ESCOLA PÚBLICA
Vítima indefesa das universidades
José Maria e Silva
Jornal Opção (Goiânia), 21/08/2011
O Ideb na porta das escolas não vai medir o mais grave problema da educação brasileira: a pedagogia da destruição que as universidades impõem ao ensino público
O governo goiano, por intermédio da Secretaria Estadual de Educação, adotou uma medida pioneira no País — a transformação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) numa espécie de DNA das escolas. A partir de agora, todas as escolas estaduais serão obrigadas a ostentar uma placa com a nota obtida no Ideb, tornando público seu sucesso ou fracasso no referido índice. Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de segunda-feira, 15, Ioschpe não escondeu o entusiasmo: “Saindo de Goiânia. Ideb na Escola lançado na rede estadual de Goiás. Primeiro Estado. Grande vitória. Vamos em frente”.
A proposta de Gustavo Ioschpe ganhou força entre as autoridades do País e tende a virar lei federal, valendo para todas as escolas brasileiras. É o que prevê projeto de lei do deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), apresentado na Câmara dos Deputados em 7 de junho. No mesmo dia, o deputado Edmar Arruda, do PSC do Paraná, apresentou projeto semelhante, que foi apensado ao do parlamentar goiano. Uma semana depois, em 15 de junho, foi a vez do deputado Fernando Torres, do DEM da Bahia, apresentar projeto praticamente idêntico, também apensado ao de Caiado. E na mesma data, coube à senadora Lúcia Vânia, do PSDB de Goiás, inaugurar essa discussão no Senado, com um projeto de lei do gênero.
Além dessas iniciativas no Congresso Nacional, diversas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais pelo País afora estão discutindo projetos semelhantes, todos eles inspirados na proposta de Gustavo Ioschpe. No caso dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, o mais ousado é o de Ronaldo Caiado, pois ele obriga todas as escolas do ensino básico — não só as públicas, mas também as particulares — a exibir a nota obtida no Ideb. Se aprovado, o projeto de Caiado exigiria adaptações no Ideb, pois a Prova Brasil, um dos indicadores que compõem o índice, é aplicada por amostragem no ensino privado e não universalmente, como ocorre no ensino público urbano.
Paulo Freire da “direita”
A proposta de obrigar as escolas públicas a divulgarem seu Ideb foi lançada por Gustavo Ioschpe na revista “Veja”, na edição de 8 de junho. Ao final de um artigo em que falava de sua participação na “Blitz da Educação”, do “Jornal Nacional”, Ioschpe lançou o seguinte desafio: “As escolas públicas do País deveriam ser obrigadas por lei a pôr o seu Ideb em placa de 1 metro quadrado ao lado da porta principal, em uma escala gráfica mostrando sua nota de zero a 10. Na placa deveria aparecer também o Ideb médio do município e do Estado. A maioria dos pais e professores hoje não sabe se a escola do filho é boa ou ruim, e, se esperarmos que consultem o site do MEC, seremos o país do futuro por muitas gerações. Mande um e-mail para seu deputado e exija essa lei”.
Como as edições de “Veja” são datadas com base na quarta-feira, mas começam a circular no sábado anterior (no caso, 4 de junho), o projeto de lei de Ronaldo Caiado, como ele próprio admite, foi inspirado no artigo de Gustavo Ioschpe, mesmo tendo sido apresentado em 7 de junho. A partir daí, o Ideb na porta das escolas tornou-se uma febre entre políticos de todo o País. Em 7 de julho, Ioschpe anunciou no seu Twitter: “Bomba! Cidade do Rio de Janeiro vai aderir amanhã ao Ideb na Escola. Gol de placa! Parabéns a Eduardo Paes e Claudia Costin” (secretária de Educação da cidade). O próprio prefeito Eduardo Paes respondeu: “Ioschpe, vamos seguindo suas dicas. Aqui no Rio o esforço é total para avançar na educação”.
Gustavo Ioschpe, um jovem de 34 anos, virou sumidade da educação no País, uma espécie de “Paulo Freire da direita”, como poderia dizer a esquerda se ousasse brincar com o santo nome de Freire. Entre seus fiéis seguidores no Twitter estão dois goianos: o próprio secretário estadual de Educação, Thiago Peixoto, e a ex-secretária e ex-deputada federal Raquel Teixeira. Outros políticos do País inteiro, talvez na esperança de conseguir espaço na grande imprensa, enchem o Twitter do economista não apenas com mensagens de apoio, mas também com o anúncio de projetos de lei baseados em sua proposta. Além deles, Ioschpe vem recebendo respaldo da grande imprensa e de outras instituições, especialmente de “Veja”, “Folha de S. Paulo”, “O Globo” e Grupo RBS, além do publicitário Nizan Guanaes.
Ideb não é varinha mágica
A proposta de obrigar as escolas públicas a expor o seu Ideb não é ruim. Mas confundir termômetro com varinha de condão é péssimo. O Ideb detecta sintomas, mas é incapaz de curar doenças. E, como todo indicador de qualidade, ele enfrenta críticas desde que foi criado, em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação, que também criou o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), em 1990, e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 1998. É certo que grande parte dessas críticas têm um fundo ideológico e não se alicerçam na realidade do ensino, mas na utopia dos críticos. Mesmo assim, não convém fazer do Ideb uma espécie de solução mágica para todos os problemas do ensino público; agir assim é contrariar a própria razão de ser desse índice.
Por mais que sejam passíveis de falhas, os índices de qualidade da educação são uma tentativa salutar de avaliar o ensino com base em dados concretos, evitando o discurso apocalíptico ou salvacionista que sempre caracterizou os pensadores da educação. Como observa Emile Durkheim (1858-1917), no clássico “A Evolução Pedagógica”, cada teórico da educação tende a avaliar a escola com base na utopia que professa e não na realidade que vê. Essa tendência começou com a “Didática Magna” (1633), do tcheco João Amós Comênio (1592-1670), ancestral do ensino dito progressista, e virou doença com o genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), autor de “Emílio ou Da Educação” (1762). Rousseau influenciou todo o pensamento pedagógico moderno, mesmo tendo sido um completo fracasso na criação dos próprios filhos, os quais abandonou.
Uma das críticas ao Ideb parte do professor Dermeval Saviani, livre-docente da Unicamp, com pós-doutorado pela Universidade de Bologna, na Itália, que, em entrevista ao caderno “Mais!”, da “Folha de S. Paulo”, em 29 de abril de 2007, acusou o índice de ser fruto de uma “pedagogia de resultados”. Eis o que afirmou Saviani ao jornal: “É uma lógica de mercado, que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos da chamada 'pedagogia das competências' e da 'qualidade total'. Esta, assim como nas empresas, visa a obter a satisfação total dos clientes e interpreta que, nas escolas, aqueles que ensinam são prestadores de serviço, os que aprendem são clientes e a educação é um produto que pode ser produzido com qualidade variável”.
Utopia histórico-crítica
A exemplo da quase totalidade dos pedagogos brasileiros, começando por Paulo Freire (1921-1997), criador do que chamo de “autoajuda marxista”, Dermeval Saviani acusa o Ideb de se guiar pela “lógica de mercado”, mas se esquece que sua própria crítica é pautada pela utopia socialista da “pedagogia histórico-crítica”, uma corrente pedagógica criada por ele, com fundamento em Karl Marx (1818-1883) e, por isso mesmo, muito utilizada nos cursos de pedagogia do País. Até mesmo a avaliação do Plano Nacional de Educação 2001-2008, encomendada pelo próprio MEC e capitaneada por professores da Universidade Federal de Goiás, padece de marxismo congênito, o que mostra a enorme dificuldade de se avaliar a qualidade da educação básica no País, pois a universidade, responsável por essa avaliação, tem um forte viés ideológico.
Ao contrário do que pensam os pedagogos marxistas e os militantes sindicais, não é errado, em si, cobrar resultados das escolas. Eles próprios fazem isso o tempo todo, só que de uma forma perversa: os resultados que cobram dos professores não dizem respeito ao mundo concreto, mas ao “outro mundo possível”, em nome do qual excluem os alunos do mundo real. Trata-se da lógica irracional da utopia, que faz tábula rasa da realidade. A depender dessa pedagogia, a escola se torna partido político, o professor vira militante de uma causa e o ensino se transforma em pura doutrinação. Prova disso é que o linguista Marcos Bagno, no famigerado “Preconceito Linguístico” (que já está na 50ª edição), chega a questionar o ensino como instrumento de promoção social do aluno e indaga textualmente: “Valerá mesmo a pena promover a 'ascensão social' para que alguém se enquadre dentro desta sociedade em que vivemos, tal como ela se apresenta hoje?”
Indicadores de qualidade como o Ideb procuram mostrar que não é preciso virar o mundo de ponta-cabeça para se ensinar português e matemática a uma criança, como acreditam os discípulos de Paulo Freire. Sem dúvida, como dizia Durkheim, “a vida é, às vezes rude, outras vezes, enganosa ou vazia”, mesmo assim, a escola não pode abdicar do mundo tal como ele é, como se fosse uma seita milenarista dedicada a pregar o Apocalipse para melhor apressar o novo Éden. O papel da escola não é educar o aluno para utópicos mundos possíveis, mas para concretos mundos prováveis, os quais lhe compete deduzir com base na realidade. Isso não é “lógica de mercado” - é apenas lógica de sobrevivência humana, que vale em qualquer sociedade desde que o mundo é mundo. Privar o aluno disso, como fazem os pedagogos ditos progressistas, é um crime.
Condições sociais
Sem dúvida, fatores socioeconômicos interferem na educação. Quanto mais baixo é o nível social de uma família, mais difícil é o aprendizado de seus filhos. Obviamente, nem todo pobre está fadado à ignorância. Ao contrário do que prega a maioria dos intelectuais contemporâneos, a inteligência também depende de fatores hereditários. Mesmo assim, não dá para negar que o aluno do ensino público costuma ficar em desvantagem em relação a seus concorrentes do ensino privado. Felizmente, os pedagogos abandonaram o determinismo marxista do passado, mas o Inep continua reconhecendo, acertadamente, que o capital cultural do aluno tende a ser influenciado pelo seu nível socioeconômico.
Só que o instituto também mostra, na análise da Prova Brasil, que o desempenho dos alunos com o mesmo perfil nem sempre é igual. As escolas foram agrupadas por cinco níveis socioeconômicos, do nível 1, o mais baixo, ao nível 5, o mais alto. A escola com maior desempenho no nível socioeconômico mais baixo obteve 206 pontos na Prova Brasil, enquanto a escola de maior desempenho no nível socioeconômico mais alto alcançou 224 pontos. A diferença também se repete entre as escolas de menor desempenho, que obtiveram nota 144 no nível 1 e 174 no nível 5. A média das escolas variou de 173 pontos no grupo de menor nível socioeconômico para 207 pontos na de maior nível.
“A medida que o nível socioeconômico cresce, também aumenta a nota da escola”, conclui o Inep. “Este é um fato já amplamente conhecido, mostrando que o desempenho do aluno reflete, ainda que de forma, não determinística, o capital cultural de sua família, que, no Brasil, está muito associado ao nível socioeconômico”, acrescenta. Mas, em seguida, ressalva que, numa mesma cidade, entre alunos com o mesmo nível socioeconômico, houve expressiva variação de desempenho na Prova Brasil. No nível 3, por exemplo, a pior nota foi 133 e a melhor, 208. “A diferença entre esses dois valores - 75 pontos - é tão relevante que corresponde a mais de três anos de escolarização”, sustenta o Inep. E conclui: “Como a diferença entre as escolas de um mesmo nível socioeconômico não está nos alunos, esta deve ser procurada na gestão pedagógica, na forma de ensinar, na cultura, nos valores da escola ou no projeto pedagógico. Todos esses pontos passíveis de serem mudados com a ação da escola”.
Dimensão moral da escola
A conclusão do Inep mostra o quanto pode ser perigosa a transformação do Ideb na solução para todos os problemas do ensino. O fato de um determinado grupo de alunos ter o mesmo nível socioeconômico não significa que eles sejam todos iguais e que qualquer diferença em seu aprendizado seja responsabilidade exclusiva da escola, como acredita o Inep. O mundo sempre foi prenhe de pobres geniais e ricos estultos que contrariam o determinismo dessa tese. Além disso, a educação comporta uma dimensão moral que jamais é avaliada por indicadores de qualidade como o Ideb. O que mais atrapalha o aprendizado de um aluno não é o seu baixo nível socioeconômico e, sim, o seu baixo nível moral. Ninguém é capaz de ensinar um aluno indisciplinado, que se recusa a aprender. E isso o MEC, o Inep e as universidades se recusam a enxergar.
Uma pesquisa do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), que teve o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ajuda a elucidar essa questão. Realizado entre 2009 e 2010 em 61 escolas da Zona Leste da cidade de São Paulo e divulgado em julho último, o estudo constatou que, quanto maior a vulnerabilidade social de um determinado território, menor é o nível da qualidade de ensino de suas escolas e também menor é a aprendizagem dos alunos. O estudo tomou como parâmetro as notas das escolas no Ideb e constatou que, quanto mais vulnerável é o território em que a escola está situada, menor é a sua nota.
A vulnerabilidade social do território da escola é tão importante que interfere até na bagagem cultural que o aluno traz de casa. A pesquisa do Cenpec mostra que, nas escolas de baixa vulnerabilidade social, 39% dos alunos de maior nível cultural conseguem atingir um nível adequado ou avançado no Ideb. Já nas escolas de alta vulnerabilidade, esse índice cai para 19%. Além disso, 41% dos alunos de maior nível cultural não conseguem nem mesmo atingir o nível básico no Ideb quando estudam em escolas vulneráveis, enquanto nas escolas de baixa vulnerabilidade apenas 19% desses alunos ficam abaixo do básico.
Uma tragédia educacional
Quando a vulnerabilidade da escola se soma ao baixo nível cultural que o aluno traz de berço, então, temos uma verdadeira tragédia educacional. Do total de alunos com baixos recursos culturais que estudam em escolas altamente vulneráveis, cerca de 50% se situam na categoria abaixo do básico, enquanto apenas 10% se situam nos níveis adequado e avançado. Já nas escolas de baixa vulnerabilidade social, mesmo os alunos que trazem pouca bagagem cultural de casa conseguem um desempenho bem melhor: os que se situam abaixo do básico caem para 38% (12 pontos a menos em relação às escolas de alta vulnerabilidade) e os que conseguem atingir o nível adequado sobem para 24% (14 pontos a mais).
Os pesquisadores do Cenpec concluem que, nos territórios de alta vulnerabilidade, as escolas são o principal equipamento público de referência e “tendem, por isso, a ser tomadas pelos problemas sociais do território”. Vale a pena transcrever uma da conclusões do estudo: “As escolas de meios vulneráveis tendem a apresentar um corpo discente fortemente homogêneo no que diz respeito aos baixos recursos culturais familiares e ao local de residência na vizinhança vulnerável da escola. Elas tendem, por essa razão, a reproduzir, em seu interior, a segregação territorial urbana e sociocultural da população que atendem, bem como os problemas decorrentes dessa segregação”.
Os pesquisadores do Cenpec não dizem, mas eu digo: esse quadro se torna ainda mais grave pela influência das universidades no ensino básico. De acordo com a ideologia pedagógica predominante no País (o construtivismo), o aprendizado do aluno deve ocorrer de modo autônomo a partir do seu contexto cultural. Com isso, o professor que leciona nessas regiões de alta vulnerabilidade social não pode fazer da escola um instrumento civilizador - tem de deixar que o aluno despeje na sala de aula toda sorte de barbárie que traz do seu contexto. Se não agir assim, o professor será acusado de opressor e preconceituoso. Por isso, até os livros didáticos de português, inspirados na sociolinguística de Marcos Bagno, estão banindo a norma culta do idioma, com se a função da escola fosse referendar as gírias dos guetos.
O paradoxo das notas
Se o Ideb for colocado na porta das escolas para que elas possam pedir socorro à sociedade, ele será bem-vindo. Mas se for utilizado como instrumento de pressão contra diretores e professores, será mais um desastre na educação brasileira. O verdadeiro problema do ensino básico não é o professor, mas o aluno. Não basta que o professor saiba ensinar - é preciso que o aluno queira aprender. Até Jesus Cristo, na Parábola do Semeador, deixa isso claro: é impossível cultivar uma semente na pedra. Em toda a história da educação brasileira, jamais as escolas públicas contaram com tanto recursos materiais e humanos como contam hoje. Nas grandes cidades, um percentual expressivo de professores tem especialização, mestrado e até doutorado, mas as notas do Ideb são mais altas nas pequenas cidades, onde a qualificação do professor é menor.
São duas as razões para esse paradoxo: primeiro, os cursos de pós-graduação, em muitos casos, só servem para confundir o professor do ensino básico, na medida em que desprezam sua experiência didática em nome de utopias mirabolantes; segundo, a aprendizagem do aluno da escola básica depende mais da autoridade do que da capacidade intelectual do professor. Por isso, Cajuru, no interior de São Paulo, com 23.371 habitantes, e Eirunepé, na Amazônia, com 30.665 moradores, saíram-se muito bem no Ideb de 2009. Cajuru conseguiu colocar seis de suas oito escolas no ranking das melhores médias, enquanto uma escola pública de Eirunepé obteve a quarta melhor nota (8,7), ultrapassando em 3,6 pontos a meta para 2011. Em cidades pequenas, as famílias tendem a estar mais próximas da escola e, com isso, reforçam a autoridade do professor — que é imprescindível para o aprendizado do aluno.
E é justamente a autoridade do professor que vem sendo vilipendiada pelas universidades. As pesquisas acadêmicas sobre educação costumam apontar o suposto autoritarismo dos mestres como causa da violência e indisciplina entre os alunos e ainda acusam os professores de não serem suficientemente criativos para atrair a atenção da classe. É o que se vê no livro “Juventudes: Possibilidades e Limites”, publicado pela Unesco, como resultado de um grande seminário sobre o tema realizado na Universidade Católica de Brasília em novembro de 2009, com o apoio do governo federal. Nesse seminário, ongueiros, executivos federais e doutores universitários foram praticamente unânimes em criticar os professores, acusando-os de não dar voz aos alunos, como se os alunos, hoje, não dessem palpite em tudo dentro da escola. Os professores é que são silenciados, tanto que nunca são chamados a falar nesses seminários.
Leniência do sistema de ensino
Um dos participantes da conferência, o assessor da presidência do BNDES, Ricardo Henriques, chegou a afirmar que “há uma falta de aderência dos professores à vontade dos alunos” e acusou o docente de ser “desencadeador de situações de violência”, como se o professor não fosse uma vítima acuada pela classe, que, uma vez referendada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pode fazer dele o que quiser. Todos os professores que ouvi em minha dissertação de mestrado — defendida há quase dez anos — disseram já ter sido xingados com palavrões por alunos. Um deles afirmou: “Um aluno que xinga o professor, que ameaça de morte o professor, tem que ser pelo menos suspenso. Mas não acontece nada. Hoje, o aluno dizer para o professor ‘vai tomar no cu’ é uma coisa normal. Aluno já me mandou fazer isso. Conversei com a diretora e ela disse que não podia fazer nada. Isso está errado. A escola tinha que poder fazer alguma coisa”.
Que outro profissional convive com isso todo dia como o professor é obrigado a conviver? E o professor não tem a quem reclamar. Os intelectuais universitários veem-no como um incapaz; as autoridades educacionais tratam-no como um relapso; os pais consideram-no um serviçal de seus filhos; os alunos transformam-no em verdadeiro palhaço. E todas as instâncias educacionais do País tentam esconder essa realidade, pois o estudante não pode ser responsabilizado por nada. E quando alunos agridem violentamente um colega ou um professor, muitas vezes é a vítima quem tem de mudar de escola. E se ocorre de o agressor ter de sair, ele jamais é expulso, mas apenas transferido pela própria direção. Ou seja, é premiado, pois não terá nem o trabalho de procurar vaga em outro estabelecimento de ensino — a direção da escola é obrigada a fazer isso por ele.
Entre as soluções para a violência que os acadêmicos defendem estão a abertura das escolas para a comunidade nos finais de semana — sobrecarregando ainda mais o professor — e a promoção da “Cultura da Paz”. Esse movimento, criado pela ONU e encampado pelo MEC, consiste em legitimar as gangues que depredam a escola, pois retira delas o caráter de agressoras — que, de fato, são — para conferir-lhes o “status” de parte legítima de um conflito social. Como se não bastasse, as universidades ainda defendem que os próprios alunos sejam capacitados em mediação de conflitos, fingindo não ver que esses conflitos, na maioria das vezes, envolvem drogas, facas, estiletes, armas de fogo e propensão à chacina, pois membros de gangue são animais selvagens: não sabem o que é honra se deleitam em massacrar, em grupo, a vítima indefesa.
Professor como subcidadão
É na porta desse tipo de escola que a Secretaria Estadual de Educação vai pendurar a placa com a nota do Ideb. Como eu disse, a medida pode ser positiva, desde que não se transforme em mais um instrumento de tortura psicológica contra professores e diretores e sirva como um pedido de socorro da escola, permitindo-se a ela que explicite todos os seus problemas, como a violência, a indisciplina, a vadiagem dos alunos e a tresloucada inclusão de deficientes mentais grave entre alunos normais. Por que Thiago Peixoto, Ronaldo Caiado, Lúcia Vânia, Eduardo Paes e várias outras autoridades pelo País afora dão as costas para esses problemas que os professores relatam todos os dias e correm para pôr em prática as ideias de Gustavo Ioschpe, sendo que muitos mestres da rede pública têm de magistério o que Ioschpe tem de vida?
A importância excessiva que os políticos dão ao empresário e economista é uma forma indireta de desmerecimento do professor. É como se ele valesse mais do que todos os professores brasileiros juntos. Mas os políticos não são os únicos culpados por agirem assim. Foi a universidade quem transformou os professores do ensino básico em subcidadãos. Raras são as pesquisas acadêmicas que ouvem o professor e, quando o fazem, é apenas para desacreditar o que ele diz. Por isso, Gustavo Ioschpe consegue pontificar sobre educação com tanta facilidade, apesar de nunca ter posto os pés numa escola pública, a não ser como celebridade, nas asas do “Jornal Nacional”. Ioschpe é colunista da grande imprensa desde os 20 anos e logo se tornou uma espécie de guru da educação, sobretudo depois do lançamento do livro “A Ignorância Custa um Mundo”, em 2004.
Filho de um engenheiro e industrial gaúcho com uma jornalista e socióloga, Gustavo Ioschpe é herdeiro da Iochpe-Maxion (sem o “s”), empresa do ramo automotivo e ferroviário, além de dono da G7, uma produtora de documentários sobre futebol. Como se vê, educação para ele é quase um hobby, talvez um desafio cognitivo. Isso não significa que não esteja certo em muitas de suas análises, como a defesa que faz do mérito na educação e a crítica ao corporativismo dos sindicatos. Errados estão os que o transformam em gênio salvador do ensino público, apenas porque teve a ideia de pendurar o Ideb, feito um chocalho, no pescoço do professor. Imaginem se um secretário de Saúde resolvesse esfregar na cara dos médicos um indicador da medicina proposto por um profissional de outra área. Ficaria pouco tempo no cargo.
