sexta-feira, junho 30, 2006

120) Guildas, reservas de mercado, protecionismo universitário, uma vergonha vergonhosa...

Desculpem a redundância, mas é o que me vem à cabeça depois de ler a crônica abaixo transcrita de Janer Cristaldo.
Claro que eu já sabia de tudo isso, e por isso mesmo já não dou aulas mais numa universidade pública (a despeito de convites), mas eu não tinha lido ainda um depoimento pessoal tão critalino, tão perfeito em suas colocações (inclusive irônicas) contra o sistema mafioso que impera nas universidades públicas (sobretudo nas áreas de humanas).
Sem mais comentários, deixo vocês com o texto saboroso do nosso jornalista sem diploma...

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As três vias de acesso
por Janer Cristaldo em 27 de junho de 2006

Resumo: Na universidade brasileira, nem um Cervantes seria aceito como professor de Letras, afinal só teria em seu currículo o ofício de soldado e coletor de impostos. Um Platão seria barrado no magistério de Filosofia e um Albert Camus jamais teria acesso a um curso de Jornalismo.
© 2006 MidiaSemMascara.org, neste link

Após ler minha crônica sobre os cavacos do ofício do jornalismo, uma amiga me pergunta porque não estou lecionando numa universidade. Coincidentemente, a resposta está no artigo de Cláudio de Moura Castro, na Veja da semana passada:

“Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde ensinar na USP, pois não tinha graduação”.

Estas peripécias, eu as conheço de perto. Começo pelo início. Nunca me ocorreu lecionar na universidade. Eu voltara da Suécia, cronicava em Porto Alegre e fui tomado pela resfeber, doença nórdica que contraí na Escandinávia. Traduzindo: febre de viagens. Li nos jornais que estavam abertas inscrições para bolsas na França e me ocorreu passar alguns anos em Paris. A condição era desenvolver uma tese? Tudo bem. Paris vale bem uma tese. Tese em que área? Busquei algo que me agradasse. Na época, me fascinava a literatura de Ernesto Sábato. Vamos então a Paris estudar Sábato.

Mas eu não tinha o curso de Letras. O cônsul francês, ao me encontrar na rua, perguntou-me se eu não podia postular algo em outra área. Em Direito havia mais oferta de bolsas. Poder, podia. Eu cursara Direito. Mas do Direito só queria distância. Mantive minha postulação em Letras. Para minha surpresa, recebi a bolsa. A França me aceitava, em função de meu currículo, para um mestrado em Letras, curso que eu jamais havia feito. Nenhuma universidade brasileira teria essa abertura. Aliás, os componentes brasileiros da comissão franco-brasileira que examinava as candidaturas, tentaram barrar a minha. Fui salvo pelos franceses.

Fui, vi e fiz. Em função de meu currículo, aceito para mestrado, fui guindado diretamente ao doutorado. Tive o mesmo reconhecimento que o aluno do MIT. Acabei defendendo tese em Letras Francesas e Comparadas. Menção: Très bien. Não me movera nenhuma pretensão acadêmica, apenas o desejo de curtir Paris, suas ruelas, vinhos, queijos e mulheres. A tese não passou de diletantismo. De Paris, eu escrevia diariamente uma crônica para a Folha da Manhã, de Porto Alegre. Salário mais bolsa me propiciaram belos dias na França. Foi quando minha empresa faliu. Conversando com colegas, fiquei sabendo que um doutorado servia para lecionar. Voltei e enviei meu currículo para três universidades. Sei lá que loucura me havia acometido na época: um dos currículos enviei para o curso de Letras da Universidade de Brasília.

Fui a Brasília acompanhar meu currículo. Procurei o chefe do Departamento de Letras. Ele me cobriu de elogios, o que só ativou meu sistema de alarme. Que minha tese era brilhante, que meu currículo era excelente, que era um jovem doutor com um futuro pela frente. Etc. Mas... eu tinha apenas os cursos de Direito e Filosofia, não tinha o de Letras. Me sugeria enviar meu currículo ao Departamento de Filosofia, já que a tese tinha alguns componentes filosóficos.

Ingênuo, fui até o Departamento de Filosofia. O coordenador me recebeu muito bem, analisou minha tese, cobriu-a de elogios. Mas... eu não tinha o Doutorado em Filosofia. Apenas o curso. Considerando o grande número de artigos publicados em jornal, sugeria que eu fosse ao Departamento de Comunicações. Besta atroz, fui até lá. O coordenador considerou que meu currículo como jornalista era excelente. Mas... eu não tinha o Curso de Jornalismo.

Na Universidade Federal de Santa Catarina abriu um concurso para professor de Francês. Já que eu era Doutor em Letras Francesas, me pareceu que a ocasião era aquela. Duas vagas, dois candidatos. Fui solenemente reprovado. Uma das alegações foi que eu falava francês como um parisiense, e a universidade não precisava disso. A outra, e decisiva, era a de que eu tinha doutorado em Letras Francesas, mas não tinha curso de Letras.

Já estava desistindo de procurar emprego na área, quando fui convidado para lecionar Literatura Brasileira, na mesma UFSC que me recusara como professor de francês. Convidado como professor visitante, o que dispensa concurso. Mas o contrato é por prazo determinado, dois anos. O curso precisava de doutores para orientar teses e eu estava ali por perto, doutor fresquinho, recém-titulado e livre de laços com outra universidade. Fui contratado.

Acabei lecionando quatro anos, na graduação e pós-graduação. Findo meu contrato, foi aberto um concurso para professor de Literatura Brasileira. Me inscrevi imediatamente. Uma vaga, um candidato. Me pareceram favas contadas. Ledo engano. Eu não tinha o curso de Letras. Fui de novo solenemente reprovado.

Na mesma época, abriu um concurso na mesma universidade para professor de espanhol. Ora, eu já havia traduzido doze obras dos melhores autores da América Latina e Espanha (Borges, Sábato, Bioy Casares, Robert Arlt, José Donoso, Camilo José Cela). Vou tentar, pensei. Tentei. Na banca, não havia um só professor que tivesse doutorado. Pelo que me consta, jamais haviam traduzido nem mesmo bula de remédio. Mais ainda: não tinham uma linha sequer publicada. Novamente reprovado. Minhas traduções poderiam ser brilhantes. Mas eu jamais havia feito um curso de espanhol.

Melhor voltar ao jornalismo. Foi o que fiz. Anos mais tarde, já em São Paulo, por duas vezes fui convidado para participar de uma banca na Universidade Federal de São Carlos, pelo professor Deonísio da Silva, então chefe de Departamento do Curso de Letras. Uma das bancas era para escolher uma professora de Literatura Espanhola, outra uma professora de Literatura Brasileira. Deonísio sugeriu-me participar, como candidato, de um futuro concurso. Impossível, eu não tinha o curso de Letras. Quanto a julgar a candidatura de um professor de Letras, isto me era plenamente permissível.

Por estas e por outras – e as outras são também importantes, mas agora não interessam – não estou lecionando. Diz a lenda que na universidade da Basiléia havia um dístico no pórtico, indicando as três vias de acesso à universidade: per bucam, per anum, per vaginam. Lenda ou não, o dístico é emblemático. A universidade brasileira, particularmente, é visceralmente endogâmica. Professores se acasalam com professoras e geram professorinhos e para estes sempre se encontra um jeito de integrá-los a universidade. A maior parte dos concursos são farsas com cartas marcadas. Pelo menos na área humanística. As exceções ocorrem na área tecnológica, onde muitas vezes a guilda não tem um membro com capacitação mínima para proteger. Contou-me uma professora da Universidade de Brasília: “eu tive muita sorte, os dez pontos da prova oral coincidiam com os dez capítulos de minha tese”. O marido dela era um dos componentes da banca. A ingênua atroz – ou talvez cínica – falava de coincidência.

Na universidade brasileira, nem um Cervantes seria aceito como professor de Letras, afinal só teria em seu currículo o ofício de soldado e coletor de impostos. Um Platão seria barrado no magistério de Filosofia e um Albert Camus jamais teria acesso a um curso de Jornalismo. No fundo, a universidade ainda vive no tempo das guildas medievais, que cercavam as profissões como quem cerca um couto de caça privado. Na Espanha e na França, desde há muito se discute publicamente a endogamia universitária. Aqui, nem um pio sobre o assunto. E ainda há quem se queixe quando os melhores cérebros nacionais buscam reconhecimento no Exterior.

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119) Bolsa-familia: um registro

A 90 dias da eleição, Lula dá Bolsa-Família a 1,8 milhão
Folha de S. Paulo, 29.06.2006

Em um único mês -e a pouco mais de 90 dias da eleição presidencial-, cerca de 1,8 milhão de famílias tornaram-se beneficiárias do principal programa social do governo Lula e receberão o benefício até o quinto dia útil de julho. Ao menos 1 milhão dessas famílias não recebia por nenhum outro programa federal de transferência de renda até maio.

O número de famílias incluídas no Bolsa-Família em um único mês -exatas 1.784.624- contrasta com o ritmo de crescimento do programa desde outubro de 2003, quando o benefício foi criado.

Até o final do primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, havia 3,6 milhões de famílias beneficiadas. Nos dois anos seguintes, 2,9 milhões e 2,2 milhões de famílias foram incluídas, respectivamente: em 2004, o número aumentou para 6,5 milhões e, em 2005, passou a 8,7 milhões.

Ou seja, no mês de junho, o programa cresceu o equivalente a 62% de todo o ano de 2004. Somente em um mês, ingressaram no programa 81% do número de famílias incluídas do início ao fim de 2005.

Não há impedimento legal para que mais famílias sejam incluídas no Bolsa-Família no período da campanha eleitoral.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Social ajudam a explicar como o governo conseguiu ultrapassar neste mês a meta fixada para o ano de 11,1 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa-Família, que paga entre R$ 15 e R$ 95 por mês.

Os números resultam, em parte, de uma mudança no critério para a inclusão no programa. Em abril, o governo aumentou de R$ 100 para R$ 120 o limite de renda mensal por pessoa das famílias que teriam acesso ao Bolsa-Família.

Além disso, o governo completou a atualização dos cadastros do programa nos municípios, o que também contribuiu para o aumento do número de beneficiários. Parte deles já recebia dinheiro de outros programas de transferência de renda criados no governo Fernando Henrique Cardoso, como os 258 mil beneficiários do Auxílio Gás recém-incluídos no Bolsa-Família. O programa pagava R$ 15 a cada dois meses.

Apesar do cumprimento da meta, a secretária nacional de renda da cidadania, Rosani Cunha, reconhece que parte das famílias com renda mensal de até R$ 120 por pessoa não recebe o benefício. "O que a gente imagina é que pessoas podem deixar o programa para que outras possam ser incluídas."

Expansão
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, a expansão do programa foi mais acelerada em seis Estados: Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e Maranhão, nessa ordem. Esses Estados mantiveram, assim, a liderança no número de benefícios pagos pelo governo.

O Amapá, Estado que menos ampliou o número de beneficiários do Bolsa-Família (foram 4.116 famílias), teve o maior aumento na estimativa do número de pobres conforme a última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE). Em três anos, dobrou o número de pobres no Amapá. Das 38,6 mil famílias pobres estimadas pela última pesquisa, 20,9 mil receberão o benefício até o início de julho.

A Pnad de 2004 também ajustou a meta do Bolsa-Família. O número anterior de famílias pobres a ser beneficiadas, fixado com base na Pnad de 2001, era de 11,2 milhões de famílias. Em abril, a meta foi corrigida para 11,1 milhões, em decorrência na redução de 23,6% para 21,4% na estimativa de número de famílias pobres.

quarta-feira, junho 28, 2006

118) Revolucao energetica: precisamos de mais uma...

Nosso futuro energético mundial
Jornal Valor Econômico - pág. A13
Por Martin Wolf
28/06/2006

O que teve início no Reino Unido e alastrou-se para o noroeste da Europa - e mais além -, no início do Século XIX, é freqüentemente denominado "revolução industrial". Um nome mais apropriado seria "revolução energética". Os recursos naturais que deram sustentação à era na qual a humanidade entrou há cerca de dois séculos são a antiquíssima luz solar ou, mais prosaicamente, os combustíveis fósseis. A humanidade também aprendeu como extrair e usar combustíveis produzidos por plantas ao longo de vários milhões de anos.

Deepak Lal, o respeitado economista especialista em desenvolvimento, qualificou o resultado como "crescimento prometeico", numa referência ao titã mítico que deu o fogo à humanidade. Como observou Bjorn Lomborg, o controvertido acadêmico dinamarquês, "se pensarmos por um momento na energia que empregamos em termos de ´criados´, com cada um deles dotado da mesma potência de um ser humano, cada pessoa na Europa Ocidental é hoje atendida por 150 criados, cerca de 300 nos EUA e, mesmo na Índia, cada pessoa tem 15 criados para ajudá-la" - The Sceptical Environmentalist (Cambridge University Press, 2001). Não foi por acaso que a revolução energética resultou no (quase total) desaparecimento da escravidão e da servidão. As máquinas puseram fim à servidão e libertaram as mulheres da labuta enfadonha, fatigante e quotidiana no lar. Só onde máquinas não podem (até agora) substituir seres humanos - nos cuidados prestados a crianças e idosos, por exemplo - isso ainda não é verdade.

Segundo especialistas do Departamento de Energia dos EUA, a produção anual mundial de energia resultante da queima de combustíveis fósseis cresceu de praticamente zero em meados do século 18 para 350 bilhões de bilhões de joules (350 exajoules) no início deste milênio. Apenas desde 1900, a produção (e o consumo) de energia da queima de combustíveis fósseis cresceu 16 vezes. E dobrou desde o fim da década de 1960.

De acordo com Angus Maddison, respeitado historiador econômico, o PIB mundial cresceu 19 vezes (em termos de paridade de poder de compra - PPC) entre 1900 e 2001. No mesmo período, o consumo de todas as formas comerciais de energia cresceu 18 vezes. A alta correlação é extraordinária. Entre 1975 e 2001, porém, o PIB mundial cresceu 120%, ao passo que o consumo de energia comercial cresceu apenas 60%. Mas até mesmo esse aumento de eficiência não resultou em queda na demanda energética. O consumo de energia comercial cresceu no decorrer de qualquer período dilatado.

Com o passar do tempo, as fontes de energia comercial mudaram. No século 20, petróleo e gás natural tornaram-se cada vez mais importantes em relação ao carvão, principal fonte de energia da era do vapor. Mesmo assim, o consumo do carvão continuou crescendo. Ao longo do século 20, as fontes de energia comercial, excluídos os combustíveis fósseis, também cresceram em importância. As mais dignas de nota foram as energias hidrelétrica e nuclear. Mas, em 2002, a proporção de energia comercial mundial gerada por hidrelétricas e usinas nucleares foi, respectivamente, de apenas 6,5% e 6,4%, ao passo que fontes geotérmicas e outras não-convencionais geraram apenas 1,4%. Acima de tudo, o consumo de combustíveis fósseis continuou crescendo.

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Se a China e a Índia tiverem desenvolvimento parecido ao da Coréia do Sul, em 25 anos consumirão três vezes mais energia que os EUA hoje
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Quais são então as perspectivas de consumo futuro? A resposta é simples: sem uma mudança radical na tendência, o consumo continuará a crescer. Basta considerar os padrões de consumo energético per capita em um conjunto de países importantes entre 1980 e 2002. Quatro pontos destacam-se nos dados. Em primeiro lugar, alguns países ricos conseguiram conter o aumento do consumo de energia per capita, apesar de grandes aumentos no Produto Interno Bruto (PIB) per capita (em termos de PPC). O Reino Unido, palco de desindustrialização, é um bom exemplo: entre 1980 e 2002, a demanda energética britânica per capita cresceu 3%, ao passo que o GDP per capita cresceu 59%. Em uma análise não publicada, Bernard Wasow, da Century Foundation, de Nova York, argumenta que, considerando o mundo como um todo, quando o PIB per capita dobra, o consumo energético cai 40%. O consumo de energia cresce menos do que o padrão de vida, mas continua crescendo.

Em segundo lugar, alguns países avançados usam mais insumos energéticos do que outros. Em qualquer nível de PIB per capita, os EUA usam cerca de duas vezes mais energia do que o Japão ou o Reino Unido. Além disso, os EUA usam cerca de três vezes mais energia per capita do que o Japão em transporte. Esse maior uso deve-se em parte à dimensão do país e ao clima mais rigoroso (o que deve também valer para a Austrália), mas também reflete os níveis de preços e, portanto, a ineficiência energética do padrão de consumo.

Em terceiro lugar, países em desenvolvimento com crescimento rápido e países em rápida industrialização, em especial, tendem a incrementar mais o seu uso energético. Entre 1980 e 2002, o consumo energético per capita na Coréia do Sul cresceu 300%, ao passo que seu PIB per capita aumentou 270%. Por fim, o chinês médio usa, respectivamente, um décimo e um quinto da energia consumida pelo americano e japonês médios. E o indiano médio usa menos de metade da energia consumida pelo chinês médio. Suponhamos que no curso das próximas duas décadas e meia, China e Índia sigam trajetória desenvolvimentista semelhante à da Coréia do Sul. Então, em 2030, os dois países, juntos, estarão consumindo pelo menos três vezes mais energia do que os EUA hoje.

