de outro mundo, de outro contexto, pois tal oferece-lhe a oportunidade de descobrir as suas amarras até aí não sentidas, ou de quebrá-las e desse modo ultrapassarem-se a si próprios. Mas o sair da prisão não é, seguramente, uma questão de rotina: só pode ser o resultado de um esforço crítico e de um esforço criativo".

http://rodrigoconstantino.blogspot.com

quinta-feira, novembro 20, 2008

372) Violencia e mitos fundadores nas sociedades humanas

Um dos maiores especialistas em religião examina como se formam as sociedades humanas, entre mito e religião. Dele eu recomendo, particularmente, "La Violence et le Sacré", livro no qual ele trata, justamente, do bode expiatório e seu papel na constituição de uma sociedade religiosa.
PRA

Violence et mythes fondateurs des sociétés humaines
René Girard
LE MONDE, 20.11.08
20E FORUM "LE MONDE" - LE MANS

Ce n'est pas dans les Écritures, ni dans la théologie que s'enracine mon intérêt pour le christianisme. Cet intérêt, aussi étrange que cela puisse paraître, vient du darwinisme. Cette théorie évolutionniste suppose que la culture humaine a évolué depuis ce que nous appelons la "culture animale". Peut-on élaborer une genèse plausible de ce qui n'est pas animal dans notre propre culture - ce "supplément" qui fait de nous des hommes ?

Nous pouvons supposer que l'hominisation a commencé quand les rivalités mimétiques sont devenues si intenses que la relation de dominance animale s'est effondrée. L'humanité a survécu, sans doute, parce que les interdits religieux ont émergé assez tôt pour empêcher la nouvelle espèce de s'autodétruire.

Mais comment expliquer cette émergence ? Pour comprendre ce qui s'est passé, nos seuls indices sont les récits qui racontent la naissance des cultes auxquels ils appartiennent. On les appelle mythes fondateurs ou mythes des origines.

Ils commencent en général par le récit d'une crise destructrice. Dans le mythe d'Œdipe, c'est une peste, ailleurs un monstre cannibale. Derrière ces thèmes, se cache ce que Hobbes appelle "la guerre de tous contre tous" : des explosions de rivalité assez intenses pour détruire des communautés. La soif de vengeance se concentre sur un nombre de plus en plus restreint d'individus. A la fin, la communauté fait bloc contre un seul, celui que j'appelle le bouc émissaire. Le groupe se réconcilie autour de cette unique victime, à un coût qui semble miraculeusement bas.

Le problème que les penseurs rationalistes ont cherché en vain à résoudre à travers l'hypothèse du contrat social, celui de l'origine des sociétés humaines, se résout ainsi sans intention humaine, au moment où la "crise mimétique" est à son comble.

Le caractère inconscient du lynchage est admirablement illustré par la phrase de Jésus sur la Croix : "Père, pardonne-leur, ils ne savent pas ce qu'ils font." Cette phrase doit être interprétée littéralement. Car si les mythes reconnaissaient les faits, l'innocence du bouc émissaire deviendrait visible, et la violence perdrait son efficacité cathartique. La vérité transparaît si l'on s'interroge sur les caractères récurrents des héros mythiques.

Nombre d'entre eux sont aveugles comme Tirésias, borgnes comme Wotan ou, de manière plus significative, désignés comme des "hommes venus d'ailleurs". Les communautés archaïques étaient sûrement assez distantes les unes des autres. Quand un étranger faisait son apparition, on se rassemblait autour de lui avec de grands espoirs. Le moindre geste inattendu de sa part pouvait déclencher une panique, et une mise à mort.

Comment les interdits religieux se mettent-ils en place ? Nous pouvons supposer que, dans les communautés archaïques, aussitôt que le lynchage cathartique avait mis fin à la crise mimétique, un nouveau dieu émergeait. Et chaque fois qu'un combat éclatait, les communautés, marquées par l'épreuve des rivalités passées, rendaient impossible tout contact entre les gens concernés. Chaque reprise des violences était interprétée comme l'expression de la colère du dieu et, par la grâce de son prestige, les interdits apparaissaient ; interdits qui, peu à peu, s'érigeaient en un système plus ou moins cohérent et définitif.

Avec le temps, la peur que ces interdits inspiraient s'est probablement amoindrie, et avec elle le pouvoir qu'ils avaient d'empêcher les transgressions. Face à ce danger, les communautés archaïques ont frénétiquement recherché une nouvelle protection contre leur propre violence. Comme elles n'avaient pas oublié la grande catharsis qui les avait sauvées d'une crise antérieure, elles ont dû se demander si une nouvelle catharsis ne pourrait pas être reproduite en rejouant le processus de la crise, lynchage compris. Nombre de rites sacrificiels commencent ainsi par des désordres provoqués, que les anthropologues ont justement définis comme des "crises simulées".

