sexta-feira, janeiro 13, 2006
32) O Império americano: agora nos tribunais...
Não, ninguém está levando o Império americano às barras dos tribunais, sequer do Tribunal Penal Internacional, do qual os EUA não fazem parte.
Trata-se da ameaça de processo judicial que Moniz Bandeira, autor do livro Formação do Império Americano, objeto do post precedente, pretende conduzir contra os editores da revista Primeira Leitura, que em seu número de dezembro de 2005 publicou uma resenha crítica desse livro.
Moniz Bandeira não gostou do que leu, e pede "direito de resposta", primeiro por seus advogados, depois eventualmente por via judicial.
Acompanharemos os próximos capítulos desse eletrizante embate entre um autor e um editor de resenhas literárias...
Enquanto isso, vejamos o que este último tem a nos informar:
Primeira Leitura
Edição nº 1658, 12 / 01 / 2006
Moniz Bandeira contra Primeira Leitura
Por Reinaldo Azevedo
Ai, ai, leitores, nem sei como começo a lhes contar isto. Na edição de dezembro da revista Primeira Leitura, o filósofo e professor Roberto Romano escreveu uma resenha do livro Formação do Império Americano – Da Guerra contra a Espanha à Guerra no Iraque, de Luiz Alberto Moniz Bandeira, publicado pela Civilização Brasileira. Trata-se de um catatau de 850 páginas destinado a demonstrar os males que os EUA causam ao mundo. Romano não gostou do livro, conforme deixa claro em “A Formiga que marchava contra o Império: uma fábula hegeliana”. E Moniz Bandeira não gosta que não gostem do que ele escreve. A diferença entre ambos, nesse particular (fora todas as outras, gigantescas), é que um se expõe à crítica aberta dos leitores; já o outro ameaça apelar à Justiça para punir os que discordam de seu pensamento.
Posso compreender em que forja se conformou alma tão maleável. Ele está mal acostumado. O uso do cachimbo lhe entortou a boca. Afinal, Samuel Pinheiro Guimarães, o segundo do Itamaraty e, para certos assuntos, o verdadeiro manda-chuva do Ministério das Relações Exteriores, impõe — o verbo é este — aos diplomatas e candidatos a tanto a leitura da obra de Moniz Bandeira. Livros como Da Tríplice Aliança ao Mercosul (1870-2003); Brasil, Argentina e Estados Unidos; Estado Nacional e Política Internacional na América Latina (1930-1992) e Relações Brasil-Estados Unidos no Contexto da Globalização são, pasmem!, de leitura obrigatória. Guimarães e Bandeira, pelo visto, exigem que os outros cultivem os seus mesmos preconceitos. Ou não têm direito de estar entre os bons.
Vocês acreditam que Moniz Bandeira, porque não gostou da resenha, está ameaçando recorrer à Justiça com um pedido de direito de resposta? Seria, quero crer, caso inédito na mídia brasileira. Não! Ele não enviou uma carta amigável à revista ou um artigo para combater o texto de Roberto Romano. Preferiu caminhos mais, como direi?, intimidatórios. Mobilizou um grande escritório, a Noronha Advogados, que tem representação até na China (literalmente!), além de EUA, Inglaterra e Argentina, para fazer a primeira advertência.
Segundo a notificação que recebi (ou que tive de ir buscar; já falo disso), o autor se sentiu “acertadamente ultrajado com algumas colocações feitas”, razão por que, evocando a Lei de Imprensa, pede que eu “providencie a publicação da Carta-Resposta do prof. Moniz Bandeira”. Providencio coisa nenhuma! Seus advogados podem encaminhar à Justiça o pedido formal. Se ela decidir que sou obrigado a tanto, cumpro. Quero que provem que Roberto Romano fez algo além de exercer o direito de crítica, assegurado pela Constituição.
Intimidação
Estranhei a forma como chegou a notificação. Os representantes de Moniz Bandeira poderiam ter-se dispensado de conferir a aparência de rito legal ao que é, ainda, apenas um aviso prévio de que, caso eu não ceda à solicitação, acionarão a revista na Justiça. Tive de ir, pessoalmente, munido de documentos, buscar a notificação no 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos. Bastava que um funcionário da Noronha Advogados tivesse me telefonado: “O prof. Moniz Bandeira quer igual espaço para responder a Romano”. E eu talvez tivesse cedido de bom grado. Mas não! Resolveram roubar-me uma tarde, de um tempo já escasso, para que eu lesse um papel em que sou informado que o autor não aceita que falem mal de seu livro. Um site que reproduziu a resenha também virou alvo do escritor ofendido.
