Políticas para o futuro da agricultura
Marcos S. Jank
O Estado de São Paulo, Quarta-feira, 6 de dezembro de 2006 - Espaço Aberto, pág. A-2.
Formuladores de políticas deveriam antecipar tendências de longo prazo revendo paradigmas, eliminando políticas conflitivas e reestruturando os seus mecanismos de ação. O agronegócio é uma das raras áreas em que o Brasil conseguiu antecipar tendências globais e plantar o seu futuro à frente dos demais países. A competitividade do agronegócio nasceu nos anos 70 com pesados investimentos em pesquisa, defesa sanitária, infra-estrutura e extensão rural. Na mesma época, sem qualquer planejamento sistemático, conseguimos antecipar o atual dilema energético com investimentos em etanol de cana-de-açúcar, que hoje colocam o Brasil na dianteira do mundo em combustíveis renováveis de baixo custo.
A reeleição do Presidente Lula tem raízes profundas no sucesso do agronegócio. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da ESALQ-USP estima que os preços dos alimentos caíram 40% em termos reais desde o Plano Real. Comida barata é o benefício mais notável que a população pobre do País recebeu na última década. O Cepea calcula que o agronegócio transferiu mais de R$ 1 trilhão para a sociedade brasileira na última década, via ganhos da produtividade e conseqüente queda de preços, além de gerar US$ 40 bilhões anuais em divisas com exportações.
De 1965 a 1985, o objetivo básico da política agrícola era “segurança alimentar”, obtida via políticas altamente intervencionistas. De 1985 a 1995, a tônica foi “desregulamentação e liberalização”. Nos últimos dez anos, o foco voltou-se para “reforma agrária e agricultura familiar”. Antes de antecipar as prioridades que deveriam ser doravante buscadas, é fundamental analisar as tendências globais do agronegócio na próxima década.
O lado mais radiante do agronegócio será o crescimento exponencial da demanda mundial por alimentos, fibras e bioenergia no futuro próximo. Milhões de novos consumidores vão emergir em regiões com enormes limitações de recursos naturais (principalmente água e terras aráveis), como o Leste da Ásia e o Oriente Médio. A explosão do consumo segue em três direções: aumento da renda per capita dos mais pobres, urbanização acelerada e mudança de hábitos de consumo. A renda per capita de China, Índia e países do Sudeste Asiático (Asean) cresce 7% ao ano. Esses países ainda têm 63% da população em zona rural vivendo basicamente de autoconsumo. A urbanização aumenta a renda per capita, muda os hábitos de consumo (substituição de dietas baseadas em vegetais e arroz por carnes, lácteos e frutas) e gera maiores importações de produtos agropecuários. O novo patamar dos preços do petróleo acima de US$ 40 por barril aumenta a corrida por combustíveis alternativos, como o etanol de cana-de-açúcar e milho e o biodiesel de dendê, soja, girassol, colza e pinhão manso. O consumo crescerá mais pelo lado das quantidades que dos preços, que continuarão com um comportamento cíclico em função dos desequilíbrios temporais entre a oferta e a demanda.
O lado mais preocupante do futuro do agronegócio deriva do fato de que a sobrevivência dos produtores será determinada pela sua capacidade de reduzir custos em escala global. Williard Cochrane, professor emérito da Universidade de Minnesota, propôs nos anos 1950 a célebre analogia da “esteira rolante” que a tecnologia impõe aos produtores. Para não caírem da “esteira” da competição global, os agricultores são forçados a correr cada vez mais rápido nos ganhos de produtividade e exploração de economias de escala e escopo.
Além disso, o agricultor do futuro tende a ser cada vez mais um gerenciador de contratos complexos com indústrias fornecedoras de máquinas e insumos - mecanização, agricultura de precisão, irrigação, biotecnologia, etc. Contratos complexos e maior coordenação vertical também marcarão as relações entre o varejo, a agroindústria processadora e os agricultores, em decorrência da pressão por novos atributos de qualidade e sanidade de produtos, classificação, etiquetagem, certificação e rastreabilidade, entre outros.
As barreiras não-tarifárias vão crescer, seja na esfera pública, seja por pressão direta de consumidores e empresas privadas. Os países desenvolvidos tendem a ampliar o seu leque de restrições sanitárias, laborais e religiosas, controle de resíduos, pressões contra o desmatamento, critérios para o bem-estar dos animais e protocolos privados como o EurepGAP. Legítimas ou não, tais barreiras farão parte do cotidiano do agronegócio na próxima década, exigindo profissionalismo, conteúdo técnico para um diálogo maduro e maior coordenação dos agentes públicos e privados.
O novo objetivo das políticas agrícolas na próxima década é a inserção dos produtores no agronegócio global e sua sustentabilidade econômica, social e ambiental. O estudo Repensando as políticas agrícola e agrária do Brasil, que Fabio Chaddad, Sidney Nakahodo e eu publicamos na Revista Digesto Econômico da Associação Comercial de São Paulo (disponível em www.iconebrasil.org.br), mostra que não estamos conseguindo olhar para a frente. Nos últimos anos houve forte redução dos gastos públicos com agricultura, uma pulverização de programas em dois ministérios com visões antagônicas sobre o setor e a lamentável deterioração dos gastos com os bens públicos que construíram a competitividade brasileira.
Os casos mais dramáticos são a pesquisa agropecuária, a defesa sanitária e a extensão rural, áreas que receberam apenas 3% do orçamento total do setor, muito aquém dos recursos alocados nos programas de reforma agrária, agricultura familiar, crédito rural, renegociação de dívidas e outros. Essas três áreas formam o tripé dos ganhos de eficiência que baratearam os alimentos no mercado doméstico e geraram as divisas na exportação.
Política agrícola é uma das raras áreas em que não é necessário seguir nenhum exemplo importado. Basta olharmos para dentro e resgatarmos os bens públicos que geraram a fantástica revolução agrícola que interiorizou o desenvolvimento do Brasil.
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