Deux choses suggèrent que la religion (interdits et rituels) est ainsi l'origine et l'essence de la culture humaine : on n'en trouve pas la moindre trace dans les cultures animales ; aucune culture humaine n'en est totalement dépourvue. Deux anciennes et puissantes religions, la religion grecque et la religion hindoue, développèrent une compréhension incomplète, mais profonde, des systèmes archaïques dans leur diversité comme dans leur unité fondamentale - systèmes qui renaissent régulièrement de leurs cendres, mais échouent à éliminer, une fois pour toutes, les rivalités mimétiques. N'est-ce pas un processus identique qui se joue dans les Evangiles, le même lynchage aboutissant à la même divinisation ?

C'est un fait que la plupart des chrétiens n'ont pas osé approfondir, craignant que l'aveu de ces évidentes ressemblances ne fasse s'écrouler l'édifice de leur foi. Ils ont eu tort, car une comparaison poussée entre les Evangiles et la mythologie tournerait à l'avantage du christianisme. Les mythes prennent le lynchage collectif très au sérieux. Ils pensent que les victimes ont vraiment commis les crimes dont on les accuse. Les Evangiles croient au contraire à l'innocence totale de Jésus et la proclament.

Tandis que, dans les mythes, les victimes sont censées avoir commis les crimes dont on les accuse, dans la tradition biblique et chrétienne ce verdict est souvent renversé. Nombre de récits de la Bible condamnent la foule et réhabilitent la victime. Quant aux psaumes, ils donnent des instantanés d'un lynchage : un narrateur horrifié observe une bande d'individus qui tente de l'encercler pour le tuer. Sa situation rappelle celle de nombreux prophètes qui, après avoir été idolâtrés par les foules, sont soudain devenus leurs victimes.

Là où les mythes archaïques se rangent aux côtés de la foule, et incitent leurs lecteurs à faire de même, les plus grands textes de la Bible inversent le procédé, et prennent parti pour les boucs émissaires, dans des situations qui, dans le monde païen, auraient conduit à l'élaboration d'un nouveau mythe. La Passion du Christ est une illustration décisive de ce renversement.

La Bible opère donc une rupture radicale par rapport à la mythologie, puisque dans l'Ancien Testament, et plus spectaculairement encore dans les Evangiles, la suprématie de la foule, qui remonte aux origines de l'humanité, est enfin renversée.

© Association Recherches mimétiques.

René Girard, anthropologue, est professeur émérite à l'université Stanford (Etats-Unis), membre de l'Académie française.

quinta-feira, novembro 06, 2008

371) Discurso de vitoria de Barack Obama (5.11.2008)

Discurso de Barack Obama
Grant Park, Chicago, 05/11/2008, 23h locais
(tradução da agência de notícias EFE)

"Olá, Chicago! Se alguém aí ainda dúvida de que os Estados Unidos são um lugar onde tudo é possível, que ainda se pergunta se o sonho de nossos fundadores continua vivo em nossos tempos, que ainda questiona a força de nossa democracia, esta noite é sua resposta.

É a resposta dada pelas filas que se estenderam ao redor de escolas e igrejas em um número como esta nação jamais viu, pelas pessoas que esperaram três ou quatro horas, muitas delas pela primeira vez em suas vidas, porque achavam que desta vez tinha que ser diferente e que suas vozes poderiam fazer esta diferença.

É a resposta pronunciada por jovens e idosos, ricos e pobres, democratas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, indígenas, homossexuais, heterossexuais, incapacitados ou não-incapacitados.

Americanos que transmitiram ao mundo a mensagem de que nunca fomos simplesmente um conjunto de indivíduos ou um conjunto de estados vermelhos e estados azuis.

Somos, e sempre seremos, os EUA da América.

É a resposta que conduziu aqueles que durante tanto tempo foram aconselhados por tantos a serem céticos, temerosos e duvidosos sobre o que podemos conseguir para colocar as mãos no arco da História e torcê-lo mais uma vez em direção à esperança de um dia melhor.

Demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fizemos nesta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA.

Esta noite, recebi um telefonema extraordinariamente cortês do senador McCain.

O senador McCain lutou longa e duramente nesta campanha. E lutou ainda mais longa e duramente pelo país que ama. Agüentou sacrifícios pelos EUA que sequer podemos imaginar. Todos nos beneficiamos do serviço prestado por este líder valente e abnegado.

Parabenizo a ele e à governadora Palin por tudo o que conseguiram e desejo colaborar com eles para renovar a promessa desta nação durante os próximos meses.

