Petro-Sal(ro): de volta aos tempos jurássicos
João Luiz Mauad
Mídia a Mais, 4.09.2009)
A petrolífera inglesa BP anunciou na quarta feira (02/09) a descoberta de um campo gigante no Golfo do México, há cerca de 6 milhas de profundidade, ou seja, bem mais fundo que o famigerado Pré-Sal tupiniquim. Embora a Petrobras tenha uma participação de 20% no negócio – graças ao sistema de concessões vigente nos EUA -, a tecnologia de perfuração é da majoritária BP, o que demonstra a grande falácia que é dizer que a Petrobrás é monopolista ou pioneira nesse tipo de tecnologia. Não é! Já se tira petróleo de profundidades maiores há algum tempo.
Embora exultantes com a descoberta, os executivos e engenheiros da BP são bem mais cautelosos do que os da Petrobras quando falam do futuro e das possibilidades de lucro. Segundo eles, devido ao altíssimo custo de produção e toda a infra-estrutura necessária, a retirada do petróleo ali só se tornará lucrativa se os preços da commodity forem superiores a US$ 70,00 por barril. Além disso, estimam que o início da operação comercial só se dará daqui a 10 anos, ocasião em que é praticamente impossível prever como andarão os preços.
Já os nossos experts da Petrobras, políticos e burocratas de “Banânia” apostam numa alta acentuada dos preços a médio e longo prazos, pois acreditam que o “ouro negro” estará muito mais escasso daqui para frente. Esta teoria sustenta que o pico de produção do petróleo (peak oil) já teria ficado para trás e que a tendência futura seria de um rápido esgotamento das reservas terrestres. Tal tese, endossada por alguns geólogos, deságua na proposta estúpida de “planejar” a retirada do óleo existente, uma vez que, futuramente, os preços serão muito maiores, beneficiando os poucos produtores que sobrarem.
Não é isso, entretanto, que pensam os analistas sérios. De acordo com reportagem do New York Times, a exemplo de várias crenças malthusianas apocalípticas, essa “teoria” do “peak oil” tem sido promovida por grupos de cientistas ligados a grupos de interesse sindicais ou empresariais, os quais baseiam suas conclusões, não raro, em análises estáticas pobres e interpretações distorcidas dos dados técnicos. Segundo quem entende do riscado, as novas tecnologias tornarão possível o incremento das reservas petrolíferas a curto e médio prazos, e estima-se que, por isso mesmo, a tendência dos preços é para baixo.
Isso sem falar que há inúmeras pesquisas sérias acontecendo mundo afora, que visam ao desenvolvimento de combustíveis alternativos, economicamente viáveis, de baixo custo e consumo, além de menos poluentes que os hidrocarbonetos. Algumas montadoras já vendem com enorme sucesso no exterior os automóveis híbridos, meio elétricos, meio combustão. Outras estão em adiantado desenvolvimento de veículos movidos a hidrogênio, para muitos o verdadeiro motor do futuro, por ser muito mais barato e absolutamente inofensivo ao meio-ambiente.
Pois bem, apesar das fortes indicações de que são altas as possibilidades de que a coisa possa se tornar um grande mico, o governo brasileiro, de olho nessa ilusão subterrânea que chamam de Pré-Sal, montou uma verdadeira pantomima na semana passada, com vistas a alterar (de forma mais profunda que o próprio pré-sal) as regras vigentes no país para prospecção de petróleo. Tudo para garantir que o governo, alguns investidores privilegiados e a “República Sindicalista” fiquem com a maior parte da bolada esperada (por eles). Mandaram ao Congresso, para que seja votado em regime de urgência, um pacote de medidas extemporâneas que, em linhas gerais, pretende reestatizar o pouco que havia sido privatizado no governo passado.
A coisa foi tão absurda e descarada, que o jornal Folha de São Paulo, que jamais primou pelo viés liberal, escreveu em editorial: “Consumou-se, na explicitação dos projetos do Planalto para o pré-sal, a revanche contra a abertura do mercado e contra a quebra do monopólio da Petrobras, efetivadas na década passada. A antecipação do calendário eleitoral, motivada pela iniciativa do presidente Lula de viabilizar a candidatura Dilma Rousseff, atropelou o interesse público.”
Para começar, criam a tal de “Petro-Sal” (Roberto Campos deve estar rindo à toa desse nome, dado a sua semelhança com o famoso neologismo “Petrossauro”, de que ele tanto falava e combatia), cujo propósito será gerir os recursos da União e regulamentar a matéria. A ANP foi, assim, jogada para escanteio, afinal, esse negócio de agência independente nunca agradou aos pelegos petistas. Além disso, numa jogada esdrúxula e sem sentido, resolveram entregar à Petrobras, sem licitação, 30% dos campos e, para completar, o governo fará um aporte entre 50 e 100 bilhões de reais na estatal, “para que ela possa arcar com os custos iniciais da operação”.
Em resumo: colocarão em risco uma quantidade enorme de dinheiro dos pagadores de impostos para viabilizar um negócio de alto risco que, se tudo correr bem, gerará lucros que serão embolsados pela pelegada petroleira e por meia dúzia de investidores privados, já que, não esqueçamos, a Petrobras é uma empresa com ações negociadas em bolsa. Tudo em nome do “interesse nacional”, claro. Sob o velho slogan “O Petróleo é Nosso”, correm uma corrida alucinada para meter a mão no bolso dos contribuintes. No fim das contas, continuaremos pagando um preço salgadíssimo (com trocadilho, por favor) pelos combustíveis e jamais veremos a cor dos eventuais lucros provenientes das profundezas do Atlântico-Sul. Mas os prejuízos, se houver, esses serão certamente nossos.
Além dos riscos naturais já mencionados, há aqueles inerentes à própria ineficiência das empresas públicas. Segundo Mark C. Thurber, diretor do Programa de Energia Sustentável da Universidade de Stanford, citado por Adam Green, em recente artigo publicado em O Globo, “em média, PENs (petroleiras estatais nacionais) extraem recursos a taxas muito menores do que as PIs (petroleiras independentes)”. Isso acontece, evidentemente, porque “os monopólios não estão sujeitos à competição e são alvo fácil da corrupção”. Ora, se as estimativas e prognósticos dos analistas anti-malthusianos estiverem corretos, quanto mais demorarmos para sacar esse óleo das profundezas da terra, maiores serão as possibilidades de que ele se transforme num mico, cuja extração se torne muito mais custosa que o valor de mercado. O interesse da sociedade, portanto, deveria ser tirar o máximo possível no menor prazo. Para isso, a melhor solução seria entregar a prospecção para quem tem capital, eficiência e tecnologia: empresas privadas.
Longe de mim achar que o modelo atual é bom. Pelo contrário, é ainda muito ruim. Mas essa estrovenga que a “república sindicalista” pretende nos empurrar goela abaixo, juntamente com mais um assalto ao nosso bolso, é indecente, para dizer o mínimo.
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