Mais ônus sobre a escola
O principal objetivo de se colocar o Ideb na porta das escolas é mobilizar a comunidade, sobretudo os pais de alunos, para que cobrem a melhoria da qualidade de ensino. Mas é pouco provável que isso aconteça. A tendência é que justamente os pais irresponsáveis, interessados em terceirizar a criação de seus próprios filhos, monopolizem as cobranças junto à direção da escola. As leis vigentes, começando pela Constituição de 88 e passando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, facilitam isso. Elas tanto fizeram para destruir o pátrio poder que muitos pais já estão achando boa a ideia de não terem que se preocupar com os próprios filhos. O próprio MEC deixa claro, no documento sobre a Prova Brasil, que a melhoria da nota no Ideb é responsabilidade exclusiva da escola e jamais do aluno. Sem dúvida, um convite para que os pais lavem as mãos e deixem o problema nas costas do professor.
Aqui vai um só exemplo dessa tendência cada vez mais crescente. Em março deste ano, um grupo de pais do Rio de Janeiro foi condenado a pagar uma indenização de R$ 18 mil por danos morais à diretora de uma escola — ela tinha sido achincalhada por alunos no Orkut, com palavras de baixo calão. Em sua defesa, os pais dos alunos alegaram que a diretora constrangia seus filhos e que eles apenas queriam “estar na moda” ao criar o Orkut. Ora, esse tipo de pai pode ser um aliado da escola na luta pela melhoria do ensino? É óbvio que não. Um pai responsável simplesmente mandaria o filho apagar o Orkut difamatório e iria pessoalmente com ele pedir desculpas à diretora.
Como dizia Durkheim, toda sociedade, para sobreviver, necessita de um mínimo de conformismo lógico associado a um mínimo de conformismo moral. E é justamente a lógica e a moral que estão sendo sistematicamente destruídas pelas próprias universidades, que deveriam ser suas guardiãs. Isso se reflete cotidianamente no ensino, indispondo filhos contra pais, alunos contra mestres, e obrigando a escola básica a acolher e educar com eficácia todo tipo de transgressor, mesmo o violento. Caso se faça um levantamento das teses e dissertações sobre educação produzidas por mestres e doutores do País, dá para criar um outro Ideb: o Índice de Destruição da Educação Básica. É esse índice que precisa ser exposto — só que na porta das universidades brasileiras.
Este é um blog "dependente" ou "assistente" de meu blog principal (diplomatizzando.blogspot.com/), que sucedeu a varios outros (ver os links em Blogs PRA), no qual pretendo "depositar" textos diversos, cuja inserção naquele blog resultaria num peso adicional ou num estorvo à leitura. Considere-se, portanto, como frequentando um sebo ou uma "biblioteca", por certo mal arrumada e mesmo caótica, mas ainda assim um repositório de escritos esparsos.
domingo, agosto 21, 2011
domingo, agosto 14, 2011
Irlanda, da felicidade aos problemas - Colm Tóibín
Ao contrário do que o editor da revista afirma, a Irlanda não voltou à pobreza. Ela representa um dos mais extraordinários exemplos de desenvolvimento econômico e social, arrancando a si mesma da pobreza por políticas corretas. Recentemente, cometeu uma grande bobagem, devido ao excesso de riqueza, justamente: foi garantir a 100% depósitos bancários, atraiu mais capital do que deveria, e foi prejudicada pela crise dos derivativos americanos. Uma bobagem que não deveria ter feito. Mas ela não voltará à pobreza, e sim terá de administrar o buraco financeiro pelos próximos anos. Tem inteligência suficiente para superar um problema conjuntural, e continua a ter boas políticas em outras áreas.
Paulo Roberto de Almeida
O preço da felicidade, o custo da desgraça
por Colm Tóibín
Revista piauí, agosto 2011
Em texto exclusivo para a piauí, o escritor irlandês narra a trajetória de seu país, da pobreza à prosperidade e de volta à pobreza, em apenas quinze anos
Devia ser o verão de 1965, ou talvez um ano antes, e estávamos na praia na costa leste da Irlanda. Eu tinha 9 ou 10 anos. Minha mãe e meus irmãos provavelmente tinham ido nadar e isso significa que eu estava deitado no tapete escutando a conversa do meu pai com a irmã da minha mãe. A irmã da minha mãe gostava de discutir grandes assuntos como religião e política. Agora ela estava perguntando a meu pai, que era um membro ativo do partido do governo, o Fianna Fáil – que desde 1932 esteve quase sempre no poder – se ele apoiava todas as políticas e decisões de seus correligionários. Meu pai disse que sim, e isso me pareceu certo, pois nunca imaginara que ele pudesse pensar de outro modo. Eu sabia a opinião dele sobre o outro partido – o Fine Gael, principal partido oposicionista – que era a de que você podia cumprimentar seus membros quando cruzava com eles na rua, mas se alguma vez votasse neles sua mão direita gangrenaria e seria amputada.
O pai do meu pai era um nacionalista irlandês e tinha lutado contra os britânicos. Participou da rebelião de 1916, que, mesmo sendo derrotada, tornou-se o início do fim do domínio britânico na Irlanda. Em 1922, quando finalmente se retiraram, os ingleses decidiram dividir a Irlanda, ficando com o norte do país, que tinha uma população protestante maior e não queria se separar da Grã-Bretanha. E homens como meu avô eram totalmente contrários a esse arranjo. Meu avô e seus amigos queriam tudo ou nada, uma república formada por toda a ilha; os da outra facção, até ali seus camaradas na luta contra o domínio britânico, queriam aceitar a proposta britânica de uma Irlanda dividida. As duas facções, incluindo irmãos, travaram uma feroz guerra civil. Noventa anos depois, os dois principais partidos – Fianna Fáil e Fine Gael – descendem dessa guerra.
A política de ambos os lados era nacionalista, anti-imperialista e não propriamente de esquerda. O ideário não ia além da vaga noção de uma Irlanda autossuficiente. A guerra que travaram não foi uma guerra de classes. Assim, enquanto alguns ingleses partiram e perderam suas propriedades, a burguesia irlandesa não foi afetada pela independência. Os proprietários rurais mantiveram suas terras; os lojistas, suas lojas; os banqueiros, seus bancos. E a revolução irlandesa foi também comandada principalmente por católicos. O fim da guerra civil viu crescer, ao sul da fronteira, um Estado católico insular profundamente conservador e, ao norte, numa imagem especular, um estado protestante insular profundamente conservador. O partido do meu avô, Fianna Fáil, do qual meu tio também era membro, e no qual meu pai logo ingressaria, tomou o poder no sul em 1932; tornou-se ainda mais conservador e mais católico do que o outro partido, Fine Gael. O Partido Trabalhista continuou pequeno, sempre a terceira força; o movimento sindical também era conservador, e quase não tinha influência.
O problema para o novo Estado irlandês era como proporcionar trabalho à população. Os melhores empregos eram no funcionalismo público. Quase não havia indústria; a Irlanda era ainda um país basicamente agrícola. Dos anos 20 em diante muitos jovens emigraram para a Grã-Bretanha e Estados Unidos em busca de trabalho. Em 1939 Seán Lemass, que se tornaria primeiro-ministro vinte anos mais tarde, disse que os problemas econômicos da Irlanda tinham “criado uma situação em que o desaparecimento da raça era uma possibilidade que não podia ser ignorada”. O isolamento do país se acentuou ainda mais por causa da posição de neutralidade que assumiu durante a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, enquanto a Europa era reconstruída com dinheiro do Plano Marshall, a Irlanda ficou, assim como a Espanha e Portugal, à margem da nova prosperidade.
Era, nos anos 50, um lugar atrasado, do qual era um alívio, quase um prazer, emigrar. Quatro em cada cinco crianças nascidas na Irlanda entre 1931 e 1941 emigraram. No final daquela década estava claro que era preciso fazer algo para modernizar o país. Em 1958 foi publicado o Primeiro Programa para a Expansão Econômica. A Irlanda tinha sido admitida no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional em 1957. A partir de 1958, o país se abriu para o investimento estrangeiro e para o capital externo, predominantemente americano.
A década de 60 foi, então, um tempo de mudanças na Irlanda. Não apenas o pensamento econômico se liberalizou, como também a influência da Igreja começou a declinar, sob pressão, por exemplo, do movimento feminista. O avanço da televisão e a suspensão da draconiana censura a livros contribuíram para a mudança. A Irlanda do Norte também começou a mudar com o avanço do movimento pelos direitos civis, que exigia maior igualdade para os católicos. Isso levou no norte à ascensão do IRA, que estava disposto a matar e mutilar pelo fim da divisão do país e pela derrubada do domínio britânico na região.
Meu pai morreu em 1967. Tinha apoiado integralmente a abertura da economia irlandesa, e eu muitas vezes me perguntei como ele teria reagido diante da violência na Irlanda do Norte. Homens da sua geração insistiam que queriam um único Estado na ilha, mas o que eles realmente queriam era estabilidade e progresso econômico ao sul da fronteira (a Irlanda foi declarada uma república em 1949). Assim, quando começou a década de 70, o sul decidiu ignorar a violência no norte e passou a olhar para fora. Queria ingressar na Comunidade Econômica Europeia ao mesmo tempo que a Grã-Bretanha. Depois de prolongadas negociações e de uma vitória esmagadora num referendo, a República da Irlanda entrou na CEE, como era então chamada, em 1973.
Foi aí que começou a verdadeira mudança. Os gastos públicos aumentaram em todas as áreas. A frequência escolar triplicou. A proibição da venda de anticoncepcionais foi declarada inconstitucional em 1973. O número de mulheres a integrar a força de trabalho duplicou em uma década. Com dinheiro europeu, novas estradas foram construídas, dando lugar a uma infraestrutura mais moderna.
Mas algumas coisas não mudaram. O político para o qual meu pai trabalhava em épocas de eleição tinha lutado na rebelião de 1916 e ainda era membro do Parlamento em 1969. Seu filho se tornou senador. Seu neto é, no momento, membro do Parlamento Europeu. Na Irlanda hoje, em 2011, o primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o líder da oposição, que se tornará o próximo primeiro-ministro, são todos filhos de políticos. Não tiveram que fazer quase nada, ou sequer pensar muito, antes de entrar na política. Era como se tivessem herdado dos pais os assentos no Parlamento e a filosofia política. Em outras áreas, como a carreira médica, a carreira jurídica ou a financeira, pouco mudou. Todos vêm de famílias da alta burguesia, estudaram em escolas de elite e nutrem o sentimento de que o poder lhes é devido, e isso nenhuma transformação social ou econômica parece abalar. Ao mesmo tempo em que a Irlanda mudava e cresciam as oportunidades, o país continuava curiosamente estagnado em termos sociais, e curiosamente conservador em termos políticos, com os dois partidos da guerra civil, ambos conservadores e convencionais, garantindo a estabilidade.
Era um pouco estranho viver aqui, um lugar que não teve Renascença, que quase não teve Reforma, nem Iluminismo, nem Revolução Industrial. Somente uma história de violência, pobreza e emigração. Um lugar governado até 1922 pelo Império Britânico, seguido de quatro décadas de estagnação cultural e econômica antes da integração ao império europeu, por assim dizer, em 1973. E, no entanto, havia também um surpreendente fascínio em torno da Irlanda, em especial de Dublin, onde o mundo da escrita – o poema, o romance, a peça de teatro, o artigo de jornal – era tratado com uma espécie de reverência e seriedade que só se encontra em sociedades nas quais faltam muitas outras coisas. Isso foi algo de que o governo se deu conta no final dos anos 60, compreendendo que a imagem da Irlanda era criada por escritores e cantores, e que essa imagem era tão importante quanto as políticas econômicas da Irlanda para atrair investimento estrangeiro. Subitamente, Yeats, Joyce e Beckett ficaram na moda, e a política governamental com relação à cultura se tornou esclarecida.
Foi Margaret Thatcher quem percebeu que, na verdade, a República da Irlanda não cobiçava territórios na Irlanda do Norte. Queríamos estabilidade ali, e o fim da violência, mais ainda do que queriam os britânicos. Então, a partir de 1985, e da assinatura do Acordo Anglo-Irlandês, os governos britânico e irlandês trabalharam juntos, e esse trabalho levou, uma década depois, ao fim da campanha do IRA no norte.
Nesse ínterim, a República da Irlanda se tornou uma economia aberta, dependendo cada vez menos da agricultura e cada vez mais do investimento estrangeiro. As multinacionais estavam satisfeitas conosco: nosso movimento sindical não era combativo; tínhamos uma mão de obra escolarizada e flexível; falávamos inglês; éramos membros da União Europeia; e nossa taxação sobre os seus lucros era mais baixa que a de qualquer outro país da UE.
Em 1984 comprei uma casa em Dublin. Foi difícil. Embora eu tivesse um emprego seguro, nenhum banco, em princípio, quis me dar um empréstimo. Notei o quanto os gerentes eram cautelosos, como se mostravam desconfiados diante de qualquer coisa fora do normal. A casa ficava numa área da cidade que na época não era considerada boa, e isso os deixava intrigados a meu respeito. Finalmente consegui o empréstimo. Os juros eram altos. Em dois anos o valor da casa tinha caído 20%. E então os preços começaram a subir, mas os gerentes de banco continuaram no caminho da prudência. Em 1997 quando decidi me mudar de novo, tive um bocado de dificuldade para conseguir um segundo empréstimo, embora tivesse quase terminado de pagar o primeiro.
No início do novo século, porém, com os preços das casas subindo por toda a Irlanda, descobri que os bancos irlandeses estavam jogando dinheiro na mão da gente. Os velhos gerentes tinham se aposentado; agora havia uma geração nova e impetuosa. Para meu espanto, consegui sem dificuldade um empréstimo para comprar uma casa na frente da praia. Quase não me fizeram perguntas. E houve ainda uma sugestão para que eu pegasse mais dinheiro emprestado para investir em novas propriedades; por pura preguiça não aceitei essa oferta.
A essa altura, a Irlanda estava integrada ao euro, introduzido em janeiro de 2002. Pelo fato de a moeda ser efetivamente controlada pela Alemanha, as taxas de juros estavam e permaneceriam baixas, assim como os índices de inflação. Fazer parte do euro me deixava orgulhoso. Me lembro que estava em Ibiza com amigos escoceses em 1º de janeiro de 2002 e usei meu cartão naquela manhã para sacar cédulas novinhas e me gabar de que a Irlanda, como membro do euro, era mais europeia que a Grã-Bretanha.
Se a gente não parasse para pensar, o euro parecia uma boa ideia. Oferecia estabilidade, e isso significava que a Europa poderia competir com os Estados Unidos, que o euro poderia se tornar uma moeda internacional mais poderosa que o dólar. Contribuía para o sentimento de que a Europa era agora um lugar sem barreiras, onde era possível ir de carro de Portugal até o leste da Alemanha e depois descer para a Itália sem trocar dinheiro e sem ser parado pela polícia em nenhuma fronteira.
O problema era que o euro era regulado pelo Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, mas cada Estado tinha sua própria política econômica, suas próprias forças e fraquezas. Ficou claro desde o começo que alguns países no sistema do euro – Alemanha, França, Holanda – tinham economias muito mais fortes do que outros – Irlanda, Espanha, Portugal, Grécia. Esperava-se que a regulação e a prosperidade crescente criassem aos poucos uma Europa mais equilibrada, e que o euro acelerasse esse processo.
No início, operaram-se maravilhas na Irlanda, com a ajuda de um aumento da atividade multinacional norte-americana. Atingimos pleno emprego. A todo momento eu via estatísticas demonstrando que a Irlanda tinha se tornado um país de sucesso, uma lição para o resto do mundo. Políticos, incluindo alguns dos maiores idiotas que a Irlanda já produziu, competiam entre si reivindicando o crédito pelo que ficaria conhecido como o Tigre Celta.
E naqueles mesmos anos outras mudanças estavam ocorrendo. Em 1988, a Corte Europeia de Direitos Humanos ordenou que o governo irlandês mudasse a lei contra o homossexualismo. Nos anos 90, a proibição do divórcio também foi retirada da Constituição. (A proibição do aborto, inserida nos anos 80, permaneceu.) E também teve início algo inimaginável. O Estado enfrentou a Igreja, que até então era todo-poderosa, sentindo-se acima da lei. Padres foram acusados, condenados e presos por abuso sexual de menores. No começo do novo século, apareceram muitos relatórios oficiais provando que o abuso e a violência selvagem cometidos por padres e membros das ordens religiosas contra aqueles sob sua guarda – frequentemente órfãos ou crianças pobres – tinham sido sistemáticos e encobertos com cuidado pelas autoridades eclesiásticas. As pessoas estavam furiosas com a Igreja. De repente, o poder da Igreja Católica na Irlanda virou coisa do passado.
Assim, à medida que a primeira década do século XXI avançava, as pessoas começaram a se perguntar se essa onda de prosperidade e secularização transformaria a Irlanda e afetaria, por exemplo, a literatura irlandesa, se nos faria produzir um tipo diferente de romance ou poema ou peça de teatro, se tornaria mais leve o nosso tom, ou mais comerciais as nossas obras. Já que tudo tinha se tornado comercial, por que não a cultura também?
Seria possível que a Irlanda fosse tão frágil que a chegada da prosperidade pudesse mudar fundamentalmente a sua cultura? Naqueles anos, eu fiquei à espreita dessa possibilidade. Vi como os novos-ricos se tornaram extravagantes e vulgares, e como o consumo ostensivo parecia adicionar uma aura de histeria à atmosfera do país. Mas isso era só na superfície, entre os poucos que podiam se dar ao luxo de ter helicópteros particulares ou motoristas. Para o resto do país, o dinheiro trouxe prazer e um certo conforto. Notei, ao viajar com frequência aos Estados Unidos, que os aviões estavam todos lotados, não de turistas americanos, nem de empresários irlandeses, mas de consumidores irlandeses com o bolso cheio de cartões de crédito na viagem de ida e sacolas cheias de compras reluzentes na viagem de volta. A maioria era gente irlandesa comum e notei o quanto eles se divertiam, como imediatamente, a exemplo dos imigrantes do passado, eles encontravam em Nova York um bar, um restaurante ou um hotelzinho, geralmente administrado por irlandeses, onde se sentiam à vontade.
Em casamentos e enterros, eu prestava atenção para ver se notava alguma diferença. As festas de casamento eram maiores, gastava-se mais, e a vida era melhor porque a maioria dos convidados morava na Irlanda, e não tinha que viajar da América ou da Grã-Bretanha ou da Austrália para estar presente. Mas os homens se encostavam no balcão do bar do mesmo jeito de sempre; a música continuava péssima, e os chapéus que algumas mulheres usavam talvez fossem mais caros, mas revelavam o mesmo mau gosto de sempre. As pessoas ficavam bêbadas do mesmo jeito. Isso ao menos não tinha mudado, ainda que agora bebessem mais vinho e menos Guinness.
Algumas das mudanças vinham de longa data. Desde o final dos anos 60, a frequência das missas semanais vinha caindo; continuou a cair. Desde o final da década de 60, os supermercados tinham mais produtos estrangeiros – mais massa, patês, azeite de oliva – e a dieta irlandesa continuava a se aproximar da dieta da França ou da Espanha. Nos enterros, especialmente na cidadezinha onde nasci e cresci, não parecia ter havido mudança alguma; as pessoas se comportavam nas pequenas comunidades exatamente da mesma maneira, com a mesma reverência pelo corpo, o mesmo zelo pelos parentes e amigos, a mesma seriedade diante da morte.
E ainda que as oportunidades de ganhar muito dinheiro aumentassem, a ideia de se tornar escritor, ator ou músico ainda merecia profundo respeito. Em 2006 fui indicado pelo governo para o Conselho das Artes e examinei todos os pedidos de subvenção. Era como se nada tivesse acontecido. Pequenas companhias teatrais ainda estavam sendo criadas, trabalhando não por dinheiro, nem sequer pela fama. Jovens músicos, tanto na música tradicional irlandesa quanto na clássica, continuavam a surgir. E o mais estranho, talvez, foi que a geração que chegou à idade adulta com essa nova prosperidade produziu um bom número de jovens escritores – Claire Keegan, Paul Murray, Kevin Barry, Clare Kilroy, Christian O’Reilly – que exploravam os mesmos temas de Joyce ou Beckett, Edna O’Brien e John Banville. Escreviam sobre famílias irlandesas e infância irlandesa, a escuridão e o isolamento da Irlanda. Usavam um idioma que haviam herdado; e escreviam principalmente para o seu próprio país e eram lidos avidamente.
Eu me perguntava então se o dinheiro que veio nos anos 90 e durou por uns quinze anos não teria servido apenas para tornar as pessoas mais felizes, dando a elas um pouco mais de segurança. Parecia que a prosperidade que chegou à Irlanda significava que pais e avós podiam ficar tranquilos sabendo que a nova geração permaneceria no país, encontraria trabalho, criaria raízes, e isso os deixava felizes. Além disso, neste país do norte com seus longos invernos e chuvosos verões, todos adoram viajar para o sul, e naqueles anos, nas manhãs de sábado, havia uma felicidade palpável no aeroporto, de onde famílias inteiras partiam para a Grécia, Portugal ou Espanha. Às vezes, porém, era tudo excessivo: os novos restaurantes, de preços abusivos e comida não muito boa, ficavam lotados todas as noites; as pessoas pareciam sentir prazer em atingir o limite de seus cartões de crédito; o preço das casas tornou-se tópico de intermináveis discussões; os irlandeses compravam apartamentos na Espanha e em Portugal sem se preocupar em aprender uma palavra da língua local.
Mas uma coisa fundamental não mudou. Entrando em qualquer bar de Dublin, via-se que continuavam as conversas e risadas, a sensação quase de performance, o modo caloroso e divertido como as pessoas se relacionavam umas com as outras – um clima muito diferente do comportamento frio num bar de Londres ou de Paris. Observando turistas irlandeses num aeroporto nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, via-se nos seus rostos uma profunda desconfiança em relação às autoridades constituídas, uma espécie de retraimento, uma falta de segurança. A música que se ouvia naqueles anos, os poemas e romances escritos, as peças encenadas, tudo isso era feito com a mesma sensação de que a palavra era importante. Também na Irlanda daqueles anos o esporte permaneceu no centro das coisas, incluindo os dois esportes nacionais amadores: o hurling[1] e o futebol gaélico. Era possível assistir a uma partida, mesmo em Dublin, e ter a impressão de ter voltado aos anos 50.
