domingo, julho 12, 2009

462) Construindo a desigualdade no Brasil

Como sempre, os espertos se organizam para ganhar renda de todos os demais brasileiros.
Apenas uma correção neste texto: onde está dito OMC, leia-se, na verdade, GATT.

Prêmio indevido
Miriam Leitão
O Globo, 11.07.2009

Os brasileiros viram numa mesma semana os dois piores lados da questão dos impostos. Primeiro, o governo tira dinheiro demais da sociedade numa carga tributária extravagante; segundo, o dinheiro volta para o privilégio de uns poucos. O episódio do crédito-prêmio de IPI, uma farra com dinheiro público que se recusa a morrer, é a exata tradução de como se concentra renda no Brasil.

O Ministério da Fazenda garante que não está negociando o reconhecimento do crédito-prêmio de IPI, ao contrário do que se afirma no Congresso. O procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams, admite que todo dia aparece alguém com uma proposta na Fazenda: — A posição da Fazenda é que o que dá segurança ao Estado brasileiro é o Supremo julgar a questão. E o assunto está no Supremo.

Essa questão pode produzir um custo bilionário para o Tesouro e beneficiar os exportadores. Eles querem receber retroativamente subsídios à exportação extintos em 1983. Adams deu as razões para não ceder.

— No dia que assinarmos qualquer acordo estaremos admitindo que o benefício vigorou até 2002. Teremos uma corrida ao Judiciário por parte de quem não usou o crédito-prêmio. Pelos dados da Fiesp, pelo menos 40% das empresas nunca abateram impostos com base nisso. Além do mais, vamos abrir imediatamente uma briga com os parceiros comerciais porque o créditoprêmio era na verdade um benefício financeiro, porque excedia o imposto pago no produto — explicou.

A base aliada de forma explícita tem pressionado para o governo ceder. Se o fizer, o Tesouro pode perder mais de R$ 200 bi. É uma história tão velha quanto feia pela qual se tira dinheiro da sociedade para o bolso dos exportadores, da Fiesp, dos bancos, dos grandes advogados, de alguns tributaristas.

Esse subsídio nasceu na primeira encarnação de Delfim Netto no governo, em 1969. Chama-se crédito-prêmio, mas a palavra-chave na expressão era "prêmio". Premiados por exportar, os empresários ganhavam a devolução muito acima do imposto realmente pago. Se no Brasil muita gente confundia isso com desoneração das exportações feitas em todos os países, nossos parceiros comerciais não foram bobos.

Concluíram que aquilo era subsídio financeiro ao exportador. O que é proibido pelas regras do comércio internacional. O Brasil enfrentou uma forte elevação de tarifas contra nossos produtos e foi obrigado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) a recuar.

O crédito-prêmio foi extinto em 1983, mas a briga judicial aproveita-se de supostas contradições em portarias e decretos para dizer que ele nunca acabou. Outros admitem ele ter sido extinto, mas só em 1990. No Congresso, o lobby exportador quer aprovar propostas para que o prazo seja 2002.

Roberto Giannetti da Fonseca, um dos defensores dos exportadores, em nota para a coluna diz que "o desembolso para a União seria de R$ 62 bilhões". Pela nota, se for considerado que o benefício acabou em 1990, "o Fisco teria que cobrar retroativamente aos exportadores todos os impostos compensados". Segundo Giannetti, isso provocaria a falência de "centenas de milhares de empresas e levaria milhões de trabalhadores ao desemprego".

O que houve no passado é que os exportadores entraram na Justiça e, antes que ela julgasse, passaram a usar os supostos créditos.

Inúmeras empresas foram mais sensatas. O governo diz que na Fiesp se admite que 40% das empresas não usaram os benefícios. Outras fontes acham que o grupo dos sensatos é muito maior. Mas quem utilizou o benefício usa o argumento do fato consumado.

Esse caso é exemplar porque mostra como se formam os dutos que levam dinheiro de todos os contribuintes para uns poucos. Como se concentra renda no Brasil. Há inúmeras ações na Justiça com os mais espetaculares argumentos para manter vivo o subsídio. Uma das tentativas foi particularmente engraçada: ela sustentava que alíquota zero é diferente de isenção. Portanto, mesmo em produtos cuja alíquota de IPI era zero, o exportador poderia se creditar de 15% do valor do produto. E por que 15%? Por que esta seria a “tarifa modal?.

Esse é um assunto que vai e volta. Os exportadores e seus lobistas aproveitaram esse momento peculiar da vida nacional e atacaram via Congresso. Em duas MPs relatadas pela oposição e pelo governo foi pendurada a mesma ideia: o crédito-prêmio teria sobrevivido mais 19 anos. Em vez de ter acabado em 1983, teria vivido até o fim de 2002. E com alíquota de 15% que vem a ser a maior compensação permitida na época em que foi criado o imposto.

Ou seja, em cada US$ 100 exportados de 1983 até 2002, o exportador teria direito a uma compensação igual a US$ 15. Um esqueletão bilionário.

Se colar, consumase mais um ato de transferência dos impostos de todos para o bolso de alguns.

A carga tributária de 2008 foi o que se viu: insuportável.

O Estado brasileiro toma dinheiro demais da sociedade, devolve serviços pífios e está sempre sem dinheiro. A explicação está nos dutos criados para transferir riqueza para os ricos e muitos ricos.

Essa tentativa de ressuscitar um subsídio inaceitável no comércio internacional é uma dessas formas. Muita gente defende essa maluquice.

O Brasil não é desigual por acaso.

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