Os prováveis crescimentos da demanda por energia são consideráveis. Em todo o mundo, sugere a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda (em termos de barris de petróleo) poderá crescer cerca de 60% entre 2002 e 2030. Em termos absolutos, o maior aumento será em geração de eletricidade, que é também o maior consumidor de energia comercial. Mas, com base nas tendências atuais, a demanda também continuará crescendo na maioria dos segmentos de atividade econômica. Acima de tudo, embora os países em desenvolvimento respondam por cerca de 50% da atual demanda energética mundial, a eles corresponderá cerca de 75% do crescimento entre 2002 e 2030. Se o desenvolvimento continuar a propagar-se neste século, a demanda por energia comercial poderá ser quintuplicada, sugere Wasow. Mesmo isso seria menos de um terço do aumento registrado no século passado.

O que é, então, que o profundo nexo entre desenvolvimento econômico e consumo energético significam para o futuro da humanidade? A resposta é que ele aponta para quatro grandes questões. Primeiro, de onde provirá toda essa energia? Segundo, o que isso significa para a segurança energética? Terceiro, no que implica ele para nossa capacidade de enfrentar a ameaça de mudança climática? E, por último, de que maneira pode a política econômica dar sua contribuição? Pretendo abordar essas questões em colunas futuras. Mas um ponto já está claro: se alguém acredita que será fácil reduzir o consumo energético mundial está sonhando.

117) O FMI e o Banco Mundial estão em crise: os altermundialistas estão contentes

Os antiglobalizadores -- ou altermundialistas, como eles preferem chamar a si mesmos (embora não tenham ainda explicado direito do que será feito esse "outro mundo possível" de que falam tanto) -- estão sumamente contentes, com a desgraça alheia, claro.
Assim como o FMI e o BIRD vivem um pouco da desgraça alheia -- isto é, das comissões dos empréstimos (emergenciais ou para projetos) que fazem os necessitados --, os antiglobalizadores também ficam contentes com as desgraças do capitalismo. É um pouco a repetição daquela velha história que os marxistas clássicos sempre anunciaram, mas nunca conseguiram ver, de fato: a crise geral do capitalismo.
À falta de crise geral do sistema, eles se contentam com a crise de seus símbolos mais conspícuos: as duas sisters in the Woods...
Acho que eles exageram um pouco nos contornos da crise, mas para não dizer que eu censuro material dos antiglobalizadores, aqui vai um sobre a desgraças das duas irmãs financeiras de Washington...



COURRIEL D'INFORMATION ATTAC (n°556)
Mercredi 28/06/06
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1.- L’OPPOSITION PREPARE L’OFFENSIVE A MESURE QUE LA CRISE DU FMI ET DE LA BANQUE MONDIALE S’AGGRAVE WASHINGTON, le 24 avril: Les réunions de printemps de la Banque mondiale et du Fonds Monétaire International se sont déroulées ce week-end avec des cordons de policiers entourant les deux institutions au cœur de la ville de Washington. Presqu’aucun manifestant n’était en vue.
Par Walden Bello, Professeur de Sociologie à l’Université des Philippines et Directeur de l’organisme “Focus on the Global South” basé à Bangkok.
Traduction : Alexandre Papadopoulos et Anne De Moerlooze, Coorditrad
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1.- L’OPPOSITION PREPARE L’OFFENSIVE A MESURE QUE LA CRISE DU FMI ET DE LA BANQUE MONDIALE S’AGGRAVE WASHINGTON, le 24 avril: Les réunions de printemps de la Banque mondiale et du Fonds Monétaire International se sont déroulées ce week-end avec des cordons de policiers entourant les deux institutions au cœur de la ville de Washington. Presqu’aucun manifestant n’était en vue.

Les choses se sont passées à l’intérieur, quelques pâtés de maisons plus loin, à l’institut d’Etudes Politiques. L’opposition a mis la touche finale à une campagne pour “destituer” les deux institutions. Pour les 70 militants venus de différentes parties du monde, présents lors de cette rencontre de deux jours de préparation stratégique, l’absence relative de manifestants dans la rue a été une déception. En fait, ils savaient que les deux institutions traversaient la crise la plus sérieuse depuis des années, une de celles qui constituaient une occasion pour affaiblir leur emprise sur la direction de l’économie mondiale.

Une crise de légitimité au sein du FMI
La crise est encore plus aiguë au sein du Fonds Monétaire International.
D’après l’ancien cadre du FMI et de la Banque Mondiale, Dennis de Tray, vice-président de l’Institut de Développement Mondial, le FMI ne s’est jamais remis de la crise financière asiatique de 1997. “Il a dès lors perdu sa légitimité” a-t-il déclaré lors d’un déjeuner-forum sponsorisé par la Fondation Carnegie pour la Paix Internationale. Depuis cette crise, des pays phares de l’Asie comme la Thaïlande, les Philippines, la Chine et l’Inde ont restreint leurs nouveaux emprunts au FMI, ayant à l’esprit les conséquences désastreuses des programmes de libéralisation soutenus par le FMI que beaucoup de pays d’Asie avait adoptés, sous instruction du Fonds, au début des années 90.

A la réticence des pays d’Asie de s’endetter davantage avec le Fonds s’est ajouté un mouvement manifeste au sein des pays d’Amérique latine, menés par le Brésil et l’Argentine, pour rembourser complètement le FMI afin de prendre leur indépendance par rapport à une institution très détestée dans la région.

Ce qui de fait constitue un boycott par ses plus grands emprunteurs génère une crise budgétaire due au fait que les opérations du FMI, depuis deux décennies, reposaient de plus en plus sur les intérêts payés par ses clients les pays émergents plutôt que sur les contributions des gouvernements des pays riches du Nord, qui se sont déchargés du fardeau de contribuer au soutien de l’institution sur les emprunteurs. Mais où le FMI trouvera-t-il des ressources, maintenant que ses clients les pays-clés ont rompu leurs liens financiers ?

Prenant la parole au cours du même événement que de Tray, Ngaire Woods, une experte de l’université d’Oxford sur le FMI et la Banque Mondiale, a révélé que d'après les projections de la Banque Mondiale, l’organisation verrait le paiement des charges et des intérêts réduits de plus de la moitié, passant de 3,19 milliards de dollars en 2005 à
1,39 milliards en 2006, et encore de moitié en 2009, à 635 millions de dollars, créant ce qu’elle décrit comme “une énorme pression sur le budget de l’organisation”.

Problèmes à la banque
Bien qu’il n’y règne pas la même atmosphère de controverse et d’échec qu’au FMI, des observateurs informés disent que la Banque Mondiale se trouve également en crise. La Banque est en proie à une crise budgétaire, d’après Woods : les recettes provenant des taxes et des charges dues par les emprunteurs ont chuté de 8,1 milliards de dollars en 2001 à 4,4 milliards de dollars en 2004.La Chine, l’Indonésie, le Mexique, le Brésil et beaucoup de pays émergents s’adressent ailleurs pour obtenir des prêts.

Toutefois, la crise budgétaire n’est qu’un aspect de la crise globale de l’institution. De Tray, qui a été le cadre permanent du FMI à Hanoï et le Représentant de la Banque Mondiale à Jakarta, affirme que les politiques proposées comme remèdes par les économistes de la Banque sont de plus en plus perçues comme inadéquates face aux difficultés rencontrées par les pays en voie de développement. Il affirme que le problème réside dans l’accent que met le secteur de recherche de la Banque sur des techniques de fonctionnement économiques “de pointe”
d’après les standards académiques du monde occidental plutôt que sur des connaissances qui seraient à la base de conseils politiques pratiques.
Plus de 10.000 personnes forment le personnel habituel de la Banque, la majorité d’entre eux étant des économistes, et de Tray affirme “qu’il n’y a pas de problème dans la Banque qu’un personnel réduit de 40% ne pourrait résoudre”.

Woods appuie de Tray, écrivant dans un rapport récent que “la plainte la plus répandue dans ce domaine est que le personnel du FMI et de la Banque n’a aucune expérience sur les politiques à mener. Ayant obtenu des doctorats en économie et en finances, le personnel est mal équipé pour travailler dans les rouages complexes et chaotiques des systèmes politiques dans lesquels ils sont plongés.”

Le mépris de la politique qui inhibe une grande partie du personnel dans son rapport avec le monde des pays en voie de développement va souvent de pair avec un aveuglement total sur le fait que des politiques plus conséquentes que les politiques complexes des pays en voie de développement ont une influence sur les politiques recommandées par la Banque et le Fonds Monétaire.
Woods écrit que “Les politiques ont toujours eu une influence sur les avis donnés par le FMI et la Banque”. “ Le premier accord formel entre la Corée du Sud et le FMI, en 1997, était clairement assorti de conditions ajoutées sous la houlette des Etats-Unis. Durant les années 90 en Russie, les pressions politiques du G7 ont forcé la Banque mondiale à accorder des prêts, qui n’ont jamais été utilisés (mais pour lesquels la Russie paie des intérêts), et poussé le FMI à fermer les yeux sur les échecs dans l’atteinte de ses objectifs. Les projets de la Banque Mondiale sont quelquefois guidés en sous-main par des accords en amont sur des contrats passés entre de grandes firmes soutenues par des gouvernements et des emprunteurs puissants”.

Comment cacher une crise
L’un des membres présents à la rencontre des organisations non-gouvernementales à l’Institut d’Etudes Politiques était Robin Broad, un professeur associé enseignant à l’Université américaine. Observatrice de longue date de la Banque Mondiale, dont le livre “Une alliance inégale : la Banque Mondiale et les Philippines” est considéré comme un classique dans l’étude des relations de l’institution avec ses pays clients, Broad affirme que la Banque Mondiale se trouve être davantage en crise que le FMI mais que cela est moins perceptible par le public.

“Le FMI a réagi en se retranchant derrière ses quatre murs, renforçant ainsi l’impression générale d’être en état de siège” a-t-elle déclaré.
“La Banque Mondiale a par contre impliqué le monde pour masquer sa crise grandissante”.

Elle identifie trois phases dans la stratégie offensive de la Banque.
“D’abord, elle se met en avant en déclarant aux donateurs qu’elle est l’institution la mieux placée pour accorder des prêts afin de mettre fin à la pauvreté, en faveur de l’environnement, pour la lutte contre le sida, ainsi qu’on le dit, alors que les faits prouvent que ce n’est pas le cas. Deuxièmement, elle possède le département de recherche sur le “développement” le plus grand du monde --avec une dotation d’environ 50 millions de dollars-- dont la principale raison d’être est de faire des recherches soutenant des conclusions tirées à l’avance. Troisièmement, elle abrite en son sein cet énorme département des affaires extérieures doté d’un budget de 30 millions de dollars –une unité de relations publiques qui alimente la presse avec des résultats de recherche soi-disant objective qui promeut l’image d’une Banque omnisciente ».

“Mais cela ne peut pas durer”. conclut-elle. “A l’intérieur de la Banque elle-même, tout le monde sait qu’elle en crise et qu’elle s’en sort péniblement. Tôt ou tard la vérité finira par émerger si nous faisons notre travail”.

La réaction à de nouvelles initiatives.
Au cours de la rencontre des ONG, la campagne contre la corruption menée par le Président de la Banque Mondiale, Paul Wolfowitz, à grands renforts de publicité a été rejetée car perçue comme une opération de relations publiques destinée à renforcer la légitimité menacée de la Banque. “Vous pouvez parler d’un hypocrite. Il était l’Ambassadeur des Etats-Unis en Indonésie au milieu des années 80, alors que la corruption impliquant des projets de la Banque Mondiale battait son plein, et il n’a jamais rien fait contre cela.”, a déclaré Shalmali Guttal de l’organisme Focus on the global South basé à Bangkok. “A peu près le tiers de l’argent donné par la Banque Mondiale au gouvernement de Suharto sur une période de trente ans, à partir du milieu des années 60 jusqu’au milieu des années 90, a fini dans les poches de l’entourage de Suharto. Cela représentait 10 milliards des 30 milliards du programme de prêt de la Banque Mondiale. En fait, Wolfowitz avait la réputation d’être un grand ami du régime de Suharto.”
Le projet d’accroître le poids du vote des grands pays émergents comme la Chine et le Brésil, de même que l’annonce qu’on soumettrait au vote de “l’Initiative pour les Pays Très Endettés” - patronnée par la Banque - le choix de nouveaux pays pauvres candidats à la réduction de la dette ont rencontré un scepticisme profond. Le dernier était perçu comme une opération de relations publiques destinée à consolider un programme bancal alors que le premier était considéré comme une tentative désespérée pour contrecarrer la tendance des pays en voie de développement de se libérer de la dépendance des deux institutions.

La fin de toute réforme ?
Au cours de cette rencontre, on a peu parlé de réformer les politiques de prêts et les programmes de projets du FMI et de la Banque Mondiale, l’approche favorite de beaucoup des grandes ONG dans les années 90. Le coordinateur de la campagne “50 ans, ça suffit!” Sameer Dossani a exprimé les doutes des participants sur la viabilité d’une approche
réformatrice: “Nous avons critiqué les programmes d’ajustement structurel, et ils sont venus avec des DSRP [Documents pour une Stratégie de Réduction de la Pauvreté ].Nous avons demandé l’abolition de la dette, et ils nous ont répondu avec l’Initiative Pour les Pays Très Endettés. Avec ces initiatives vouées à l’échec, n’est-ce-pas le moment de rechercher une approche différente” ?

La crise des deux institutions s’aggravant, les opposants entrevoient la possibilité d’élaborer une stratégie plus radicale. “Nous nous étions mis d’accord sur une stratégie pour enlever tout pouvoir à la Banque et au Fonds Monétaire,” a déclaré Lidy Nacpil de Jubilee South, un mouvement mondial exigeant l’annulation de la dette, en conclusion des deux journées de rencontre. Au lieu de lier des conditions aux opérations du FMI et de la Banque Mondiale pour réduire leurs effets négatifs, la nouvelle approche identifierait les opérations les plus vulnérables ou les divisions entre les deux institutions et mènerait des campagnes mondiales pour leur fermeture avec comme objectif final de réduire considérablement le pouvoir et l’influence des deux institutions. “C’est comme lorsqu’on coupe les tentacules d’une pieuvre,” a déclaré Dossani , “Vous commencez par les endroits les plus fragiles, et puis vous continuez.”

Parmi les initiatives retenues pour la nouvelle campagne, des mobilisations de masse et une Conférence internationale sur “Des alternatives à la Banque Mondiale et au FMI” sont prévues pour coïncider avec la Rencontre d’Automne entre la Banque Mondiale et le FMI à Singapour, durant la troisième semaine de septembre.

Par Walden Bello, Professeur de Sociologie à l’Université des Philippines et Directeur de l’organisme “Focus on the Global South” basé à Bangkok.
Traduction : Alexandre Papadopoulos et Anne De Moerlooze, Coorditrad

terça-feira, junho 27, 2006

116) A trajetoria intelectual de Robert Skidelsky

Vejam em meu blog Diplomatizzando, no post 520, uma curta biografia de Lord Skidelsky, e referências a seus muitos trabalhos.

Transcrevo aqui abaixo o que me pareceu uma excelente síntese sobre sua formação e desenvolvimento intelectual.
Neste link.

From History to Economics and Back: A Personal and Intellectual Journey
(Warwick Retirement Lecture by Robert Skidelsky, 31 May 2006)

When I was eight my father gave me a history book - a history of the world. As it happened, I was living in China at the time, and my best friend was a Japanese boy called Atsuo Tsukada. He records me –this is in print so it must be true – as saying ‘’We have to know history, Alex. See this book? It explains the whole thing....I’m going to be a historian’. He also records me as saying other things, such as that his emperor should be shot as a war criminal.

This was the start of my love affair with history.I was particularly fascinated by dates, in the way mathematicians are with numbers.There was something immensely satisfying about compiling lists of dates. I knew history started in 4004 BC. precisely. I memorised all the kings and emperors from Menes of Egypt through to modern times and could tell you exactly when they reigned.

I must have read that book my father gave me dozens of times and, in fact, it fell to pieces. It was followed by others. Worse still, I started to write history books. They poured out of me from the ages of 9-13, histories of the world, histories of ancient times, histories of the Norman Conquest. Never again was I to find writing history so easy, and reading it such an unalloyed pleasure.

The magic of history was that it enabled me to escape from my present. My family circumstances condemned me to wander –from Manchuria where I was born, to England, then back to China, then to America, then back to England, all before the age of ten. History added an additional spatial as well as a temporal dimension to this wandering across continents.

The ability to travel through time and space –the liberation from the prison of the present and the local - still seems to me the greatest benefit which history gives. ‘The past is a foreign country –they do things differently there’ L.P.Hartley famously opens his novel The Go Between. History is the passport to this foreign country.

Practitioners of the exact sciences often pooh-pooh history’s inexactness. It’s just ‘one damn thing after another’ or, as Churchill is supposed to have said at a dinner party: ‘This pudding has no theme’.

But actually history does, in a different way, just what economics does: it offers a standard by which to judge contemporary arrangements, only this standard is set in the past, not the future, and consists of facts not models. I came to believe that not only did they do things differently in the past, but often better.

But this liberating touch is also a trap. Historians are inevitably disposed to view the present as a repetition of the past, and thus to the view that the past can never be overcome.. It was Gibbon who said that history is nothing but a record of the ‘crimes, follies, and misfortunes of mankind’. This was admittedly written before our civilisation had acquired a strong sense of Progress. No historian today would say that we are condemned to repeat the past, certainly not in any simple sense. They would acknowledge that we have areas of freedom to make our own history. But the historian’s tendency is still to believe that this freedom exists within the confines of what has already happened.