Em outras palavras, o dinheiro era só dinheiro, e ao mesmo tempo em que as pessoas gastavam muito, e viviam sem prudência, elas também usufruíam dessa prosperidade, da segurança que ela trazia, das viagens ao exterior, das reuniões familiares, das roupas vistosas, das refeições em restaurantes, das casas de férias, do sentimento vertiginoso de que a vida nunca tinha sido melhor. Mas quem examinasse com cuidado aqueles anos descobriria facilmente que a nova riqueza na Irlanda era quase ilusória e não duraria.
Em 2006 fui convidado a debater essa relação entre o milagre econômico irlandês e a cultura irlandesa num simpósio nos Estados Unidos. Decidi observar primeiro a anatomia do milagre econômico, e algumas coisas que descobri me chocaram. Eis o que escrevi na época: “Um grande volume de atividade econômica na Irlanda está concentrado não no comércio ou na consolidação da produção, mas na construção civil. A Irlanda é, de acordo com o Bank of Ireland, a segunda nação mais rica do mundo, atrás do Japão. E, observa o banco, um aspecto crucial dessa riqueza é que é riqueza de primeira geração, criada nos últimos dez anos. Se analisarmos a riqueza da Irlanda, veremos que não é como a riqueza em outros lugares. Os irlandeses estão gastando e tomando empréstimos à vontade, mas não investem em áreas como pesquisa e desenvolvimento, que criariam mais prosperidade no futuro, mas em imóveis, que dependem dos preços do mercado imobiliário para manter seu valor.”
Os irlandeses estavam viajando muito, mas poucos iam para a Alemanha, e pouquíssimos chegaram a compreender que a Alemanha tinha mudado, e que essa mudança seria prejudicial para o futuro da Irlanda quando a economia irlandesa entrasse em dificuldades. Os alemães do Leste ingressaram na UE ao mesmo tempo em que se integraram à Alemanha Ocidental. Diferentemente dos húngaros, digamos, ou dos tchecos, entraram na UE sem pensar duas vezes. Concentraram-se unicamente nos benefícios que a reunificação traria para eles. A Alemanha, por sua vez, concentrou-se em fazer a reunificação funcionar. De uma hora para outra, a Alemanha Ocidental ganhou uma nova população, em boa parte qualificada, e isso significava que os salários baixariam ou ficariam estáveis. O governo alemão tomou o cuidado de não superaquecer a economia; os impostos continuaram elevados. Os bancos alemães, apesar das baixas taxas de juros, não franquearam seus cofres aos investidores alemães. Eles emprestaram a outros bancos.
Naqueles anos, por todo o continente, a outrora poderosa ideia de que a Europa era uma cultura única e deveria se tornar cada vez mais uma economia única estava murchando. Acreditava-se que a diluição da soberania nacional tinha ocorrido rápido demais, sem debate suficiente. Havia uma visão de que a Europa era um superestado, mas não uma democracia, que sua burocracia de salários excessivos não prestava contas a ninguém, e que cada Estado nacional tinha direitos e tradições que mereciam ser protegidos. Na Alemanha, disseminou-se a opinião de que não era mais tarefa dos países ricos ajudar os países pobres.
Em 2008, quando o governo americano permitiu que o banco de investimentos Lehman Brothers falisse, o Banco Central Europeu decidiu que isso não aconteceria com os seus bancos. Os riscos eram grandes demais. Na Irlanda, um banco em especial – o Anglo Irish Bank – vinha crescendo muito, especialmente na área de crédito imobiliário. E devido à frouxa regulamentação na Irlanda e, ao que parece, a uma regulamentação quase inexistente por parte da UE, o Anglo Irish estava arriscando demais. Não obstante, os seus diretores eram tratados como príncipes num país sem realeza. Escrevia-se sobre eles como se fossem lordes. Dizia-se que eram eles que tinham a capacidade de levar a Irlanda para o futuro, onde se veria livre da pobreza e da emigração, livre de seu passado de colônia.
Assim, quando os banqueiros procuraram o governo em setembro de 2008 para dizer que precisavam desesperadamente de ajuda estatal, o governo tinha dois motivos para ouvi-los. Primeiro, o Banco Central Europeu tinha deixado claro que nenhum banco deveria falir, e os políticos irlandeses não tinham experiência alguma em finanças internacionais ou interesse algum em desafiar uma organização tão venerável, sediada na Alemanha. Segundo, os políticos gostavam dos banqueiros e os admiravam, e não desconfiaram que as cifras que lhes eram apresentadas estavam completamente erradas. Não sabiam que, se o Estado irlandês salvasse do naufrágio os seus bancos, os custos representariam o dobro da receita anual com impostos. E inocentemente se dispuseram a garantir os bancos.
Nesse ínterim, a bolha imobiliária tinha estourado. A receita governamental em 2009 foi de 35 bilhões, enquanto os gastos foram de 55 bilhões. A Irlanda precisaria pedir dinheiro emprestado em 2010 e nos três ou quatro anos seguintes. O país estava vulnerável porque o custo de salvar os bancos era inimaginável; os políticos pareciam temer divulgar a cifra e os banqueiros obviamente também não a revelavam. (Os banqueiros agora tinham caído em desgraça. Segundo consta, nem em partida de golfe alguém queria ser visto ao lado deles.)
Num ataque especulativo ao euro, a Irlanda era o elo mais fraco. A Grécia já tinha sido salva do naufrágio, para grande consternação do contribuinte alemão. E logo, parecia, tanto a Espanha como Portugal iriam precisar de ajuda. Os bancos irlandeses estavam sobrevivendo com dinheiro do Banco Central Europeu; a Comissão Europeia também tinha um fundo para ajudar países necessitados, mas isso traria consigo o Fundo Monetário Internacional, como ocorrera na Grécia, e a ajuda só seria fornecida sob as mais severas condições. A chegada da Comissão e do FMI significaria que a Irlanda, poucos anos antes um dos países mais ricos do mundo, era agora uma economia moribunda.
Os políticos continuavam a se comportar como se fossem competentes. Estavam dia e noite no rádio e na televisão, exalando controle e uma estranha certeza de que ainda tinham legitimidade para comandar. Lentamente, a população despertou para o que estava acontecendo. A ira contra o Fianna Fáil, o partido de meu pai e meu avô, não é corriqueira. Quando a eleição vier, o partido será dizimado. Porque representavam, desde os anos 60, tanto o patriotismo como o pragmatismo, e porque fracassaram em ambos os campos. Eles se tornaram alvo fácil depois de cederem a soberania da Irlanda ao FMI, uma soberania pela qual lutaram os nossos antepassados.
Enquanto isso, a emigração recomeçou, e os jovens estão se mudando para a Grã-Bretanha, a Austrália e o Canadá. Estamos perdendo mais uma geração. Mas estamos também perplexos, com um misto de choque e vergonha. Como pudemos acreditar que um pequeno país como a Irlanda, com uma história de pobreza e fracasso, pudesse ser rico e permanecer rico? Por que compramos casas que custavam tão caro e agora valem tão pouco? Como confiamos que a Europa viria nos salvar, sem pensar que viria também nos punir por nossa insensatez? Como confiamos no Fianna Fáil, cujos ministros não sabem coisa alguma de economia, e entraram na política só por causa de suas famílias?
As noites escuras do inverno serão um bom momento para romancistas, dramaturgos e poetas. É fácil deixar a televisão e o rádio desligados. Já ouvimos o bastante; conhecemos as más notícias. No início dos anos 1890, quando a Irlanda também estava de
joelhos, e os padres e políticos também tinham feito o que há de pior, o poeta W. B. Yeats viu o futuro da Irlanda como cera mole, um lugar que podia ser moldado, no qual a vida da imaginação poderia vir a assumir o primeiro plano. Talvez isso seja possível de novo, talvez nossos romances, peças e poemas passem a importar mais, já que não há nada aqui, exceto preocupação, desespero e riso soturno. Essa abertura para a imaginação poderia parecer, em momentos de devaneio, uma coisa boa. Mas é um alto preço a pagar pelo que foi feito ao nosso país, ou pelo que o país fez a si mesmo. Embora o estrago, ao que me parece, esteja na superfície, e afetará apenas o nosso orgulho e o nosso bolso; o espírito das coisas aqui continua o mesmo, a cultura da Irlanda não mudou nos anos do boom e não mudará agora que temos diante de nós uma década de relativa pobreza.
[1] Hurling: literalmente, arremesso. Jogo tradicional irlandês semelhante ao hóquei (N.T.).
Paulo Roberto de Almeida
O preço da felicidade, o custo da desgraça
por Colm Tóibín
Revista piauí, agosto 2011
Em texto exclusivo para a piauí, o escritor irlandês narra a trajetória de seu país, da pobreza à prosperidade e de volta à pobreza, em apenas quinze anos
Devia ser o verão de 1965, ou talvez um ano antes, e estávamos na praia na costa leste da Irlanda. Eu tinha 9 ou 10 anos. Minha mãe e meus irmãos provavelmente tinham ido nadar e isso significa que eu estava deitado no tapete escutando a conversa do meu pai com a irmã da minha mãe. A irmã da minha mãe gostava de discutir grandes assuntos como religião e política. Agora ela estava perguntando a meu pai, que era um membro ativo do partido do governo, o Fianna Fáil – que desde 1932 esteve quase sempre no poder – se ele apoiava todas as políticas e decisões de seus correligionários. Meu pai disse que sim, e isso me pareceu certo, pois nunca imaginara que ele pudesse pensar de outro modo. Eu sabia a opinião dele sobre o outro partido – o Fine Gael, principal partido oposicionista – que era a de que você podia cumprimentar seus membros quando cruzava com eles na rua, mas se alguma vez votasse neles sua mão direita gangrenaria e seria amputada.
O pai do meu pai era um nacionalista irlandês e tinha lutado contra os britânicos. Participou da rebelião de 1916, que, mesmo sendo derrotada, tornou-se o início do fim do domínio britânico na Irlanda. Em 1922, quando finalmente se retiraram, os ingleses decidiram dividir a Irlanda, ficando com o norte do país, que tinha uma população protestante maior e não queria se separar da Grã-Bretanha. E homens como meu avô eram totalmente contrários a esse arranjo. Meu avô e seus amigos queriam tudo ou nada, uma república formada por toda a ilha; os da outra facção, até ali seus camaradas na luta contra o domínio britânico, queriam aceitar a proposta britânica de uma Irlanda dividida. As duas facções, incluindo irmãos, travaram uma feroz guerra civil. Noventa anos depois, os dois principais partidos – Fianna Fáil e Fine Gael – descendem dessa guerra.
A política de ambos os lados era nacionalista, anti-imperialista e não propriamente de esquerda. O ideário não ia além da vaga noção de uma Irlanda autossuficiente. A guerra que travaram não foi uma guerra de classes. Assim, enquanto alguns ingleses partiram e perderam suas propriedades, a burguesia irlandesa não foi afetada pela independência. Os proprietários rurais mantiveram suas terras; os lojistas, suas lojas; os banqueiros, seus bancos. E a revolução irlandesa foi também comandada principalmente por católicos. O fim da guerra civil viu crescer, ao sul da fronteira, um Estado católico insular profundamente conservador e, ao norte, numa imagem especular, um estado protestante insular profundamente conservador. O partido do meu avô, Fianna Fáil, do qual meu tio também era membro, e no qual meu pai logo ingressaria, tomou o poder no sul em 1932; tornou-se ainda mais conservador e mais católico do que o outro partido, Fine Gael. O Partido Trabalhista continuou pequeno, sempre a terceira força; o movimento sindical também era conservador, e quase não tinha influência.
O problema para o novo Estado irlandês era como proporcionar trabalho à população. Os melhores empregos eram no funcionalismo público. Quase não havia indústria; a Irlanda era ainda um país basicamente agrícola. Dos anos 20 em diante muitos jovens emigraram para a Grã-Bretanha e Estados Unidos em busca de trabalho. Em 1939 Seán Lemass, que se tornaria primeiro-ministro vinte anos mais tarde, disse que os problemas econômicos da Irlanda tinham “criado uma situação em que o desaparecimento da raça era uma possibilidade que não podia ser ignorada”. O isolamento do país se acentuou ainda mais por causa da posição de neutralidade que assumiu durante a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, enquanto a Europa era reconstruída com dinheiro do Plano Marshall, a Irlanda ficou, assim como a Espanha e Portugal, à margem da nova prosperidade.
Era, nos anos 50, um lugar atrasado, do qual era um alívio, quase um prazer, emigrar. Quatro em cada cinco crianças nascidas na Irlanda entre 1931 e 1941 emigraram. No final daquela década estava claro que era preciso fazer algo para modernizar o país. Em 1958 foi publicado o Primeiro Programa para a Expansão Econômica. A Irlanda tinha sido admitida no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional em 1957. A partir de 1958, o país se abriu para o investimento estrangeiro e para o capital externo, predominantemente americano.
A década de 60 foi, então, um tempo de mudanças na Irlanda. Não apenas o pensamento econômico se liberalizou, como também a influência da Igreja começou a declinar, sob pressão, por exemplo, do movimento feminista. O avanço da televisão e a suspensão da draconiana censura a livros contribuíram para a mudança. A Irlanda do Norte também começou a mudar com o avanço do movimento pelos direitos civis, que exigia maior igualdade para os católicos. Isso levou no norte à ascensão do IRA, que estava disposto a matar e mutilar pelo fim da divisão do país e pela derrubada do domínio britânico na região.
Meu pai morreu em 1967. Tinha apoiado integralmente a abertura da economia irlandesa, e eu muitas vezes me perguntei como ele teria reagido diante da violência na Irlanda do Norte. Homens da sua geração insistiam que queriam um único Estado na ilha, mas o que eles realmente queriam era estabilidade e progresso econômico ao sul da fronteira (a Irlanda foi declarada uma república em 1949). Assim, quando começou a década de 70, o sul decidiu ignorar a violência no norte e passou a olhar para fora. Queria ingressar na Comunidade Econômica Europeia ao mesmo tempo que a Grã-Bretanha. Depois de prolongadas negociações e de uma vitória esmagadora num referendo, a República da Irlanda entrou na CEE, como era então chamada, em 1973.
Foi aí que começou a verdadeira mudança. Os gastos públicos aumentaram em todas as áreas. A frequência escolar triplicou. A proibição da venda de anticoncepcionais foi declarada inconstitucional em 1973. O número de mulheres a integrar a força de trabalho duplicou em uma década. Com dinheiro europeu, novas estradas foram construídas, dando lugar a uma infraestrutura mais moderna.
Mas algumas coisas não mudaram. O político para o qual meu pai trabalhava em épocas de eleição tinha lutado na rebelião de 1916 e ainda era membro do Parlamento em 1969. Seu filho se tornou senador. Seu neto é, no momento, membro do Parlamento Europeu. Na Irlanda hoje, em 2011, o primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o líder da oposição, que se tornará o próximo primeiro-ministro, são todos filhos de políticos. Não tiveram que fazer quase nada, ou sequer pensar muito, antes de entrar na política. Era como se tivessem herdado dos pais os assentos no Parlamento e a filosofia política. Em outras áreas, como a carreira médica, a carreira jurídica ou a financeira, pouco mudou. Todos vêm de famílias da alta burguesia, estudaram em escolas de elite e nutrem o sentimento de que o poder lhes é devido, e isso nenhuma transformação social ou econômica parece abalar. Ao mesmo tempo em que a Irlanda mudava e cresciam as oportunidades, o país continuava curiosamente estagnado em termos sociais, e curiosamente conservador em termos políticos, com os dois partidos da guerra civil, ambos conservadores e convencionais, garantindo a estabilidade.
Era um pouco estranho viver aqui, um lugar que não teve Renascença, que quase não teve Reforma, nem Iluminismo, nem Revolução Industrial. Somente uma história de violência, pobreza e emigração. Um lugar governado até 1922 pelo Império Britânico, seguido de quatro décadas de estagnação cultural e econômica antes da integração ao império europeu, por assim dizer, em 1973. E, no entanto, havia também um surpreendente fascínio em torno da Irlanda, em especial de Dublin, onde o mundo da escrita – o poema, o romance, a peça de teatro, o artigo de jornal – era tratado com uma espécie de reverência e seriedade que só se encontra em sociedades nas quais faltam muitas outras coisas. Isso foi algo de que o governo se deu conta no final dos anos 60, compreendendo que a imagem da Irlanda era criada por escritores e cantores, e que essa imagem era tão importante quanto as políticas econômicas da Irlanda para atrair investimento estrangeiro. Subitamente, Yeats, Joyce e Beckett ficaram na moda, e a política governamental com relação à cultura se tornou esclarecida.
Foi Margaret Thatcher quem percebeu que, na verdade, a República da Irlanda não cobiçava territórios na Irlanda do Norte. Queríamos estabilidade ali, e o fim da violência, mais ainda do que queriam os britânicos. Então, a partir de 1985, e da assinatura do Acordo Anglo-Irlandês, os governos britânico e irlandês trabalharam juntos, e esse trabalho levou, uma década depois, ao fim da campanha do IRA no norte.
Nesse ínterim, a República da Irlanda se tornou uma economia aberta, dependendo cada vez menos da agricultura e cada vez mais do investimento estrangeiro. As multinacionais estavam satisfeitas conosco: nosso movimento sindical não era combativo; tínhamos uma mão de obra escolarizada e flexível; falávamos inglês; éramos membros da União Europeia; e nossa taxação sobre os seus lucros era mais baixa que a de qualquer outro país da UE.
Em 1984 comprei uma casa em Dublin. Foi difícil. Embora eu tivesse um emprego seguro, nenhum banco, em princípio, quis me dar um empréstimo. Notei o quanto os gerentes eram cautelosos, como se mostravam desconfiados diante de qualquer coisa fora do normal. A casa ficava numa área da cidade que na época não era considerada boa, e isso os deixava intrigados a meu respeito. Finalmente consegui o empréstimo. Os juros eram altos. Em dois anos o valor da casa tinha caído 20%. E então os preços começaram a subir, mas os gerentes de banco continuaram no caminho da prudência. Em 1997 quando decidi me mudar de novo, tive um bocado de dificuldade para conseguir um segundo empréstimo, embora tivesse quase terminado de pagar o primeiro.
No início do novo século, porém, com os preços das casas subindo por toda a Irlanda, descobri que os bancos irlandeses estavam jogando dinheiro na mão da gente. Os velhos gerentes tinham se aposentado; agora havia uma geração nova e impetuosa. Para meu espanto, consegui sem dificuldade um empréstimo para comprar uma casa na frente da praia. Quase não me fizeram perguntas. E houve ainda uma sugestão para que eu pegasse mais dinheiro emprestado para investir em novas propriedades; por pura preguiça não aceitei essa oferta.
A essa altura, a Irlanda estava integrada ao euro, introduzido em janeiro de 2002. Pelo fato de a moeda ser efetivamente controlada pela Alemanha, as taxas de juros estavam e permaneceriam baixas, assim como os índices de inflação. Fazer parte do euro me deixava orgulhoso. Me lembro que estava em Ibiza com amigos escoceses em 1º de janeiro de 2002 e usei meu cartão naquela manhã para sacar cédulas novinhas e me gabar de que a Irlanda, como membro do euro, era mais europeia que a Grã-Bretanha.
Se a gente não parasse para pensar, o euro parecia uma boa ideia. Oferecia estabilidade, e isso significava que a Europa poderia competir com os Estados Unidos, que o euro poderia se tornar uma moeda internacional mais poderosa que o dólar. Contribuía para o sentimento de que a Europa era agora um lugar sem barreiras, onde era possível ir de carro de Portugal até o leste da Alemanha e depois descer para a Itália sem trocar dinheiro e sem ser parado pela polícia em nenhuma fronteira.
O problema era que o euro era regulado pelo Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, mas cada Estado tinha sua própria política econômica, suas próprias forças e fraquezas. Ficou claro desde o começo que alguns países no sistema do euro – Alemanha, França, Holanda – tinham economias muito mais fortes do que outros – Irlanda, Espanha, Portugal, Grécia. Esperava-se que a regulação e a prosperidade crescente criassem aos poucos uma Europa mais equilibrada, e que o euro acelerasse esse processo.
No início, operaram-se maravilhas na Irlanda, com a ajuda de um aumento da atividade multinacional norte-americana. Atingimos pleno emprego. A todo momento eu via estatísticas demonstrando que a Irlanda tinha se tornado um país de sucesso, uma lição para o resto do mundo. Políticos, incluindo alguns dos maiores idiotas que a Irlanda já produziu, competiam entre si reivindicando o crédito pelo que ficaria conhecido como o Tigre Celta.
E naqueles mesmos anos outras mudanças estavam ocorrendo. Em 1988, a Corte Europeia de Direitos Humanos ordenou que o governo irlandês mudasse a lei contra o homossexualismo. Nos anos 90, a proibição do divórcio também foi retirada da Constituição. (A proibição do aborto, inserida nos anos 80, permaneceu.) E também teve início algo inimaginável. O Estado enfrentou a Igreja, que até então era todo-poderosa, sentindo-se acima da lei. Padres foram acusados, condenados e presos por abuso sexual de menores. No começo do novo século, apareceram muitos relatórios oficiais provando que o abuso e a violência selvagem cometidos por padres e membros das ordens religiosas contra aqueles sob sua guarda – frequentemente órfãos ou crianças pobres – tinham sido sistemáticos e encobertos com cuidado pelas autoridades eclesiásticas. As pessoas estavam furiosas com a Igreja. De repente, o poder da Igreja Católica na Irlanda virou coisa do passado.
Assim, à medida que a primeira década do século XXI avançava, as pessoas começaram a se perguntar se essa onda de prosperidade e secularização transformaria a Irlanda e afetaria, por exemplo, a literatura irlandesa, se nos faria produzir um tipo diferente de romance ou poema ou peça de teatro, se tornaria mais leve o nosso tom, ou mais comerciais as nossas obras. Já que tudo tinha se tornado comercial, por que não a cultura também?
Seria possível que a Irlanda fosse tão frágil que a chegada da prosperidade pudesse mudar fundamentalmente a sua cultura? Naqueles anos, eu fiquei à espreita dessa possibilidade. Vi como os novos-ricos se tornaram extravagantes e vulgares, e como o consumo ostensivo parecia adicionar uma aura de histeria à atmosfera do país. Mas isso era só na superfície, entre os poucos que podiam se dar ao luxo de ter helicópteros particulares ou motoristas. Para o resto do país, o dinheiro trouxe prazer e um certo conforto. Notei, ao viajar com frequência aos Estados Unidos, que os aviões estavam todos lotados, não de turistas americanos, nem de empresários irlandeses, mas de consumidores irlandeses com o bolso cheio de cartões de crédito na viagem de ida e sacolas cheias de compras reluzentes na viagem de volta. A maioria era gente irlandesa comum e notei o quanto eles se divertiam, como imediatamente, a exemplo dos imigrantes do passado, eles encontravam em Nova York um bar, um restaurante ou um hotelzinho, geralmente administrado por irlandeses, onde se sentiam à vontade.
