segunda-feira, outubro 15, 2007

256) Um debate sobre as elites

Blog do Tambosi:
Segunda-feira, 3 de Setembro de 2007
Diga aí, presidente, o que é "elite"?

Tem gente acordada no Itamaraty. Ao que parece, nem tudo foi apetralhado. Em artigo corajoso, publicado hoje na Folha - que reproduzo a seguir -, o diplomata Marcelo Otávio Dantas bota os pingos nos ii. Que diabo é essa "elite", que é culpada por tudo e paga a conta de tudo? Por trás desse oportunismo conceitual, o viés autoritário...

Excelência, defina "elite"
MARCELO OTÁVIO DANTAS
Folha de São Paulo, Segunda-feira, 3 de Setembro de 2007

Quando alguém me pergunta qual o principal problema do Brasil atual, não hesito em responder: a falta de precisão vocabular. Vivemos sob o império dos sofismas, em que toda ilegalidade tem direito a um eufemismo, todo impostor, livre acesso à honradez, e toda bravata, o status de argumento. Num ambiente semelhante, o debate público, sério e fundamentado, se torna inviável.
Exemplos existem aos montes, mas talvez nenhum deles seja tão grave quanto a utilização que se vem fazendo do termo "elite".
Toda vez que um de nossos dirigentes precisa livrar-se de acusações, desqualificar opositores ou simplesmente neutralizar qualquer crítica, a palavra "elite" surge como o pecado feito verbo. Ela encarna tudo o que há de ruim e malvado, o dolo em essência, o egoísmo mais nocivo, a traição sempre à espreita.
Curiosamente, essa "elite" não tem rosto. Ela é sempre o outro -o inimigo, o desafeto, o adversário, o opositor. Em suma: o dissenso. Diz-se pertencer à "elite" o indivíduo ou instituição que ouse questionar os atos do poder. Em qualquer língua do planeta, esse substantivo afrancesado -"elite"- inclui o estamento dirigente da nação. Salvo no idioma falado pelos próceres de nossa República.
Aqui, ministros de Estado, secretários de governo, parlamentares, magistrados, diretores de bancos e empresas estatais, nenhum se julga parte da "elite". Tampouco são vistos como integrantes da "elite" usineiros heróicos, empreiteiros amigos, marqueteiros audazes ou banqueiros satisfeitos.
Já o cidadão de classe média que manifesta publicamente o seu desagrado com o Estado de anomia do país é, de imediato, acusado de tramar o eterno retorno das desigualdades sociais e da concentração de renda. A ofensa é absurda, mas poucos se dão conta disso.
Ora, quem paga os elevadíssimos impostos que, já de algum tempo, são cobrados no Brasil não pode ser acusado de responsável pelo atraso da nação. Os verdadeiros culpados são aqueles que tomam esses impostos sem investir corretamente na educação do povo e no desenvolvimento de nossas forças produtivas.
As "bandas podres" existem, disso não resta a menor dúvida. Mas hoje, tal como ontem, elas vivem em conúbio com o Estado. O atual governo não moveu uma palha para mudar tal quadro. Pelo contrário, especializou-se em lotear cargos e apadrinhar o fisiologismo. Além disso, encampou a ortodoxia monetária tucana, continuando a desperdiçar o arrocho fiscal no enriquecimento dos grandes investidores nacionais e estrangeiros.
Como pode então que os dirigentes continuem a ver nas vaias de alguns ou nas críticas da imprensa a mão conspiratória da "elite"? Dá vontade de dizer: "Excelência, defina elite!". O uso sofístico do conceito de "elite" teve sua origem em nossa intelectualidade. Foi ela quem ensinou aos atuais homens de poder a conveniente manipulação da antinomia elite-povo e quem primeiro se auto-excluiu da tão odiosa "elite brasileira".
Ao passar décadas tratando a "elite" como um bloco monolítico e, sobretudo, ao fazer de conta que um país justo se possa estruturar sem elites técnicas, científicas, intelectuais, políticas, burocráticas, artísticas e econômicas, nossa intelectualidade transformou o conceito em um mero clichê ao dispor das lideranças populistas de viés autoritário.
Basta-lhes agora dizer "eu sou o povo" e todo questionamento passa a estar identificado com a insatisfação da "elite reacionária". Basta-lhes repetir "o povo chegou ao poder" e o papel histórico da democracia se cumpre, tornando-se ela um instrumento obsoleto. Para que alternância de partidos se quem está de fora é a "elite"? O atual debate sobre a crise aérea espelha à perfeição os efeitos nefastos desse pântano conceitual. Todas as críticas são ditas "provenientes da elite". O próprio tema dos aeroportos em pane e do caos regulatório do setor é tratado como um assunto menor, de exclusivo interesse da "elite".
Dois aviões já caíram. Quantos mortos a mais serão necessários para que os governistas de plantão acordem de seu transe?
Nenhum povo jamais foi redimido pelo sucateamento dos setores de ponta da economia. Em um debate público sério, estaríamos agora discutindo a crônica incapacidade de nossos governos em assegurar a modernização da infra-estrutura do país. Ao insistirmos na utilização oportunista de conceitos, continuaremos enfrentando crise após crise. O Brasil ficará para trás. A pobreza se eternizará. E a democracia descerá pelo ralo.