Senhores leitores, não fosse o ritual truculento escolhido por Bandeira, reivindicando um direito que eu acho que ele não tem (a Justiça é que deve dizer), eu lhe teria concedido o espaço. Até porque o texto que ele envia à revista é a prova dos noves do quão percuciente foi Romano. Em nada, posso lhes assegurar, dado o nosso público leitor, a solução lhe seria favorável. Muito ao contrário. Dada, no entanto, a forma escolhida, não há o que fazer a não ser estimulá-lo a seguir o que lhe parece ser o caminho normal.
Segundo a notificação dos advogados, “verifica-se que algumas passagens [do artigo de Romano] deixam transparecer uma clara intenção de ridicularizar o prof. Moniz Bandeira e o seu trabalho (...)”. E cita como um exemplo a seguinte passagem: “(...) Hegel foi um charlatão a mais a espalhar preconceito contra a cultura anglo-saxã. O mesmo Hegel, no seu doutoramento, errou uma citação essencial de Newton (...). Luiz Alberto Moniz Bandeira se proclama hegeliano. Dados os elementos acima, acredito”. Há aí ofensa ou crítica intelectual? Ora, o autor se diz hegeliano; o resenhista não contesta a filiação, mas evidencia uma picaretagem daquele tido como mestre. Espero, ao menos, que Bandeira tenha ficado indignado com a diatribe dirigida contra o seu guia. Não ficaria bem ele se sentir ofendido quando quem apanha mais é Hegel, não é mesmo?
Reitero: em 20 anos de jornalismo, nunca vi o autor de um livro ameaçar com pedido de direito de resposta porque não gostou de uma resenha. Imaginem se a moda pega. Os veículos teriam de se precaver: encomendariam ao crítico a análise e, antes da publicação, encaminhariam o texto ao autor para a devida defesa.
Antes que debata alguns elementos da carta que Bandeira pretende que seja a resposta a Romano, informo: tão logo voltei de minha curta viagem no fim do ano, vi que minha caixa de e-mails estava entupida de mensagens enviadas por... Moniz Bandeira. Também as havia de terceiros sobre... Moniz Bandeira. Todas elas, muitas mesmo (não sei quantas porque deletei), cantavam as glórias de... Moniz Bandeira. E revelavam o que as mais diversas publicações brasileiras haviam escrito sobre as qualidades e a percuciência de... Moniz Bandeira. O mesmo se deu com Rui Nogueira, diretor do site e da revista, que trabalha em Brasília.
Nada do que o autor faz, pensa e escreve me interessa. Este livro, em particular, chamou a minha atenção porque me pareceu que o delírio antiamericanista e a crítica bronca ao imperialismo atingiam um grau que merecia a nossa atenção. Tanto mais que seu autor é bibliografia obrigatória de nossos diplomatas. Por isso pedi o texto a Roberto Romano. Sempre haveria o risco — embora, claro, eu duvidasse — de que o filósofo gostasse daquele negócio. Felizmente, não foi o que se viu. Dados os muitos e-mails que o autor ou amigos seus se encarregaram de nos mandar, fica claro que ele só acha justo e aceitável que sua obra seja acolhida, elogiada, aplaudida. Está de tal sorte convencido de suas teses, que a existência de alguém que não comungue de suas idéias logo se confunde com ofensa pessoal. Moniz Bandeira se contenta com nada menos do que a unanimidade.
Em parte, sei como é. Contra o Consenso, um livro meu de ensaios e resenhas, recebeu elogios de muita gente boa. Só um sujeito fez uma notinha que considerei estúpida, desinformada, típica de quem não leu. Vou fazer o quê? Se fosse um ato civilizado, eu lhe teria dado uns tabefes. Como não é, fico na minha. Como diria Vicente Mateus, quem sai na chuva é pra se queimar. Se eu fosse ameaçar de processo todo mundo que me esculhamba, teria de me dedicar ao direito, tais seriam as demandas. Não sei que idade tem o preclaro. Parece-me já bem maduro. Mas ainda não está conformado com o fato de que nem todos gostam do que fazemos. É mesmo uma pena, professor Moniz Bandeira! Mas o mundo não é um Itamaraty sob as ordens de Samuel Pinheiro Guimarães.