Em casamentos e enterros, eu prestava atenção para ver se notava alguma diferença. As festas de casamento eram maiores, gastava-se mais, e a vida era melhor porque a maioria dos convidados morava na Irlanda, e não tinha que viajar da América ou da Grã-Bretanha ou da Austrália para estar presente. Mas os homens se encostavam no balcão do bar do mesmo jeito de sempre; a música continuava péssima, e os chapéus que algumas mulheres usavam talvez fossem mais caros, mas revelavam o mesmo mau gosto de sempre. As pessoas ficavam bêbadas do mesmo jeito. Isso ao menos não tinha mudado, ainda que agora bebessem mais vinho e menos Guinness.
Algumas das mudanças vinham de longa data. Desde o final dos anos 60, a frequência das missas semanais vinha caindo; continuou a cair. Desde o final da década de 60, os supermercados tinham mais produtos estrangeiros – mais massa, patês, azeite de oliva – e a dieta irlandesa continuava a se aproximar da dieta da França ou da Espanha. Nos enterros, especialmente na cidadezinha onde nasci e cresci, não parecia ter havido mudança alguma; as pessoas se comportavam nas pequenas comunidades exatamente da mesma maneira, com a mesma reverência pelo corpo, o mesmo zelo pelos parentes e amigos, a mesma seriedade diante da morte.
E ainda que as oportunidades de ganhar muito dinheiro aumentassem, a ideia de se tornar escritor, ator ou músico ainda merecia profundo respeito. Em 2006 fui indicado pelo governo para o Conselho das Artes e examinei todos os pedidos de subvenção. Era como se nada tivesse acontecido. Pequenas companhias teatrais ainda estavam sendo criadas, trabalhando não por dinheiro, nem sequer pela fama. Jovens músicos, tanto na música tradicional irlandesa quanto na clássica, continuavam a surgir. E o mais estranho, talvez, foi que a geração que chegou à idade adulta com essa nova prosperidade produziu um bom número de jovens escritores – Claire Keegan, Paul Murray, Kevin Barry, Clare Kilroy, Christian O’Reilly – que exploravam os mesmos temas de Joyce ou Beckett, Edna O’Brien e John Banville. Escreviam sobre famílias irlandesas e infância irlandesa, a escuridão e o isolamento da Irlanda. Usavam um idioma que haviam herdado; e escreviam principalmente para o seu próprio país e eram lidos avidamente.
Eu me perguntava então se o dinheiro que veio nos anos 90 e durou por uns quinze anos não teria servido apenas para tornar as pessoas mais felizes, dando a elas um pouco mais de segurança. Parecia que a prosperidade que chegou à Irlanda significava que pais e avós podiam ficar tranquilos sabendo que a nova geração permaneceria no país, encontraria trabalho, criaria raízes, e isso os deixava felizes. Além disso, neste país do norte com seus longos invernos e chuvosos verões, todos adoram viajar para o sul, e naqueles anos, nas manhãs de sábado, havia uma felicidade palpável no aeroporto, de onde famílias inteiras partiam para a Grécia, Portugal ou Espanha. Às vezes, porém, era tudo excessivo: os novos restaurantes, de preços abusivos e comida não muito boa, ficavam lotados todas as noites; as pessoas pareciam sentir prazer em atingir o limite de seus cartões de crédito; o preço das casas tornou-se tópico de intermináveis discussões; os irlandeses compravam apartamentos na Espanha e em Portugal sem se preocupar em aprender uma palavra da língua local.
Mas uma coisa fundamental não mudou. Entrando em qualquer bar de Dublin, via-se que continuavam as conversas e risadas, a sensação quase de performance, o modo caloroso e divertido como as pessoas se relacionavam umas com as outras – um clima muito diferente do comportamento frio num bar de Londres ou de Paris. Observando turistas irlandeses num aeroporto nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, via-se nos seus rostos uma profunda desconfiança em relação às autoridades constituídas, uma espécie de retraimento, uma falta de segurança. A música que se ouvia naqueles anos, os poemas e romances escritos, as peças encenadas, tudo isso era feito com a mesma sensação de que a palavra era importante. Também na Irlanda daqueles anos o esporte permaneceu no centro das coisas, incluindo os dois esportes nacionais amadores: o hurling[1] e o futebol gaélico. Era possível assistir a uma partida, mesmo em Dublin, e ter a impressão de ter voltado aos anos 50.
Em outras palavras, o dinheiro era só dinheiro, e ao mesmo tempo em que as pessoas gastavam muito, e viviam sem prudência, elas também usufruíam dessa prosperidade, da segurança que ela trazia, das viagens ao exterior, das reuniões familiares, das roupas vistosas, das refeições em restaurantes, das casas de férias, do sentimento vertiginoso de que a vida nunca tinha sido melhor. Mas quem examinasse com cuidado aqueles anos descobriria facilmente que a nova riqueza na Irlanda era quase ilusória e não duraria.
Em 2006 fui convidado a debater essa relação entre o milagre econômico irlandês e a cultura irlandesa num simpósio nos Estados Unidos. Decidi observar primeiro a anatomia do milagre econômico, e algumas coisas que descobri me chocaram. Eis o que escrevi na época: “Um grande volume de atividade econômica na Irlanda está concentrado não no comércio ou na consolidação da produção, mas na construção civil. A Irlanda é, de acordo com o Bank of Ireland, a segunda nação mais rica do mundo, atrás do Japão. E, observa o banco, um aspecto crucial dessa riqueza é que é riqueza de primeira geração, criada nos últimos dez anos. Se analisarmos a riqueza da Irlanda, veremos que não é como a riqueza em outros lugares. Os irlandeses estão gastando e tomando empréstimos à vontade, mas não investem em áreas como pesquisa e desenvolvimento, que criariam mais prosperidade no futuro, mas em imóveis, que dependem dos preços do mercado imobiliário para manter seu valor.”
Os irlandeses estavam viajando muito, mas poucos iam para a Alemanha, e pouquíssimos chegaram a compreender que a Alemanha tinha mudado, e que essa mudança seria prejudicial para o futuro da Irlanda quando a economia irlandesa entrasse em dificuldades. Os alemães do Leste ingressaram na UE ao mesmo tempo em que se integraram à Alemanha Ocidental. Diferentemente dos húngaros, digamos, ou dos tchecos, entraram na UE sem pensar duas vezes. Concentraram-se unicamente nos benefícios que a reunificação traria para eles. A Alemanha, por sua vez, concentrou-se em fazer a reunificação funcionar. De uma hora para outra, a Alemanha Ocidental ganhou uma nova população, em boa parte qualificada, e isso significava que os salários baixariam ou ficariam estáveis. O governo alemão tomou o cuidado de não superaquecer a economia; os impostos continuaram elevados. Os bancos alemães, apesar das baixas taxas de juros, não franquearam seus cofres aos investidores alemães. Eles emprestaram a outros bancos.
Naqueles anos, por todo o continente, a outrora poderosa ideia de que a Europa era uma cultura única e deveria se tornar cada vez mais uma economia única estava murchando. Acreditava-se que a diluição da soberania nacional tinha ocorrido rápido demais, sem debate suficiente. Havia uma visão de que a Europa era um superestado, mas não uma democracia, que sua burocracia de salários excessivos não prestava contas a ninguém, e que cada Estado nacional tinha direitos e tradições que mereciam ser protegidos. Na Alemanha, disseminou-se a opinião de que não era mais tarefa dos países ricos ajudar os países pobres.
Em 2008, quando o governo americano permitiu que o banco de investimentos Lehman Brothers falisse, o Banco Central Europeu decidiu que isso não aconteceria com os seus bancos. Os riscos eram grandes demais. Na Irlanda, um banco em especial – o Anglo Irish Bank – vinha crescendo muito, especialmente na área de crédito imobiliário. E devido à frouxa regulamentação na Irlanda e, ao que parece, a uma regulamentação quase inexistente por parte da UE, o Anglo Irish estava arriscando demais. Não obstante, os seus diretores eram tratados como príncipes num país sem realeza. Escrevia-se sobre eles como se fossem lordes. Dizia-se que eram eles que tinham a capacidade de levar a Irlanda para o futuro, onde se veria livre da pobreza e da emigração, livre de seu passado de colônia.
Assim, quando os banqueiros procuraram o governo em setembro de 2008 para dizer que precisavam desesperadamente de ajuda estatal, o governo tinha dois motivos para ouvi-los. Primeiro, o Banco Central Europeu tinha deixado claro que nenhum banco deveria falir, e os políticos irlandeses não tinham experiência alguma em finanças internacionais ou interesse algum em desafiar uma organização tão venerável, sediada na Alemanha. Segundo, os políticos gostavam dos banqueiros e os admiravam, e não desconfiaram que as cifras que lhes eram apresentadas estavam completamente erradas. Não sabiam que, se o Estado irlandês salvasse do naufrágio os seus bancos, os custos representariam o dobro da receita anual com impostos. E inocentemente se dispuseram a garantir os bancos.
Nesse ínterim, a bolha imobiliária tinha estourado. A receita governamental em 2009 foi de 35 bilhões, enquanto os gastos foram de 55 bilhões. A Irlanda precisaria pedir dinheiro emprestado em 2010 e nos três ou quatro anos seguintes. O país estava vulnerável porque o custo de salvar os bancos era inimaginável; os políticos pareciam temer divulgar a cifra e os banqueiros obviamente também não a revelavam. (Os banqueiros agora tinham caído em desgraça. Segundo consta, nem em partida de golfe alguém queria ser visto ao lado deles.)
Num ataque especulativo ao euro, a Irlanda era o elo mais fraco. A Grécia já tinha sido salva do naufrágio, para grande consternação do contribuinte alemão. E logo, parecia, tanto a Espanha como Portugal iriam precisar de ajuda. Os bancos irlandeses estavam sobrevivendo com dinheiro do Banco Central Europeu; a Comissão Europeia também tinha um fundo para ajudar países necessitados, mas isso traria consigo o Fundo Monetário Internacional, como ocorrera na Grécia, e a ajuda só seria fornecida sob as mais severas condições. A chegada da Comissão e do FMI significaria que a Irlanda, poucos anos antes um dos países mais ricos do mundo, era agora uma economia moribunda.
Os políticos continuavam a se comportar como se fossem competentes. Estavam dia e noite no rádio e na televisão, exalando controle e uma estranha certeza de que ainda tinham legitimidade para comandar. Lentamente, a população despertou para o que estava acontecendo. A ira contra o Fianna Fáil, o partido de meu pai e meu avô, não é corriqueira. Quando a eleição vier, o partido será dizimado. Porque representavam, desde os anos 60, tanto o patriotismo como o pragmatismo, e porque fracassaram em ambos os campos. Eles se tornaram alvo fácil depois de cederem a soberania da Irlanda ao FMI, uma soberania pela qual lutaram os nossos antepassados.
Enquanto isso, a emigração recomeçou, e os jovens estão se mudando para a Grã-Bretanha, a Austrália e o Canadá. Estamos perdendo mais uma geração. Mas estamos também perplexos, com um misto de choque e vergonha. Como pudemos acreditar que um pequeno país como a Irlanda, com uma história de pobreza e fracasso, pudesse ser rico e permanecer rico? Por que compramos casas que custavam tão caro e agora valem tão pouco? Como confiamos que a Europa viria nos salvar, sem pensar que viria também nos punir por nossa insensatez? Como confiamos no Fianna Fáil, cujos ministros não sabem coisa alguma de economia, e entraram na política só por causa de suas famílias?
As noites escuras do inverno serão um bom momento para romancistas, dramaturgos e poetas. É fácil deixar a televisão e o rádio desligados. Já ouvimos o bastante; conhecemos as más notícias. No início dos anos 1890, quando a Irlanda também estava de
joelhos, e os padres e políticos também tinham feito o que há de pior, o poeta W. B. Yeats viu o futuro da Irlanda como cera mole, um lugar que podia ser moldado, no qual a vida da imaginação poderia vir a assumir o primeiro plano. Talvez isso seja possível de novo, talvez nossos romances, peças e poemas passem a importar mais, já que não há nada aqui, exceto preocupação, desespero e riso soturno. Essa abertura para a imaginação poderia parecer, em momentos de devaneio, uma coisa boa. Mas é um alto preço a pagar pelo que foi feito ao nosso país, ou pelo que o país fez a si mesmo. Embora o estrago, ao que me parece, esteja na superfície, e afetará apenas o nosso orgulho e o nosso bolso; o espírito das coisas aqui continua o mesmo, a cultura da Irlanda não mudou nos anos do boom e não mudará agora que temos diante de nós uma década de relativa pobreza.
[1] Hurling: literalmente, arremesso. Jogo tradicional irlandês semelhante ao hóquei (N.T.).
Manoel Bonfim: America Latina, males de origem
Eis o quadro que Manoel Bomfim (1868-1932) pinta dos primórdios desse nosso país "com tradição de liberdade":
"A AMÉRICA LATINA: Males de Origem", 1905, Manoel Bonfim
"Como se fez a colonização? As terras são distribuídas discricionariamente, ou delas se apossam os colonos ávidos, aos quais a metrópole doa os índios, e, depois, vende negros, para que produzam muito açúcar e muito ouro, fonte dos tributos cobiçados. Ao mesmo tempo, para garantir a cobrança desses tributos e tornar efetivos os seus privilégios, os governos da metrópole mandam para cá representantes, espalham por toda a colônia uma rede de agentes, opressores e vorazes, impostos como os diretores da vida pública; e, desde logo, é defeso às novas sociedades o organizarem-se espontaneamente, segundo os seus interesses e inclinações. Mas, como a metrópole não tem outros intentos senão cobrar os tributos e impedir que as colônias possam furtar-se a não nos pagar - como este é o seu único programa, o governo da coroa deixa ao colono toda a plenitude de ação para o mal; ele é livre de fazer o que quiser, contanto que pague e não pense em modificar o regime social e político. Assim, cada colono, sem freios aos instintos egoísticos, organizou o seu domínio em feudo. São caricaturas de senhores medievais - um feudalismo vilão, sobre uma vassalagem de negros escravos. Nos interstícios dos feudos, uma população que, de ignorante e embrutecida, voltou à condição do selvagem primitivo.
O Estado tem por função, apenas, cobrar e coagir e punir aqueles que se neguem a pagar ao governo centralizador, absolutista, monopolizador. A justiça aparece para condenar os que se rebelam contra o Estado ou contra os parasitas criados e patrocinados por ele (Historiando a revolta de Campos dos Goitacazes, escreve um cronista: 'Impunham os vereadores, criaturas dos donatários, multas pecuniárias e penas de prisão aos moradores por divertimentos e atos inocentes da vida'), Referindo-se à metrópole, diz Oliveira Martins: 'Se a guerra é antes um sistema de rapinas que uma sucessão de campanhas, a justiça é também mais a expressão arbitrária de um instinto do que a aplicação regular de um princípios'. Esse instinto é o parasitismo, e na colônia é que ele se tornou, por uma vez, o inspirador único de todas as justiças.
Fora disto, não há mais nada: nem polícia, nem higiene, nem proteção ao fraco, nem garantias, nem escolas, nem obras de interesse público... nada que represente a ação benéfica e pacífica dos poderes públicos.
O Estado existe para fazer o mal, exclusivamente; e esta feição, com que desde o primeiro momento se apresenta ele às novas sociedades, tem uma influência decisiva e funestíssima na vida posterior destas nacionalidades: o Estado é o inimigo, o opressor e o espoliador; a ele não se liga nenhuma idéia de bem ou de útil; só inspira ódio e desconfiança... Tal é a tradição; ainda hoje se notam estes sentimentos, porque, ainda hoje, ele não perdeu o seu caráter, duplamente maléfico - tirânico e espoliador. (....) As autoridades não têm nenhuma afinidade com as populações naturais, são-lhes inimigas, se bem que as conheçam mal; não se cuida nem de privar com os povos, nem de estudar suas tendências e necessidades. 'Os funcionários vinham sempre da metrópole. Evitava-se com muito cuidado admitir em empregos até os próprios descendentes de europeus, nascidos na América... e foi assim que se gerou entre os povos das colônias e das metrópoles essa rivalidade, que em breve se converteu em profunda aversão'. Os representantes do Estado são em rigor os caixeiros da coroa, na gerência das fazendas de ultramar. Aqui e ali, as novas populações, ressuscitando das tradições democratas das cúrias e municípios ibéricos, ensaiavam um regime comunal - câmaras municipais e ajuntamentos; mas esta vida política autônoma é, geralmente, perturbada, entravada, abafada, pelo poder absorvente, centralizador, sem contraste, dos agentes da metrópole. Destarte, se estabelece por toda a parte um regime político-administrativo, não só antagônico, como ativamente infenso aos interesses das colônias; regime que só tinha um programa - empobrecê-las, e um pensamento exclusivo - obstar que elas progredissem e pudessem, um dia, organizar-se livremente, como nações emancipadas. Não era, como nos Estados Unidos, um regime político espontâneo, inspirado pelas necessidades próprias das sociedades nascentes; não era sequer um regime fictício, artificial, mas lógico, estável, garantidor e progressista, ao qual as nacionalidades em embrião se pudessem moldar com o tempo. Não; era um regime antipático, iníquo, arcaico e incompleto - era o sistema da metrópole, desnaturado o preciso para ser adaptado ao programa parasitário, imposto à colônia. Estava, de antemão, condenado a ser destruído sem reserva, pois se achava em oposição aos interesses reais das novas populações, e não podia servir nem mesmo como ponto de partida para uma organização política definitiva. Fora melhor, sem dúvida, que vingasse o primeiro sistema da coroa de Portugal - entregar, desde o início, as colônias a si mesmas - pagando-se-lhe, embora, os adorados tributos. Esses povos que se viessem formando achariam, sem dúvida, uma forma de organização social mais de acordo com as suas necessidades; o instinto de conservação os levaria a constituírem-se de modo conveniente. Estimulados pelos interesses próprios, seguindo as tendências naturais e as novas condições de meio, as nacionalidades nascentes teriam entrado, desde o primeiro momento, no caminho da organização social e política definitiva.
* * * *
"(...) No dia da independência, as novas nacionalidades se acharam sem indústria, sem comércio nacional, sem capitais, sem riqueza, sem gente educada no trabalho livre, sem conhecimento do mundo.
Sob o ponto de vista econômico, estas sociedades compreendiam três categorias de gentes, nitidamente distintas: um mundo de escravos, degradados, que só conheciam da vida o açoite e o tronco; um mundo de ignorantes, vivendo do trabalho dos escravos; e, finalmente, uma população de miseráveis, que germinou entre uma e outra, vivendo sem necessidades, como o selvagem primitivo, ignorante como ele, imprevidente, descuidosa, apática, nula - era a massa popular. O calor brando de um céu benigno, a feracidade dos rios e das selvas garantiam-lhe a existência. - E queriam que ela se fosse meter nos eitos, pedir para trabalhar e engordar os senhores, pelo preço de uma medida de farinha e uma libra de carne!... Condenam-no, porque ele - o trabalhador nacional - não ia disputar a escravidão ao escravo!... Em verdade, essa massa popular não trabalhava, e ainda hoje trabalha mal. Não trabalhava, então, porque não sabia trabalhar para si, e porque - é natural e humano - não queria, nem tinha necessidades de ir fazer-se escrava. Quando todo o trabalho nacional era feito por negros e índios cativos, quando era possível haver escravo para tudo, não havia lugar para o trabalhador livre, a menos que ele não quisesse trabalhar nas mesmas condições e pelo mesmo preço que o escravo - um salário tão insignificante quanto o custo da alimentação do negro, e a mesma obediência ao senhor. Quando não, este ia ao mercado e trazia o negro. O trabalhador livre ficava de lado. Foi assim que, de geração em geração, ele foi arredado do trabalho assalariado.
O regime parasitário impunha a escravidão. E porque o regime colonial era o do puro parasitismo, foi imposta às novas sociedades uma organização política inteiramente antagônica e incompatível com os seus interesses próprios, um regime retardatário, opressivo, corrupto e extenuante. Ao mesmo tempo, condenavam-se as colônias a ser o campo de exploração de um mundo de intermediários, que vinham e iam numa corrente contínua, drenando para a metrópole toda a riqueza aqui produzida. Eis a razão por que, exânime, embrutecida, a América do Sul se achou, na hora da independência, como um mundo onde tudo estava por fazer: eram uns vinte milhões de homens, desunidos, assanhados, pobres, espalhados por estas vastidões, tendo notícia de que existe civilização, padecendo todos os desejos de possuí-la, mas carecendo refazer toda a vida social, política e intelectual, a começar pela educação do trabalho e pela instrução do abc.
* * *
(...) Nos campos, as gentes não se fundem, continuam distintas as três classes - o senhor, o escravo, e a mestiçagem livre; mas, pelo menos ali, elas se afeiçoam à terra, se nacionalizam. Nas cidades, não. À proporção que se passam os anos, e que vai surgindo essa nova população - nativa, desejosa de viver e pronta a disputar à grande massa de adventícios um lugar na vida, à proporção que ela vai engrossando e reclamando o que lhe é de direito, mais estrangeiros, mais hostis e tirânicos se vão tornando os representantes das metrópoles, unidos num sentimento único, funcionários e intermediários. Breve é a luta que não findará mais, entre a classe privilegiada pela tradição, pela pátria de origem, solidarizada pelo egoísmo coletivo, ciosa dos seus direitos, garantida pela fortuna, fortalecida pela autoridade, gozadora indisputada até então, senhora absoluta de toda a riqueza e de todas as posições - e a luta entre ela e as novas populações, extenuadas já ao nascerem, miseráveis, desabrigadas de odo o conforto, ignorantes e pobres, em em todo caso investindo para a vida, e dispostos a tomar conta da terra onde nasceram, aspirando vagamente fazer alguma coisa de si mesmas. Querem viver, querem as posições, não se conformam à única situação que lhes é oferecida - ir disputar, no eito ou na cozinha, o salário do escravo. 'Vão trabalhar', dizia o reinol do íntimo das suas banhas, no canto do balcão onde ele passou a vida sentado, a ver entrar e sair a freguesia, inativo e improdutivo como um franciscano, - 'Vão trabalhar como eu', repete ele aos naturais, que reclamam entrada na vida, como se houvesse uma brecha por onde estranhos pudessem penetrar o reduto em que eles fecharam a vida econômica e política das colônias, como se fosse possível trabalhar entre escravos, a não ser com os queixos para devorar o que estes hajam produzido!...
* * *
Lutas contínuas, trabalho escravo, estado tirânico e espoliador - qual seria o efeito de tudo isto sobre o caráter das novas nacionalidades? Perversão do senso moral, horror ao trabalho livre e à vida pacífica, ódio ao governo, desconfiança das autoridades, desenvolvimento dos instintos agressivos.