MARCELO OTÁVIO DANTAS , 43, formado em ciências econômicas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é escritor, roteirista e diplomata de carreira, autor do livro "Três Vezes Mago" (no prelo). É chefe da Divisão de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores.

Postado por Orlando Tambosi às 11:50

Debate postado:
14 comentários:

Aluízio Amorim disse...
Tambosi: o artigo de Dantas está bom. Mas não é nenhuma novidade. Já me reportei ao fato dessa mistificação de conceditos inúmeras vezes no meu blog e no site do Diego Casagrande e venho fazendo isso há muito tempo. De toda sorte é bom que o artigo tenha saído na grande mídia que continua atrasada neste debate. E é uma ótima pauta para os jornalistas. Só não é executada porque a maioria acredita nessas histórias do PT.
12:36 PM

Orlando Tambosi disse...
Falamos disso longamente, Aluízio. Mas é importante que alguém de dentro do governo fale isto. Não é comum, principalmente no Itamaraty sob o tacão do secretário-geral que mandava a turma ler livros antiamericanos, por exemplo.
12:47 PM

Aluizio Amorim disse...
Não estou dizendo que o post não seja oportuno. Noto apenas que estão atrasados no debate. Como o meu blog não está alojado num desses grandes portais o que eu escrevo conta pouco, além do quê não sou funcionário do Itamaraty nem medalhão da grande mídia, não estou ungido nem pelo poder do Estado e nem pelo status de integrar a grande mídia. Mas estou na frente deles, muito à frente...hehehe...e quero crer que vc mesmo já escreveu também sobre isso além do que falamos mil vezes sobre esta questão, sim.
1:26 PM

SHERLOCK disse...
O Presidente e sua corte deve entender muito bem o que é ser da 'elite', posto que hoje eles só tomam vinho de R$ 6.000,00 a garrafa, usam avião de luxo específico para seus passeios no exterior, ternos Armani etc. Ser da elite é isso aí. Agora, nós, pobres mortais, que bancamos todo esse luxo, pagamos a conta e o pato, levando a culpa pela incompetência dos nossos governantes.
Só no Brasil é que uma coisa desse fica impune!
1:49 PM

Leticia disse...
Olha, vou no popular mesmo. Os pobres morreriam não fosse a elite. Sem ela, eles não têm capacidade de arrancar um pé de mandioca da frente de casa. Se não fossem as elites, eles também não saberiam o que é reclamar.
2:19 PM

Orlando Tambosi disse...
Letícia, não fossem a malditas elites não teríamos inteligência, ciência, tecnologia, empresas etc.
Comeríamos rapadura dia e noite...
2:22 PM

Aristokraut disse...
Se tivéssemos alguns Marcelo Otávio Dantas no Parlamento, nas cátedras da Universidade, nas redações da grande mídia, nos púlpitos daS igrejas,o pt não estaria com essa corda toda. Todo mundo sabe, por exemplo, que falar de zelo pelo estado democrático de direito e estímulo das forças produtivas do país como condições sine qua non do progresso econõmico e social do país é considerado no meio academico um pecado capital. Quem o comete sofre toda sorte de represália, torna-se proscrito e, no extremo, pode até ser vítima da completa aniquilação moral. O único meio de se ter sucesso na luta honesta contra esse estado de coisas é desmascarar a novilíngua esquerdista, da qual o discurso do pt é o dialeto oficial em que o brasileiro médio, em especial o jovem, está forjando um repertório confuso de idéias, cuja expressão peca pela ´falta de precisão vocabular´ e pelo atentado á lógica.
3:09 PM