A resposta
Lamento que Moniz Bandeira tenha escolhido uma forma que me impede de publicar a íntegra de sua resposta. O leitor merecia ter acesso a toda a peça. O autor dedica nada menos de 25 linhas a listar livros que justificam as suas teses, o que considera uma omissão no texto de Romano. Não é espantoso? Por ele, definiria a forma e o conteúdo do que escrevem seus críticos. Acusando o resenhista de capcioso, faz ele próprio uma leitura torta do artigo ao inferir que Romano tenta vinculá-lo a teses anti-semitas.
A verdade é que o resenhista aponta um viés conspiratório na análise de Bandeira — suponho que sustentado nessa tal liberdade de expressão — e recorre como exemplo máximo das farsas conspiratórias a Os Protocolos dos Sábios de Sião. Não há uma alusão, nesse particular, a qualquer suposto viés anti-semita do livro, embora, em certo momento do artigo, Romano aponte, sim, que Moniz Bandeira faz uma leitura perturbada de Hitler. Ora, releiam o artigo e me digam o que há nele além da crítica normal e quase corriqueira a um livro de que não se gosta. Ousaria mesmo dizer que Romano bate mais em Hegel do que em Moniz Bandeira, mas o pupilo está injuriado demais para defender o mestre, o que é prova de uma formidável vaidade.
Em sua “resposta”, que só vou publicar se o juiz mandar, Bandeira continua dando asas às teorias conspiratórias que mal costura em seu livro, cita as muitas evidências de que ele estaria certo, o que Romano se nega a acatar (que absurdo!), e termina, com elegância característica, afirmando que jamais “havia ouvido falar” do autor da resenha. É uma prova perigosa de ignorância para quem se considera tão informado dos destinos do Brasil e do mundo.
Roberto Romano é hoje um dos mais respeitados intelectuais brasileiros, colaborador assíduo dos mais importantes veículos de imprensa do país, filósofo do primeiro time, autor consagrado. Mas comete um pecado indesculpável para Moniz Bandeira e seus amigos: não comunga da esquerdopatia que toma conta de boa parte da academia brasileira. Mais do que isso: é um de seus críticos competentes.
Encaro a reação de Moniz Bandeira como um emblema de um modelo de poder que estava em construção. Felizmente, a entrevista de Roberto Jefferson à jornalista Renata Lo Prete, em junho do ano passado, fez desmoronar uma arquitetura totalitária que se vinha meticulosamente erigindo. Se vocês bem se lembrarem, até um Conselho Federal de Jornalismo foi proposto por um dos aparelhos do PT para tentar controlar a mídia e enquadrar os jornalistas.
No texto que me chega do escritório de advocacia, lê-se: “Em que pese a importância do debate, da crítica e da livre manifestação das idéias dentro de uma democracia, o fato é que o prof. Moniz Bandeira sentiu-se acertadamente ultrajado (...)”. Com a devida vênia, recomendaria à Noronha Advogados que não tratasse a liberdade de expressão como uma adversativa ou uma concessão.
O fato é que, salvo avaliação contrária da Justiça, Primeira Leitura considera que o texto de Romano não está um milímetro além “da crítica e da livre manifestação das idéias”. Posso até compreender que Moniz Bandeira considere uma injustiça que alguém tenha o atrevimento de não gostar do que ele escreve. Mas creio que é chegada a hora de se conformar com essa possibilidade. Não, professor! Aqui, por nossa livre decisão, o senhor não terá direito nenhum de resposta. Até publicaria de bom grado o seu texto, não estivesse o senhor empenhado em me constranger a tanto. Mais do que isso: gostaria de fazê-lo para poder me divertir um pouco respondendo ao que considero os equívocos novos que o senhor junta aos antigos.
Privamo-nos todos de alguns momentos de humor. Involuntário seu. Voluntário meu.
[reinaldo@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 12 de janeiro de 2006.
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