One can see this vividly in today’s rampant discussion in Washington of where and how the United States fits into previous patterns of ‘empire’. Is it an ‘empire in denial’ as Niall Ferguson says? Is it a hegemon in transition to empire as Charles Maier believes? And the same is true of the European Union. It seems less than a federation, but more than a confederation. The idea that something new may be happening for which we don’t yet have a name does not come easily to the historian. History is the most deficient of all social studies in the art of invention, because its ideas are all backward-looking. And though history is very important as a brake on folly in rulers-Communism wrecked the societies it ruled by its claim to be able to transcend history –it does not, as I thought at the age of eight, ‘explain the whole thing’.

In my teens, my love of history waned. It had been self-propelled and now it needed help against the interests and distractions of adolescence, which it did not get. At my independent school, I was taught history by a man who was both charming and civilised, but who was as bored by history as were the classes he instructed. He had accumulated copious lecture notes at Oxford on the Tudors and Stuarts and these he reproduced, sitting at his desk, in a deadly monotone late on Wednesday afternoons, when we had lessons after games. Perhaps he taught history at other times, but I always associate his lessons with trying to stay awake after strenuous exertions on the rugger field. .

Although I had lost my interest in history, I still found doing it ridiculously easy and fell into the fatal habit of ‘faking’ good essays, that is, filling them up with bright remarks cunningly designed to suggest a historical brain at work. This talent was enough to get me an open scholarship in history to Oxford, but not, alas, to get me the first, which everyone expected except myself. Like a successful criminal, I knew I would get caught in the end.

My intellectual life did not completely collapse at this time. One of the things I did work hard at was my writing. I thought it was much too heavy, and deliberately tried to lighten and tighten it. Re-reading some of the articles I wrote for ISIS, I can see I was laying the foundations of a style flexible enough to do the work which would be demanded of it.

I did well enough in my finals to be offered a studentship at Nuffield College. This was in 1961. That’s when I started working on history again. But now I was on to something rather different. In my third year as an undergraduate, I spent a lot of time at the Oxford Union. My best friend there was Max Mosley, and inevitably I met his father, Oswald Mosley, then in the twilight of a notorious career. He rolled his hypnotic eyes at me, and duly cast his spell, and I started reading him, and about him. Unexpectedly, most of his conversation and writing was about economics, and I realised that he was the first British political champion of Keynes. I only later came to appreciate that, drawing on hints from the early Keynes, he had defined the British unemployment problem in terms of an ‘output gap’ as early as 1925 –eleven years before the General Theory. It still seems to me a flash of genius, which later ran to waste.

I was accepted at Nuffield to write a doctoratal dissertation on how the Labour government of 1929 to 1931 failed to handle the unemployment problem. I don’t know who was more foolhardy –the Nuffield dons in accepting me to do this topic, or me in proposing it. For not only had the Oxford history honours school stopped well short of the 20th century, but I knew no economics whatsoever. Unabashed, I approached a Nuffield student from America called Marty Feldstein and asked him to explain the Keynesian system to me.’No problem’ he said, and proceeded to draw me a circular flow diagram on the blackboard, based on an actual machine Alec Cairncross had caused to be constructed at the LSE. It resembled a water-tank, with a pump at one end marked ‘ investment’ and a spigot at the other marked ‘leakages’. ‘That’s the way the world works’ Feldstein said proudly pointing to his piece of plumbing. (I should say this was the heyday of the Keynesian Revolution.)

I was riveted by this exposition, though I didn’t quite see how I was going to fit his machine into my account of the way the world worked in 1929. Perhaps economics, not history, offered the clue to the riddle. The economy was an input-output machine, and who controlled the inputs controlled the outputs. The past was waiting to be overcome. I had a nightmare about taking the machine into my oral examination, as a kind of Exhibit A, and being failed because it leaked all over the floor. At least it was clear to me that Ramsay MacDonald and the other politicians around at the time hadn’t understood the principles of this machine at all, not having had Marty Feldstein, later chairman of the President’s Council of Economic Advisers, to explain it to them.

But I didn’t actually use their ignorance as an explanation of why they had failed to cure unemployment. I said it was because people like Keynes and Lloyd George and Mosley were telling them that one didn’t have to nationalise the economy and soak the rich to get rid of unemployment, and this was a very inconvenient conclusion for socialists, even socialists of as gradual a sort as Ramsay MacDonald.

This interpretation was foisted on several generations of history unfortunate students as the ‘Skidelsky thesis’. The book, Politicians and the Slump, based on my D.Phil, came out in November 1967, the week sterling was devalued, and therefore got lots of instant reviews, trading on comparisons between now and then. The economist reviewers were mercifully kind to the atrocious economics in it, while the historians were amazed that any of their number knew anything about economics at all.

Goronwy Rees in the magazine Encounter put his finger on what was, and was to remain, distinctive, about my historical style: which was to relate political action and administration to the ‘conflict of ideas and ideologies which passionately engaged men’s minds and hearts’. I wrote about both political ideas and economic ideas, with the latter, as I saw it, dependent on the former. Politicians and the Slump challenged the notion of separating history from economics, and just as importantly separating economics from history. The notion of history without ideas was anathema to me. My history books are shot through with the ‘conflict of ideas and ideologies’. I loved ideas for their own sake, and would later agree with Keynes that ‘the world is ruled by little else’. Indeed, this curiosity about ideas made it impossible for me to stick to any discipline. I was the eternal poacher and in fact have never held an academic job with a staight disciplinary title.

My next book, a biography of Oswald Mosley, required no more than the primitive economics I had picked up from Marty Feldstein, but beyond Mosley there was the moutain peak of Keynes. I was determined that a life of Keynes should complete the trilogy started with Politicians and the Slump. I had signed up for this project with my usual insouciance, promising my publisher Macmillan delivery in a couple of years. This was in 1970. It was only when I started reading the General Theory, that the penny dropped. I didn’t understand a word of it. There was no history, politics, no policy to giver me a hook: it was pure theory. I realised that a good book on Keynes was beyond my reach, certainly in the time I had promised. There was no way I could fake the economics. I had to understand them. And I wanted to understand them.

I don’t want to drift into describing my work on Keynes. Rather , what I want to do is to say something about my encounter with economics and what I got out of it. I audited some courses in macroeconomics while teaching the United States in the 1970s. But my serious archival and intellectual work on Keynes started only when I got back to England, and more especially when I was appointed professor of international studies at Warwick University in 1978.

I now acquired two superb teachers. The first was Nicholas Kaldor, professor of economics at Cambridge University. I got to know him in the mid 1960s, but we only started talking about economics ten years later and went on till he died in 1986. Or rather, he went on talking about economics, and I went on listening. I have never met anyone with such a strong didactic stamina. And this was despite the fact that he frequently fell asleep during what I will call my ‘supervisions’, waking up a few moments later to continue his exposition at the exact point he had left off. Nicky had an apparently inexhaustible urge to put the world right in general, and me right in particular. He was then embarked on his last great battle against an evil sect of heretics called ‘monetarists’, led by someone he called ‘ little Milton Friedman’ – a reference to Friedman’s height, rather than his brain, though Nicky himself was by no means tall, if quite ample. The idea that the central bank could control the supply of money was so intellectually disreputable, Nicky told me, that it must hide a project too wicked to be openly avowed. Nicky had no doubt what this was: it was to smash the trade unions and restore the power of the bosses by creating mass unemployment. That is why Mrs. Thatcher and the Tories had converted to monetarism.

I didn’t buy all of this. But I knew that Keynes had been a monetarist before he became a Keynesian, and so I was often able to steer Nicky’s phillipics against monetarism towards a history of the Keynesian Revolution, through which he had lived, and whose battles he recalled in splendid detail. A surprising feature in someone so fervently convinced that the Keynesians were on the side of the angels was the marked respect in which he held Friedrich Hayek, who had been his professor at the LSE, in sharp contrast to ‘little Milton Friedman’ whom he once likened to Hitler.

My second guide to the world of economics was Ian Little, who had recently given up a chair of economics at Oxford. I have no doubt that Ian too believed in the vocation of economics to improve the world, but he was a much more laid back character than Nicky. What chiefly emerged from my conversations with him –and his comments on what I wrote – was a passion for clear thinking and lucid expression-the main features of his own work. Economics was for him, above all, a branch of logic, and he could have easily been a professional philosopher. Like Keynes, he didn’t know at first whether he wanted to be a philosopher or economist. The reason he gave for choosing economics is characteristic of him: ‘Although I was more confident in philosophy than economics, it seemed to me at the time that philosophers were cleverer than economists, and the competition would therefore be more severe’.

Ian’s chief influence on me was to alert me, and make me aspire, to a style of exact reasoning which had no counterpart in history or the other social sciences, whose assertions, conjectures, and arguments he would greet with a quizzical, disbelieving look and shrug of shoulders. ‘An absolute disgrace that X should hold a chair in economics’ he once muttered, after listening to a woolly lecture by a famous political economist. An excellent bridge player, Ian had no doubt that when it came to clear thinking, philosophy and economics held all the trumps.

Nicky, Ian and I all had houses in the Provencal village of La Garde Freinet. The two economists did not get on well personally or intellectually. Nicky was a Protectionist and Ian a free trader. One day –this must have been in the late 1970s - we were all having lunch with another expatriate called Lady Jane Heaton. Nicky and Ian got involved in a furious argument about trade theory. Ricardo’s theory, Nicky, insisted, assumed constant returns to scale, and was invalid if there were ‘increasing returns’. No, it didn’t replied Ian, and wasn’t. The argument was completely incomprehensible to the other guests, but this in no way deterred them from banging on. Lady Jane sat between them with a glazed expression, sipping pastise, and labelling out bowls of soup from a large tureen.

This revelation of quarrels between economists which seemed much more theological than scientific dented my faith in economics as a science of progress. Was economics not a new kind of metaphysics masquerading as a science? Could my allegiance to my new faith be anything other than highly qualified?

Let me try to sum up these reservations.. Economists often present themselves as engaged in discovering truths about something ‘out there’ called the economy. The process is not easy because the economy can change in unpredictable ways. As Meryvn King put it in last year’s Mais Lecture ‘A crucial difference between economic and, say, metereological analysis is that in economics there are no natural constants..[So] our understanding of the economy is incomplete and constantly evolving...’ Nevertheless, economics uses the same methods of investigation as do the natural sciences.. Economists develop hypotheses about the world and test them statistically. The more precisely stated the hypotheses, and the more sophisticated the tests, the greater will be the rate of discovery. The greater the rate of discovery the better (more efficient) will be economic institutions and policies, and the faster will be growth of welfare. So economics is the midwife of material progress. True enough, there are other social sciences, but in their search for truth they are cripplingly handicapped by their inability to formulate precise hypotheses and to test them convincingly. So economics is left as the only ‘hard’ social science, the only one which promises social progress. This kind of claim underlies the ‘imperialism of economics’: its colonisation of disciplines like political science, history, and education. (However, economics itself is being challenged by developments in biology and neuro-psychology).

I came to see much of this picture as false for the following reasons:

Firstly, the idea that there is something out there called ‘the economy’ which economists ‘discover’ falls foul of the fact that beliefs (or expectations) influence what happens; and what happens influences beliefs. What George Soros calls ‘reflexivity’ is simply a recognition of the fact that the existence of a forecast alters behaviour so as to cause the forecast to be either false or true. Recognition that the world is not invariant to our gaze knocks out the idea that economics is a natural science.

Second, what economists call discovering a ‘correct model’ of the economy largely consists of inventing a model and then persuading people to behave as though it were true. To the extent that they are so persuaded, the model is self-validating; this makes the task of controlling the economy easier. But the process is circular. It tells us little about the world ‘out there’, a great deal about how intellectual authority gets established.

Third, the chief source of authority in economics is mathematics. Mathematics is hailed as critical to the process of discovery, but its main use, it seems to me, is to establish the the intellectual authority of economists. (I say this with some feeling because my maths was never nearly good enough for economics. I did try to improve it, but that is another story, best told by my wife.) Economists use mathematics in an attempt to make precise what is necessarily vague. Keynes famously said, ‘It is better to be vaguely right than precisely wrong’. Most economists would disagree. They might agree that it is better to be precisely right than precisely wrong, but better to be precisely wrong than vaguely right, because only a precise hypthesis can give rise to a precise (testable) counter-hypothesis. Progress is assured if each successive hypothesis is only marginally less wrong than its predecessor. This is fine if one forgets that economics is a policy-machine, and that immense damage can be done by applying policies which are ‘precisely wrong’ rather than ‘vaguely right’.

Most economists I know suffer from ‘mathematics anxiety’, the fear that their maths is not up to scratch. Most of their time is spent acquiring and then maintaining their mathematical techniques in competitive readiness. This has a doubly crippling effect on their creativity: they have little time to think about much else and they are forced to repress any intuitions that are not mathematically tractable. All writing for newspapers carries a risk to academic reputation, but academic economists have virtually stopped addressing the public, since they dare not to think outside their mathematical boxes.

Fourth, economics is, as it has always been, based on a very simple, a-historical, a-social view of human nature: that human behaviour is driven by rational self-interest, that individuals are continually engaged in something called ‘maximising their utilities’ subject, of course, to a ‘budget constraint’, and that rationality is a property of the indvidual alone. These propositions have been repeatedly challenged, not only from outside but from within the profession, but the whole logical edifice of economics rests on their acceptance. (One can think of an alternative edifice, but this would involve wholesale reconstruction of the discipline.) Anyone who starts from a different reading of human nature is bound to come into conflict with the economic perspective. At the very least one might think that what Einstein called the ‘human lust for violence and destruction’ makes predictions based on rational calculation very shaky.

The Keynesian Revolution was undermined by economics’ charter myth, because it could never explain properly how unemployment could persist (or even arise) in a society consisting of utility maximising individuals. This premise led by an inexorable chain of logic to the view that unemployment was impossible, and then to a great deal of fancy mathematical foot work in order to reconcile the logic with the facts.

I hope Marcus Miller will not mind me telling the following story. I hold him in great affection, and my best economic conversations in the Department were with him.

We were discussing an article he was writing in response to one on the return to the gold standard in 1925. Two economists had argued that expectation of a return to gold at the pre-war parity had caused sterling to weaken and not strengthen. The implication was that sterling was undervalued in 1925, not overvalued, as Keynes had claimed, and as everyone had always believed. Their argument was based on the assumption of full employment and flexible prices.

Marcus proposed to accept their assumption of flexible prices and their fancy techniques of stochastic process-switching and show that, nonetheless, anticipation of the return to gold could raise and not lower the price of sterling. I said: ‘Why not allow for uncertainty, sticky prices, and unemployment, and you’ll have a story much more congruent with the facts’.Marcus was unhappy about what he was doing. He had published an earlier response, on Keynesian lines, which had fallen flat. Now he replied: ‘If I do what you suggest, no one will take my refutation seriously. You have to accept the premises, and then show the conclusion doesn’t follow’. It seems to me that a discipline which expects someone to work with premises he knows to be false in order to get a hearing has reached an advanced stage of introversion.

I was writing my second, theoretical volume on Keynes, while the Thatcher Revolution was going on, and my ambivalence about economics was paralleled by my ambivalence about Thatcherism. On the one hand, I was attracted by the idea of the sharp-edged axe being applied to the jungle of inefficient practices which constituted the British economy of the time; on the other hand, I felt that many of these practices were constitutive of human nature, and indeed of what one meant by ‘society’, whose existence Mrs. Thatcher famously denied.

Fifth, economics is formally indifferent to ends. Unlike classical economics, modern economics doesn’t depend on psychological hedonism. An agent’s utility can be interpreted any way one wants. St. Francis of Assissi’s utility may have consisted in dressing lepers’ wounds, but so long as there was a shortage of bandages an economic problem would have arisen for him All that economics says is: ‘If you –the individual, the nation, the world –wants to achieve your goal,(whatever it is) here’s the most efficient way to do it’. Implicitly though, it is very prescriptive, because it works through the measuring rod of money. There is thus an almost irresistable slippage from the logic of utility maximisation to the logic of wealth accumulation. Basically, economics is about how to make money in the most efficient way: this is particularly true of business studies, which is now its most popular branch. Economists’ protests that their discipline is neutral between different ends always sounds hollow. It’s as though an instructor on a training course for criminals said ‘I am completely neutral on the question of whether it is desirable for you to embark on a criminal career’.

To sum up: I have come to see the specific virtue of economics as a kind of mental hygiene, offering a powerful antidote to sloppy thinking. I don’t believe that there is anything out there waiting to be discovered: but I do think there is a great deal waiting to be invented, and economics is a very inventive social science. It generates beliefs which push people towards certain patterns of behaviour just like any other set of beliefs, by promising pay-offs, good or bad. Sincee the patterns of behaviour to wish it pushes people are ‘better’ than some other patterns, including some of those revealed by the study of histor, I believe that, on balance, it has done good. If history tends to negative thinking about the human condition, economics tends to positive thinking. But economics, I concluded, was not enough. One could only have a hope of finding a clue to the riddle of existence, or more mundanely, a guide to good policy if one was one was, like Keynes, ‘more than an economist’.

In the upshot, I could no more give my full allegiance to economics than I could to history. I find myself in a curious no-man’s land. When I am with historians I think like an economist. When I am with economists, I think like a historian.The chair I am retirng from is in political economy, but I resist describing myself as a political economist, because too often it is a refuge for those who lack competence in both economics and politics. So, if push comes to shove, I will call myself an economically literate historian, rather than a historically literate economist. However, let me in closing make the case that both sorts of creature should be ethically literate.

I am prompted to this by the recent vogue for ‘happiness’. Economists have belatedly come to notice what all non-economists have instinctively known: that beyond a certain point greater wealth does not make people happier. So some now propose to make ‘happiness’ rather than ‘GDP’ the measure of ‘well-being’. In the academic world, Richard Layard is the most recent example, but Andrew Oswald of our Department has also made a notable contribution. David Cameron is the first major political leader to have taken up this tune, and no doubt Tony Blair will soon be humming it. .A famous headmaster has just started a course called ‘happiness studies’. The idea is: let’s try to make people happier rather than richer.