Maria do Espírito Santo disse...
Desculpe-me Aluízio, mas percepção do problema é uma coisa e tratamento do tema é outra. Creio que todos os que por aqui transitam têm a mesma percepção do problema mas a abordagem do Marcelo Dantas foi precisa, exata. O carinha diplô não é só corajoso e lúcido: escreve estupendamente bem. Bem melhor do que qualquer um de nós. A questão do "defina Elite" é o cerne do problema. É nela que se cruzam o político, o filosófico, o lingüístico e o ideológico. E o diplozinho (Só 43 aninhos? Sai de baixo!) mostrou todos estes nós num texto curto e muito bem estruturado. É isso.
4:49 PM

Aluizio Amorim disse...
Maria, inteligência independe de idade. Há jovens brilhantes e velhos estúpidos e vice-versa. O que Dantas está dizendo com ares de originalidade já cansei de escrever. Reafirmo que ele é faísca atrasada. Seu escrito é valioso porque ele é ungido pelo poder da diplomacia, detém cargo de importância e destaque e está escrevendo num dos maiores jornais do país. Aliás, acho ótimo que a discussão finalmente chegue à grande mídia, embora não veja nada de extraordinário no seu texto. É apenas uma bom artigo.
5:10 PM

Zappi disse...
Olá Tambosi.
Primeiro, queria parabenizá-lo pelos 200.000! Aqui vai um presentinho, a localização dos Tambosi na Itália aqui
Segundo, o artigo desse diplomata que trabalha no ministério de Relações Exteriores está muito bem escrito.
Terceiro, ele vai ser chutado. Com certeza.
5:28 PM

Orlando Tambosi disse...
Minha gente vem de lá, sim.
De um lugarejo chamado Pergine, próximo a Trento.
Obrigado.
5:47 PM

Aristokraut disse...
Eu não vejo no texto do Dantas afetação de originalidade, vejo, sim, uma análise rigorosa e uma sólida argumentação, expostas com rara elegãncia estilística, que prima pela concisão e clareza. Justamente o oposto da impostura intelectual dos petistas e ideólogos da esquerda. Estes, empoleirados em universidades e jornais, se arrogam legisladores da língua, que, junto com a lógica, a retórica, o direito e tudo o mais que concerne ao emprego da palavra, é instrumentalizada para servir aos seus vis propósitos. E o que eles fazem/Impregnam as palavras com todo tipo de conotação, de modo que fique difícil, ou até impossível, defini-las. Assim, em qualquer debate, se não apelam feio para argumentos ad personam, como é de praxe, podem se servir dos mais variados sofismas; silosgismos com mais de tr~es termos, induções apressadas, inversão do modus tollens, conclusões tiradas de premissas ocultas, argumentação indireta construída a partir de proposições contrárias ou até sub-contrárias........ Mas a situação ainda é muito pior,pois, nessa novilingua, a contradição não é mais condição necessária e suficiente da falsidade do discurso. E ´num ambiente semelhante, o debate público, sério e fundamentado, se torna inviável´ Se o artigo do Otávio Dantas não atinge a perfeição, é porque se limita á análise de apenas um caso, sem dúvida gritante, de empulhação linguística, deixando uma vasta gama de conceitos á merc~e do terrorismo cultural esquerdista. Seja como for, esse Otávio Dantas é, além de inteligente, muito corajoso, pois, com 43 anos, provavelmente está em início de carreira, e, não tenham dúvidas, vão infernizá-lo. Deus o proteja.
7:26 PM

debora disse...
Aluizio, faz tanta diferença assim ser reconhecido como o primeiro a ter levantado determinada questão? Que ótimo que você esteja à frente de muita gente mas a sua reação ao texto do Otávio Dantas soa um tanto ressentida. Este tipo de reação desvia qualquer discussão de seu mérito para a paternidade de quem levantou o assunto. Posso estar errada, mas seus comentários me parecem tentativas de desqualificar o artigo de Otávio Dantas e sinceramente, isso passa longe de ser o ponto dessa questão.
12:41 AM

Aristokraut disse...
ERRATA -Corrijo-me no meu último comentário. Onde se le condição necessária e suficiente, leia-se condição suficiente, pois um discurso que não encerre nenhuma contradição conceitual pode ainda ser falso.
E uma dica para o Aluízio. Se vc. já se cansou de escrever sobre esse assunto, agradeça ao Otávio Dantas, porque ele parece ter muito fõlego
1:39 AM

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Defina elite, presidente!
Do Blog do Tambosi. Diga aí, presidente, o que é "elite"? Tem gente acordada no Itamaraty. Ao que parece, nem tudo foi apetralhado. Em artigo corajoso, publicado hoje na Folha - que reproduzo a seguir -, o diplomata Marcelo Otávio ...
Postado por Marta Bellini às 7:54 PM

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