Neste sistema de colonização tinham achado as metrópoles o ideal de vida política e econômica; manter as colônias sob o mesmo regime era a garantia da subsistência. Todos - Estado e Igreja, nobres e mercadores, senhores e tropas - todos se mantinham solidários, absolutamente unificados; quando um desmoronasse, os outros viriam abaixo com certeza. Ora, pelo resto do mundo, a ciência e a filosofia vinham despertando as consciências; os privilégios e as injustiças sentiam-se ameaçadas; então, redobraram-se os expedientes para embrutecer e degradas definitivamente as gentes das colônias, de forma a tornar para sempre impossível a redenção intelectual e moral destes povos. Os processos de cultura da ignorância e de seleção às avessas, empregados pelos jesuítas e pela Inquisição, na metrópole, foram transportados para as colônias. A Espanha chegou a proibir, mais de uma vez, a venda de livros aos súditos da América; nos momentos de crise, só o fato de saber ler e escrever era motivo de suspeição. Não se trata de um programa, reacionário embora, despótico, mas inteligentemente elaborado e conscientemente aplicado; não, eram medidas parciais, detalhes de opressão, vexames sucessivos, à medida que se fazia preciso defender este ou aquele privilégio, manter esta ou aquela iniqüidade, garantir este ou aquele parasita. Disparatadas na aparência, essas resoluções tinham, porém, uma certa unidade de efeitos - a oposição ao progresso. Era uma reação instintiva - o instinto cego e feroz da própria conservação, que unificava, numa política de imobilismo irredutível, estes atos incoerentes de forma, estúpidos, quase inconscientes."
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Sobre Manoel Bonfim, no artigo http://www.espacoacademico.com.br/096/96esp_priori.htm, destaco o seguinte:
"Embora bebesse nas fontes do marxismo, Bomfim não era um revolucionário strictu sensu, que dedicava a vida à luta contra a burguesia. Ele era um democrata. E buscou no marxismo não um guia de ação revolucionária, mas um “método de interpretação da realidade social, ao qual acrescentou um profundo e constante amor pelo Brasil e por sua gente” (AGUIAR, 2000, p. 41)."
"A AMÉRICA LATINA: Males de Origem", 1905, Manoel Bonfim
"Como se fez a colonização? As terras são distribuídas discricionariamente, ou delas se apossam os colonos ávidos, aos quais a metrópole doa os índios, e, depois, vende negros, para que produzam muito açúcar e muito ouro, fonte dos tributos cobiçados. Ao mesmo tempo, para garantir a cobrança desses tributos e tornar efetivos os seus privilégios, os governos da metrópole mandam para cá representantes, espalham por toda a colônia uma rede de agentes, opressores e vorazes, impostos como os diretores da vida pública; e, desde logo, é defeso às novas sociedades o organizarem-se espontaneamente, segundo os seus interesses e inclinações. Mas, como a metrópole não tem outros intentos senão cobrar os tributos e impedir que as colônias possam furtar-se a não nos pagar - como este é o seu único programa, o governo da coroa deixa ao colono toda a plenitude de ação para o mal; ele é livre de fazer o que quiser, contanto que pague e não pense em modificar o regime social e político. Assim, cada colono, sem freios aos instintos egoísticos, organizou o seu domínio em feudo. São caricaturas de senhores medievais - um feudalismo vilão, sobre uma vassalagem de negros escravos. Nos interstícios dos feudos, uma população que, de ignorante e embrutecida, voltou à condição do selvagem primitivo.
O Estado tem por função, apenas, cobrar e coagir e punir aqueles que se neguem a pagar ao governo centralizador, absolutista, monopolizador. A justiça aparece para condenar os que se rebelam contra o Estado ou contra os parasitas criados e patrocinados por ele (Historiando a revolta de Campos dos Goitacazes, escreve um cronista: 'Impunham os vereadores, criaturas dos donatários, multas pecuniárias e penas de prisão aos moradores por divertimentos e atos inocentes da vida'), Referindo-se à metrópole, diz Oliveira Martins: 'Se a guerra é antes um sistema de rapinas que uma sucessão de campanhas, a justiça é também mais a expressão arbitrária de um instinto do que a aplicação regular de um princípios'. Esse instinto é o parasitismo, e na colônia é que ele se tornou, por uma vez, o inspirador único de todas as justiças.
Fora disto, não há mais nada: nem polícia, nem higiene, nem proteção ao fraco, nem garantias, nem escolas, nem obras de interesse público... nada que represente a ação benéfica e pacífica dos poderes públicos.
O Estado existe para fazer o mal, exclusivamente; e esta feição, com que desde o primeiro momento se apresenta ele às novas sociedades, tem uma influência decisiva e funestíssima na vida posterior destas nacionalidades: o Estado é o inimigo, o opressor e o espoliador; a ele não se liga nenhuma idéia de bem ou de útil; só inspira ódio e desconfiança... Tal é a tradição; ainda hoje se notam estes sentimentos, porque, ainda hoje, ele não perdeu o seu caráter, duplamente maléfico - tirânico e espoliador. (....) As autoridades não têm nenhuma afinidade com as populações naturais, são-lhes inimigas, se bem que as conheçam mal; não se cuida nem de privar com os povos, nem de estudar suas tendências e necessidades. 'Os funcionários vinham sempre da metrópole. Evitava-se com muito cuidado admitir em empregos até os próprios descendentes de europeus, nascidos na América... e foi assim que se gerou entre os povos das colônias e das metrópoles essa rivalidade, que em breve se converteu em profunda aversão'. Os representantes do Estado são em rigor os caixeiros da coroa, na gerência das fazendas de ultramar. Aqui e ali, as novas populações, ressuscitando das tradições democratas das cúrias e municípios ibéricos, ensaiavam um regime comunal - câmaras municipais e ajuntamentos; mas esta vida política autônoma é, geralmente, perturbada, entravada, abafada, pelo poder absorvente, centralizador, sem contraste, dos agentes da metrópole. Destarte, se estabelece por toda a parte um regime político-administrativo, não só antagônico, como ativamente infenso aos interesses das colônias; regime que só tinha um programa - empobrecê-las, e um pensamento exclusivo - obstar que elas progredissem e pudessem, um dia, organizar-se livremente, como nações emancipadas. Não era, como nos Estados Unidos, um regime político espontâneo, inspirado pelas necessidades próprias das sociedades nascentes; não era sequer um regime fictício, artificial, mas lógico, estável, garantidor e progressista, ao qual as nacionalidades em embrião se pudessem moldar com o tempo. Não; era um regime antipático, iníquo, arcaico e incompleto - era o sistema da metrópole, desnaturado o preciso para ser adaptado ao programa parasitário, imposto à colônia. Estava, de antemão, condenado a ser destruído sem reserva, pois se achava em oposição aos interesses reais das novas populações, e não podia servir nem mesmo como ponto de partida para uma organização política definitiva. Fora melhor, sem dúvida, que vingasse o primeiro sistema da coroa de Portugal - entregar, desde o início, as colônias a si mesmas - pagando-se-lhe, embora, os adorados tributos. Esses povos que se viessem formando achariam, sem dúvida, uma forma de organização social mais de acordo com as suas necessidades; o instinto de conservação os levaria a constituírem-se de modo conveniente. Estimulados pelos interesses próprios, seguindo as tendências naturais e as novas condições de meio, as nacionalidades nascentes teriam entrado, desde o primeiro momento, no caminho da organização social e política definitiva.
* * * *
"(...) No dia da independência, as novas nacionalidades se acharam sem indústria, sem comércio nacional, sem capitais, sem riqueza, sem gente educada no trabalho livre, sem conhecimento do mundo.
Sob o ponto de vista econômico, estas sociedades compreendiam três categorias de gentes, nitidamente distintas: um mundo de escravos, degradados, que só conheciam da vida o açoite e o tronco; um mundo de ignorantes, vivendo do trabalho dos escravos; e, finalmente, uma população de miseráveis, que germinou entre uma e outra, vivendo sem necessidades, como o selvagem primitivo, ignorante como ele, imprevidente, descuidosa, apática, nula - era a massa popular. O calor brando de um céu benigno, a feracidade dos rios e das selvas garantiam-lhe a existência. - E queriam que ela se fosse meter nos eitos, pedir para trabalhar e engordar os senhores, pelo preço de uma medida de farinha e uma libra de carne!... Condenam-no, porque ele - o trabalhador nacional - não ia disputar a escravidão ao escravo!... Em verdade, essa massa popular não trabalhava, e ainda hoje trabalha mal. Não trabalhava, então, porque não sabia trabalhar para si, e porque - é natural e humano - não queria, nem tinha necessidades de ir fazer-se escrava. Quando todo o trabalho nacional era feito por negros e índios cativos, quando era possível haver escravo para tudo, não havia lugar para o trabalhador livre, a menos que ele não quisesse trabalhar nas mesmas condições e pelo mesmo preço que o escravo - um salário tão insignificante quanto o custo da alimentação do negro, e a mesma obediência ao senhor. Quando não, este ia ao mercado e trazia o negro. O trabalhador livre ficava de lado. Foi assim que, de geração em geração, ele foi arredado do trabalho assalariado.
O regime parasitário impunha a escravidão. E porque o regime colonial era o do puro parasitismo, foi imposta às novas sociedades uma organização política inteiramente antagônica e incompatível com os seus interesses próprios, um regime retardatário, opressivo, corrupto e extenuante. Ao mesmo tempo, condenavam-se as colônias a ser o campo de exploração de um mundo de intermediários, que vinham e iam numa corrente contínua, drenando para a metrópole toda a riqueza aqui produzida. Eis a razão por que, exânime, embrutecida, a América do Sul se achou, na hora da independência, como um mundo onde tudo estava por fazer: eram uns vinte milhões de homens, desunidos, assanhados, pobres, espalhados por estas vastidões, tendo notícia de que existe civilização, padecendo todos os desejos de possuí-la, mas carecendo refazer toda a vida social, política e intelectual, a começar pela educação do trabalho e pela instrução do abc.
* * *
(...) Nos campos, as gentes não se fundem, continuam distintas as três classes - o senhor, o escravo, e a mestiçagem livre; mas, pelo menos ali, elas se afeiçoam à terra, se nacionalizam. Nas cidades, não. À proporção que se passam os anos, e que vai surgindo essa nova população - nativa, desejosa de viver e pronta a disputar à grande massa de adventícios um lugar na vida, à proporção que ela vai engrossando e reclamando o que lhe é de direito, mais estrangeiros, mais hostis e tirânicos se vão tornando os representantes das metrópoles, unidos num sentimento único, funcionários e intermediários. Breve é a luta que não findará mais, entre a classe privilegiada pela tradição, pela pátria de origem, solidarizada pelo egoísmo coletivo, ciosa dos seus direitos, garantida pela fortuna, fortalecida pela autoridade, gozadora indisputada até então, senhora absoluta de toda a riqueza e de todas as posições - e a luta entre ela e as novas populações, extenuadas já ao nascerem, miseráveis, desabrigadas de odo o conforto, ignorantes e pobres, em em todo caso investindo para a vida, e dispostos a tomar conta da terra onde nasceram, aspirando vagamente fazer alguma coisa de si mesmas. Querem viver, querem as posições, não se conformam à única situação que lhes é oferecida - ir disputar, no eito ou na cozinha, o salário do escravo. 'Vão trabalhar', dizia o reinol do íntimo das suas banhas, no canto do balcão onde ele passou a vida sentado, a ver entrar e sair a freguesia, inativo e improdutivo como um franciscano, - 'Vão trabalhar como eu', repete ele aos naturais, que reclamam entrada na vida, como se houvesse uma brecha por onde estranhos pudessem penetrar o reduto em que eles fecharam a vida econômica e política das colônias, como se fosse possível trabalhar entre escravos, a não ser com os queixos para devorar o que estes hajam produzido!...
* * *
Lutas contínuas, trabalho escravo, estado tirânico e espoliador - qual seria o efeito de tudo isto sobre o caráter das novas nacionalidades? Perversão do senso moral, horror ao trabalho livre e à vida pacífica, ódio ao governo, desconfiança das autoridades, desenvolvimento dos instintos agressivos.
Neste sistema de colonização tinham achado as metrópoles o ideal de vida política e econômica; manter as colônias sob o mesmo regime era a garantia da subsistência. Todos - Estado e Igreja, nobres e mercadores, senhores e tropas - todos se mantinham solidários, absolutamente unificados; quando um desmoronasse, os outros viriam abaixo com certeza. Ora, pelo resto do mundo, a ciência e a filosofia vinham despertando as consciências; os privilégios e as injustiças sentiam-se ameaçadas; então, redobraram-se os expedientes para embrutecer e degradas definitivamente as gentes das colônias, de forma a tornar para sempre impossível a redenção intelectual e moral destes povos. Os processos de cultura da ignorância e de seleção às avessas, empregados pelos jesuítas e pela Inquisição, na metrópole, foram transportados para as colônias. A Espanha chegou a proibir, mais de uma vez, a venda de livros aos súditos da América; nos momentos de crise, só o fato de saber ler e escrever era motivo de suspeição. Não se trata de um programa, reacionário embora, despótico, mas inteligentemente elaborado e conscientemente aplicado; não, eram medidas parciais, detalhes de opressão, vexames sucessivos, à medida que se fazia preciso defender este ou aquele privilégio, manter esta ou aquela iniqüidade, garantir este ou aquele parasita. Disparatadas na aparência, essas resoluções tinham, porém, uma certa unidade de efeitos - a oposição ao progresso. Era uma reação instintiva - o instinto cego e feroz da própria conservação, que unificava, numa política de imobilismo irredutível, estes atos incoerentes de forma, estúpidos, quase inconscientes."
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Sobre Manoel Bonfim, no artigo http://www.espacoacademico.com.br/096/96esp_priori.htm, destaco o seguinte:
"Embora bebesse nas fontes do marxismo, Bomfim não era um revolucionário strictu sensu, que dedicava a vida à luta contra a burguesia. Ele era um democrata. E buscou no marxismo não um guia de ação revolucionária, mas um “método de interpretação da realidade social, ao qual acrescentou um profundo e constante amor pelo Brasil e por sua gente” (AGUIAR, 2000, p. 41)."
sábado, junho 18, 2011
Desaparecimento da civilizacao Maia: coloquio e exposicao em Paris
O Le Monde Magazine deste final de semana trata de um colóquio e de uma exposição grandiosa no Quai Branli, em Paris, dedicados ao misterioso desaparecimento da civilização Maia, aos quais eu provavelmente não vou poder ver ou assistir. Muitas perguntas ainda sem respostas sobre um dos mais impressionantes desaparecimentos (por duas vezes) de uma das mais bem organizadas civilizações complexas, desde a antiguidade até quase a chegada dos espanhois na América central; o que temos são algumas respostas parciais, interessantes.
Sobre o assunto do colapso das civilizações, permito-me recomendar o livro de Jared Diamond, chamado Colapso, precisamente.
Paulo Roberto de Almeida
"Le Monde Magazine" : Mayas, autodestruction d'une civilisation
Stéphane Foucart
LE MONDE Week-end MAGAZINE, 17.06.11
Tikal, une des plus grandes cités mayas de la période classique, a perdu 90 % de sa population en moins de deux générations, au IXe siècle. RD Hansen/Fares
GUATEMALA, ENVOYÉ SPÉCIAL - Des pyramides gigantesques perdues dans la forêt pluviale ; des temples oubliés envahis par la végétation ; d'imposants blocs de calcaire renversés par les racines d'arbres centenaires. Les images d'Epinal de cités majestueuses reprises par la jungle et la nature sauvage en ont fait l'une des plus captivantes énigmes archéologiques. Pourquoi, vers 850 de notre ère, la civilisation maya classique a-t-elle sombré ? A quelle catastrophe ou quel enchaînement d'événements peut bien tenir ce qui nous semble la fin d'un monde ? En quelques décennies, les dynasties s'éteignent, des centaines de cités-Etats se vident de leur population, des régions habitées pendant un millénaire voient leurs habitants partir pour ne plus revenir. Le pourquoi et le comment de cet effondrement seront au cœur d'un colloque international organisé au Musée du quai Branly les 1er et 2 juillet, dans la foulée de l'exposition "Mayas, de l'aube au crépuscule".
Il faudra cependant plus d'un colloque pour trancher ces questions. Elles hantent les chercheurs depuis presque un siècle, sans qu'aucun consensus ne se dégage. Bien sûr, certaines théories n'ont plus guère de partisans : épidémies fulgurantes, "invasions barbares", tremblements de terre en série… Toutes les causes simples et exogènes sont désormais écartées de manière quasi certaine. Reste une combinaison de facteurs régulièrement invoqués : sécheresses en cascade, remise en cause du statut des rois, récurrence de conflits meurtriers entre les principales cités-Etats qui se partagent, via de complexes systèmes d'allégeance, la grande région centrée sur l'actuel Guatemala.
Chaque cité semble avoir vécu une agonie particulière. Ici, la guerre a été prépondérante. Là, une forte baisse des rendements agricoles a peut-être primé. Ailleurs encore, le détournement de voies commerciales a pu avoir son importance… "Mais le problème, à se dire qu'un grand nombre de facteurs régionaux ont ainsi été impliqués, c'est que nous avons quand même bien affaire à un effondrement généralisé, rappelle Dominique Michelet (CNRS, université Paris-I), qui a dirigé pendant une décennie les fouilles de Rio Bec, au Mexique. Toutes les cités-Etats des basses terres s'effondrent dans un laps de temps assez court. Il faut tenir compte du caractère global de ce phénomène." Manquerait donc au moins une pièce au puzzle.
Pour Richard Hansen (université de l'Idaho), "un effondrement est toujours causé par plusieurs facteurs". "Mais la particularité d'un tel effondrement est que la population, une fois qu'elle a quitté les centres urbains, n'y revient pas, ajoute l'archéologue américain. Cette absence de toute réinstallation ne peut être le fait que d'une dégradation de l'environnement : les gens ne reviennent pas simplement parce qu'ils ne le peuvent pas. Aujourd'hui, si personne ne retourne vivre à Tchernobyl, c'est parce que l'environnement ne le permet pas."
DES INDICES SAISISSANTS
Une jarre miniature remplie de perles et de coquillages a été découverte au pied d'un édifice de Naachtun. C'est une offrande d'abandon des lieux faite par les habitants. Photo: Projet Naachtun.
Comment une ville se vide-t-elle ? Les fouilles franco-guatémaltèques menées depuis deux ans sur le site de Naachtun, dans l'extrême nord du Guatemala, commencent à donner quelques indices saisissants. Et assez contre-intuitifs. Dans la phase la plus tardive de l'occupation de la ville, entre 800 et 950 de notre ère, certaines populations, sans doute des familles nobles, se regroupent dans le centre de la cité, dans des habitations construites autour de plusieurs patios.
Un édifice de prestige – une pyramide quasi verticale d'une quinzaine de mètres de hauteur – surplombe ce complexe. Or, en la dégageant, les archéologues réalisent qu'elle n'est pas fonctionnelle : il y manque l'escalier qui doit permettre de monter au sommet, sur la plate-forme. Manque, également, le temple sommital. "Le bloc maçonné sur lequel devait s'appuyer l'escalier est bien là, mais la pose des marches n'a pas eu lieu", dit Dominique Michelet, qui a fouillé le secteur. Mieux : en dégageant la base de l'édifice, les chercheurs découvrent au pied de l'escalier inachevé, raconte Philippe Nondédéo (CNRS, université Paris-I), le directeur de la mission, "une jarre miniature en céramique, remplie de perles de coquillages spondyles". Cette manière de placer un objet de valeur au pied d'un édifice sur le point d'être abandonné relève d'un rituel bien connu des spécialistes : c'est une "offrande d'abandon", déposée dans le cadre d'un rituel, sorte d'ultime offrande au monument qui entre en déshérence. Non seulement le chantier de la pyramide n'a pas été mené à son terme, mais ses commanditaires en ont pris acte en l'abandonnant rituellement, selon la coutume.
"Cela signifie deux choses, explique Philippe Nondédéo. D'une part, les habitants n'ont pas quitté la cité dans la précipitation ou la panique : dans l'un des palais de la ville, nous avons aussi découvert de grands encensoirs, brisés dans le cadre d'un autre de ces rites d'abandon. D'autre part, au moment où ils semblent quitter les lieux, ils ont encore accès à des biens de grande valeur." Les presque cinq cents perles "offertes" à la pyramide inachevée proviennent en effet de la côte Pacifique, à quelque 500 kilomètres de là.
Ce n'est pas le seul élément indiquant la prospérité de la cité jusque tard dans son histoire. "On a également trouvé de l'obsidienne de Zaragoza et d'Otumba, gisements situés à plus de 1 200 kilomètres de Naachtun à vol d'oiseau !", ajoute Dominique Michelet. Des aiguillons de raie – utilisés dans les rituels d'autosacrifice, au cours desquels des nobles faisaient couler leur sang en se perçant la langue ou le pénis –, des céramiques importées, du jade, des meules en granit du Belize… Même à son crépuscule, Naachtun continuait de disposer de toutes sortes de biens précieux.
FUITES EN MASSE
A l'image de Naachtun, certaines villes semblent avoir été abandonnées en bon ordre. On part en ne laissant que peu de choses derrière soi. Ce n'est pas le cas partout ailleurs. Plus au sud, des régions semblent en proie au chaos qui suit de près les conflits armés. Dès le milieu du VIIIe siècle de notre ère, avant que ne s'effondre le reste de la région, les cités d'Aguateca, Dos Pilas et Cancuén sont ravagées par la guerre. Leurs populations fuient en masse.
"A Dos Pilas, la population démantela elle-même une grande partie de ses propres temples et palais dans une tentative désespérée d'ériger des barricades de pierre, mais en vain, car la cité fut détruite, écrit Arthur Demarest (université Vanderbilt), dans sa contribution au colloque. Non loin, le centre d'Aguateca se dressait sur un escarpement quasi imprenable, bordé, d'un côté, de falaises et d'un abîme, et, de l'autre, de kilomètres de murailles. Cette cité résista plus longtemps, mais finit par être prise et brûlée vers l'an 800." "Plus au sud, sur les rives du fleuve de la Pasión, le riche port de commerce de Cancuén, florissant entre 750 et 800, fut à son tour détruit, ajoute l'anthropologue américain. Son roi, la reine et plus de trente nobles furent assassinés dans un grand rituel à l'issue duquel leurs corps, revêtus de leurs plus beaux atours, furent déposés dans une citerne sacrée."
Entre Naachtun et Dos Pilas, Aguateca ou Cancuén, il semble n'y avoir rien de commun. D'un côté, une population riche qui certes se rétracte dans le centre de la ville, mais qui continue à jouir d'un certain luxe et semble quitter les lieux sans précipitation. De l'autre, la guerre, la mort, le chaos. A Naachtun, les hommes abandonnent la ville relativement progressivement ; ailleurs, les populations paraissent parfois s'être évanouies avec une incroyable rapidité. "Des études de densité de l'habitat ont suggéré qu'à partir de 830 environ, Tikal [l'une des plus grandes cités des basses terres] perd 90 % de sa population en moins de deux générations", illustre Charlotte Arnauld (CNRS, université Paris-I). Comment imaginer une cause sous-jacente, commune à des situations si radicalement différentes ?
