O futuro não veio
Antônio Machado
Correio Braziliense, Domingo, 18 de fevereiro de 2007
Feriadões como o Carnaval inspiram muita gente a voltar à origem e visitar o passado, o lugar onde nasceu, cresceu, deu o primeiro beijo. Faz bem tonificar o espírito pela leitura da trajetória já percorrida. A coluna fez o mesmo após topar com o futuro que devia ter começado lá no passado, e não chegou, assistindo a uma palestra, dias atrás, marcada para discorrer sobre os novos tempos do país.
O verbo para descrever o Brasil que vem à frente deveria estar no futuro. Mas o palestrante o colocou, propositalmente, no passado. E com isso entronizou a dramaticidade necessária para se entender o fracasso da geração que vive agora seu apogeu — a nossa geração — em um ambiente certamente menor que o sonhado na adolescência, entre os anos 50 e 70, que teria levado o país, mantida a mesma marcha, a hoje ostentar a segunda maior renda per capita do mundo.
Não cabe mais a pergunta clássica de divã: onde foi que erramos? A não ser que ela sirva para recuperar o caminho e trazer de volta o futuro. Acompanhemos pelos slides de Ricardo Amorim, diretor de Pesquisa e Estratégia em Nova York do banco alemão WerstLB, onde o futuro se perdeu. A economia cresceu à taxa média anual de 7,1% de 1950 a 1970. Depois, foi perdendo o pique: crescimento médio de 3% na década de 80, 1,8% na de 90 e 2,7% de 2000 a 2006.
No mundo, desde 1980, só a América Latina e o ex-bloco de países socialistas do Leste Europeu, mas não a Rússia, cresceram menos que a média. Leste Europeu, 2,2%. América Latina, 2,5% (Brasil, 2,4%). Países ricos, 2,7%. África, 2,8%. Oriente Médio, 3,3%. Ásia, 7,3% (China, 9,7%). O baixo crescimento aos que ficaram para trás deixou seqüelas, mais sérias aos que se deixaram prostrar.
No Brasil, explica a grave patologia social expressa pelas cenas de barbárie trazidas pelo noticiário: o crescimento da força de trabalho, de 2,7% ao ano, foi recorrentemente menor que a criação de empregos, função direta do vigor da atividade econômica.
É a evolução da renda per capita mais que o crescimento do PIB o que explica a deterioração geral do país, apesar do aumento mais que proporcional, no período, dos programas de distribuição de renda – recurso de última instância de um Estado que não consegue prover o ambiente propício para a expansão dos negócios e, dessa dinâmica, a criação de empregos e aumento da renda. Como estamos nesse quadro? Mesquita responde: no 142º lugar entre 177 países de um ranking de crescimento per capita nos últimos 10 anos.
País perdeu o sonho
O Brasil era do futuro, no passado. Se o crescimento médio das décadas de 50 a 70 (7,1%) tivesse se mantido, a renda per capita hoje seria 3,1 vezes maior, atingindo US$ 27,3 mil (pelo critério da paridade de poder de compra, PPP). Seria superior à da Espanha.
Vale comparar também com a China, que até meados da década de 80 tinha um PIB menor que o do Brasil, além de exportar badulaques. Hoje, caminha para ser a 2ª potência econômica do mundo depois dos EUA. Se tivéssemos crescido desde 1980 no mesmo ritmo que a China, 9,7% ao ano, compara Mesquita, a renda per capita já estaria em US$ 49,7 mil pelo mesmo critério da PPP, e seria a 2ª maior do mundo. Em suma: cinco vezes e caqueirada maior que a real.
Fomos ficando para trás. No ranking do Banco Mundial, com base no câmbio calculado pela paridade de poder de compra (que é o melhor para captar o poder aquisitivo efetivo que o câmbio de mercado), estamos atrás de Botsuana, país insulado na África do Sul, Irã dos aiatolás e a ilhota-estado de Tonga. Entende-se por que a sociedade se vira como pode e reclama socorro. Mais da metade da mão-de-obra vive na informalidade, sem carteira assinada. As periferias e os morros pagam milícias para ter proteção. Compram produtos piratas em camelôs que proliferam como formiga. Extraem dentes, porque cuidá-los já é luxo, em clínicas não fiscalizadas. Fazem justiça com as próprias mãos ou a encomendam em botequins.
A resposta é nossa
O que quer dizer isso? Que falta Estado, entendido como polícia, justiça, saúde, educação. Mas abunda na propaganda oficial. Desde o futuro que não chegou, houve de tudo: governantes ineptos, muita política econômica errada e condições externas ruins, mas que não foram melhores para os outros. Agora, os ventos voltam a soprar a favor e as condições da economia nunca foram tão favoráveis. O que vai ser? Acho que desta vez nós é que deveríamos dar a resposta.
Em oito anos dos dois mandatos do governo passado o país sofreu o efeito de cinco grandes crises financeiras no mundo e foi à lona por três vezes, caindo no colo do FMI para evitar a bancarrota.
O desafio de enfrentar um Estado disfuncional foi empurrado à base de doses maciças de aumento de impostos (pouco mais de 20% do PIB para 36%) e contratação de mais dívida para pagar compromissos que a sociedade podia pedir, exigir, mas que sugaram os recursos para crescer e o ímpeto empreendedor. Se ele nunca fora decisivo no Brasil, como o é nos EUA e está sendo no renascimento da Ásia, pior ficou com o agigantamento da burocracia pública e dos custos para mantê-la. O governo Lula fará a reconciliação do futuro que se perdeu no passado com o presente se tiver visão de estadista.
O plano pró-crescimento foi um bom começo do segundo mandato, já que o primeiro foi mais do mesmo. Mas é preciso se superar. Não é entrando no jogo miúdo dos partidos que saberá o que fazer. Se não enfrentar o parasitismo incrustado no Estado, melhor esquecer.
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