Happiness certainly sounds ethically better than riches. But the discussion fails for two reasons. First, whereas we think we know how to make people wealthier, we have very little idea of what will make them happier. So ‘weath’ will continue to be a proxy for ‘happiness’ unless or until enough people revolt against it. The second problem is the confusion between what is desired and what is desirable. Of any state of affairs that makes people happy it remains meaningful to ask: is it good? If sitting in front of a computer screen downloading pornographic images –as millions of our fellow citizens seem to like doing – makes people happy, then they are presumed by economists to be revealing their preferences. If this is what they prefer to listening to Verdi or earning more money, or making war, that is the end of it. Neither economics (nor for that matter history) has anything further to say. But this position is ethically illiterate. A tradition of ethical reasoning running from the Greek concept of ‘eudaimonia’ through Christianity to Kant and modern Platonists like G.E.Moore, who had a big influence on Keynes, has sought to distinguish the objectively desirable life from the subjective feeling of happiness. Happiness can be part of the good life, but it cannot constitute it.

This is not a plea to make economics or history a branch of ethics. What I would like to revive is the old idea that the specialised subjects be built on the foundation of the moral sciences; that before students start on their courses of history, economics, geography, climatology, politics, sociology, psychology, or whatever they take a foundation course in ethics. To make students ethically aware was the original purpose, as I understand it, of the Greats and Modern Greats Schools at Oxford; and of the ‘Great Books’ programmes of American liberal arts colleges, caricatured as ‘From Plato to Nato’. And if such a foundation course delays students getting to grips with their future subjects, this is an adjustment to increased life expectancy which a rich society can easily afford.(4760)

It would be wrong to close without thanking that magnificent institution of higher learning, the University of Warwick. Rarely can a scholar have been treated as generously as Warwick has treated me. With out all those study leaves and special leaves, the trilogy on Keynes, which is my academic monument, could never have been written. This generosity was primarily due to the four vice chancellors under whom I have had the honour to serve: Jack Butterworth, Clark Brundin, Brian Follett, and David Vanderlinde who is hosting this occasion. With their names I must couple that of Mike Shattock, the University Registrar during most of my time; Barry Buzan and Charles Jones, my first colleagues in international studies, who might reasonably have revolted against the exorbitant demands put on them, in a tiny department, by my absences; and Mark Harrison, chair of the Economics Department, who had the idea of arranging this event. I am particularly glad that Lady Butterworth has been able to come. Her husband laid the foundations for the great university Warwick has become.

Looking back over my 28 years at Warwick, my overwhelming feeling is that everyone treated me much better than I deserved. I could mention my friends, recall my best conversations, and generally wallow in nostalgia. But I have already gone on for too long. I can’t resist, though a short quote from the diary I kept for most of my time at Warwick. This entry is dated 31 March 1989:

Replied to Enoch Powell at Warwick. I asked him whether he thought he should have gone back to academic life after the war. ‘They would have eaten me alive. I was far too good a teacher’. [Presumably he was referring to the anticipated jealousy of colleagues rather than to reactions of the students.] He spoke for 50 minutes with great intensity and without a note.At one point he exclaimed dramatically ‘You see before you a dead man..a man who has lost his sole reason for living: membership of the House of Commons’.

Much though I will miss Warwick I am not yet dead, and indeed look forward to many more years of active life. I suppose I will drift back to my first love, history, though my encounter with economics will have left a permanent mark. My final thanks go to the University for giving me such a spacious opportunity to think and write, to the Vice Chancellor for hosting this event, and to all of you for coming.

Robert Skidelsky 31 May 2006.

sábado, junho 24, 2006

115) Ainda o modelo indiano, mas desta vez o seu desenvolvimento historico

WHY IT'S IMPORTANT TO KNOW ABOUT INDIA
A History Institute Presentation

by Ainslie T. Embree
(Presentation at Foreign Policy Research Institute)

Fifty years ago, when I began teaching American students about India, I would probably have begun a lecture on why it's important for Americans to know about India rather defensively and apologetically. Acknowledging the lack of interest at that time in India by the U.S. government, military, business world, media, and even academia, I would have argued that because of the greatness of its contributions to civilization in art, literature, history, and religion, India was worthy of sustained attention. That is still true, but changed relations between India and the United States have added a different dimension to the need for knowledge about the nature of Indian society.
Although Yankee clippers continued to make forays to the great ports of British India in the nineteenth century, and indeed into the twentieth century, the only significant American presence came from American church groups, which built some excellent schools, hospitals, and colleges, but these were on the periphery of Indian life. In the United States, Indians and India were even more on the margins. In the 1940s, however, interest in India increased because of the reputation of Mahatma Gandhi in the churches and the pacifist movement. Then came independence in 1947, with partition of British India into India and Pakistan along religious lines. This was accompanied by horrific riots in both countries as Hindu and Muslims attacked each other, providing an enduring image of a region torn by religious strife. This was followed by the beginning of the bitter estrangement between India and Pakistan over Kashmir, with the United States endeavoring, without much success, to follow a neutrality policy. This attempt ended, however, in the 1950s, when the United States, in the search for allies in the Cold War, gave military support to Pakistan, thereby souring relations with India.
During this period, the U.S. saw Prime Minister Jawaharlal Nehru, with his policy of non-alignment, as a friend of the Soviet Union. Although the United States and India were not overtly hostile, the governments, politicians, and the press in both countries were sharply critical of each other's policies, marking the beginning of a long estrangement.
By 1991, however, quite radical changes were beginning in relationships between the two countries in the context of the end of the Cold War, the beginning of globalization, and the violent phenomena lumped together under the rubric of "Islamic terrorism." The dramatic ending of Soviet preeminence in international affairs ushered in more openness on the part of Indian politicians and intellectuals toward the United States. As for globalization, India had during the 1990s moved from a controlled economy towards a much freer market economy, accompanied by a lively interest in foreign investment and in expanding American exports to India. This was a move in a direction that successive American administrations had long urged but over which they had little leverage; the move was almost wholly dependent upon Indian decisions and initiative. Successive Indian administrations had long defined the uprisings in Kashmir as Muslim terrorism, inspired and financed by Pakistan and Afghanistan's Taliban. The Indian press also usually attributed bombings in India itself to Pakistan-financed groups. All of this encouraged more favorable views of the United States.
Three widely hailed public events can serve as markers of the changing climate of Indian opinion. One was the 2000 visit of President Clinton to India, where his extraordinary popularity was evidenced by the enthusiastic reception he received from the Parliament. Building on these warmer relations, in July 2005 Indian Prime Minister Manmohan Singh made a visit to the United States that was heralded in the press and in speeches by the representatives of both countries as a triumphal expression of the enduring friendship that existed between "the world's two greatest democracies." More tangible was the promise by President Bush, according to accounts widely circulated in India, that the United States "would help India become a major world power in the twenty-first century."[1] It is hard to think of any such promise having been made before by one nation to another. The startling feature was the promise to supply India with nuclear technology, defying not only the NPT, which India has not signed, but also U.S. law, which forbids the exportation of such technology. Politicians and the media in both India and the United States began to speak of the two countries as "natural partners," sharing democratic and economic interests. Discussions were begun on provisions for joint weapons production, cooperation in missile defense, export of sensitive military technologies from the United States to India, encouragement of U.S. investment in India, and, most important, nuclear cooperation. All of this would have been unthinkable even thirty years ago.
The third moment dramatizing the shift in Indo-U.S. relations came in Spring 2006, when President Bush visited Delhi. He was not invited to address Parliament, as previous presidents had been, but an agreement was reached that moved India and the United States to a new relationship by promising that the United States would supply India nuclear technology, which transfer was forbidden by U.S. law. Proponents of the agreement argued that through nuclear energy, India would be less dependent on oil supplies from the Middle East; that it would become more prosperous, thus becoming an immense market for American goods; and that a stable India would provide stability to the area and lessen the danger of an Indo-Pakistan conflict. An argument frequently heard in the United States, but seldom in India, is that by helping India become a world power, the United States will gain a counterweight to China.
Given these prospects for Indo-U.S. relations, it is surely in our own self-interest to know as much as can about India's we embark on this momentous journey. A useful starting point is understanding India's self-definition and self-image. A succinct and authoritative statement is the preamble to India's Constitution. The Constitution was not imposed upon India by an outside force. It was made by a freely elected Constituent Assembly and was the work of Indian lawmakers, lawyers, and politicians. It was argued point by point in public, and was subject daily to criticism in the newspapers. It is the people's document. The preamble is a remarkable statement flowing from, above all, India's historical experience, as well as from the aspirations of the Indian people as they embarked on what Prime Minister Nehru famously called its "tryst with destiny," and, finally, from the enormous tensions and dangers that existed for the newly independent nation in 1947 and still exist.
The Preamble as adopted in 1949, with amendments made in 1976 (shown here in italics), reads as follows, with words capitalized as in the official version of the document:
We, THE PEOPLE OF INDIA, having solemnly resolved to constitute India into a SOVEREIGN SOCIALIST SECULAR DEMOCRATIC REPUBLIC and to secure to all its citizens:
JUSTICE, social, economic and political; LIBERTY of
thought, expression, belief, faith and worship; EQUALITY of status and of opportunity; and to promote among them all FRATERNITY assuring the dignity of the individual and the unity and integrity of the Nation.
IN OUR CONSTITUENT ASSEMBLY this twenty-sixth day of November, 1949, do HEREBY ADOPT, ENACT AND GIVE TO OURSELVES THIS CONSTITUTION.

The words "unity," "sovereignty," "democracy," "socialism," "secular," and "the people" resonate with India's history and aspirations. They are particularly important for our understanding of India at present. While stated in the Constitution as if they represented the agreed aspirations of the Indian people, in fact, all of them have been fiercely contested in the years since 1947, and are the product of tensions woven into the fabric of Indian social and political life. Importantly, the terms do not necessarily have the same connotations in India as in America. The people of both countries should have a clear recognition that the two countries' conceptions do not always coincide, despite.
The people. One notes that there is no mention of "God" or "natural rights" or of any blessing by a sacerdotal personage. Instead, "we, the people . . . give to ourselves this constitution." It is a rejection the rights of kings and rulers, of priests; of special classes. Indians often express surprise that Americans open their legislative sessions with a clergyman of one or another faith praying for God's blessings on the proceedings. India's Constitution makes clear that all authority flows from the people: there is no higher power than the people. Furthermore, Americans generally regard religion as a vaguely good thing; Indians are aware how divisive religious commitments can be in a society, undermining the values and aspirations noted in the preamble.
Unity and integrity. Unity was in the original version; integrity was added as an amendment in 1976 with the intent of reinforcing the meaning of unity. The immediate historical context was the increasing sense shared by Prime Minister Indira Gandhi and some of her ministers that the country was threatened by a variety of forces inimical to its stability, including antagonism between religious groups, which Indians refer to as "communalism." There were also, she asserted, political forces of home-grown fascism, arising from both rightwing Hindu groups and predatory capitalism. "Hostile foreign powers"--usually unnamed, but everyone knew the United States was meant--were said to pose threats.
But the almost obsessive emphasis on unity has a deeper root that Americans must understand in dealing with India. How nations remember their past determines their present and their future. The first modern histories of India were written by the British and formed the both Indians and foreigners' understanding of Indian history. At least five emphases stand out in that version of India's history:
(1) the identification of Hinduism as defining the essential nature of Indian civilization;
(2) that the country's political history is a record of political fragmentation caused by internal and incessant internecine warfare;
(3) that antagonism between Hindus and Muslims is a permanent feature of Indian social life;
(4) that Indian history is characterized by foreign invasion; and
(5) that political unity and freedom from communal strife had only occurred when imposed by a strong ruler. The last and most successful of invaders, according to this historiography, the British, had imposed a unity India had never enjoyed before. This was not just the view of British imperialists. President Teddy Roosevelt at the beginning of the twentieth century stated, "If British control were withdrawn from India, the whole subcontinent would become a chaos of bloodshed and violence. . . . The only beneficiaries among the natives would be the lawless, the violent and the bloodthirsty."[2]

Democracy. Americans tend to speak of democracy as if it were an ideological concept that all right-thinking people accept, along with a belief in God. In Indian usage it seems to imply acceptance of a system of laws and a legal structures for people to change their leaders. While this low-key understanding does not contemplate promoting democracy abroad, it does give Indians a sense of empowerment that the government belongs to them.
Socialism. Despite all the evidence that India is a capitalist society, its constitutional definition as socialist remains. The word's constitutional meaning has to be sought in two other words in the preamble: "justice" and "equality." Inequality and injustice were hallmarks of social relationships, but humanitarianism and practical common sense told the leaders of the new India that the country could never be a democracy or a modern state unless it did something to assuage to age-old evils of poverty and social injustice. They also recognized that state planning of an industrial economy was necessary. In this rush to modernity, Gandhian ideals remained in humanitarian commitments that united democracy and socialism in a quest for justice and equality.

Secularism.
Of all the words of the Preamble, the ideas embodied in this one have been the most contested, not just in intellectual debate, but in outbreaks of murderous violence. The word was not in the original version of the Constitution, having been added in 1976, but the ideas associated with it had been part of political discourse all through the nineteenth and twentieth centuries. The relevant articles (25-28) in the Constitution declares that all persons are "equally entitled to freedom of conscience and the right to profess, practice and propagate religion." The sticking point was granting the right to propagate one's religion, understood as the right to proselytize. The idea of conversion is repellent to many Hindus on the grounds that it is socially destructive, breaking the bonds of family solidarity and introducing ideas and values that corrupt Indian civilization. Islam and Christianity, on the other hand, both stress that propagation of the faith is an essential command.
The Constitution's insistence that the government treat all religions as equal, favoring and supporting none, was offensive to many Hindus, who pointed out that Indian civilization--its art, literature, architecture, philosophy, political thought--were all deeply colored by indigenous roots. To stress the importance of religions in modern India is not to say that Indians are more religious than any other people, but that in declaring India as a secular socialist democracy, the constitution makers were struggling with a number of closely related problems. One was to find unity in India's pluralistic and fragmented society; another was awareness of the communal riots that became increasingly common as India moved toward independence and that were to merge into the horrors of Muslim-Hindu riots that marked the partition of British India into Pakistan and India. During the national movement before independence, religion had become politicized, and politics has often adopted the vocabulary if religion, most notably in Mahatma Gandhi's great appeal and in the Muslim League's demand for some form of an Islamic state.
Declaring India a secular state was an expression that appealing to religious identity would cease to be a factor in Indian politics, for, as Nehru put it, "the cardinal doctrine of modern democratic practice is the separation of the state from religion." As early as 1926, Nehru, who saw religious ideologies as an impediment to India's progress, had expressed the hope that the passage of time "would scotch our so-called religion and secularize our intelligentsia," lessening the appeal of religion.[3] However much religious violence remains a factor in Indian life, it is important for Americans to understand that religiosity, which is so pronounced a feature of public life in the United States and so often appealed to by American politicians, has a sinister undertone of bigotry in Indian national life. A useful reminder in current dealings with India is George Washington's warning of the "horrors of spiritual tyranny." Modern India has experienced such horrors, and declaring itself a secular state was meant to guard against them.