Le sommet du temple du Jaguar, à El Mirador, la plus grande cité maya préclassique, tombée vers 150. Le bas de la pyramide se trouve 17 mètres sous la terre. Charles David Bieber/Fares 2005
Peut-être, pour comprendre la chute des Mayas classiques, faut-il remonter le temps de quelques siècles. Et analyser une autre crise, bien plus ancienne, celle de 150 après J.-C.. Car l'effondrement de la civilisation maya classique, vers l'an 850, n'est pour certains spécialistes rien de plus que la répétition d'un autre effondrement : celui de la période maya dite préclassique, commencée en 1000 avant J.-C.. Ainsi, lorsque Naachtun est désertée vers 950, d'autres cités alentour sont déjà abandonnées depuis huit siècles. Déjà ruinées et déjà partiellement recouvertes par la forêt. La crise des années 150 demeure toutefois localisée : elle est limitée à la région d'El Mirador, du nom du plus grand centre urbain de cette zone de l'extrême nord guatémaltèque, toute proche de Naachtun.
Qu'apprend-on de cet effondrement antérieur, celui des Mayas préclassiques ? D'abord que l'histoire des sociétés humaines n'est pas celle d'une croissance constante, d'une amélioration continue des réalisations techniques. Dans le monde maya, rien n'égalera en taille les monuments d'El Mirador, rien ne surpassera le gigantisme de son architecture. La pyramide dite La Danta, la plus grande du site, culmine à plus de 70 mètres. Elle excède en volume la grande pyramide égyptienne de Gizeh et compte au nombre des plus vastes édifices jamais érigés. Dans la région d'El Mirador, au cours de la période préclassique, tout semble avoir été construit à l'aune de cette démesure. Déjà, les grandes villes de la région – El Mirador, mais aussi El Tintal, Nakbe, Wakna – étaient connectées par "un réseau de chaussées pavées larges d'une vingtaine de mètres, surélevées de 4 à 5 mètres et qui pouvaient raccorder des centres distants d'une vingtaine de kilomètres", dit Philippe Nondédéo. A son apogée, El Mirador a pu compter des dizaines de milliers d'habitants.
STUC DESTRUCTEUR
Au milieu du IIe siècle, ceux-ci quittent les lieux en masse. Et n'y reviendront que très partiellement, après de longs siècles. Pourquoi ? "Je ne crois pas que la guerre puisse pousser les populations à partir et à ne jamais revenir : la guerre peut susciter un abandon momentané, pas un effondrement, estime Richard Hansen, qui fouille El Mirador depuis les années 1980. Pendant la seconde guerre mondiale, Dresde, Tokyo ont été bombardées, Hiroshima et Nagasaki ont chacune reçu une bombe atomique… Or toutes ces villes sont aujourd'hui assez bien peuplées !" Pour l'archéologue américain, il faut chercher ailleurs les causes de l'effondrement des Mayas préclassiques. "Il faut bien comprendre que ce qui a permis l'extraordinaire succès des Mayas, c'est leur système agricole, ajoute M. Hansen. Dans la région d'El Mirador, ils utilisaient la boue des marécages sur de grandes cultures en terrasse : ils pouvaient ainsi cultiver la même terre pendant des centaines d'années sans l'épuiser."
Selon l'archéologue américain, quelque chose est donc venu perturber cet astucieux système. Les fouilles montrent que les boues de matières organiques utilisées comme fertilisants sont aujourd'hui parfois ensevelies sous un à deux mètres d'argiles. De tels enfouissements des sols n'ont pu être provoqués que par l'érosion due à une déforestation massive. "Je pense que ce qui a suscité cette déforestation n'est pas l'agriculture, mais plutôt la production de stuc." Tout au long de la période préclassique, à mesure que les siècles passent, les parements de stuc qui recouvrent les murs des monuments, des maisons, voire le pavement des chaussées, s'épaississent. Les signes ostentatoires de richesse et de pouvoir de la classe dirigeante se paient en stuc. Donc en arbres. Car cet enduit, qui permet de recouvrir les maçonneries grossières, s'obtient au prix d'un long chauffage du calcaire, très coûteux en bois.
Une tête en stuc de l'époque classique. La production massive de ce matériau serait à l'origine de l'effondrement de la civilisation préclassique.Ricky Lopez Bruni www.rickylopezbruni.com
Ce défrichage de grande ampleur aurait donc endommagé quasi irréversiblement l'environnement de la région, ruinant ainsi le système agricole qui assurait aux populations leur prospérité. Bien que localisé, cet effondrement des Mayas préclassiques préfigure-t-il celui intervenu sept siècles plus tard sur l'ensemble des basses terres ? De troublantes analogies existent. Comme sur le site de Copan, sur le territoire actuel du Honduras, où l'archéologue David Webster a montré que, dès le viiie siècle, les glissements de terrain dus à la déforestation ont peu à peu oblitéré les capacités de production des paysans aux abords de la cité. "C'est une situation que l'on ne retrouve pas forcément ailleurs et il ne faut donc pas généraliser", tempère Charlotte Arnauld. Mais, malicieusement, cette dernière fait remarquer que les derniers grands monuments de la période classique, érigés peu avant l'effondrement, sont constitués de petits blocs de calcaire, plus petits et bien mieux taillés que ceux utilisés dans les siècles précédents et bien plus soigneusement ajustés les uns aux autres.
"Peut-être précisément pour économiser le stuc", avance-t-elle. Et donc pour économiser le bois, signe qu'il commençait sérieusement à se faire rare… La déforestation massive pratiquée au cours de la période classique a sans doute eu d'autres répercussions. Sur les pluies : les climatologues savent aujourd'hui que l'absence de végétation peut entraver les précipitations. Des analyses de carottes sédimentaires ont montré qu'entre 760 et 910, quatre vagues de sécheresse de trois à neuf ans chacune ont frappé de vastes zones de l'aire maya. Or dans un système politico-religieux où le roi est le garant de la clémence des éléments, ces calamités à répétition ont peut-être déstabilisé les élites et engendré des troubles politiques.
FIN D'UN SYSTÈME
Des troubles dont l'une des plus saisissantes illustrations est une découverte faite par l'équipe dirigée par Charlotte Arnauld au début des années 2000, sur le site de La Joyanca, dans le nord-ouest du Guatemala. L'un des bâtiments, tout en longueur – plus de 50 mètres –, est juché au sommet d'un escalier qui conduit à une grande pièce. Sans doute s'agit-il d'une salle d'audience pourvue d'une banquette, située au milieu – de toute évidence celle du roi. Bâtiment politique par excellence, ce long édifice a connu des cloisonnements internes pendant son occupation (entre 750 et 850), jusqu'à comporter six pièces au milieu desquelles le souverain perd sa singularité. Donc sans doute une partie de son pouvoir. Lorsqu'ils dégagent l'édifice, les archéologues trouvent, dans la pièce centrale du roi, le squelette d'un homme, ou d'une femme, jeté là sans ménagement ni sépulture, vraisemblablement à dessein, avant que la banquette royale ne soit enlevée et le toit du bâtiment volontairement abattu…
S'agit-il du souverain ? Pourquoi aurait-il été tué ? "On ne le saura jamais, admet Charlotte Arnauld. Mais cela n'ôte rien à la violence des actes qui se sont déroulés là, dans une enceinte dévolue au roi." La fin de la période classique est aussi la fin d'un système de royauté sacrée. Au nord des basses terres centrales désertées, dans la péninsule du Yucatan où les Mayas feront revivre de grandes cités dès le XIe siècle, une nouvelle forme de gouvernance apparaît. Un système pour lequel un mot maya existe, multepal : "gouverner ensemble".
A voir "Maya de l'aube au crépuscule". Musée du quai Branly, 37, quai Branly, Paris-7e. Tél. : 01-56-61-70-00. Du 21 juin au 2 octobre 2011. Colloque "Sociétés mayas millénaires : crises du passé et résilience", au Musée du quai Branly. Les 1er et 2 juillet. Entrée libre dans la limite des places disponibles.
Stéphane Foucart
Sobre o assunto do colapso das civilizações, permito-me recomendar o livro de Jared Diamond, chamado Colapso, precisamente.
Paulo Roberto de Almeida
"Le Monde Magazine" : Mayas, autodestruction d'une civilisation
Stéphane Foucart
LE MONDE Week-end MAGAZINE, 17.06.11
Tikal, une des plus grandes cités mayas de la période classique, a perdu 90 % de sa population en moins de deux générations, au IXe siècle. RD Hansen/Fares
GUATEMALA, ENVOYÉ SPÉCIAL - Des pyramides gigantesques perdues dans la forêt pluviale ; des temples oubliés envahis par la végétation ; d'imposants blocs de calcaire renversés par les racines d'arbres centenaires. Les images d'Epinal de cités majestueuses reprises par la jungle et la nature sauvage en ont fait l'une des plus captivantes énigmes archéologiques. Pourquoi, vers 850 de notre ère, la civilisation maya classique a-t-elle sombré ? A quelle catastrophe ou quel enchaînement d'événements peut bien tenir ce qui nous semble la fin d'un monde ? En quelques décennies, les dynasties s'éteignent, des centaines de cités-Etats se vident de leur population, des régions habitées pendant un millénaire voient leurs habitants partir pour ne plus revenir. Le pourquoi et le comment de cet effondrement seront au cœur d'un colloque international organisé au Musée du quai Branly les 1er et 2 juillet, dans la foulée de l'exposition "Mayas, de l'aube au crépuscule".
Il faudra cependant plus d'un colloque pour trancher ces questions. Elles hantent les chercheurs depuis presque un siècle, sans qu'aucun consensus ne se dégage. Bien sûr, certaines théories n'ont plus guère de partisans : épidémies fulgurantes, "invasions barbares", tremblements de terre en série… Toutes les causes simples et exogènes sont désormais écartées de manière quasi certaine. Reste une combinaison de facteurs régulièrement invoqués : sécheresses en cascade, remise en cause du statut des rois, récurrence de conflits meurtriers entre les principales cités-Etats qui se partagent, via de complexes systèmes d'allégeance, la grande région centrée sur l'actuel Guatemala.
Chaque cité semble avoir vécu une agonie particulière. Ici, la guerre a été prépondérante. Là, une forte baisse des rendements agricoles a peut-être primé. Ailleurs encore, le détournement de voies commerciales a pu avoir son importance… "Mais le problème, à se dire qu'un grand nombre de facteurs régionaux ont ainsi été impliqués, c'est que nous avons quand même bien affaire à un effondrement généralisé, rappelle Dominique Michelet (CNRS, université Paris-I), qui a dirigé pendant une décennie les fouilles de Rio Bec, au Mexique. Toutes les cités-Etats des basses terres s'effondrent dans un laps de temps assez court. Il faut tenir compte du caractère global de ce phénomène." Manquerait donc au moins une pièce au puzzle.
Pour Richard Hansen (université de l'Idaho), "un effondrement est toujours causé par plusieurs facteurs". "Mais la particularité d'un tel effondrement est que la population, une fois qu'elle a quitté les centres urbains, n'y revient pas, ajoute l'archéologue américain. Cette absence de toute réinstallation ne peut être le fait que d'une dégradation de l'environnement : les gens ne reviennent pas simplement parce qu'ils ne le peuvent pas. Aujourd'hui, si personne ne retourne vivre à Tchernobyl, c'est parce que l'environnement ne le permet pas."
DES INDICES SAISISSANTS
Une jarre miniature remplie de perles et de coquillages a été découverte au pied d'un édifice de Naachtun. C'est une offrande d'abandon des lieux faite par les habitants. Photo: Projet Naachtun.
Comment une ville se vide-t-elle ? Les fouilles franco-guatémaltèques menées depuis deux ans sur le site de Naachtun, dans l'extrême nord du Guatemala, commencent à donner quelques indices saisissants. Et assez contre-intuitifs. Dans la phase la plus tardive de l'occupation de la ville, entre 800 et 950 de notre ère, certaines populations, sans doute des familles nobles, se regroupent dans le centre de la cité, dans des habitations construites autour de plusieurs patios.
Un édifice de prestige – une pyramide quasi verticale d'une quinzaine de mètres de hauteur – surplombe ce complexe. Or, en la dégageant, les archéologues réalisent qu'elle n'est pas fonctionnelle : il y manque l'escalier qui doit permettre de monter au sommet, sur la plate-forme. Manque, également, le temple sommital. "Le bloc maçonné sur lequel devait s'appuyer l'escalier est bien là, mais la pose des marches n'a pas eu lieu", dit Dominique Michelet, qui a fouillé le secteur. Mieux : en dégageant la base de l'édifice, les chercheurs découvrent au pied de l'escalier inachevé, raconte Philippe Nondédéo (CNRS, université Paris-I), le directeur de la mission, "une jarre miniature en céramique, remplie de perles de coquillages spondyles". Cette manière de placer un objet de valeur au pied d'un édifice sur le point d'être abandonné relève d'un rituel bien connu des spécialistes : c'est une "offrande d'abandon", déposée dans le cadre d'un rituel, sorte d'ultime offrande au monument qui entre en déshérence. Non seulement le chantier de la pyramide n'a pas été mené à son terme, mais ses commanditaires en ont pris acte en l'abandonnant rituellement, selon la coutume.
"Cela signifie deux choses, explique Philippe Nondédéo. D'une part, les habitants n'ont pas quitté la cité dans la précipitation ou la panique : dans l'un des palais de la ville, nous avons aussi découvert de grands encensoirs, brisés dans le cadre d'un autre de ces rites d'abandon. D'autre part, au moment où ils semblent quitter les lieux, ils ont encore accès à des biens de grande valeur." Les presque cinq cents perles "offertes" à la pyramide inachevée proviennent en effet de la côte Pacifique, à quelque 500 kilomètres de là.
Ce n'est pas le seul élément indiquant la prospérité de la cité jusque tard dans son histoire. "On a également trouvé de l'obsidienne de Zaragoza et d'Otumba, gisements situés à plus de 1 200 kilomètres de Naachtun à vol d'oiseau !", ajoute Dominique Michelet. Des aiguillons de raie – utilisés dans les rituels d'autosacrifice, au cours desquels des nobles faisaient couler leur sang en se perçant la langue ou le pénis –, des céramiques importées, du jade, des meules en granit du Belize… Même à son crépuscule, Naachtun continuait de disposer de toutes sortes de biens précieux.
FUITES EN MASSE
A l'image de Naachtun, certaines villes semblent avoir été abandonnées en bon ordre. On part en ne laissant que peu de choses derrière soi. Ce n'est pas le cas partout ailleurs. Plus au sud, des régions semblent en proie au chaos qui suit de près les conflits armés. Dès le milieu du VIIIe siècle de notre ère, avant que ne s'effondre le reste de la région, les cités d'Aguateca, Dos Pilas et Cancuén sont ravagées par la guerre. Leurs populations fuient en masse.
"A Dos Pilas, la population démantela elle-même une grande partie de ses propres temples et palais dans une tentative désespérée d'ériger des barricades de pierre, mais en vain, car la cité fut détruite, écrit Arthur Demarest (université Vanderbilt), dans sa contribution au colloque. Non loin, le centre d'Aguateca se dressait sur un escarpement quasi imprenable, bordé, d'un côté, de falaises et d'un abîme, et, de l'autre, de kilomètres de murailles. Cette cité résista plus longtemps, mais finit par être prise et brûlée vers l'an 800." "Plus au sud, sur les rives du fleuve de la Pasión, le riche port de commerce de Cancuén, florissant entre 750 et 800, fut à son tour détruit, ajoute l'anthropologue américain. Son roi, la reine et plus de trente nobles furent assassinés dans un grand rituel à l'issue duquel leurs corps, revêtus de leurs plus beaux atours, furent déposés dans une citerne sacrée."
Entre Naachtun et Dos Pilas, Aguateca ou Cancuén, il semble n'y avoir rien de commun. D'un côté, une population riche qui certes se rétracte dans le centre de la ville, mais qui continue à jouir d'un certain luxe et semble quitter les lieux sans précipitation. De l'autre, la guerre, la mort, le chaos. A Naachtun, les hommes abandonnent la ville relativement progressivement ; ailleurs, les populations paraissent parfois s'être évanouies avec une incroyable rapidité. "Des études de densité de l'habitat ont suggéré qu'à partir de 830 environ, Tikal [l'une des plus grandes cités des basses terres] perd 90 % de sa population en moins de deux générations", illustre Charlotte Arnauld (CNRS, université Paris-I). Comment imaginer une cause sous-jacente, commune à des situations si radicalement différentes ?
Le sommet du temple du Jaguar, à El Mirador, la plus grande cité maya préclassique, tombée vers 150. Le bas de la pyramide se trouve 17 mètres sous la terre. Charles David Bieber/Fares 2005
Peut-être, pour comprendre la chute des Mayas classiques, faut-il remonter le temps de quelques siècles. Et analyser une autre crise, bien plus ancienne, celle de 150 après J.-C.. Car l'effondrement de la civilisation maya classique, vers l'an 850, n'est pour certains spécialistes rien de plus que la répétition d'un autre effondrement : celui de la période maya dite préclassique, commencée en 1000 avant J.-C.. Ainsi, lorsque Naachtun est désertée vers 950, d'autres cités alentour sont déjà abandonnées depuis huit siècles. Déjà ruinées et déjà partiellement recouvertes par la forêt. La crise des années 150 demeure toutefois localisée : elle est limitée à la région d'El Mirador, du nom du plus grand centre urbain de cette zone de l'extrême nord guatémaltèque, toute proche de Naachtun.
Qu'apprend-on de cet effondrement antérieur, celui des Mayas préclassiques ? D'abord que l'histoire des sociétés humaines n'est pas celle d'une croissance constante, d'une amélioration continue des réalisations techniques. Dans le monde maya, rien n'égalera en taille les monuments d'El Mirador, rien ne surpassera le gigantisme de son architecture. La pyramide dite La Danta, la plus grande du site, culmine à plus de 70 mètres. Elle excède en volume la grande pyramide égyptienne de Gizeh et compte au nombre des plus vastes édifices jamais érigés. Dans la région d'El Mirador, au cours de la période préclassique, tout semble avoir été construit à l'aune de cette démesure. Déjà, les grandes villes de la région – El Mirador, mais aussi El Tintal, Nakbe, Wakna – étaient connectées par "un réseau de chaussées pavées larges d'une vingtaine de mètres, surélevées de 4 à 5 mètres et qui pouvaient raccorder des centres distants d'une vingtaine de kilomètres", dit Philippe Nondédéo. A son apogée, El Mirador a pu compter des dizaines de milliers d'habitants.
STUC DESTRUCTEUR
Au milieu du IIe siècle, ceux-ci quittent les lieux en masse. Et n'y reviendront que très partiellement, après de longs siècles. Pourquoi ? "Je ne crois pas que la guerre puisse pousser les populations à partir et à ne jamais revenir : la guerre peut susciter un abandon momentané, pas un effondrement, estime Richard Hansen, qui fouille El Mirador depuis les années 1980. Pendant la seconde guerre mondiale, Dresde, Tokyo ont été bombardées, Hiroshima et Nagasaki ont chacune reçu une bombe atomique… Or toutes ces villes sont aujourd'hui assez bien peuplées !" Pour l'archéologue américain, il faut chercher ailleurs les causes de l'effondrement des Mayas préclassiques. "Il faut bien comprendre que ce qui a permis l'extraordinaire succès des Mayas, c'est leur système agricole, ajoute M. Hansen. Dans la région d'El Mirador, ils utilisaient la boue des marécages sur de grandes cultures en terrasse : ils pouvaient ainsi cultiver la même terre pendant des centaines d'années sans l'épuiser."
Selon l'archéologue américain, quelque chose est donc venu perturber cet astucieux système. Les fouilles montrent que les boues de matières organiques utilisées comme fertilisants sont aujourd'hui parfois ensevelies sous un à deux mètres d'argiles. De tels enfouissements des sols n'ont pu être provoqués que par l'érosion due à une déforestation massive. "Je pense que ce qui a suscité cette déforestation n'est pas l'agriculture, mais plutôt la production de stuc." Tout au long de la période préclassique, à mesure que les siècles passent, les parements de stuc qui recouvrent les murs des monuments, des maisons, voire le pavement des chaussées, s'épaississent. Les signes ostentatoires de richesse et de pouvoir de la classe dirigeante se paient en stuc. Donc en arbres. Car cet enduit, qui permet de recouvrir les maçonneries grossières, s'obtient au prix d'un long chauffage du calcaire, très coûteux en bois.
Une tête en stuc de l'époque classique. La production massive de ce matériau serait à l'origine de l'effondrement de la civilisation préclassique.Ricky Lopez Bruni www.rickylopezbruni.com
Ce défrichage de grande ampleur aurait donc endommagé quasi irréversiblement l'environnement de la région, ruinant ainsi le système agricole qui assurait aux populations leur prospérité. Bien que localisé, cet effondrement des Mayas préclassiques préfigure-t-il celui intervenu sept siècles plus tard sur l'ensemble des basses terres ? De troublantes analogies existent. Comme sur le site de Copan, sur le territoire actuel du Honduras, où l'archéologue David Webster a montré que, dès le viiie siècle, les glissements de terrain dus à la déforestation ont peu à peu oblitéré les capacités de production des paysans aux abords de la cité. "C'est une situation que l'on ne retrouve pas forcément ailleurs et il ne faut donc pas généraliser", tempère Charlotte Arnauld. Mais, malicieusement, cette dernière fait remarquer que les derniers grands monuments de la période classique, érigés peu avant l'effondrement, sont constitués de petits blocs de calcaire, plus petits et bien mieux taillés que ceux utilisés dans les siècles précédents et bien plus soigneusement ajustés les uns aux autres.
"Peut-être précisément pour économiser le stuc", avance-t-elle. Et donc pour économiser le bois, signe qu'il commençait sérieusement à se faire rare… La déforestation massive pratiquée au cours de la période classique a sans doute eu d'autres répercussions. Sur les pluies : les climatologues savent aujourd'hui que l'absence de végétation peut entraver les précipitations. Des analyses de carottes sédimentaires ont montré qu'entre 760 et 910, quatre vagues de sécheresse de trois à neuf ans chacune ont frappé de vastes zones de l'aire maya. Or dans un système politico-religieux où le roi est le garant de la clémence des éléments, ces calamités à répétition ont peut-être déstabilisé les élites et engendré des troubles politiques.
