O naufrágio cubano
Depois de meio século de revolução, a economia da ilha está em bancarrota
Maite Rico (Madrid)
El País, 06/01/2009
O líder máximo cubano, Fidel Castro, e seu irmão, Raúl, presidente do país, decidiram passar nas pontas dos pés pelo 50º aniversário da revolução que os levou ao poder. É que a população, submersa na luta pela sobrevivência, não está para comemorações. O regime alega "os furacões e a crise financeira internacional", além do embargo americano, para explicar o naufrágio da que foi a terceira potência econômica da América Latina em 1957. Os economistas, e muitos cubanos comuns, qualificam essas razões de "desculpas" e culpam o "sistema disfuncional e totalitário".
Os cubanos vivem pior hoje do que há 50 anos: é o que eles dizem e as estatísticas confirmam. Desde que Moscou suspendeu os subsídios, em 1990, a ilha não levanta a cabeça e a produção está paralisada. O salário (400 pesos por mês em média, ou 15 euros) não chega para cobrir as necessidades básicas de uma família, como admitiu o próprio Raúl Castro. Os alimentos distribuídos com a cartilha de racionamento dão apenas para uma semana.
A penúria se aguçou com a introdução da dupla moeda: os cubanos recebem o salário em pesos, mas têm de comprar toda uma série de artigos em pesos conversíveis ou CUC, rebatizados popularmente de "chavitos". Um CUC equivale a 24 pesos nacionais (1 euro). Os pesos servem nas lojas de alimentos subsidiados, nas lojas de roupa reciclada (de segunda-mão) ou nas feiras. Em troca, a carne, o leite, parte dos remédios, as roupas novas ou os eletrodomésticos têm de ser pagos em CUC e a preços estratosféricos. Na loja Palco, por exemplo, 1 litro de leite custa US$ 3,17 (2,28 euros) e uma lata de atum, US$ 4,27 (2,13 euros). O Estado pretende assim recuperar divisas e reduzir o déficit público.
O problema é que só os cubanos que têm contato com o turismo, trabalham em empresas mistas ou recebem remessas de familiares no exílio podem ter acesso ao CUC. A maior parte da população só lida com pesos e passa necessidades. "A lacuna social é cada vez maior e a desigualdade de renda duplicou", comenta em Havana o economista Óscar Espinosa.
Quando Raúl Castro permitiu o acesso aos computadores e telefones celulares, muitos cubanos encolheram os ombros. "Para que me serve?", pergunta Sara, que acaba de se formar programadora de informática e ganha 400 pesos por mês. "Nem sequer posso comprar sapatos decentes! Um computador vale 1000 CUC e o celular, 60, mais 120 pela linha. E não ganho em chavitos. Como vou comprar alguma coisa?"
Carmelo Mesa-Lago, professor da Universidade de Pittsburgh, não hesita em qualificar de "desastrosa" a política econômica cubana dos últimos 50 anos, marcada pela "coletivização e a centralização, sete mudanças de organização econômica, quatro mudanças de estratégia de desenvolvimento e destruição do incentivo individual". Fracassos caros e famosos, como o empenho de Fidel Castro para conseguir uma safra de 10 milhões de toneladas de açúcar, criar vacas que dessem leite com sabores ou estabelecer plantações de café a uma altitude inadequada, refletem as arbitrariedades de um regime que sobreviveu graças aos subsídios externos.
A queda da União Soviética pôs fim às ajudas de US$ 65 bilhões (cinco vezes o Plano Marshall com que os EUA contribuíram para a reconstrução européia depois da Segunda Guerra Mundial). Começou então um período de penúria do qual a ilha ainda não saiu, apesar de a Venezuela ter assumido em 1999 o lugar de benfeitor de Castro: Hugo Chávez fornece a Cuba 57% de suas necessidades de combustível a preços preferenciais, o que em 2008 representou um subsídio entre US$ 2,5 e 3 bilhões.
Se em 1957 só a Argentina e o Uruguai superavam Cuba em renda per capita, hoje a economia cubana é a penúltima do continente, à frente só do Haiti. Inclusive segundo os números do governo, Cuba se situaria em 21º lugar na América Latina. O regime se nega a calcular a pobreza pelos métodos homologados. Mesmo assim, 46% dos habitantes de Havana se consideram pobres ou muito pobres.
Os subterfúgios estatísticos não podem esconder a dimensão do naufrágio. Esqueletos de fábricas e engenhos abandonados salpicam a paisagem cubana. Havana se esvai com seus edifícios em ruínas. Os mercados estão desabastecidos e as pessoas conseguem a comida no mercado negro.
Em 1958, Cuba produzia quase 80% dos alimentos que consumia e era o principal fornecedor de hortaliças dos EUA. Hoje é o contrário: a ilha importa mais de 80% da cesta básica e a maior parte dos alimentos vem dos EUA, quinto parceiro comercial de Cuba apesar do embargo decretado em 1962. Atualmente, mais de 50% das terras cultiváveis estão ociosas. Em 2007 a produção de açúcar caiu para 1,2 milhão de toneladas, a pior desde 1903. O turismo, as remessas dos exilados e os subsídios venezuelanos compensam o déficit da balança comercial.
Da deterioração não se salvam nem os sucessos alegados pela revolução. Embora nos anos 50 Cuba já tivesse a menor mortalidade infantil e um dos índices mais altos de alfabetização da América Latina, a revolução expandiu a educação e a saúde para as zonas rurais. Hoje quase a metade dos 60 mil médicos está nas "missões internacionais" pagas pela Venezuela. Não há ambulâncias e os medicamentos escasseiam. A educação também não se salva da decadência, devido à maciça deserção do professorado. Segundo o jornal oficial "Granma", as escolas e os colégios de Havana têm um déficit de 8.576 professores.
Na teoria, Raúl Castro está consciente do desastre, mas seu aparente espírito reformista tem o contrapeso de seu irmão Fidel, que "boicota as mudanças", indica Carmelo Mesa. A revolução que prometeu liberdade e igualdade construiu "uma sociedade totalitária e injusta", diz Espinosa.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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