Sovereignty.
The assertion of sovereignty in the preamble and elsewhere in the Constitution has two major aspects, one relating to external factors, the other to internal. External sovereignty carries the idea of freedom from intrusion by outside powers, which is of great historical importance in India because of its past history. This was demonstrated by the care that the prime minister took to assure his people that in the new relations with the United States there is no question of "succumbing to external pressures with regard to foreign policy."[4] The move towards the United States seemed a rejection of the foreign policy India followed in the era after independence, which was known as non-alignment or neutrality, a refusal for any kind of alliances that would impinge upon India's sovereignty. To the United States, this always seemed a hypocritical policy, as during the Cold War India seemed to be an active Soviet ally, but it probably served India's national interests to keep the focus on India's internal needs. Most observers would now agree that Pakistan, in contrast, suffered from pursuing a policy of active military alliance with the United States. Pakistanis, with understandable chagrin, now see India being favored by the United States in terms of nuclear technology while they are ignored.
Sovereignty was more severely challenged internally than externally because of serious uprisings rooted in demands for self-determination. It was such a demand that brought India its freedom, but when the various declarations of rights by the UN implied that groups within a sovereign nation had the right to self-determination--meaning, the right of secession--India made a vigorous protest that such rights applied only to peoples under foreign domination. "To make it applicable to an existing nation," the Indian delegate to the UN declared, "would undermine the very essence of its integrity."[5] For this reason, the Indian government has been involved in three bitter struggles by groups demanding self-determination: in Nagaland in the northeast India, in Kashmir in the northwest, and in Panjab below Kashmir. In all three provinces, the leaders of militant uprisings based their demands for autonomy on common historical experience, shared history, territorial contiguity, language, and religion, all of which they alleged were threatened by oppressive rule of the government of India, which had no legitimate claim to the area. The uprising in Panjab was ended, but with much violence, while in Nagaland, sporadic resistance continues and in Kashmir successive attempts at negotiating a peaceful settlement have broken down through mutual mistrust. These uprisings have special relevance for the U.S.
relation-ship with India because the Indian government sees the long and violent confrontation with the militant forces in Kashmir as linked with the larger U.S.-led war on terror. The United States also shares strategic interests with India, and possibly the opening of the Indian markets to American business will benefit both sides. India's energy needs are great, and nuclear technology may help it meet these demands. But beyond what is good for India and the United States looms the darker question of whether the nuclear deal, which weakens the already fragile international containment of nuclear proliferation, is good for the world. Many people, including in the United States, see the United States' contributing to advances in Indian nuclear technology as a giant step towards a world where more and more nations are armed with WMD. In the long run, however, a more robust U.S.-Indian relationship could mean not just a more prosperous India, but a United States more constrained in its use of power for preemptive strikes against weaker nations.
Long ago two Americans looked at the possibility of forming a new U.S.-India relationship and imagined good coming from it. One was the Rev. Ezra Stiles, president of Yale University (then Yale College), who in a remarkable address in 1783 entitled "The United States Elevated to Glory and Honor" insisted that the new union of states would became a great nation, because, among other reasons, navigation and commerce would carry the new American flag "around the globe itself, and display the thirteen stripes and new constellation at Bengal and Canton, on the Indus and the Ganges, on the Whang-ho and the Yangste-Kiang." Our ships would bring back not just material goods, but also "the wisdom and literature of the East." In America this wisdom would be digested and carried to its highest perfection, and then, refined and transformed, their wisdom and ours would "reblaze back from America to Europe, Asia, and Africa and illumine the world with truth and liberty."[6] That was truly a vision of how the Indo-American relationship might change the world.
Walt Whitman in his famous, enigmatic poem saw both danger and new possibilities in a passage to India:

Passage to more than India! . . .
Sail forth! Steer for the deep waters only! . . .
For we are bound where mariner has yet not dared to go,
And we will risk the ship, ourselves and all . . .
O daring joy, but safe! O farther, farther, farther sail! [7]

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Notes

[1] Harsh Pant, "Natural Partners: US and India engaged, no longer estranged," Statesman Weekly, July 30, 2005.
[2] Quoted in H. W. Brands, India and the United States: The Cold Peace (Boston: Twayne, 1990), p. 3.
[3] Quoted in Mushirul Hasan, Nationalism and Communal Politics India, 1885-1930 (New Delhi: Manohar, 1991), p. 285.
[4] Statesman Weekly, Apr. 22, 2006.
[5] M. H. Halperin and D. J. Sheffer, Self-Determination in the New World Order (Washington: Carnegie Endowment, 1992), pp. 22-23.
[6] Quoted in Robert McCaughey, "Four Academic Ambassadors," in Perspectives in American History, vol. 12, pp. 563-607.
[7] Walt Whitman, "Passage to India," in Leaves of Grass.

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IndiaDesenvHistorico.doc

RELATED ESSAYS ON FPRI'S WEB www.fpri.org
Teaching India: A History Institute Report, by Trudy Kuehner
The Rise of India's Economy, by John Williamson
India-Pakistan Relations, by Sumit Ganguly


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114) Uma entrevista com Armínio Fraga...

De volta aos nossos problemas de política econômica...
(Desculpem, este post está ENORME para este Blog, mas acho que vale o esforço pela importância da entrevista e do tema...)

Do jornal Valor Econômico, 23 de junho de 2006.
O ex-Presidente do Banco Central conta tudo. Como, por exemplo, se deu a aproximação com Palocci

..."Quando o presidente decidiu me escalar para as reuniões, mandou dizer aos quatro candidatos que eles poderiam trazer mais três pessoas. Foi nesse momento que surgiu o Palocci, que não estava na lista original do PT, que tinha apenas o Mercadante e o José Dirceu. Foi a primeira vez que tive um contato mais próximo com ele. Nesse dia, o Palocci me puxou num canto, na saída, e disse que gostaria de ter uma conversa depois comigo.
Eu disse: "Claro, com o maior prazer". Isso foi numa quinta-feira, eu ia para o Rio, e ele disse: "Não tem problema, nos encontramos na sexta-feira à noite no Rio".

Valor: E como foi esse encontro com Palocci?
Arminio: Para mim, foi muito marcante, por que eu tinha medo do que viria, de que na virada de governo se pudesse ter uma inflação muito alta e até um tipo de calote. A economia estava na UTI e estávamos tentando amarrar o paciente, dar sangue, oxigênio, olhando aqueles monitores loucos. A conversa com o Palocci, para mim, foi uma janela que se abriu.
Muito bom senso, um prefeito experiente. Ele contou um pouco a história dele, que viu, na gestão do dia-a-dia, o que dá para fazer e o que não dá, o que é ideologia e o que é bom para o povo. Ele passou muita tranqüilidade. Fiz uma série de ponderações, me preparei para essa reunião, que foi a primeira de uma série que tivemos. Fui o primeiro a ter uma reunião com ele e fiquei aliviado. Dormi bem aquela noite e no dia seguinte liguei para o Malan e para os diretores das áreas de mercado do BC. Falei: "Pessoal, vai dar. Vamos acreditar que vai dar". E deu. Para nós, ia dar lá na frente. "...

Íntegra desta importante entrevista ( para quem quer conhecer melhor os bastidores da grave crise que ameaçou o País em 2002):

O operador das horas de vendaval
Por Vera Brandimarte e Claudia Safatle
VALOR - 23/06/2006

A economia estava na UTI, mas isso era conseqüência de expectativas com relação ao que o próximo governo faria; bastaria, portanto, desfazer temores de calote

"Gênio do mal", "agente estrangeiro", "bandido" - Arminio Fraga ouviu de tudo, mas não perdeu a serenidade, que lhe foi essencial nas horas críticas em que comandou o BC

A maior aberração do panorama econômico brasileiro era e continua a ser a taxa de juros, e não a taxa de câmbio (...) O país tem tudo para entrar numa fase muito boa, de juros baixos

No final de 2002, Armínio Fraga, então presidente do Banco Central (BC), encerrava a gestão de um dos mais turbulentos períodos da história da política monetária do país. Na despedida, deixou, por escrito, algumas recomendações para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva - um pequeno texto, feito a pedido do então futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e entregue a este poucos dias antes da posse de Lula. Parte importante do receituário proposto por Fraga foi seguida por Palocci, com quem o ex-presidente do BC acabou tendo um relacionamento profícuo.

Entre as várias sugestões de Fraga para administrar aquela que era uma crise causada primordialmente por um problema de confiança estava a mudança da composição das políticas fiscal e monetária, com o aumento do superávit primário, "para eliminar de vez dúvidas quanto à sustentabilidade da dívida e permitir queda na taxa de juros". Logo no primeiro ano do novo governo, a meta de superávit passou de 3,75% para 4,25% do PIB. O efetivamente realizado acabou sendo até maior.

No texto, ao qual o Valor teve acesso, Fraga propunha também a adoção da política fiscal anticíclica - ou seja, um superávit maior quando a economia estivesse crescendo acima da média e menor quando o nível de atividade estivesse desaquecido. A mudança chegou a ser considerada pelo governo Lula nos primeiros meses, mas foi abandonada. Fraga também sugeria a adoção do orçamento "impositivo", dado que o modelo atual, de orçamento "autorizativo", segundo o texto, "cria toda sorte de incentivos perversos, sendo no fundo um desrespeito à democracia".

Junho de 2002: Fraga e Pedro Malan explicam medidas tomadas para enfrentar dificuldades na rolagem de títulos da dívida pública; a marcação a mercado tornou-se essencial

Da lista de Fraga, além da necessidade de reafirmação de que o governo do PT respeitaria contratos internos e externos e teria compromisso sólido com a democracia, constavam ainda a aprovação da lei de falências, que ocorreu, da previdência complementar para o funcionalismo público, cuja reforma foi realizada parcialmente, e aprovação da autonomia do BC, tema que se perdeu no meio do caminho.

Embora nos últimos momentos de sua passagem pelo BC Fraga tenha sido alvo de declarações rudes do presidente eleito, que descartava sua permanência no novo governo, o fato é que Palocci queria mantê-lo no cargo por pelo menos seis meses. A permanência de Fraga no BC foi uma recomendação que economistas de distintos matizes, como Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro - que participavam do grupo que debatia o programa econômico do PT - também fizeram ao governo que se preparava para assumir, como medida para tranqüilizar os mercados. Apesar de a transição ter sido bastante civilizada, sob o aspecto da troca de informações entre o governo que saía e o que entrava, era um momento em que a economia se encontrava em frangalhos.

A taxa de câmbio tinha batido em quase R$ 4,00, a inflação ameaçava descarrilar, os juros tiveram que ser aumentados para 25% ao ano e a relação dívida/PIB, indicador de solvência do país, chegou a 55,5% -e boa parte da dívida estava indexada à taxa de câmbio.

"A economia estava na UTI e nós estávamos tentando amarrar o paciente, dar sangue, oxigênio, olhando aqueles monitores loucos", conta Fraga, que disse isso a Lula num dos encontros da posse. "Mas isso era apenas a conseqüência de expectativas com relação ao que o próximo governo faria." Bastaria, portanto, o próximo governo desfazer os temores de um calote "que tiraria o país da UTI", completou, na conversa com o então presidente eleito. E assim foi feito.

Fraga, 49 anos, doutor em Economia pela Universidade de Princeton, casado, dois filhos, foi chamado por Fernando Henrique Cardoso para presidir o BC no olho do furacão da crise cambial de janeiro de 1999, que derrubou o então presidente Francisco Lopes. Até então, Fraga trabalhava em Nova York, onde atuou por seis anos como diretor gerente da Soros Fund Management LLC, do megainvestidor George Soros. Pretendia retornar ao Brasil em meados daquele ano.

O fato de trabalhar para um megaespeculador fez com que Fraga fosse recebido pela oposição, no Congresso, com forte carga de críticas. Quando sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, foi chamado de "gênio do mal" pelo senador Saturnino Braga. "Não sou gênio, mas sou do bem", respondeu Fraga. Também o acusaram de ser "a raposa que veio para cuidar do galinheiro", pelo fato de ter operado nos mercados financeiros de países emergentes. E disseram que era um "agente estrangeiro" (por ter dupla cidadania, brasileira e americana) indicado por Washington para colocar ordem no país e cuidar dos interesses dos credores internacionais. Lula, na época presidente do PT, engrossou o coro da incitação: "Pôr Armínio Fraga no BC é como colocar um traficante no comando da Polícia Federal". Na sabatina, que durou seis horas e meia, em 26 de fevereiro de 1999, Fraga manteve a serenidade e foi aprovado por 21 votos a 6 para presidir o BC.

De trato fácil, ("easy going", como o descreveu Fernando Henrique Cardoso), e frio ao tomar decisões em momentos de crise, Fraga acabou conquistando o respeito mesmo de seus mais empedernidos opositores, como o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Por ocasião da sua indicação para o BC, Simon comentou que Fernando Henrique "convocou o bandido número um para tratar com os demais bandidos", mas em novembro de 2000 revia sua posição : "Ele (Armínio Fraga) é excepcional no cargo".

Fraga aliou a qualidade de exímio operador de mercado a uma sólida formação acadêmica e experiência internacional. Sob sua gestão no BC, o governo iniciou e consolidou o regime de câmbio flutuante e implantou a política monetária baseada no sistema de metas para a inflação, um gerenciamento de expectativas com uma meta (a inflação) e um instrumento - a taxa de juros. Deu transparência às decisões do Banco Central, seja a partir do detalhamento das atas do Comitê de Política Monetária (Copom), que passaram a ser divulgadas na semana seguinte à decisão sobre taxa de juros, como um instrumento de fato da política monetária; seja pela publicação semanal do boletim Focus, com as expectativas do mercado, e do relatório trimestral de inflação, em que o BC faz uma análise exaustiva do cenário econômico interno e internacional e aponta suas projeções.

Fraga escreveu textos acadêmicos demarcando uma visão mais sofisticada da administração de uma política de metas de inflação em países emergentes sem tradição de estabilidade cambial e baixa inflação. Inspirado no arcabouço do regime de metas que vinha sendo praticado em outros países (Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia) e formatando, com certa flexibilidade, os princípios básicos que norteariam o Copom, o regime começa a funcionar em meados de 1999, sob grandes incertezas a respeito de para onde iria a inflação depois da desvalorização cambial.

A primeira meta é fixada em 8%, com margem de tolerância de 2 pontos percentuais para cima e para baixo. A estréia é bem-sucedida: o IPCA encerra o ano em 8,94%. O Copom eleva os juros, em março, de 29% para 45% ao ano, mas inicia logo em seguida um rápido processo de redução das taxas. Em setembro, a Selic pára em 19% e, em 2000, o Copom reinicia a trajetória de queda, até estacionar em 15,25% em janeiro de 2001. Daí em diante, com uma sequência de problemas, do racionamento de energia à crise da Argentina, as taxas começam a subir, caem, sobem novamente e, no governo FHC, nunca mais descem àquele patamar.

Foi uma subida abrupta e uma queda também rápida. "Não tem aquela história de que as elevações dos juros devem ser rápidas e as quedas, graduais?". Fraga responde com humor: "Isso está naquele manual de política monetária chamado 'O Príncipe', do grande economista Maquiavel". E completa: "Não, mas existe hoje uma visão de que, como as coisas dependem de expectativas, o BC precisa de alguma maneira transmitir ao público que está comprometido com uma política monetária sóbria por um longo período de tempo. Existe certa inércia nas expectativas. E há formulações históricas que sugerem que isso é bom. Não sei se essas formulações vieram depois de isso ter virado moda entre os bancos centrais ou se elas estão fundamentando isso. Acho que vieram depois, essa moda começou com o (Alan) Greenspan. Não faz muita diferença, desde que a coisa não seja lenta demais. O que o BC argumenta hoje é: 'Não me julgue apenas pela trajetória lenta dos juros, mas observe também a taxa de inflação. Como a inflação não caiu rápido, eu não posso me antecipar muito.' Isso faz sentido".

Uma atitude que marcou a gestão de Fraga à frente do BC, que ele deixou em documentos escritos na época, foi a administração das metas e dos juros de forma que a economia perca o mínimo possível de produto. O abandono dessa flexibilidade é uma das críticas que se fazem ao atual comando da instituição. Num texto de novembro de 2002, elaborado junto com Ilan Goldfajn, então diretor do BC, Fraga escreveu: "Quando confrontada com choques de grande magnitude, como nos últimos 18 meses, a política monetária no Brasil tem sido calibrada de forma a alongar o tempo de convergência à meta de inflação. Tal procedimento leva em conta os custos do processo de ajuste (em termos de produto) associados à existência de inércia inflacionária. Essa política indica que, de acordo com o desenho do sistema de metas, o BC deve levar em conta a volatilidade do nível de atividade em sua tomada de decisão, sem, no entanto, deixar de lado o objetivo principal de atingir as metas de inflação".

Nos EUA ou no Brasil, Fraga sempre procurou manter vínculo com a academia, dando aulas, "para arejar a cabeça e manter a honestidade intelectual", conforme recomendação feita por seu pai, o médico Sylvio Fraga. "Na academia", diz ele, "ninguém está querendo te vender nada." Atualmente, dá aula de macroeconomia no curso de mestrado da PUC-Rio - onde o governo de FHC foi buscar a equipe que administrou a economia do país por oito anos.

O fato de ser um dos melhores economistas do país não o isolou nesse campo. Interessa-se por esporte - joga golfe e foi da seleção juvenil nos anos 1970 -, da mesma forma que por artes e assuntos culturais em geral. É versátil também na hora de decidir onde aplicar seu dinheiro. Em 2005, vendeu a parte que detinha na editora Nova Fronteira para a Ediouro. "Nesse negócio, ganhei bom dinheiro", conta. Sua mais recente aposta é na hotelaria. Com o cunhado, Arthur Bahia, é um dos donos da Fazenda da Lagoa, uma requintada pousada em Una, no Sul da Bahia. "É um paraíso", comenta.

Em meados de 2003, já fora do BC e em plena preparação do lançamento da Gávea Investimentos, administradora de fundos que hoje gerencia cerca de US$ 2 bilhões, Fraga aceitou o convite do humorista Marcelo Madureira, que conheceu num curso de história da arte, para fazer uma ponta no programa Casseta & Planeta, como taxista. "Pois é... Depois que saí do Banco Central, fiquei pensando: 'Onde é que um cara com meu curriculum e meu conhecimento pode usar todo seu potencial?". No táxi! Por que quem manja mesmo de economia e de qualquer outra coisa são os taxistas!", diz Fraga ao passageiro (Madureira), que o reconhece como ex-presidente do BC.

"A crise era política e ancorada no futuro"
23/06/2006

Valor: Em que momento o presidente Fernando Henrique Cardoso o convidou para assumir a presidência do Banco Central (BC)?

Maio de 2000: Fraga e Pedro Malan em reunião com Horst Koehler, diretor-gerente
do FMI, em Brasília, para nova avaliação do acordo firmado em 1998

Arminio Fraga: Em janeiro de 1999, na semana anterior ao convite, estive em Brasília, a convite do Pedro Malan [ministro da Fazenda) para jantar com ele, Chico Lopes [presidente do BC], o presidente Fernando Henrique e André Lara Rezende. Foi na quarta-feira antes da sexta feira [29 de janeiro, a chamada "sexta-feira negra"] da confusão no mercado. [Lopes e Malan tinham ido ao encontro de Michel Camdessus, diretor-gerente do FMI, no dia 16 e, no dia 19, já haviam deixado o câmbio flutuar]. Jantamos no Alvorada com o Chico. Não passava pela minha cabeça que seria convidado poucos dias depois. Muito antes, eu já tinha sido sondado em outra mudança do BC e dissera ao presidente que não podia, estava nos EUA com a família e num trabalho novo que estava sendo muito bom para minha carreira [como diretor do fundo de investimentos do megainvestidor George Soros]. Numa brincadeira, eu disse: "Quem sabe, no segundo mandato". Acabou sendo assim.