FIN D'UN SYSTÈME
Des troubles dont l'une des plus saisissantes illustrations est une découverte faite par l'équipe dirigée par Charlotte Arnauld au début des années 2000, sur le site de La Joyanca, dans le nord-ouest du Guatemala. L'un des bâtiments, tout en longueur – plus de 50 mètres –, est juché au sommet d'un escalier qui conduit à une grande pièce. Sans doute s'agit-il d'une salle d'audience pourvue d'une banquette, située au milieu – de toute évidence celle du roi. Bâtiment politique par excellence, ce long édifice a connu des cloisonnements internes pendant son occupation (entre 750 et 850), jusqu'à comporter six pièces au milieu desquelles le souverain perd sa singularité. Donc sans doute une partie de son pouvoir. Lorsqu'ils dégagent l'édifice, les archéologues trouvent, dans la pièce centrale du roi, le squelette d'un homme, ou d'une femme, jeté là sans ménagement ni sépulture, vraisemblablement à dessein, avant que la banquette royale ne soit enlevée et le toit du bâtiment volontairement abattu…
S'agit-il du souverain ? Pourquoi aurait-il été tué ? "On ne le saura jamais, admet Charlotte Arnauld. Mais cela n'ôte rien à la violence des actes qui se sont déroulés là, dans une enceinte dévolue au roi." La fin de la période classique est aussi la fin d'un système de royauté sacrée. Au nord des basses terres centrales désertées, dans la péninsule du Yucatan où les Mayas feront revivre de grandes cités dès le XIe siècle, une nouvelle forme de gouvernance apparaît. Un système pour lequel un mot maya existe, multepal : "gouverner ensemble".
A voir "Maya de l'aube au crépuscule". Musée du quai Branly, 37, quai Branly, Paris-7e. Tél. : 01-56-61-70-00. Du 21 juin au 2 octobre 2011. Colloque "Sociétés mayas millénaires : crises du passé et résilience", au Musée du quai Branly. Les 1er et 2 juillet. Entrée libre dans la limite des places disponibles.
Stéphane Foucart
quinta-feira, junho 09, 2011
Fukuyama and the beginning of the politics
ADAM KIRSCH
The Dawn of Politics
Francis Fukuyama goes back to the beginning.
City Journal, Spring 2011, vol. 21. n. 2
It’s possible that Francis Fukuyama does not take unmixed pleasure in his fame as the author of The End of History and the Last Man. Ever since Fukuyama published that book in 1992—indeed, ever since he published the article on which it was based in The National Interest in 1989—he has been shadowed by the phrase “the end of history.” Since then, he has written five more books on big, complex subjects, ranging from the decline of trust in American society to the future of genetic engineering, and he has participated in countless policy debates. Yet on the cover of his new book, The Origins of Political Order, he once again is identified as “the author of The End of History and the Last Man.”
Will this book—a 500-page survey of the growth of states “from prehuman times to the French Revolution,” with a promised second volume taking the story up to the present—finally be the one to emancipate Fukuyama from the end of history? The question is justified not simply by the size, scope, and ambition of the project but, above all, by its emphasis on origins. If the end of the Cold War represented the end of history, Fukuyama’s new book starts over at the beginning, with the emergence of the first states out of kin-based tribes more than 4,000 years ago. In the introduction, Fukuyama explains that his purpose in The Origins of Political Order is to offer a new theory of political development, to supersede the one that his mentor Samuel Huntington advanced in his 1968 study Political Order in Changing Societies.
But it is hard to avoid thinking that Fukuyama is after even bigger game. After all, he emerged in his first book as a proud Hegelian—more, as a rehabilitator of Hegel, in an age that had lost patience with all grand theories of historical progress. “The twentieth century, it is safe to say, has made all of us into deep historical pessimists,” Fukuyama wrote. But the events of 1989 made it possible once again to believe that history was marching in the direction of freedom, that liberal democracy would prove to be the solution of mankind’s long experiment in politics. This or that tyranny might win a temporary reprieve, but the ultimate judgment was sealed. The concluding metaphor of The End of History made Fukuyama’s view clear:
Rather than a thousand shoots blossoming into as many different flowering plants, mankind will come to seem like a long wagon train strung out along a road. Some wagons will be pulling into town sharply and crisply, while others will be bivouacked back in the desert, or else stuck in ruts in the final pass over the mountains. . . . The apparent differences in the situations of the wagons will not be seen as reflecting permanent and necessary differences between the people riding in the wagons, but simply a product of their different positions along the road.
The title of The Origins of Political Order seems to promise the back story to this consummation, the arche to history’s telos. This might well sound like a hubristic project, requiring the kind of universal synthesis that few historians since Toynbee and Spengler have attempted (or wanted to attempt); and Fukuyama, of course, is not a historian. If he undertakes, in his new book, to discuss everything from Chinese Legalism to the Indian caste system to French tax farmers, it is not with the pretense of knowing everything about everything. Fukuyama confesses to relying “almost exclusively on secondary sources”—some, as the bibliography shows, rather antiquated. Nor, of course, does even such a wide range of topics come close to exhausting “the origins of political order”: for every civilization that Fukuyama treats, half a dozen go unmentioned. Most strikingly, he has almost nothing to say about the Roman Empire, which since Machiavelli has been the classic case study for thinking about the rise of states.
Still, Fukuyama’s project is quite in the spirit of Hegel, who made clear that the writing of universal history does not require giving an account of everything that has ever happened to mankind. Rather, Hegel explained in the introduction to The Philosophy of History, “The History of the world is none other than the progress of the consciousness of Freedom; a progress whose development [is] according to the necessity of its nature.” It is this story of progressive enlightenment that the universal historian has to tell.
In the past, Fukuyama felt that that story was best and most succinctly explained by Alexandre Kojève, the Franco-Russian philosopher whose seminars on Hegel, given in Paris in the 1930s, exerted a huge influence on subsequent political thinkers. (When Fukuyama talks about Hegel, he acknowledged in The End of History, he is really talking about “Hegel-as-interpreted-by-Kojève.”) It was Kojève who proposed that History (that is, the History of the march toward freedom, rather than the lowercase history of whatever happens to happen) ended with the French Revolution and the rise of Napoleon—for convenience’s sake, say in 1806, the year of the Battle of Jena and the completion of Hegel’s The Phenomenology of Spirit. By that time, mankind had discovered that the ideal state was a liberal republic in which each citizen recognized every other citizen as equal, thus ending the age-old struggle between masters and slaves that was the engine of historical progress.
Hegel was aware that such a state did not prevail everywhere, or perhaps anywhere, on Earth in 1806. But this was merely a factual matter, not a philosophical one, Kojève explained: “Hegel . . . knew full well that the State was not yet realized in deed in all its perfection. He only asserted that the germ of this State was present in the World and that the necessary and sufficient conditions for its growth were in existence. Now, can we with certainty deny the presence of such a germ and such conditions in our World?” It took a great deal of confidence for Kojève to ask such a question in 1938, when many would have been quite willing to deny it. But when Fukuyama returned to the question in the early 1990s, fascism and Communism—the twentieth century’s major challengers to liberal democracy—had been defeated and discredited, and the “germ” of freedom was sending out new shoots.
Even in 1992, however, it was possible to point to many parts of the world where liberalism had not prevailed. And in the first pages of his new book, Fukuyama acknowledges that the tide of freedom may seem to have retreated during the last decade. There has been a “democratic recession . . . around the world in the 2000s,” he writes, with the post-Soviet states retreating into authoritarianism, the Communist Party still enthroned in China, and various kinds of despotism in Iran, Venezuela, and elsewhere. Yet Fukuyama’s wagon-train metaphor has always assumed that there would be laggards on the road to freedom. What matters, from his point of view, is not whether democracy advances or retreats, but whether there are any philosophically plausible alternatives to democracy, in the way that Communism once represented such an alternative; and he is confident that there are not. “Very few people around the world,” he claims, “openly profess to admire Vladimir Putin’s petronationalism, or Hugo Chávez’s ‘twenty-first-century socialism,’ or Mahmoud Ahmadinejad’s Islamic Republic. . . . China’s rapid growth incites envy and interest, but its exact model of authoritarian capitalism is not one that is easily described, much less emulated, by other developing countries.”
Such a list exposes the fragility of the Hegelian distinction between History and history: when something like 2 billion people live under dictatorships, the fact that the idea of democracy goes philosophically unchallenged might seem a little irrelevant. Nor is it entirely true that the regimes Fukuyama lists are without admirers. Certainly the Islamic Republic of Iran has vocal (and well-armed) sympathizers, in Lebanon and Egypt and beyond.
Yet since ideas have consequences, the ideological victory of liberalism would be nothing to scorn—if it were really assured. Ironically, however, The Origins of Political Order itself gives reason for doubting this. For in a strange way, without explicitly acknowledging it, Fukuyama in his new book abandons the central premise of his earlier work, which was the Hegelian necessity of the progress of freedom. It is true that, as before, Fukuyama sees political history as the story of the evolution and spread of liberalism. The strategy of the book is to examine the development, across a range of societies, of what he considers the three pillars of “modern liberal democracy”: a strong state, the rule of law, and accountable government. While his choice of historical case studies is unconventional, the trajectory of the book leads him to a very traditional, even Whiggish, culmination: an analysis of “England, in which all three dimensions of political development—the state, rule of law, and political accountability—were successfully institutionalized.”
The implication is that all the other civilizations that Fukuyama discusses are defective Englands—though at times, he varies the metaphor and suggests that the goal of all countries is “getting to Denmark,” where “Denmark” is shorthand for “a mythical place . . . [that is] stable, democratic, peaceful, prosperous, inclusive, and has extremely low levels of political corruption.” One way of reading The Origins of Political Order is as a manual on modernization, development, and state-building, the issues that have dominated Fukuyama’s work in recent years. They have also dominated American foreign policy in the post–September 11 era, as the plausibility of building democracy in places like Iraq and Afghanistan became a major question dividing foreign-policy neoconservatives from traditional realists, isolationists, and disillusioned liberals. Fukuyama, once a leading neoconservative, announced his resignation from that school in a 2006 New York Times Magazine article, “After Neoconservatism,” in which he declared it “very unlikely that history will judge either [the Iraq War] itself or the ideas animating it kindly.”
Allusions to this foreign-policy debate show up at several points in The Origins of Political Order, when Fukuyama emphasizes the cultural and geographical obstacles to democratization. “Mountains . . . explain the persistence of tribal forms of organization in many of the world’s upland regions,” he writes, instancing Afghanistan: “Turks, Mongols, and Persians, followed by the British, Russians, and now the Americans and NATO forces have all tried to subdue and pacify Afghanistan’s tribes and to build a centralized state there, with very modest success.” Likewise, Iraq illustrates the persistence of tribalism under the veneer of the modern state: “As the Americans occupying Iraq’s Anbar province after the 2003 invasion discovered, it was easier to control tribal fighters using the traditional authority of the tribal chief than to create new impersonal units that did not take account of underlying social realities.”
Such examples, Fukuyama concludes, “should imbue us with a certain degree of humility in the task of institution-building in the contemporary world. Modern institutions cannot simply be transferred to other societies without reference to existing rules and the political force supporting them.” Stated in such broad terms, this conclusion is hard to argue with. But it does seem at odds with the principle, central to Fukuyama’s earlier work, that liberal democracy is the best form of government because it fulfills a universal human desire for recognition.
In The Origins of Political Order, Fukuyama makes a considerably weaker claim for liberalism: “Once this combination of state, law, and accountability appeared, it proved to be a highly powerful and attractive form of government that subsequently spread to all corners of the world. But we need to remember how historically contingent this emergence was.” In the second volume of this work, taking the story of “political order” down to the present, Fukuyama plans to examine “how the application of that [English] model has fared in countries lacking the specific historical and social conditions of England.” But the principle established in this first volume is already clear: “contingency” and “attractiveness” have replaced universality and necessity.
What explains this shift, which Fukuyama never explicitly justifies? One answer might be that history—events in Iraq and Afghanistan—has derailed Fukuyama’s confidence in History. But the powerful thing about the dialectic, as generations of Marxists knew, is that mere events can never disprove it. Since decades are as moments in the eyes of the Idea—this is one of several ways in which it resembles God—nothing that has happened between 1992 and the present can disprove the end of History. (Didn’t Kojève dismiss everything that happened since 1806 as essentially irrelevant?) By the same token, every outbreak of democracy, no matter how imperiled or fleeting, can appear as confirmation of Fukuyama’s theory—which is why many commentators invoked the recent Egyptian revolution as a vindication of Fukuyama’s thesis.
The explanation for Fukuyama’s evolution must be sought, rather, in the realm of ideas—in particular, in the idea of evolution itself. Briefly put, Darwin has replaced Hegel as Fukuyama’s guide to politics. This becomes clear as early as the second chapter of The Origins of Political Order, “The State of Nature.” Fukuyama has never accepted the Hobbesian view of the state of nature as a war of all against all, but the grounds of his rejection have changed. In The End of History, he countered Hobbes with Hegel: the Hobbesian notion that society is grounded in man’s fear of violent death, he argued, was less plausible than the Hegelian view that society arises from man’s need to earn recognition from his fellows by dominating them.
In the new book, he again dismisses Hobbes, but this time on Darwinian grounds. Mankind has never consisted of atomized individuals, Fukuyama writes, but even in its most primitive state was organized into small, kin-based bands: “Human sociability is not a historical or cultural acquisition, but something hardwired into human nature.” The biological imperative for human beings, as for all animals, is the preservation of their genes, which led us to evolve the strategies of “inclusive fitness, kin selection, and reciprocal altruism.” So strong is this genetic allegiance that, in most parts of the world, it goes deeper and lasts longer than allegiance to larger groups like nations or states: “From the Melanesian wantok to the Arab tribe to the Taiwanese lineage to the Bolivian ayllu, complex kinship structures remain the primary locus of social life for many people in the contemporary world, and strongly shape their interaction with modern political institutions.”
Yet the effect of using Darwin to disprove Hobbes is actually, it turns out, to confirm Hobbes on another level. There may never have been a war of all individuals against all; but the state of nature was, Fukuyama argues, a war of all extended families against all. This is true even of chimpanzees, whose violence and status-seeking Fukuyama sees as a primitive form of politics. The first higher-order social organization, into tribes, was a response to this constant warfare, and the next level of organization, into states, was a way for tribes to gain advantage over one another. Fukuyama illustrates the point by discussing the “warring-states” period of Chinese history, from 480 to 221 BC, when constant conflict reduced thousands of competing principalities into a single empire. “The chief driver of Chinese state formation,” he concludes, “was war and the requirements of war.” The title of Chapter 5, “The Coming of Leviathan,” confirms that Fukuyama has taken a Darwinian detour to a Hobbesian conclusion.
Humankind’s earliest conflicts were classically Darwinian, then: fights over resources in which the fittest survived. But competitions among states, as Fukuyama understands them, are Darwinian in a looser, quasi-metaphorical sense. “Political systems evolve in a manner roughly comparable to biological evolution,” he writes:
Darwin’s theory of evolution is based on two very simple principles, variation and selection. Variation among organisms occurs due to random genetic combinations; those variants that are better adapted to their specific environments have greater reproductive success and therefore propagate themselves at the expense of those less well adapted. In a very long historical perspective, political development has followed the same general pattern: the forms of political organization employed by different groups of human beings have varied, and those forms that were more successful—meaning those that could generate greater military and economic power—displaced those that were less successful.
It is a sign of how powerful the Darwinian worldview has become that Fukuyama could find this analysis plausible, despite the fundamental difficulty of applying concepts like reproduction and fitness to states. To take just one example, the ability to exert “military and economic power” does not have any clear correlation with a polity’s survival in the long term—just look at the way the Mongols destroyed more sophisticated states, from Persia to Muscovy to China, and then disappeared in a few generations.
But there are two even deeper problems with Darwinism as a guide to political history. The first is that, like almost every thinker who has tried to apply the evolutionary model to human affairs, Fukuyama cannot avoid thinking of evolution as a matter of the emergence of higher forms out of lower forms. “Strict cultural relativism is at odds with the implications of evolutionary theory,” he writes, “since the latter necessitates identifying different levels of social organization and the reason one level gets superseded by another.” Yet at the very heart of Darwinism is the principle that there is no such thing as “levels” or “supersession”; as Darwin adjured himself in one of his marginalia, “Never use the word higher or lower.” Human beings are in no biological sense higher than cockroaches; we have simply evolved a different adaptive strategy.
In the same way, regarded simply as a strategy for survival, no human polity is higher or lower than another, only (momentarily) more or less successful. That is why Fukuyama’s new Darwinian theory of politics cannot yield the same confidence about liberal democracy that his earlier Hegelian theory did. If history is evolutionary, it can’t have a direction or a destination; liberal democracy is no more the end of history than Homo sapiens is the end of biology.
If this conclusion is hard to accept, that is because of the second problem with Darwinism as a guide to human affairs. Human beings are a species whose drive to reproduce is sometimes contested by moral and intellectual values that we posit for ourselves. It is not hard to think of situations in which truthfulness, fidelity, or piety can take precedence over the instinct to reproduce or even to survive—celibacy is a human institution, as is martyrdom. Nietzsche, who was a great antagonist of Darwin, formulated the difference between them precisely in terms of the different emphases that the two thinkers placed on survival. In The Will to Power, Nietzsche observed that, for human beings, the subjective experience of triumph was more important than actual success in the struggle for survival: “Physiologists should think again before positing the ‘instinct of preservation’ as the cardinal drive in an organic creature. A living thing wants above all to discharge its force.” And the discharge of force can take forms inimical to the preservation of life.
The application of this Nietzschean idea to politics implies that human beings are capable of sacrificing their own reproductive fitness in the name of an idea. Allegiance to a state or to a religion is a classic example of a human behavior that can be biologically “irrational.” But if that is the case, how can we reduce political order to an expression of biological drives? Fukuyama is well aware of this conundrum, since he has always been a devoted and insightful Nietzschean—if the first part of the title of The End of History and the Last Man comes from Hegel, the second comes from Nietzsche. That is why he insists many times, in The Origins of Political Order, that we cannot understand history simply in materialist terms. “Ideas are extremely important to political order,” he writes early on.
In fact, much of Fukuyama’s book consists of case studies in how and why ideas trump interests. It is biologically axiomatic for Fukuyama that people will seek to benefit themselves and their immediate kin. For a state to preempt such loyalties, it must possess legitimacy, one of the two key concepts in The Origins of Political Order. The “Mandate of Heaven,” which was said to decide among claimants to the imperial throne of China, is one classic version of legitimacy.
But legitimacy does not serve only to control peoples; it also, even more strikingly, controls rulers. Fukuyama rejects the economist Mancur Olson’s characterization of early modern European monarchs as “stationary bandits,” mere predators on their subjects’ resources. It is not historically true that kings taxed their subjects at the highest possible rate or continually threatened them with violence. In China, the influence of Confucianism bound rulers to act justly toward their subjects; in Europe, Catholicism and the institution of the rule of law did the same—and much more effectively, in Fukuyama’s view.
Political order arises, then, when the state commands enough legitimacy to trump its subjects’ familial loyalties. Conversely, political decay happens when those loyalties reassert themselves at the expense of the state. This leads to the second major concept in Fukuyama’s book, repatrimonialization. The classic example here is ancien régime France, whose aristocrats and financiers purchased parts of the state for their own benefit, in the form of tax-farming franchises and heritable offices. It was, Fukuyama writes, an “early prototype of what is today called a rent-seeking society. In such a society, the elites spend all of their time trying to capture public office in order to secure a rent for themselves.”
The most interesting parts of The Origins of Political Order deal with the various ways in which different polities have attempted to head off such repatrimonialization, some of them quite exotic. In the Ottoman Empire, the devshirme was a levy of Christian youths, in which gifted boys were taken from their homes and trained to be imperial administrators and janissaries; in this way, the sultans created a bureaucratic caste with no family ties. In China, the use of an examination system to recruit mandarins played a similar role. Both can be seen as strategies for producing Platonic guardians wholly dedicated to the state; in The Republic, Socrates even urges that the guardians be told that they have no human parents, which he calls a “noble lie.”
It is hard to see how Fukuyama can avoid a similar conclusion: that the forces that make for legitimacy and political order are, in the end, only noble lies. In the Darwinian understanding of man, only individual and familial advantage can be a genuinely rational motivation; nationalism, religion, and ideology, the great drivers of state-building and civilization-building, are irrational. Fukuyama tends to treat religion, in particular, as a collective delusion useful for driving the consolidation of tribes into states: “Religion solves this collective action problem. . . . If I believe that the chief can command the spirits of dead ancestors to reward or punish me, I will be much more likely to respect his word.” Again, he writes that “there is no clearer illustration of the importance of ideas to politics than the emergence of an Arab state under the Prophet Muhammad”—meaning, it appears, that in this case, the connection of religious belief with political power is especially naked. It is in this reductive sense that we must take Fukuyama’s insistence that “ideas matter.”
What this really means, in fact, is that ideas mattered. For there is no way that a reader who shares Fukuyama’s Darwinian outlook could ever find himself moved to action by the kind of ideas that he is talking about—the deification of a chieftain or a prophet or a nation-state. That’s why Fukuyama does not explain these phenomena from the inside, as Hegel did, but simply redescribes them in terms of inherited instinct. Two of the “foundations of political development,” Fukuyama writes early in the book, are that “human beings have a capacity for abstraction and theory that generates mental models of causality, and a further tendency to posit causation based on invisible or transcendental forces. This is the basis of religious belief. . . . Human beings also have a proclivity for norm following that is grounded in the emotions rather than in reason, and consequently a tendency to invest mental models and the rules that flow from them with intrinsic worth.”
Note the circularity of these definitions. Like the doctor in Molière who explains that opium causes sleepiness because it has a “dormitive power,” Fukuyama attributes the human susceptibility to religion and morality to our “capacity for abstraction” and “proclivity for norm following.” One difference between opium and religion, however, is that being able to describe religion in this way means being immune to it or emancipated from it. Indeed, to be emancipated from such ungrounded “norms” is what it means to live after the end of History.
Another name for this freedom is nihilism—the nihilism of which Nietzsche was the prophet and would-be doctor. What has been really distinctive about Fukuyama’s work, from The End of History onward, is that he seriously engages with the condition of nihilism, in which he worries that we are condemned to live. But while Nietzsche hoped to counter the apathy of the Last Man with the will-to-power of the Overman, Fukuyama—inheriting, as we all do, the lessons of the twentieth century—cannot look so blithely at the prospect of new “wars of the spirit.” His task, rather, has been to look for nonviolent ways of harnessing the human desire for struggle, recognition, and the “discharge of force.”
In Trust, Fukuyama saw work and corporate loyalty as possible solutions: “Liberal democracy works because the struggle for recognition that formerly had been carried out on a military, religious, or nationalist plane is now pursued on an economic one,” he wrote. The Great Disruption, his analysis of post-sixties cultural and social ills, was based on the recognition that “the situation of normlessness . . . is intensely uncomfortable for us,” and he looked hopefully forward to the spontaneous emergence of new norms and values. Our Posthuman Future was a still more powerful jeremiad against nihilism, perceived this time in biotechnological terms: “Biotechnology will cause us in some way to lose our humanity—that is, some essential quality that has always underpinned our sense of who we are and where we are going.”