Quero agradecer a meu parceiro nesta viagem, um homem que fez campanha com o coração e que foi o porta-voz de homens e mulheres com os quais cresceu nas ruas de Scranton e com os quais viajava de trem de volta para sua casa em Delaware, o vice-presidente eleito dos EUA, Joe Biden.

E não estaria aqui esta noite sem o apoio incansável de minha melhor amiga durante os últimos 16 anos, a rocha de nossa família, o amor da minha vida, a próxima primeira-dama da nação, Michelle Obama.

Sasha e Malia amo vocês duas mais do que podem imaginar. E vocês ganharam o novo cachorrinho que está indo conosco para a Casa Branca.

Apesar de não estar mais conosco, sei que minha avó está nos vendo, junto com a família que fez de mim o que sou. Sinto falta deles esta noite. Sei que minha dívida com eles é incalculável.

A minha irmã Maya, minha irmã Auma, meus outros irmãos e irmãs, muitíssimo obrigado por todo o apoio que me deram. Sou grato a todos vocês. E a meu diretor de campanha, David Plouffe, o herói não reconhecido desta campanha, que construiu a melhor campanha política, creio eu, da história dos EUA da América.

A meu estrategista chefe, David Axelrod, que foi um parceiro meu a cada passo do caminho.

À melhor equipe de campanha formada na história da política. Vocês tornaram isto realidade e estou eternamente grato pelo que sacrificaram para conseguir.

Mas, sobretudo, não esquecerei a quem realmente pertence esta vitória. Ela pertence a vocês. Ela pertence a vocês.

Nunca pareci o candidato com mais chances. Não começamos com muito dinheiro nem com muitos apoios. Nossa campanha não foi idealizada nos corredores de Washington. Começou nos quintais de Des Moines e nas salas de Concord e nas varandas de Charleston.

Foi construída pelos trabalhadores e trabalhadoras que recorreram às parcas economias que tinham para doar US$ 5, ou US$ 10 ou US$ 20 à causa.

Ganhou força dos jovens que negaram o mito da apatia de sua geração, que deixaram para trás suas casas e seus familiares por empregos que os trouxeram pouco dinheiro e menos sono.

Ganhou força das pessoas não tão jovens que enfrentaram o frio gelado e o ardente calor para bater nas portas de desconhecidos, e dos milhões de americanos que se ofereceram como voluntários e organizaram e demonstraram que, mais de dois séculos depois, um Governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareceu da Terra.

Esta é a vitória de vocês.

Além disso, sei que não fizeram isto só para vencerem as eleições. Sei que não fizeram por mim.

Fizeram porque entenderam a magnitude da tarefa que há pela frente. Enquanto comemoramos esta noite, sabemos que os desafios que nos trará o dia de amanhã são os maiores de nossas vidas - duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira em um século.

Enquanto estamos aqui esta noite, sabemos que há americanos valentes que acordam nos desertos do Iraque e nas montanhas do Afeganistão para dar a vida por nós.

Há mães e pais que passarão noites em claro depois que as crianças dormirem e se perguntarão como pagarão a hipoteca ou as faturas médicas ou como economizarão o suficiente para a educação universitária de seus filhos.

Há novas fontes de energia para serem aproveitadas, novos postos de trabalho para serem criados, novas escolas para serem construídas e ameaças para serem enfrentadas, alianças para serem reparadas.

O caminho pela frente será longo. A subida será íngreme. Pode ser que não consigamos em um ano nem em um mandato. No entanto, EUA, nunca estive tão esperançoso como estou esta noite de que chegaremos.

Prometo a vocês que nós, como povo, conseguiremos.

Haverá percalços e passos em falso. Muitos não estarão de acordo com cada decisão ou política minha quando assumir a presidência. E sabemos que o Governo não pode resolver todos os problemas.

Mas, sempre serei sincero com vocês sobre os desafios que nos afrontam. Ouvirei a vocês, principalmente quando discordarmos. E, sobretudo, pedirei a vocês que participem do trabalho de reconstruir esta nação, da única forma como foi feita nos EUA durante 221 anos, bloco por bloco, tijolo por tijolo, mão calejada sobre mão calejada.

O que começou há 21 meses em pleno inverno não pode acabar nesta noite de outono.

Esta vitória em si não é a mudança que buscamos. É só a oportunidade para que façamos esta mudança. E isto não pode acontecer se voltarmos a como era antes. Não pode acontecer sem vocês, sem um novo espírito de sacrifício.

Portanto façamos um pedido a um novo espírito do patriotismo, de responsabilidade, em que cada um se ajuda e trabalha mais e se preocupa não só com si próprio, mas um com o outro.

Lembremos que, se esta crise financeira nos ensinou algo, é que não pode haver uma Wall Street (setor financeiro) próspera enquanto a Main Street (comércio ambulante) sofre.