Valor: O senhor já conhecia FHC?
Arminio: Eu tinha conhecido o presidente quando era diretor do BC e ele senador, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Ele foi nomeado ministro da Fazenda [do presidente Itamar Franco, em 19/05/1993] quando estava a bordo de uma avião indo para Nova York. Ele chegou em Nova York, recebeu a notícia e me chamou. Pediu-me um breve resumo do que estava acontecendo. A partir daí, tivemos contatos esporádicos. Eu ligava para Malan umas quatro vezes por ano, para dar algum recado do que estava vendo lá fora. Nosso acordo era que eu ligava, ele escutava e desligava. Eu já tinha passado pelo governo e tinha essa experiência. Uma vez ou outra ele considerava algo interessante e dizia para eu fazer um relato ao presidente. Acho que fiz isso umas três vezes. Então, naquele dia teve o jantar e, apesar do momento extremamente difícil, foi bastante agradável. Depois do jantar, fomos caminhando, eu e o presidente, e ele disse: "Posso precisar de você em algum momento. Você está disponível?" Respondi que estava voltando em junho, no fim do ano escolar de meus filhos. Imagino que, naquele momento, sequer passasse pela cabeça dele uma mudança tão rápida no BC. Dormi aquela noite em Brasília, no dia seguinte fui para o Rio e voltei para Nova York. Na sexta-feira, trabalhei normalmente, foi um dia complicadíssimo no mercado do Brasil, "sexta-feira negra" e tal. E no sábado [30 de janeiro] me ligou Pedro Parente [ministro-chefe da Casa Civil]: "Agora você tem que vir". Suponho que a saída do Chico já estava em processo. Ele não tinha saído ainda. Havia certa ambigüidade, mas me foi dito que ele ia sair. Acordei cedinho na segunda-feira [1º de fevereiro], fui para o escritório pedir demissão. Soros não estava lá, estava em Davos. Foi chato, porque foi por telefone. Só fui assumir o BC um mês depois, após a sabatina. Comecei como assessor do Ministério da Fazenda.

Valor: O BC já tinha optado pelo câmbio flutuante?
Arminio: Para todos os efeitos, sim, mas eu poderia mudar. Cheguei defendendo a adoção de um sistema de metas para inflação e o câmbio flutuante.

Valor: Não foi o FMI quem recomendou que deveria ser assim?
Arminio: Não. Eu já tinha essa idéia. Quando o Chico propôs a mudança do câmbio e aquele processo complicado da banda [diagonal endógena], eu, que tinha sido aluno do Chico - ele foi meu orientador de mestrado - mandei-lhe um ´paper´ sobre metas de inflação, dizendo que achava que seria um bom sistema para o Brasil. Já vinha sendo adotado com sucesso na Nova Zelândia, Inglaterra, Suécia. E o Chico de fato estava interessado. Disse: "Que bom, vou ler". E ficou por isso mesmo. Eu acreditava que, já que o câmbio tinha sido forçado a flutuar, que se aproveitasse para introduzir metas para a inflação. Não sei o que o Fundo propôs antes, mas aparentemente eles discutiram muita coisa, inclusive voltar a algum sistema de câmbio fixo.

Valor: Um "currency board"... Uma vez, o senhor disse algo como: "O regime de metas é uma saída quando não há mais nenhuma outra.
Arminio: A discussão foi um pouco por eliminação. Existem outras saídas: adotar um câmbio fixo, ou metas monetárias - na Europa isso ainda tinha algum peso, mas depois foi diminuindo - ou a flutuação do câmbio sem formalizar metas de inflação.

Valor: Por que a opção por formalizar a meta?
Arminio: Nossa preocupação era ancorar as expectativas. Havia um medo enorme de que, se o câmbio ficasse solto e não houvesse outra âncora, a inflação subisse. Como no México, onde a inflação foi a 70%. Então, o sistema de metas de inflação nos parecia a melhor forma de tentar controlar as expectativas. E tivemos que adotá-lo em duas etapas, porque no início a inflação era tão grande que tínhamos medo de escolher uma meta e errar. Primeiro, dissemos que a inflação anualizada chegaria ao fim do ano em um dígito. Mas não sabíamos como a inflação caminharia nesse meio tempo. Decidimos, então, que as metas seriam anunciadas em junho, quando já estivesse claro qual seria a trajetória. Mas buscamos ancorar a inflação de final de ano já em um dígito. E assim foi. Em junho de 2000, anunciamos as metas.

Valor: Em 2001, o Tesouro já vinha conseguindo trabalhar em um novo perfil para o alongamento da dívida pública, desconcentrando vencimentos. Mas o senhor pressentia problemas para o ano eleitoral de 2002...
Arminio: Na virada de 2000 para 2001, estávamos vivendo o quarto trimestre de crescimento num ritmo bastante forte. A média de crescimento desse período de 18 meses era de 4% anualizada. Estávamos com inflação sob controle, com as expectativas, depois do cumprimento da meta de 2000, cravadas em 4%. Em função disso, vínhamos reduzindo os juros, que chegaram a 15,25% no início de 2001. Havia receio em relação ao balanço de pagamentos. O déficit em conta corrente vinha aumentando bastante e a projeção era para um déficit de 4% do PIB, que acabou ocorrendo [em 2001, o déficit em transações correntes foi de 4,55% do PIB]. Era uma pequena luz amarela. Sabemos que, na história do Brasil, nessas fases de crescimento acelerado, quando o balanço de pagamentos entra em um déficit muito grande, o país fica exposto à mudança de ventos lá fora. Isso aconteceu de fato. Havia grande entusiasmo na época, e o Banco Central foi criticado por ter feito o que os bancos centrais tipicamente fazem: à meia-noite, tiram a bebida da festa. O cara volta para pegar mais um copinho de vinho e você diz: "Agora só tem Coca-Cola ou Alka-Seltzer". Quando ficou claro para nós que o mundo vinha desacelerando e estávamos com a economia em aceleração, aquilo nos pareceu além da conta. E fomos muito criticados, porque diziam: "Agora que as coisas estavam ficando boas, vocês estão querendo colocar o pé no freio". Paramos de reduzir e depois aumentamos um pouco os juros, num trabalho um tanto defensivo, mas que nos parecia necessário.

Março de 2001: com Delfim Netto,no Congresso, falando sobre a situação
econômica, que se agravava depois do estouro da bolha da internet; o
acordo com o FMI seria assinado em agosto


Valor: E era só o começo...
Arminio: Não imaginávamos que as coisas fossem ficar tão ruins no início de 2001. As coisas foram piorando, piorando, teve o aprofundamento da crise financeira, com a bolha da internet estourando, as bolsas caindo, especialmente a Nasdaq, desaceleração forte da economia nos EUA, a seca e o racionamento aqui, que foi dramático, depois veio a confusão na Argentina e acabou nos levando a buscar outra vez um acordo com o FMI para termos margem de manobra. O pico de tensão foi lá por agosto, se não me engano [ver gráficos na pág. 14] Durante agosto e setembro, fizemos um trabalho duplo de apertar a política monetária e intervir no câmbio, que estava em torno de R$ 2,80 e nos parecia altíssimo. Vendemos uns US$ 10 bilhões. A coisa se acalmou e, do ponto de vista econômico-financeiro, houve uma pausa. As bolsas lá fora começaram a se recuperar e surgiu, durante um curto período, uma janela de certa tranqüilidade outra vez, com um ajuste já começando no balanço de pagamentos [o déficit em conta corrente chega a 4,96% do PIB em agosto e começa a cair a partir daí] e mais calma nos mercados. Voltamos a reduzir os juros [a taxa Selic chega a 19% em agosto e permanece nesse patamar até fevereiro de 2002, quando começa a cair].

Valor: Já era 2002...
Arminio: Sim. Do ponto de vista econômico, tínhamos recuperado certa tranqüilidade e era uma demonstração de que a situação aqui não estava tão ruim. A economia começou a crescer e entrou em 2002 com uma cara boa, com os analistas políticos todos prevendo vitória do candidato do governo. Mas a coisa complicou para o governo do lado político. O apagão [crise de escassez de energia, no segundo trimestre de 2001] foi dramático para a imagem do governo e acabou contaminando 2002 também.

Valor: O susto da falta de energia foi maior que a crise, não?
Arminio: Num primeiro momento, houve o receio de que o impacto seria tal que teríamos enorme queda no PIB, o que não correu. Houve um esforço de economia extraordinário. Teve impacto o mecanismo adotado, um racionamento com alguma elasticidade de preço, com uma escala em que, até certo nível de consumo, as famílias podiam comprar energia a preços baixos e, depois, a punição era muito forte.

Outubro de 2001: Fraga chega ao Palácio do Planalto para reunião de
trabalho entre os presidentes Fernando Henrique e Fernando de la Rua;
a crise na Argentina era um peso adicional num ano já difícil

Valor: Se a crise foi bem administrada, por que teve impacto político negativo para o governo na sucessão?
Arminio: Com o tempo, as pessoas começaram a se perguntar se foi só azar ou se não foi falta de planejamento. Aí juntou com os outros problemas, com a economia que de repente pára de crescer. Foi uma época de arrocho, de sacrifício. Por melhor que tivesse sido a resposta do governo à crise de energia, melhor teria sido não ter vivido nada daquilo.

Valor: Em que momento vocês perceberam que a campanha de 2002 estava começando a contaminar a economia e que o mercado estava cobrando deságio pelos títulos públicos?
Arminio: Muito mais adiante. No início de 2002, houve uma janelinha de bem-estar econômico que durou até o naufrágio da candidatura da Roseana Sarney.

Valor: Com o caso Lunus, em fevereiro? [Em fevereiro de 2002, a Polícia Federal fez uma operação na empresa Lunus, de Roseana. Foi encontrado num cofre R$ 1,34 milhão em notas de R$ 50,00, dinheiro que foi vinculado a projetos da extinta Sudam. Em abril, Roseana desistiu da pré-candidatura à Presidência da República].
Arminio: É. Naquele momento, os analistas diziam que o problema de 2001 tinha passado, que a economia estava indo bem, que FHC tinha uma história, que seria difícil o povo se arriscar. Para o eleitorado conservador, tinha a Roseana indo bem nas pesquisas e, se não fosse ela, seria o Serra e tudo bem. Aí veio o naufrágio da Roseana e, logo em seguida, a expectativa de que parte dos votos da Roseana migrariam para o candidato do governo. Quando as primeiras pesquisas mostraram que um percentual baixíssimo dos votos da Roseana havia migrado para o Serra, acendeu-se uma luz amarela, cor de laranja. Aí é que começa a dificuldade de rolagem da dívida, que foi aumentando gradualmente...

Valor: Teve o episódio da marcação a mercado [mecanismo de ajuste do preço do título existente na carteira à cotação do mercado, para impedir que o aplicador conte com um retorno financeiro que poderá não se realizar].
Arminio: Foi pouco depois. Na verdade, estava acontecendo em paralelo, mas só esquentou mais à frente.

Valor: Como era percebida a dificuldade de rolagem?
Arminio: Começou a ficar mais difícil vender títulos de prazos mais longos nos leilões. O governo tinha vendido volumes grandes de LFTs com prazos longos, próximas ao par, em 2001. Eu me lembro que, na época, almoçando no Ministério da Fazenda, comentei que, se estivesse no mercado e algum funcionário meu estivesse comprando LFTs próximas ao par, ele seria demitido. Mas isso é o que estava acontecendo: os papéis sendo comprados como se nunca fossem entrar em deságio.

Valor: Por que demitiria o funcionário?
Arminio: Ele estava comprando papel que rende a taxa overnight, mas só receberia o principal de volta corrigido cinco anos depois. A precificação da falta de liquidez eventual estava mal feita. O mercado estava animado demais. Por sua vez, o mercado financeiro que colocava esses papéis nos fundos não dizia aos clientes que não havia garantia de que a cota do fundo fosse ficar sempre acima do nível do dia anterior. Títulos do governo tinham sido cotados com deságio no primeiro mandato de Fernando Henrique, em momentos de crise. E agora, com dificuldade de colocar títulos longos aumentando, começava a surgir um deságio. Alguns do mercado começaram a pressionar para que a marcação a mercado não fosse feita. A norma da marcação a mercado já existia. A metodologia é que foi alterada, e o mercado começou a pedir tempo para que fosse feita. Dissemos: "OK, vocês têm tempo, mas comecem a fazer a marcação". E alguns não fizeram. Foi um erro deles, mas naquele momento não podíamos sair fazendo grandes discursos contra o procedimento do mercado, sob pena de desestabilizar ainda mais a situação. Quando começamos a observar que o deságio vinha aumentando, e alguns fundos não estavam marcando, ficamos extremamente preocupados por que, no evento de uma crise maior, como acabou acontecendo, o deságio aumentaria. Os mais bem informados teriam sacado e os menos informados, tipicamente o investidor pequenininho, estes iam ficar lá, segurando a banana de dinamite na mão. A perda teria sido transferida e amplificada para quem ficasse. Resolvemos matar essa bola no peito, agüentar o tranco e, de certa forma, levar a culpa.

Valor: Já havia uma crise de financiamento, o risco do calote estava colocado?
Arminio: Ah, já. Para quem estava lá, para nós, sim...

Valor: Vocês levaram o problema ao presidente Fernando Henrique?
Arminio: Tivemos várias conversas sobre esse assunto. Alguns do mercado foram ao Malan pedir sua interferência, mas ele defendeu a mesma posição nossa. Em poucas semanas, insistimos e fizemos a marcação. É fácil hoje falar que o Banco Central errou porque fez a marcação. Acho que a marcação deu um sinal para todos, para a classe política, para o mercado, para os investidores, de que algo muito sério estava acontecendo, que existia uma dúvida com relação ao futuro. Começamos a encurtar [o prazo dos títulos da dívida]. O que se pôde fazer, como uma espécie de cortisona para preservar a vida do paciente e tentar buscar algum tipo de solução, foi encurtar os prazos da dívida. Fizemos alguns swaps, tirando dívida longa do mercado. Isso ajudou. O Luiz Fernando [Luiz Fernando Figueiredo, então diretor de Política Monetária do Banco Central] pilotou um negócio que parecia extremamente confuso, mas era muito simples: o mercado não quer título com prazo longo e acreditamos que este é um movimento que não vai inexoravelmente nos jogar cachoeira abaixo. Então, vamos segurar enquanto dá e vamos buscar outra solução. Nosso diagnóstico, já cedo, antes da metade do ano, era de que essa era uma crise essencialmente política, que teria que ter uma solução política. Íamos fazer tudo que era possível na área monetária e fiscal, apertar todos os parafusos, e fizemos isso.

Valor: Lula ainda não estava na dianteira na corrida eleitoral. Então, não era por isso que o mercado estava desse jeito...
Arminio: Não era, mas em pouco tempo passou a ser.

Valor: Em relação ao deságio, representava uma grande preocupação do mercado com um futuro calote ou era uma queda de braço do mercado com o BC?
Arminio: Acho até que alguns do mercado podiam ter a visão de que, sem marcação a mercado, você conseguiria administrar melhor a situação. Nossa visão era - e hoje, olhando para trás, continuo achando que tínhamos razão - de que, sem a marcação a mercado, você iria ficar com a aparência de certa normalidade e, de repente, um belo dia, poderia ter uma corrida com uma crise muito violenta, com conseqüências distributivas extremamente terríveis.

Valor: Mas, de certa forma, vocês aceleraram a percepção, no mercado, de que havia o risco de alguma coisa acontecer.
Arminio: Não concordo. Esta era justamente a tese do mercado, que queria se defender. O Banco do Brasil colocou um anúncio nos jornais, dizendo que fez isso porque o BC mandou. Mas já existia a regra há muitos anos. Não era novidade. Você introduzir, no meio de uma crise, uma regra de não marcação a mercado seria uma irresponsabilidade monumental. Por que fica todo mundo na ilusão de que não precisava fazer nada e um dia surge um problema mais sério e há um prejuízo enorme. Na nossa visão, era melhor ter uma pequena queda nas cotas dos fundos - que assustou, evidentemente, mas que traria o problema à tona - do que ficar com a impressão de que está tudo bem e num belo dia você quebra. Nem todo mundo no mercado tinha a mesma visão. Tanto que alguns bancos fizeram a marcação, tomaram um tranco no primeiro momento, mas depois ficaram mais tranqüilos, por que, de fato, estavam mostrando aos seus clientes o que era a realidade. A proposta de não marcar a mercado era de esconder de todo mundo o que estava acontecendo, a maioria não tendo como checar, e ficar torcendo para não quebrar. Uma posição, a meu ver, um tanto irresponsável. Nossa postura foi deixar claro que existia um problema. Se era Lula, Ciro ou Garotinho, pouco importa. O fato é que existia uma desconfiança. E vocês têm que se lembrar que aquilo foi o início de uma campanha violentíssima, em que todos os candidatos estavam concorrendo entre si para ver quem gritava mais que estava tudo errado e a coisa não estava bem. Havia uma espécie de complô informal contra a situação, com esse discurso de que está tudo errado e vamos mudar tudo. Ora, se nem tudo está errado e os favoritos dizem que tem que mudar tudo, algumas coisas boas serão mudadas e, provavelmente, para pior. Aí, todo mundo olha e se apavora. Esse foi um episódio extremamente confuso, houve uma guerra de propaganda, em que o BC tinha que entrar no ringue de box com as mãos amarradas, por que, se fosse bater no mercado, provavelmente ia agravar a crise. Então, tomei a decisão de apanhar mesmo. Tudo bem, acumulei algumas fichas aqui e vou entregar agora, paciência. Não foi um período fácil. Talvez alguns desses passos pudessem ter sido refeitos de maneira um pouco mais suave ou coisa do gênero, mas no geral acho que não tinha outro caminho. Pensando grande, não pequeno.