There is an unmistakable echo in these words of Nietzsche’s parable of the madman in The Gay Science. After the death of God, the madman demands, “Are we not perpetually falling? Backward, sideways, forward, in all directions? Is there any up or down left?” As long as Fukuyama could believe in History as a dialectical process, moving inevitably in the direction of freedom and equal recognition, there was at least one compass point that he could rely on. In the Darwinian world of The Origins of Political Order, that directionality has vanished, and we are left with contingency and cynicism as the keys to understanding our own past. That this results in a more conventional book than we have come to expect from Fukuyama is a sign of how difficult the conventional wisdom is to escape.
Adam Kirsch is a senior editor at The New Republic and a columnist for Tablet. His new book, Why Trilling Matters, will be published this fall.
The Dawn of Politics
Francis Fukuyama goes back to the beginning.
City Journal, Spring 2011, vol. 21. n. 2
It’s possible that Francis Fukuyama does not take unmixed pleasure in his fame as the author of The End of History and the Last Man. Ever since Fukuyama published that book in 1992—indeed, ever since he published the article on which it was based in The National Interest in 1989—he has been shadowed by the phrase “the end of history.” Since then, he has written five more books on big, complex subjects, ranging from the decline of trust in American society to the future of genetic engineering, and he has participated in countless policy debates. Yet on the cover of his new book, The Origins of Political Order, he once again is identified as “the author of The End of History and the Last Man.”
Will this book—a 500-page survey of the growth of states “from prehuman times to the French Revolution,” with a promised second volume taking the story up to the present—finally be the one to emancipate Fukuyama from the end of history? The question is justified not simply by the size, scope, and ambition of the project but, above all, by its emphasis on origins. If the end of the Cold War represented the end of history, Fukuyama’s new book starts over at the beginning, with the emergence of the first states out of kin-based tribes more than 4,000 years ago. In the introduction, Fukuyama explains that his purpose in The Origins of Political Order is to offer a new theory of political development, to supersede the one that his mentor Samuel Huntington advanced in his 1968 study Political Order in Changing Societies.
But it is hard to avoid thinking that Fukuyama is after even bigger game. After all, he emerged in his first book as a proud Hegelian—more, as a rehabilitator of Hegel, in an age that had lost patience with all grand theories of historical progress. “The twentieth century, it is safe to say, has made all of us into deep historical pessimists,” Fukuyama wrote. But the events of 1989 made it possible once again to believe that history was marching in the direction of freedom, that liberal democracy would prove to be the solution of mankind’s long experiment in politics. This or that tyranny might win a temporary reprieve, but the ultimate judgment was sealed. The concluding metaphor of The End of History made Fukuyama’s view clear:
Rather than a thousand shoots blossoming into as many different flowering plants, mankind will come to seem like a long wagon train strung out along a road. Some wagons will be pulling into town sharply and crisply, while others will be bivouacked back in the desert, or else stuck in ruts in the final pass over the mountains. . . . The apparent differences in the situations of the wagons will not be seen as reflecting permanent and necessary differences between the people riding in the wagons, but simply a product of their different positions along the road.
The title of The Origins of Political Order seems to promise the back story to this consummation, the arche to history’s telos. This might well sound like a hubristic project, requiring the kind of universal synthesis that few historians since Toynbee and Spengler have attempted (or wanted to attempt); and Fukuyama, of course, is not a historian. If he undertakes, in his new book, to discuss everything from Chinese Legalism to the Indian caste system to French tax farmers, it is not with the pretense of knowing everything about everything. Fukuyama confesses to relying “almost exclusively on secondary sources”—some, as the bibliography shows, rather antiquated. Nor, of course, does even such a wide range of topics come close to exhausting “the origins of political order”: for every civilization that Fukuyama treats, half a dozen go unmentioned. Most strikingly, he has almost nothing to say about the Roman Empire, which since Machiavelli has been the classic case study for thinking about the rise of states.
Still, Fukuyama’s project is quite in the spirit of Hegel, who made clear that the writing of universal history does not require giving an account of everything that has ever happened to mankind. Rather, Hegel explained in the introduction to The Philosophy of History, “The History of the world is none other than the progress of the consciousness of Freedom; a progress whose development [is] according to the necessity of its nature.” It is this story of progressive enlightenment that the universal historian has to tell.
In the past, Fukuyama felt that that story was best and most succinctly explained by Alexandre Kojève, the Franco-Russian philosopher whose seminars on Hegel, given in Paris in the 1930s, exerted a huge influence on subsequent political thinkers. (When Fukuyama talks about Hegel, he acknowledged in The End of History, he is really talking about “Hegel-as-interpreted-by-Kojève.”) It was Kojève who proposed that History (that is, the History of the march toward freedom, rather than the lowercase history of whatever happens to happen) ended with the French Revolution and the rise of Napoleon—for convenience’s sake, say in 1806, the year of the Battle of Jena and the completion of Hegel’s The Phenomenology of Spirit. By that time, mankind had discovered that the ideal state was a liberal republic in which each citizen recognized every other citizen as equal, thus ending the age-old struggle between masters and slaves that was the engine of historical progress.
Hegel was aware that such a state did not prevail everywhere, or perhaps anywhere, on Earth in 1806. But this was merely a factual matter, not a philosophical one, Kojève explained: “Hegel . . . knew full well that the State was not yet realized in deed in all its perfection. He only asserted that the germ of this State was present in the World and that the necessary and sufficient conditions for its growth were in existence. Now, can we with certainty deny the presence of such a germ and such conditions in our World?” It took a great deal of confidence for Kojève to ask such a question in 1938, when many would have been quite willing to deny it. But when Fukuyama returned to the question in the early 1990s, fascism and Communism—the twentieth century’s major challengers to liberal democracy—had been defeated and discredited, and the “germ” of freedom was sending out new shoots.
Even in 1992, however, it was possible to point to many parts of the world where liberalism had not prevailed. And in the first pages of his new book, Fukuyama acknowledges that the tide of freedom may seem to have retreated during the last decade. There has been a “democratic recession . . . around the world in the 2000s,” he writes, with the post-Soviet states retreating into authoritarianism, the Communist Party still enthroned in China, and various kinds of despotism in Iran, Venezuela, and elsewhere. Yet Fukuyama’s wagon-train metaphor has always assumed that there would be laggards on the road to freedom. What matters, from his point of view, is not whether democracy advances or retreats, but whether there are any philosophically plausible alternatives to democracy, in the way that Communism once represented such an alternative; and he is confident that there are not. “Very few people around the world,” he claims, “openly profess to admire Vladimir Putin’s petronationalism, or Hugo Chávez’s ‘twenty-first-century socialism,’ or Mahmoud Ahmadinejad’s Islamic Republic. . . . China’s rapid growth incites envy and interest, but its exact model of authoritarian capitalism is not one that is easily described, much less emulated, by other developing countries.”
Such a list exposes the fragility of the Hegelian distinction between History and history: when something like 2 billion people live under dictatorships, the fact that the idea of democracy goes philosophically unchallenged might seem a little irrelevant. Nor is it entirely true that the regimes Fukuyama lists are without admirers. Certainly the Islamic Republic of Iran has vocal (and well-armed) sympathizers, in Lebanon and Egypt and beyond.
Yet since ideas have consequences, the ideological victory of liberalism would be nothing to scorn—if it were really assured. Ironically, however, The Origins of Political Order itself gives reason for doubting this. For in a strange way, without explicitly acknowledging it, Fukuyama in his new book abandons the central premise of his earlier work, which was the Hegelian necessity of the progress of freedom. It is true that, as before, Fukuyama sees political history as the story of the evolution and spread of liberalism. The strategy of the book is to examine the development, across a range of societies, of what he considers the three pillars of “modern liberal democracy”: a strong state, the rule of law, and accountable government. While his choice of historical case studies is unconventional, the trajectory of the book leads him to a very traditional, even Whiggish, culmination: an analysis of “England, in which all three dimensions of political development—the state, rule of law, and political accountability—were successfully institutionalized.”
The implication is that all the other civilizations that Fukuyama discusses are defective Englands—though at times, he varies the metaphor and suggests that the goal of all countries is “getting to Denmark,” where “Denmark” is shorthand for “a mythical place . . . [that is] stable, democratic, peaceful, prosperous, inclusive, and has extremely low levels of political corruption.” One way of reading The Origins of Political Order is as a manual on modernization, development, and state-building, the issues that have dominated Fukuyama’s work in recent years. They have also dominated American foreign policy in the post–September 11 era, as the plausibility of building democracy in places like Iraq and Afghanistan became a major question dividing foreign-policy neoconservatives from traditional realists, isolationists, and disillusioned liberals. Fukuyama, once a leading neoconservative, announced his resignation from that school in a 2006 New York Times Magazine article, “After Neoconservatism,” in which he declared it “very unlikely that history will judge either [the Iraq War] itself or the ideas animating it kindly.”
Allusions to this foreign-policy debate show up at several points in The Origins of Political Order, when Fukuyama emphasizes the cultural and geographical obstacles to democratization. “Mountains . . . explain the persistence of tribal forms of organization in many of the world’s upland regions,” he writes, instancing Afghanistan: “Turks, Mongols, and Persians, followed by the British, Russians, and now the Americans and NATO forces have all tried to subdue and pacify Afghanistan’s tribes and to build a centralized state there, with very modest success.” Likewise, Iraq illustrates the persistence of tribalism under the veneer of the modern state: “As the Americans occupying Iraq’s Anbar province after the 2003 invasion discovered, it was easier to control tribal fighters using the traditional authority of the tribal chief than to create new impersonal units that did not take account of underlying social realities.”
Such examples, Fukuyama concludes, “should imbue us with a certain degree of humility in the task of institution-building in the contemporary world. Modern institutions cannot simply be transferred to other societies without reference to existing rules and the political force supporting them.” Stated in such broad terms, this conclusion is hard to argue with. But it does seem at odds with the principle, central to Fukuyama’s earlier work, that liberal democracy is the best form of government because it fulfills a universal human desire for recognition.
In The Origins of Political Order, Fukuyama makes a considerably weaker claim for liberalism: “Once this combination of state, law, and accountability appeared, it proved to be a highly powerful and attractive form of government that subsequently spread to all corners of the world. But we need to remember how historically contingent this emergence was.” In the second volume of this work, taking the story of “political order” down to the present, Fukuyama plans to examine “how the application of that [English] model has fared in countries lacking the specific historical and social conditions of England.” But the principle established in this first volume is already clear: “contingency” and “attractiveness” have replaced universality and necessity.
What explains this shift, which Fukuyama never explicitly justifies? One answer might be that history—events in Iraq and Afghanistan—has derailed Fukuyama’s confidence in History. But the powerful thing about the dialectic, as generations of Marxists knew, is that mere events can never disprove it. Since decades are as moments in the eyes of the Idea—this is one of several ways in which it resembles God—nothing that has happened between 1992 and the present can disprove the end of History. (Didn’t Kojève dismiss everything that happened since 1806 as essentially irrelevant?) By the same token, every outbreak of democracy, no matter how imperiled or fleeting, can appear as confirmation of Fukuyama’s theory—which is why many commentators invoked the recent Egyptian revolution as a vindication of Fukuyama’s thesis.
The explanation for Fukuyama’s evolution must be sought, rather, in the realm of ideas—in particular, in the idea of evolution itself. Briefly put, Darwin has replaced Hegel as Fukuyama’s guide to politics. This becomes clear as early as the second chapter of The Origins of Political Order, “The State of Nature.” Fukuyama has never accepted the Hobbesian view of the state of nature as a war of all against all, but the grounds of his rejection have changed. In The End of History, he countered Hobbes with Hegel: the Hobbesian notion that society is grounded in man’s fear of violent death, he argued, was less plausible than the Hegelian view that society arises from man’s need to earn recognition from his fellows by dominating them.
In the new book, he again dismisses Hobbes, but this time on Darwinian grounds. Mankind has never consisted of atomized individuals, Fukuyama writes, but even in its most primitive state was organized into small, kin-based bands: “Human sociability is not a historical or cultural acquisition, but something hardwired into human nature.” The biological imperative for human beings, as for all animals, is the preservation of their genes, which led us to evolve the strategies of “inclusive fitness, kin selection, and reciprocal altruism.” So strong is this genetic allegiance that, in most parts of the world, it goes deeper and lasts longer than allegiance to larger groups like nations or states: “From the Melanesian wantok to the Arab tribe to the Taiwanese lineage to the Bolivian ayllu, complex kinship structures remain the primary locus of social life for many people in the contemporary world, and strongly shape their interaction with modern political institutions.”
Yet the effect of using Darwin to disprove Hobbes is actually, it turns out, to confirm Hobbes on another level. There may never have been a war of all individuals against all; but the state of nature was, Fukuyama argues, a war of all extended families against all. This is true even of chimpanzees, whose violence and status-seeking Fukuyama sees as a primitive form of politics. The first higher-order social organization, into tribes, was a response to this constant warfare, and the next level of organization, into states, was a way for tribes to gain advantage over one another. Fukuyama illustrates the point by discussing the “warring-states” period of Chinese history, from 480 to 221 BC, when constant conflict reduced thousands of competing principalities into a single empire. “The chief driver of Chinese state formation,” he concludes, “was war and the requirements of war.” The title of Chapter 5, “The Coming of Leviathan,” confirms that Fukuyama has taken a Darwinian detour to a Hobbesian conclusion.
Humankind’s earliest conflicts were classically Darwinian, then: fights over resources in which the fittest survived. But competitions among states, as Fukuyama understands them, are Darwinian in a looser, quasi-metaphorical sense. “Political systems evolve in a manner roughly comparable to biological evolution,” he writes:
Darwin’s theory of evolution is based on two very simple principles, variation and selection. Variation among organisms occurs due to random genetic combinations; those variants that are better adapted to their specific environments have greater reproductive success and therefore propagate themselves at the expense of those less well adapted. In a very long historical perspective, political development has followed the same general pattern: the forms of political organization employed by different groups of human beings have varied, and those forms that were more successful—meaning those that could generate greater military and economic power—displaced those that were less successful.
It is a sign of how powerful the Darwinian worldview has become that Fukuyama could find this analysis plausible, despite the fundamental difficulty of applying concepts like reproduction and fitness to states. To take just one example, the ability to exert “military and economic power” does not have any clear correlation with a polity’s survival in the long term—just look at the way the Mongols destroyed more sophisticated states, from Persia to Muscovy to China, and then disappeared in a few generations.
But there are two even deeper problems with Darwinism as a guide to political history. The first is that, like almost every thinker who has tried to apply the evolutionary model to human affairs, Fukuyama cannot avoid thinking of evolution as a matter of the emergence of higher forms out of lower forms. “Strict cultural relativism is at odds with the implications of evolutionary theory,” he writes, “since the latter necessitates identifying different levels of social organization and the reason one level gets superseded by another.” Yet at the very heart of Darwinism is the principle that there is no such thing as “levels” or “supersession”; as Darwin adjured himself in one of his marginalia, “Never use the word higher or lower.” Human beings are in no biological sense higher than cockroaches; we have simply evolved a different adaptive strategy.
In the same way, regarded simply as a strategy for survival, no human polity is higher or lower than another, only (momentarily) more or less successful. That is why Fukuyama’s new Darwinian theory of politics cannot yield the same confidence about liberal democracy that his earlier Hegelian theory did. If history is evolutionary, it can’t have a direction or a destination; liberal democracy is no more the end of history than Homo sapiens is the end of biology.
If this conclusion is hard to accept, that is because of the second problem with Darwinism as a guide to human affairs. Human beings are a species whose drive to reproduce is sometimes contested by moral and intellectual values that we posit for ourselves. It is not hard to think of situations in which truthfulness, fidelity, or piety can take precedence over the instinct to reproduce or even to survive—celibacy is a human institution, as is martyrdom. Nietzsche, who was a great antagonist of Darwin, formulated the difference between them precisely in terms of the different emphases that the two thinkers placed on survival. In The Will to Power, Nietzsche observed that, for human beings, the subjective experience of triumph was more important than actual success in the struggle for survival: “Physiologists should think again before positing the ‘instinct of preservation’ as the cardinal drive in an organic creature. A living thing wants above all to discharge its force.” And the discharge of force can take forms inimical to the preservation of life.
The application of this Nietzschean idea to politics implies that human beings are capable of sacrificing their own reproductive fitness in the name of an idea. Allegiance to a state or to a religion is a classic example of a human behavior that can be biologically “irrational.” But if that is the case, how can we reduce political order to an expression of biological drives? Fukuyama is well aware of this conundrum, since he has always been a devoted and insightful Nietzschean—if the first part of the title of The End of History and the Last Man comes from Hegel, the second comes from Nietzsche. That is why he insists many times, in The Origins of Political Order, that we cannot understand history simply in materialist terms. “Ideas are extremely important to political order,” he writes early on.
In fact, much of Fukuyama’s book consists of case studies in how and why ideas trump interests. It is biologically axiomatic for Fukuyama that people will seek to benefit themselves and their immediate kin. For a state to preempt such loyalties, it must possess legitimacy, one of the two key concepts in The Origins of Political Order. The “Mandate of Heaven,” which was said to decide among claimants to the imperial throne of China, is one classic version of legitimacy.
But legitimacy does not serve only to control peoples; it also, even more strikingly, controls rulers. Fukuyama rejects the economist Mancur Olson’s characterization of early modern European monarchs as “stationary bandits,” mere predators on their subjects’ resources. It is not historically true that kings taxed their subjects at the highest possible rate or continually threatened them with violence. In China, the influence of Confucianism bound rulers to act justly toward their subjects; in Europe, Catholicism and the institution of the rule of law did the same—and much more effectively, in Fukuyama’s view.
Political order arises, then, when the state commands enough legitimacy to trump its subjects’ familial loyalties. Conversely, political decay happens when those loyalties reassert themselves at the expense of the state. This leads to the second major concept in Fukuyama’s book, repatrimonialization. The classic example here is ancien régime France, whose aristocrats and financiers purchased parts of the state for their own benefit, in the form of tax-farming franchises and heritable offices. It was, Fukuyama writes, an “early prototype of what is today called a rent-seeking society. In such a society, the elites spend all of their time trying to capture public office in order to secure a rent for themselves.”
The most interesting parts of The Origins of Political Order deal with the various ways in which different polities have attempted to head off such repatrimonialization, some of them quite exotic. In the Ottoman Empire, the devshirme was a levy of Christian youths, in which gifted boys were taken from their homes and trained to be imperial administrators and janissaries; in this way, the sultans created a bureaucratic caste with no family ties. In China, the use of an examination system to recruit mandarins played a similar role. Both can be seen as strategies for producing Platonic guardians wholly dedicated to the state; in The Republic, Socrates even urges that the guardians be told that they have no human parents, which he calls a “noble lie.”
It is hard to see how Fukuyama can avoid a similar conclusion: that the forces that make for legitimacy and political order are, in the end, only noble lies. In the Darwinian understanding of man, only individual and familial advantage can be a genuinely rational motivation; nationalism, religion, and ideology, the great drivers of state-building and civilization-building, are irrational. Fukuyama tends to treat religion, in particular, as a collective delusion useful for driving the consolidation of tribes into states: “Religion solves this collective action problem. . . . If I believe that the chief can command the spirits of dead ancestors to reward or punish me, I will be much more likely to respect his word.” Again, he writes that “there is no clearer illustration of the importance of ideas to politics than the emergence of an Arab state under the Prophet Muhammad”—meaning, it appears, that in this case, the connection of religious belief with political power is especially naked. It is in this reductive sense that we must take Fukuyama’s insistence that “ideas matter.”
What this really means, in fact, is that ideas mattered. For there is no way that a reader who shares Fukuyama’s Darwinian outlook could ever find himself moved to action by the kind of ideas that he is talking about—the deification of a chieftain or a prophet or a nation-state. That’s why Fukuyama does not explain these phenomena from the inside, as Hegel did, but simply redescribes them in terms of inherited instinct. Two of the “foundations of political development,” Fukuyama writes early in the book, are that “human beings have a capacity for abstraction and theory that generates mental models of causality, and a further tendency to posit causation based on invisible or transcendental forces. This is the basis of religious belief. . . . Human beings also have a proclivity for norm following that is grounded in the emotions rather than in reason, and consequently a tendency to invest mental models and the rules that flow from them with intrinsic worth.”
Note the circularity of these definitions. Like the doctor in Molière who explains that opium causes sleepiness because it has a “dormitive power,” Fukuyama attributes the human susceptibility to religion and morality to our “capacity for abstraction” and “proclivity for norm following.” One difference between opium and religion, however, is that being able to describe religion in this way means being immune to it or emancipated from it. Indeed, to be emancipated from such ungrounded “norms” is what it means to live after the end of History.
Another name for this freedom is nihilism—the nihilism of which Nietzsche was the prophet and would-be doctor. What has been really distinctive about Fukuyama’s work, from The End of History onward, is that he seriously engages with the condition of nihilism, in which he worries that we are condemned to live. But while Nietzsche hoped to counter the apathy of the Last Man with the will-to-power of the Overman, Fukuyama—inheriting, as we all do, the lessons of the twentieth century—cannot look so blithely at the prospect of new “wars of the spirit.” His task, rather, has been to look for nonviolent ways of harnessing the human desire for struggle, recognition, and the “discharge of force.”
In Trust, Fukuyama saw work and corporate loyalty as possible solutions: “Liberal democracy works because the struggle for recognition that formerly had been carried out on a military, religious, or nationalist plane is now pursued on an economic one,” he wrote. The Great Disruption, his analysis of post-sixties cultural and social ills, was based on the recognition that “the situation of normlessness . . . is intensely uncomfortable for us,” and he looked hopefully forward to the spontaneous emergence of new norms and values. Our Posthuman Future was a still more powerful jeremiad against nihilism, perceived this time in biotechnological terms: “Biotechnology will cause us in some way to lose our humanity—that is, some essential quality that has always underpinned our sense of who we are and where we are going.”
There is an unmistakable echo in these words of Nietzsche’s parable of the madman in The Gay Science. After the death of God, the madman demands, “Are we not perpetually falling? Backward, sideways, forward, in all directions? Is there any up or down left?” As long as Fukuyama could believe in History as a dialectical process, moving inevitably in the direction of freedom and equal recognition, there was at least one compass point that he could rely on. In the Darwinian world of The Origins of Political Order, that directionality has vanished, and we are left with contingency and cynicism as the keys to understanding our own past. That this results in a more conventional book than we have come to expect from Fukuyama is a sign of how difficult the conventional wisdom is to escape.
Adam Kirsch is a senior editor at The New Republic and a columnist for Tablet. His new book, Why Trilling Matters, will be published this fall.