Neste país, avançamos ou fracassamos como uma só nação, como um só povo. Resistamos à tentação de recair no partidarismo, na mesquinharia e na imaturidade que intoxicaram nossa vida política há tanto tempo.

Lembremos que foi um homem deste estado que levou pela primeira vez a bandeira do Partido Republicano à Casa Branca, um partido fundado sobre os valores da auto-suficiência e da liberdade do indivíduo e da união nacional.

Estes são valores que todos compartilhamos. E enquanto o Partido Democrata conquistou uma grande vitória esta noite, fazemos com certa humildade e a determinação para curar as divisões que impediram nosso progresso.

Como disse Lincoln a uma nação muito mais dividida que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões os tenham colocado sob tensão, não devem romper nossos laços de afeto.

E àqueles americanos cujo apoio eu ainda devo conquistar, pode ser que eu não tenha conquistado seu voto hoje, mas ouço suas vozes. Preciso de sua ajuda e também serei seu presidente.

E a todos aqueles que nos vêem esta noite além de nossas fronteiras, em Parlamentos e palácios, a aqueles que se reúnem ao redor dos rádios nos cantos esquecidos do mundo, nossas histórias são diferentes, mas nosso destino é comum e começa um novo amanhecer de liderança americana.

A aqueles que pretendem destruir o mundo: vamos vencê-los. A aqueles que buscam a paz e a segurança: apoiamo-nos.

E a aqueles que se perguntam se o farol dos EUA ainda ilumina tão fortemente: esta noite demonstramos mais uma vez que a força autêntica de nossa nação vem não do poderio de nossas armas nem da magnitude de nossa riqueza, mas do poder duradouro de nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e firme esperança.

Lá está a verdadeira genialidade dos EUA: que o país pode mudar. Nossa união pode ser aperfeiçoada. O que já conseguimos nos dá esperança sobre o que podemos e temos que conseguir amanhã.

Estas eleições contaram com muitos inícios e muitas histórias que serão contadas durante séculos. Mas uma que tenho em mente esta noite é a de uma mulher que votou em Atlanta.

Ela se parece muito com outros que fizeram fila para fazer com que sua voz seja ouvida nestas eleições, exceto por uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos.

Nasceu apenas uma geração depois da escravidão, em uma era em que não havia automóveis nas estradas nem aviões nos céus, quando alguém como ela não podia votar por dois motivos - por ser mulher e pela cor de sua pele.

Esta noite penso em tudo o que ela viu durante seu século nos EUA - a desolação e a esperança, a luta e o progresso, às vezes em que nos disseram que não podíamos e as pessoas que se esforçaram para continuar em frente com esta crença americana: Podemos.

Em uma época em que as vozes das mulheres foram silenciadas e suas esperanças descartadas, ela sobreviveu para vê-las serem erguidas, expressarem-se e estenderem a mão para votar. Podemos.

Quando havia desespero e uma depressão ao longo do país, ela viu como uma nação conquistou o próprio medo com uma nova proposta, novos empregos e um novo sentido de propósitos comuns. Podemos.

Quando as bombas caíram sobre nosso porto e a tirania ameaçou ao mundo, ela estava ali para testemunhar como uma geração respondeu com grandeza e a democracia foi salva. Podemos.

Ela estava lá pelos ônibus de Montgomery, pelas mangueiras de irrigação em Birmingham, por uma ponte em Selma e por um pregador de Atlanta que disse a um povo: "Superaremos". Podemos.

O homem chegou à lua, um muro caiu em Berlim e um mundo se interligou através de nossa ciência e imaginação.

E este ano, nestas eleições, ela tocou uma tela com o dedo e votou, porque após 106 anos nos EUA, durante os melhores e piores tempos, ela sabe como os EUA podem mudar.

Podemos.

EUA avançamos muito. Vimos muito. Mas há muito mais por fazer. Portanto, esta noite vamos nos perguntar se nossos filhos viverão para ver o próximo século, se minhas filhas terão tanta sorte para viver tanto tempo quanto Ann Nixon Cooper, que mudança virá? Que progresso faremos?

Esta é nossa oportunidade de responder a esta chamada. Este é o nosso momento. Esta é nossa vez.

Para dar emprego a nosso povo e abrir as portas da oportunidade para nossas crianças, para restaurar a prosperidade e fomentar a causa da paz, para recuperar o sonho americano e reafirmar esta verdade fundamental, que, de muitos, somos um, que enquanto respirarmos, temos esperança.

E quando nos encontrarmos com o ceticismo e as dúvidas, e com aqueles que nos dizem que não podemos, responderemos com esta crença eterna que resume o espírito de um povo: Podemos!