Valor: Em que momento se decide fazer a transição com uma negociação com o FMI?
Arminio: A coisa foi amadurecendo ao longo do tempo, em várias frentes. O que estava na nossa cabeça era que seria preciso obter algum tipo de consenso entre os principais candidatos, para que ficasse claro que, independentemente de quem ganhasse, no início de 2003 o Brasil não iria cometer um suicídio econômico. Isso era extremamente difícil, por que a atuação dos três candidatos na campanha era agressiva, sem muito compromisso com os pés no chão, com a realidade de condução de uma política numa economia moderna, aberta como a nossa, e aí ficava difícil. Se você fosse olhar o histórico dos candidatos, especialmente do PT, não só o que era dito, mas tudo que tinha sido escrito por todas as lideranças do PT, era realmente um quadro apavorante. Então, nossa resposta foi, primeiro, buscar esse entendimento. Parecia-nos viável, por que era do interesse de qualquer um deles ter um país para governar. Certo? Aí foram feitas algumas ligações ....

Valor: Quem falou com quem?
Arminio: Coube a mim apresentar a cada um dos candidatos um quadro sobre a situação econômica. Talvez por eu ser, entre todos nós, o que estava mais ligado às coisas de mercado e que tinha menos carga política. Nunca tive vinculação ou ação partidária. As ligações foram feitas por todos nós. Foi discutido isso com o presidente Fernando Henrique, Pedro Parente, Pedro Malan, na Câmara de Política Econômica [fórum de ministros da área econômica que se reúne periodicamente no Palácio do Planalto]. Não me lembro exatamente quem ligou para quem.

Valor: FHC diz no livro dele que falou com o José Dirceu, o senhor com o Ciro Gomes, o Malan com o José Serra...
Arminio: Alguém tentou ligar para o Garotinho...

Valor: Que mandou dizer que não queria conversa...
Arminio: Foi. Acho que foi o Parente quem ligou para o Garotinho e para o Serra. As reuniões foram marcadas e eu preparei uma pequena apresentação, com algumas tabelinhas. Falamos um a um. Começou, se não me falha a memória, com o Serra, que marcou uma reunião no apartamento dele em Brasília, depois do jantar. Fui sozinho. E mostrei o que estava acontecendo com a taxa de câmbio, com o perfil da dívida, o perfil de vencimentos da dívida, as dificuldades de rolagem. [Esses encontros ocorrem entre julho e agosto de 2002]. Acreditávamos que, do jeito que a coisa ia, íamos chegar até o fim do ano aos trancos e barrancos, encurtando a dívida cada vez mais. Quem entrasse iria receber uma dívida pública que venceria em poucos meses. Ia ser um volume muito grande de dívida vencendo na virada do ano e, se algo não fosse feito, colocaria uma pressão enorme no governo, de monetização, risco de inflação, de disparada do câmbio e assim por diante. E que isso tinha a ver com a percepção de que o próximo presidente adotaria uma postura irresponsável, populista, e que inevitavelmente levaria a uma crise. Óbvio que, no caso do Serra, isso não tinha nada a ver com ele. O mercado estava com medo era de que ele não ganhasse. Não tive uma conversa política com o Serra, não era o meu papel nem minha praia. Ele ouviu aquilo, registrou... Com o Ciro, a reunião foi no Rio, na minha casa. Por sugestão minha, ele trouxe a mulher, Patrícia Pillar, e eu a minha, a Lucyna. Sentamos no escritório e conversamos longamente. Foi uma conversa tranqüila, as mulheres participaram, eu apresentei o cenário. Ele disse que tinha uma história de boa administração no Ceará, tinha sido ministro da Fazenda durante o Plano Real e que saberia lidar com a situação. Estou usando as minhas palavras, não posso colocar aspas, mas foi algo assim, nessa linha. O Lula não quis vir à reunião e enviou o hoje senador Aloísio Mercadante. Ele foi ao Banco Central em Brasília.

Valor: Ele ficou assustado com o cenário?
Arminio: Todos ficaram. A reação dele foi mais fechada. Disse: "OK, ouvi o seu recado..." Todos, no fundo, dizendo que entendiam a gravidade da situação e que iriam pensar sobre isso.

Valor: A Carta aos Brasileiros, que assegurava que o PT honraria contratos, não daria calote, já havia sido divulgada, porque é de 22 de junho de 2002.
Arminio: Mas não foi tranqüilizadora. O momento estava muito difícil. Após essas reuniões, eu fazia um relato aos meus colegas e ao presidente. No final, o presidente achou que, por eu ter participado dessas reuniões prévias, faria sentido eu participar também das reuniões dele com os candidatos [que começaram na segunda quinzena de agosto], uma vez que, nas reuniões comigo, todos registravam seu entendimento da gravidade da situação e também sua inclinação a dar uma resposta construtiva para a crise. Assim acabou acontecendo. Em paralelo a isso, estávamos conversando com o FMI, por que acreditávamos que seria necessária alguma ajuda para evitar um exagero de mercado. Quando o mercado passa de um certo ponto, você começa a ter conseqüências sérias e reais para a economia. Deixa de ser uma coisa especulativa e passa a ser real, e afeta o comportamento das empresas, das pessoas. Tínhamos muito receio disso e fomos ao FMI para negociar um acordo, uma linha de crédito grande, mais para o próximo governo do que para nós. O desembolso para nós seria de uma parcela de 20%. Saiu o acordo com o fundo [de US$ 30 bilhões] e o primeiro desembolso de US$ 6 bilhões, os outros ficaram para a outra administração....

Valor: O Fundo pediu um compromisso dos candidatos?
Arminio: O fundo não disse tem que ser assim ou assado. Foi um balé, uma dança de aproximação. Havia muita confiança do Fundo no Brasil naquele momento. Depois da crise de 1999 e da crise de 2001, e que pagamos antecipadamente as dívidas, o Fundo se sentiu confortável em trabalhar conosco. O que o Fundo quis, e foi muito pouco na época, era uma sinalização de que esse comportamento responsável continuaria ou alguma versão dele, pois não existe uma maneira única de se fazer as coisas. E, claro, o Fundo teria o direito de não desembolsar as outras parcelas se a política econômica descarrilasse em direção a algo não sustentável, populista. Foram inúmeras conversas nossas com o Fundo, na linha de sejamos razoáveis, num momento em que a campanha pega fogo no Brasil e no momento em que parece que há um concurso entre os candidatos para ver quem é mais radical, fica difícil exigir de um candidato algo muito formal. O que achamos que era razoável e suficiente é que os candidatos manifestassem publicamente o compromisso com o cumprimento de contratos. Era a forma meio cifrada de dizer que não iriam dar um calote. Eles toparam, ainda que nem sempre de maneira cristalina.

Valor: Nesse processo de negociação com o FMI, o senhor ou alguém do governo pediu aos candidatos essas manifestações?
Arminio: Depois das conversas prévias e de outras conversas telefônicas com os candidatos, ocorreram as reuniões formais no Palácio do Planalto, em que cada candidato foi conversar com o presidente. Do lado do governo, éramos quatro: o presidente, o Malan, o Scalco [Euclides Scalco, ministro da articulação política] e eu. Quando o presidente decidiu me escalar para as reuniões, mandou dizer aos quatro candidatos que eles poderiam trazer mais três pessoas. Foi nesse momento que surgiu o Palocci, que não estava na lista original do PT, que tinha apenas o Mercadante e o José Dirceu. Foi a primeira vez que tive um contato mais próximo com ele. Nesse dia, o Palocci me puxou num canto, na saída, e disse que gostaria de ter uma conversa depois comigo. Eu disse: "Claro, com o maior prazer". Isso foi numa quinta-feira, eu ia para o Rio, e ele disse: "Não tem problema, nos encontramos na sexta-feira à noite no Rio".

Valor: E como foi esse encontro com Palocci?
Arminio: Para mim, foi muito marcante, por que eu tinha medo do que viria, de que na virada de governo se pudesse ter uma inflação muito alta e até um tipo de calote. A economia estava na UTI e estávamos tentando amarrar o paciente, dar sangue, oxigênio, olhando aqueles monitores loucos. A conversa com o Palocci, para mim, foi uma janela que se abriu. Muito bom senso, um prefeito experiente. Ele contou um pouco a história dele, que viu, na gestão do dia-a-dia, o que dá para fazer e o que não dá, o que é ideologia e o que é bom para o povo. Ele passou muita tranqüilidade. Fiz uma série de ponderações, me preparei para essa reunião, que foi a primeira de uma série que tivemos. Fui o primeiro a ter uma reunião com ele e fiquei aliviado. Dormi bem aquela noite e no dia seguinte liguei para o Malan e para os diretores das áreas de mercado do BC. Falei: "Pessoal, vai dar. Vamos acreditar que vai dar". E deu. Para nós, ia dar lá na frente. Não estava claro que, de repente, ia tudo se acalmar. Mas naquele momento ficou claro que tinha saída.

Valor: Que não ia ter calote....
Arminio: Isso, que não ia ter calote, que ia ser uma resposta pragmática. Pouco tempo depois, com o Lula já liderando as pesquisas mais ou menos confortavelmente, teve o desmoronamento da candidatura do Ciro Gomes, que, enfim, teve uma série de tropeços e sumiu. Ficou claro que era Serra contra Lula e que o Lula estava na frente e era favorito para ganhar. E o mercado, obviamente, nesse momento, superantenado, todo mundo, as empresas, as pessoas, dizendo: "Bom, e aí? E agora?". Lá por setembro, o Lula fez um discurso, começou a acalmar a situação e, quase na mesma semana, o mercado internacional, que ainda vinha da crise de 2001 com indicadores de risco lá no alto, naquele momento virou também. [O risco-país cai de 2.396 pontos-base em setembro para 1.745 em outubro; a taxa de câmbio, que em setembro bateu em R$ 3,76, em outubro é de R$ 3,63]. Os bancos centrais começaram a reduzir juros e foi o início de uma fase que dura até hoje, extraordinária. Isso foi setembro de 2002. Ali já estava claro que a coisa ia melhorar. Os bancos centrais todos injetando quantidades imensas de liquidez no mundo e, aqui no Brasil, uma mudança de discurso muito importante, do candidato de oposição que estava à frente das pesquisas. Aí começou o trabalho de transição mais organizado e o Palocci foi nomeado coordenador da transição.

Valor: Essa fase benéfica do mercado internacional, na sua visão, está acabando?
Arminio: Não. Os mercados levaram um solavanco, mas continuam bons.

Valor: Mas já não é mais uma coisa tão cor-de-rosa...
Arminio: É verdade, a incerteza aumentou. Mas a expectativa ainda é de uma evolução favorável da economia mundial. Acredito que o crescimento, que foi de uns 4% nos últimos anos, ainda fique acima de 3%.
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Quando as pesquisas mostraram que poucos dos votos de Roseana iriam para Serra, acendeu-se uma luz amarela, cor de laranja e começou a dificuldade de rolagem
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Valor: Voltando à transição, Palocci começa a conversar com o senhor sobre a possibilidade da sua permanência por mais seis meses no BC?
Arminio: Isso foi um pouco depois da eleição. O Lula já havia dito que trocaria todo mundo, mas depois isso [a possibilidade de ficar por mais seis meses] voltou.

Valor: O namoro do governo com o senhor era do Palocci ou chegou a ser do presidente Lula?
Arminio: Não, não. Se é que se pode chamar isso de namoro, o contato e o bom relacionamento de trabalho nas coisas financeiras eram comigo e depois o Palocci teve um contato maior com o Malan.

Valor: Não tinha uma parte do PT que queria que o senhor ficasse?
Arminio: Isso eu não sei. Ao longo do tempo, conversando com Palocci, e sendo um pouco pressionado pela imprensa, e depois de conversar com alguns colegas, anunciei que toparia ficar por seis meses, fosse quem fosse o vencedor. O Palocci queria isso, chegou a conversar comigo várias vezes.

Valor: Foi José Dirceu quem verbalizou que o senhor sairia.
Arminio: É, mas acho que muito em cima do fato de o candidato ter dado uma declaração pública de que trocaria todo mundo. Chegou a mim o recado de que não era nada pessoal, mas que era uma situação que não tinha volta. Para o candidato Lula, isso não faria sentido. Hoje em dia, acho que foi melhor eu ter saído.

Valor: Por quê?
Arminio: Por que acho que o crédito do trabalho que foi feito teria ido para mim, por que eu estava lá, tinha passado por outras crises no passado, quando na verdade o crédito teria que ter ido, como foi, para eles. Assim também como a culpa. Acho que a culpa de tudo isso foi de expectativas baseadas numa vida de declarações e documentos de que uma gestão do PT seria desastrosa. E o crédito é todo do PT por ter desfeito essa avaliação. Estávamos ali para facilitar. Acho que cumprimos bem nosso papel de orientar, de mostrar, por dentro, a realidade nua e crua, prática, da vida de um governante no meio de uma crise. Palocci, em um segundo, concluiu que seria realmente importante seguir na linha que estávamos propondo, se é que ele já não achava isso antes.

Valor: Vocês não tiveram participação na elaboração da Carta aos Brasileiros, mas a inspiração para fazê-la, que seria importante botar algumas coisas no papel, veio de vocês?
Arminio: Não sei se Malan ou Pedro Parente disseram alguma coisa para Palocci ou Zé Dirceu. Mas creio que não. Acho que veio de lá mesmo.

Valor: Houve um momento em que o senhor estava conversando no exterior com investidores e saiu daqui uma declaração do Zé Dirceu de que "o Armínio está fora".
Arminio: E houve declaração mais dura do candidato também. Depois, o Palocci me convidou e tive duas reuniões já com o presidente eleito Lula. Uma primeira, na Base Aérea, da qual participaram o Zé Dirceu, Palocci e Marco Aurélio Garcia. Foi uma conversa de mais de uma hora sobre economia, o que estava acontecendo, muitas perguntas dirigidas a mim, por que isso, por que aquilo, sobre questões básicas do dia-a-dia da economia e sobre reformas.

Valor: E a outra reunião?
Arminio: Foi em São Paulo, só Palocci, Lula e eu. Chamou-me atenção na conversa como o Lula dominou totalmente a discussão. Falava no geral com muita convicção de que ele não faria nenhuma loucura, transmitindo um certo pragmatismo. E muitas perguntas sobre os vários tipos de reformas que eu achava que tinham que acontecer para o país crescer, ter juros mais baixos, reforma da Previdência, respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, temas da área trabalhista. Havia uma postura sobre a reforma trabalhista ali que me deixou mais animado naquele momento do que com o que veio a acontecer. Depois, o Palocci foi muito gentil e me revelou que tinha achado que a conversa tinha sido muito boa e que se ele, Lula, tivesse me conhecido antes, talvez não tivesse me rechaçado como rechaçou. Acredito que ele teria rechaçado de qualquer jeito, mas talvez tivesse sido um pouco menos, assim... por que ele viu que eu estava querendo ajudar, que não estava me envolvendo na campanha e que, portanto, ele podia, de certa forma, confiar em mim.

Valor: Nesse momento, o Tesouro já tinha começado a colocar papel mais longo? Deu para desconcentrar os vencimentos previstos para o início do ano?
Arminio: Começou a aliviar. Desconcentramos muito pouco, mas deu. [Em janeiro de 2002, o risco-país está em 865 pontos-base; em setembro, chega ao máximo, de 2.396, e cai, até 1.439 em dezembro. O dólar começa o ano em R$ 2,4140, chega a R$ 3,47 em julho, R$ 3,76 em setembro e termina a R$ 3,5450 em dezembro]

Valor: Como começaram as conversas com o Fundo Monetário ?
Arminio: As conversas com o FMI foram com o Koehler [Horst Koehler, então diretor-gerente do FMI], o Anoop Sing [diretor do Hemisfério Ocidental] e Anne Krueger [diretora-gerente adjunta]. Tínhamos tido um acordo em 2001, que foi relâmpago. Eu por acaso estava em Washington quando a coisa esquentou e decidimos, por telefone, falar com o Fundo. Eu fazia parte de um grupo que discutia as reformas do FMI e saí um pouco daquelas conversas para falar com a Anne e com o Koehler. Foi uma negociação muito rápida, no momento de pânico no mercado de câmbio, no meio da crise da Argentina. Ali conseguimos dinheiro e redução do piso das reservas. Em 2002, o processo foi mais lento. Claro, era uma linha muito maior, de US$ 30 bilhões, num momento muito mais complicado. O Amaury Bier [secretário executivo do Ministério da Fazenda] conduziu e nós, do lado de cá [no Banco Central], também demos uma ajuda.

Valor: Não havia uma discussão política nessa negociação?
Arminio: Falamos com muita gente do Fed [o banco central americano], do Tesouro americano, explicando que queríamos criar incentivos para o próximo presidente, fosse quem fosse, tomar decisões que preservassem a estabilidade da economia brasileira. O colchão de recursos era mais um incentivo para o próximo presidente se comportar.

Valor: Algo na linha de se o novo presidente encontrar tudo deteriorado, aí se estaria realizando o pior cenário, por que não teria jeito se não dar um calote?
Arminio: Era para evitar uma espécie de bolha negativa, de pânico, uma corrida, coisa do gênero. Se tivesse algum dinheiro, a chance de ter uma corrida cambial diminuía e haveria mais chance de se criar um círculo virtuoso de boas políticas, com bom desempenho financeiro, como acabou acontecendo, apesar de aquele ano ter sido de recessão [em 2002 o PIB cresceu 1,9%].

Valor: Como foi a conversa com Lula, que depois ele contou, de que o senhor tinha dito a ele que entregava o país na UTI?
Arminio: A conversa foi a da Base Aérea. O que eu disse foi que o país estava na UTI, mas que isso era apenas a conseqüência de expectativas com relação ao que o próximo governo faria. E que o próximo governo, portanto, poderia desfazer essa impressão e tirar o país da UTI. Eu fui à imprensa na ocasião para retificar isso, porque parecia que eu estava dizendo que o governo FHC tinha jogado o país na UTI, e não era isso.

Valor: Houve comparações entre a forma como o senhor conduzia a política de metas e a da atual direção do BC, dizendo-se que o senhor era mais flexível.
Arminio: Acho que, se aconteceu alguma mudança, foi sutil. As taxas de juros no nosso período foram muito altas também. Tentamos reduzir quando se abriu uma janela e creio que eles também foram nessa direção. Acho que a escolha da meta de 5,1% [para 2005], depois de um ano em que a inflação acabou sendo 7,6%, criou realmente um desafio difícil para o BC. Este, para mim, é o ponto-chave. Existem outras diferenças, na forma de se comunicar e na transparência que dávamos e a que eles dão. Tenho a impressão de que essa equipe acabou sendo mais do tipo Banco Central Europeu, enquanto nós éramos mais Banco da Inglaterra e talvez um pouquinho Fed. Tínhamos desde o início, e isso foi desenvolvido depois com mais detalhes, a postura de procurar quantificar mais os choques de oferta, de administrar mais esses choques, preços administrados, as inércias, enquanto a atual equipe tem privilegiado muito pouco esse tipo de trabalho, metas ajustadas. A equipe atual é mais alemã, nesse sentido, do que fomos.

Valor: No fundo, um "trade-off"?
Arminio: A definição dos 5,1% para 2005, que aconteceu em setembro de 2004, talvez tenha sido o ponto mais importante. Eles definiram antes do final do ano, a inflação do ano veio mais alta e eles decidiram ignorar, e acho que em função disso eles ficaram com essa imagem. Nós também, no início, aumentamos os juros para 45% ao ano, em 2001 fizemos a mesma coisa, em 2002 também. Então, não havia nenhuma frouxidão da nossa parte, assim como acho que não existe nenhum sadismo da parte da equipe atual. Privilegiamos a redução de juros e eles colocaram muita ênfase na desdolarização. Tem muita coisa que você pode fazer com o vento a favor. Alongar a dívida, desdolarizar, acumular reservas, reduzir juros. Eu diria que demos foco maior na redução de juros e eles deram bastante ênfase na desdolarização. Talvez em ambos os casos tivesse sido melhor fazer alguma coisa intermediária. Nós não desdolarizamos muito.

Valor: Que vantagens haveria na escolha de uma ou outra coisa?
Arminio: É uma questão de julgamento do que é prioritário. Não há na teoria econômica nada que diga que tem que ser de um jeito e não do outro. A única coisa que a boa teoria econômica diz é que, se você tem muitas distorções na economia, o que é garantido é que, se for reduzindo todas gradualmente, ao mesmo tempo, é bom. Agora, se você escolhe o caminho de privilegiar uma ou outra, pode dar problema. Não foi o caso aqui, eu diria. A nossa visão é que a maior aberração do panorama econômico brasileiro era e continua a ser a taxa de juros, e não a taxa de câmbio. Então, fomos na direção de trabalhar com a taxa de juros.

Valor: A seu ver, por que agora foi dada prioridade para desdolarizar a dívida se não havia nenhum risco no balanço de pagamentos no curto prazo?
Arminio: Acho que alguma desdolarização era recomendável. Isso era visto pelas agências de "rating", pelos analistas em geral, como sendo uma das fragilidades do país. Acho que o resultado final foi bom. A atual equipe do BC apanhou em 2005 calada. Mas acho que o resultado final foi bom. A inflação está baixa, acumulou-se muita reserva, e cresceu-se um pouco menos nesse período. É possível que mais adiante se recupere isso. Não dá para dizer que desse jeito foi pior com certeza. Ninguém pode fazer esse julgamento. Não tem como voltar atrás e rodar o filme com uma outra seqüência.

Valor: Chega-se hoje com uma certa tranqüilidade em relação ao arcabouço macroeconômico. Ninguém está questionando o regime de metas ou propondo transformar superávit em déficit ou mudar o regime cambial. Esse arcabouço, construído em boa parte [regime de metas e câmbio flutuante] durante sua gestão no BC, é um modelo para muitos anos?
Arminio: E com austeridade fiscal, que foi uma visão adotada antes de minha ida para o governo.

Valor: É, meia hora antes de sua chegada... [risos]
Arminio: Não é verdade. Isso foi crucial. Nenhum arcabouço é à prova de bala, à prova de desaforo, e este também não é. Mas precisa ser bem administrado. Para mim, hoje é ponto pacífico que, se o gasto público continuar a crescer, vamos ter problemas, mesmo se a carga tributária crescer em paralelo (o que seria outro problema), para manter o superávit primário [saldo entre receitas e despesas correntes para pagar a conta de juros]. Isso não foi resolvido nas duas administrações FHC e não será resolvido neste período que estamos vivendo.

Valor: Mas o pessoal não ficou batendo, de forma equivocada, só na taxa de juro?
Arminio: A questão pode ser examinada por mais de um prisma, se não, não se explica uma taxa tão alta. Tem um lado fiscal estrutural, em que, hoje em dia, os holofotes estão em cima dos gastos públicos e não mais do primário, porque se tem um superávit muito grande. E o resto são questões de crédito. Não acredito que se explique um juro tão alto como o nosso só com questões fiscais. Acho que, para entender o juro real que tivemos nos últimos anos, principalmente nesse período de trabalho de contração monetária para desinflação, há outras questões, que têm a ver com as dificuldades de uso da política monetária. Num ambiente em que você tem pouco crédito na economia, a alavancagem num aumento da taxa de juros é menor do que num ambiente em que você tem mais crédito. Aqui no Brasil, o volume do crédito livre é pequeno e tem prazo curto, enquanto na maioria dos outros países você tem mais crédito e de prazo mais longo. Então, lá, quando você mexe na taxa de juros, você tem impacto maior. Além disso, nos últimos anos, em função de uma série de inovações jurídicas e regulatórias muito boas a longo prazo, houve um crescimento muito acelerado do crédito. Então, ele é pequeno e ainda está crescendo. Ora, o impacto da política monetária se faz sentir em boa parte através de uma contração de crédito. Quando, ao invés de o crédito estar se contraindo, ele está se expandindo por outras razões, o BC tem que trabalhar em dobro e o câmbio teve que trabalhar também para dar uma contribuição maior do que seria de se esperar.

Valor: Contribuição para conter a inflação?
Arminio: É.

Valor: O atual BC diz que, se tivesse errado a mão na taxa de juros, a inflação de 2005 teria ficado abaixo da meta, e ela ficou acima.
Arminio: Exatamente. Acho que este é um bom ponto. A única crítica possível aqui é que talvez a trajetória de queda da inflação tenha sido ambiciosa demais, poderia ter sido mais lenta, como foi no Chile ou no México. Mesmo aí eu tenho minhas dúvidas, por que, no momento em que você anuncia uma trajetória de queda mais lenta, você muda também as expectativas e torna mais difícil. Esse assunto é bem complicado.

Valor: Mas não há problemas de inflação inercial? O que tivemos de taxa de juros desde 1994 não é brincadeira e ainda nos últimos cinco anos a média de inflação é de 8,2%. Alguma coisa não está funcionando. É o mecanismo de transmissão da política monetária? Ou é um problema de uma economia totalmente oligopolizada, por exemplo?
Arminio: É evidente que a grande aberração que existe hoje na economia brasileira é a taxa de juros. Não acredito que você possa explicar fenômeno de tamanha grandeza com uma explicação só. Acho que precisa de várias. As minhas são: uma história ruim e, portanto, falta de credibilidade da moeda; um arcabouço fiscal ainda frágil, com gasto público crescendo a uma taxa real de quase 10% ao ano nos últimos dez anos, e, portanto, gerando medo de que no futuro você vá ter que inflacionar para lidar com essa questão da dívida; e questões ligadas à dificuldade de se reduzir a inflação com mecanismos de transmissão fracos. Acredito que, quando a inflação chegar aos níveis das metas, pelo menos a parte que diz respeito a mecanismos de transmissão fracos vai desaparecer. Aí vai ficar um pedaço que tem a ver com história e com a fragilidade do regime fiscal. Mas isso talvez explicaria uma taxa de juro real de 5%, 6%, não de 10%, 12%. Tanto isso parece ser verdade que a taxa de juros de longo prazo embutida na curva das NTNs esteve em torno de 7,25%. Hoje, está na casa dos 9%. Temos no próprio mercado sinais de que essa minha hipótese pode ser verdade. Agora, temos que correr atrás do lado fiscal para resolver os outros 7,25%, para levar isso para 4%. Vai precisar que o próximo governo faça um choque de corte de gastos e de eficiência e que faça as reformas na Previdência. Isso é viável. E, se isso acontecer, acho que o país tem tudo para entrar numa fase muito boa, de juros baixos, de mais investimento, de mais crescimento. Especialmente, se der atenção também às questões da oferta, ambiente regulatório, tributária, questões trabalhistas etc. Se fizer essas coisas, não há nada estruturalmente errado no Brasil. Agora, temos esses problemas institucionais, e de certa maneira históricos, que precisam ser contornados.

Temos uma economia oligopolizada e é um reflexo dessas questões regulatórias, tributárias, que dificultam a vida das empresas pequenas e médias. Então, há grandes concentrações em cada setor da economia e isto impacta a economia, mas não pelo lado da taxa de inflação. Afeta a margem, os oligopólios têm margem maior. Numa economia híper-regulada, híperprotegida, essa elite entre aspas que se estabeleceu ao longo do processo de industrialização finca raízes - políticas, inclusive - e procura influenciar o processo e se perpetuar. Nossa distribuição de renda é ruim, mas não é acidente, não. Tem uma longa história, que, muitas vezes, vem embrulhada na bandeira brasileira e todo mundo compra como se fosse uma coisa maravilhosa para o povo, mas é um grande engodo. Qualquer idéia nacionalista de vamos proteger aquele setor, nossa intuição é que isso é bom, mas infelizmente o impacto social disso não é bom. Mas é difícil entender, é complicado explicar que é concentrador de renda, de poder.

Valor: Mesmo um governo do PT não conseguiu romper essa estrutura...
Arminio: Com certeza. Esta é uma estrutura tradicional, as empresas oligopolizadas lidando com os grandes sindicatos, e o resto do povo, que não é sindicalizado, que se vire. Essa estrutura é clássica.

Valor: O que hoje contribui mais para domar a inflação: a taxa de juros ou a taxa de câmbio?
Arminio: Um pouco dos dois e eles estão interligados, mas você consegue explicar quase que a totalidade da queda da inflação dos últimos três anos pela valorização do câmbio.

Valor: E se o crédito carimbado fosse descarimbado e se tornasse livre e passível de ser influenciado pela política de juros, se a TJLP [taxa de juros de longo prazo cobrada nos financiamentos do BNDES] passasse a ser uma taxa mais próxima da Selic [taxa básica de juros definida pelo Copom], essa mexida no crédito direcionado seria a saída?
Arminio: A saída, com o tempo, é ter um mecanismo de transmissão da política monetária mais poderoso. Para isso, você tem que ter mais crédito na economia e um ambiente mais livre. Mas enquanto você está na transição isso cria outros problemas, como esses que vivemos aqui recentemente. É importante ter um bom entendimento sobre isso por que, se esse meu diagnóstico estiver correto, na medida em que a inflação chegue aos níveis desejados, às metas, provavelmente os juros vão cair mais do que se imagina. O crédito carimbado, com o tempo, precisa ser abolido ou o subsídio aplicado de maneira diferente. Tentamos no governo acabar com o Sistema Financeiro de Habitação e dar o subsídio direto na veia do tomador, que é uma maneira muito mais eficaz de dar o subsídio sem vazamento e com muito mais potencial de alavancagem. Mas o setor na época fez um baita "lobby" contra e a coisa não andou. Assim como acho que, com o desenvolvimento do mercado de capitais, alongamento dos prazos e queda das taxas de juros, você não vai precisar ter TJLP e o papel do BNDES deveria minguar. Não creio que seja algo para amanhã, mas, a longo prazo, seria natural que isso acontecesse.

Valor: O que falta hoje para completar o quadro institucional do regime de metas? É fundamental que o BC tenha autonomia operacional?
Arminio: É importante formalizar e é importante que ocorra de forma madura, para que não se mude de idéia. Esses mecanismos são todos muito frágeis. O que vale mesmo é criar uma tradição. Se aquilo é algo bom, por ser bom você não mexe. Resta saber se estamos prontos para isso. Quase todos os bancos centrais do mundo hoje operam com um sistema de metas, formais ou informais. É muito difícil imaginar um governo que abra mão de controlar a inflação de uma maneira crível. O custo é muito alto. É preciso ter um pouco de flexibilidade, mas o sistema de metas dá essa flexibilidade, não é uma camisa de força absoluta, é um sistema de transparência que obriga o BC a explicitar por que está tomando certas decisões, por que às vezes aceita inflação um pouco mais alta e como pretende lidar com isso. É um sistema de transparência.

Valor: Credita-se ao sistema de metas a responsabilidade por estarmos com taxas de juros tão altas. Não tivéssemos o sistema de metas, o senhor acha que estaríamos com taxas de juros altas do mesmo jeito?
Arminio: Talvez a taxa de longo prazo fosse até mais alta. Hoje, você tem uma curva de juros invertida, o que é bom, por que tem juros de longo prazo mais baixos. Não tem muita mágica nessa área. Se você não tiver um sistema de metas, vai ter que construir essa credibilidade de alguma forma. O que acreditávamos é que o sistema, por institucionalizar a coisa e dar transparência, abreviaria o tempo necessário à conquista dessa credibilidade. A credibilidade é útil por que você sempre enfrenta problemas e, se tem credibilidade, não precisa mexer tanto nos juros para controlar as expectativas.

Valor: Houve um momento em que as coisas pareciam ir tão bem que vocês chegaram a fixar a meta de inflação de 3,5% para 2002 e de 3,25% para 2003, mas, na média, durante a vigência do regime de metas, a inflação média foi da ordem de 8% .
Arminio: Em 2000, escolhemos a meta para 2002. A meta para 2001 era de 4% e naquele momento as expectativas para 2001 estavam cravadas em 4%. Então, nossa idéia era caminhar para uma inflação em torno de 3,5% e decidimos dar um passo nessa direção, reduzindo em 0,5 ponto, dado que na hora da escolha já se esperava que a inflação do ano fosse 4%. Quer dizer, não era um esforço tão grande, se tudo desse certo, levar de 4% para 3,5%. Daí vieram as crises de 2001, 2002, megadepreciações cambiais, megacrises de confiança, especialmente 2001, 2002 e a inflação ficou mais alta.

Valor: Por que a economia brasileira sobrevive com inflação maior que no resto do mundo?
Arminio: Havia no Brasil uma ilusão de que inventamos aqui um sistema de indexação que permitia conviver com a inflação sem custo. Hoje, sabemos que isso não é verdade. Não existe função para a inflação. Pegue o caso do orçamento. É verdade que, se você tiver inflação alta, consegue administrar com mais facilidade o resultado do orçamento. Mas o processo orçamentário fica altamente prejudicado, as decisões orçamentárias, que são decisões importantes para a sociedade, acabam ocorrendo na prática na boca do caixa. Se você liberar um pagamento, uma semana depois ou um mês depois ele vale 10% menos. Mas será que este é um direito de quem opera o caixa ou um direito de a sociedade ter um orçamento para valer? Além do mais, a inflação pune os mais pobres, enquanto os mais ricos conseguem aplicar seu dinheiro, não perdem praticamente um centavo com a inflação.

Valor: Vira e mexe, surge a idéia de um juro menor, ainda que seja em troca de uma inflaçãozinha...
Arminio: Você pode ter um juro menor por um período. Ai, quando a inflação subir um pouquinho, para ela não continuar a subir você vai ter que aumentar o juro e, na verdade, você não comprou nada, você criou confusão. Daqui a pouco, a inflação vai subir mais, você criou instabilidade, e o Banco Central tem que agir. É melhor ter algo mais previsível, estável.

Valor: Qual o momento mais difícil para o senhor: na transição para o governo Lula ou na sua chegada como presidente o BC?
Arminio: Foi na transição, por que, na chegada, para mim parecia claro que o país precisava fazer um aperto fiscal, precisava deixar o câmbio flutuar e que, se fosse feito o ajuste fiscal e a política monetária fosse reestruturada para lidar com a inflação, a coisa iria se resolver, como de fato se resolveu. Não que tenha sido fácil, foram momentos difíceis, extremamente tensos...

Valor: Naquele momento, a CPI dos bancos atrapalhou?
Arminio: A CPI dos bancos, para quem olhava como observador, como eu, que não vivi por dentro as questões políticas, parecia ser uma CPI que tentou pegar um governo que naquele momento estava fragilizado. Criou certa tensão, mas nada parecido com o que aconteceu em 2002. Em 2002, era muito angustiante, por que sabíamos que pouco do que estava ao nosso alcance teria impacto na situação de crise que vivíamos, por que a crise estava ancorada no futuro, e o futuro não estava em nossas mãos.