sexta-feira, junho 29, 2007

221) Marx, para os desavisados...

Eu já tinha lido sobre a maior parte destas acusações, feitas ao mestre de muitas cabeças no mundo contemporâneo. A despeito do tom violento do redator desste texto, cuja identidade desconheço, todas elas são absolutmente verdadeiras e corretas.
Posso indicar pelo menos duas biografias que abordam esses problemas, embora em tom ameno, sendo uma delas a de Auguste Cornu, em quatro volumes. PRA

KARL MARX - UMA TRAGÉDIA DE ERROS

"Um tecido de grosserias, calúnias, falsificações e plágios. Marx é o parasita do socialismo." (Joseph Proudhon, socialista francês, 1847)

Era uma vez um burguês intelectual judeu que odiava judeus, intelectuais e burgueses. Enfim: um sociopata que odiava a si mesmo. Até aí, tudo bem. O problema foi quando ele fez escola e se tornou o mentor de uma multidão de vermes iguais a ele. Karl Marx já foi desmascarado como charlatão na Europa no século 19, ainda em vida.
Qualificado pelos próprios aliados como "difícil, violento e autoritário", Marx não inspirava respeito nem em outros socialistas. Talvez por isso o russo Mikhail Bakunin o tenha classificado como "monte de esterco", o socialista Proudhon como "verme falsário" e o seu companheiro de redação da Gazeta Renana, Karl Heinzen, como "espírito perverso, que vivia sempre sujo, capaz de tudo, menos de um gesto nobre".
Com efeito, Marx traiu a mulher - a aristocrata Jenny - com a própria empregada, Helene (com quem teve um filho, Freddy, que logo tratou de expulsar de casa); adulterou os números da mensagem orçamentária do primeiro-ministro inglês Gladstone (em discurso na Internacional dos Trabalhadores, em 1864); falsificou dados estatísticos de livros da Biblioteca do British Museum (fonte para a elaboração dos capítulos XIII e XV de O Capital); caluniou Mikhail Bakunin, acusando o anarquista, sem provas, de ser "agente secreto da polícia czarista"; e para compor a obra apocalíptica, plagiou o pensamento dos outros, sem citar autoria.
Marx entrou para a História como vigarista desde o início: para "provar" que a evolução do capitalismo só ia piorar a vida dos trabalhadores, ele se apoiou nos dados dos Blue Books, relatórios anuais do Parlamento da Inglaterra. Quando Marx foi ver os relatórios, descobriu que, ao contrário do que ele estava dizendo, a condição social da classe operária tinha melhorado. Como os registros não comprovavam o que ele queria, ele usou os registros de trinta anos antes. E assim usou essa falsificação histórica na sua grande fraude O Capital.
Antes do Capitalismo, a expectativa de vida do trabalhador era de 35 anos. Desde então, você sabe, só fez aumentar para cerca de 75 anos nos países mais capitalistas. Por isso a população da Terra aumentou de meio bilhão para 6 bilhões de pessoas. Foi o Capitalismo que tirou a Humanidade da miséria absoluta. Hoje, as populações mais pobres do mundo são as sociedades menos capitalistas: África, Islã e Ásia.
A História do século 20 desmentiu todas as previsões de Karl Marx.
"Cada geração de comunistas vive de renegar as antecessoras. Marx mente nos seus pressupostos filosóficos, mente na sua apresentação da História, mente nas suas teorias econômicas e mente nos dados estatísticos com que finge comprová-las. De sua obra nada se aproveita, exceto o treino dialético que se ganha em duelar com um mentiroso astuto." (Olavo de Carvalho).
Karl Marx chamava os russos de "lixo étnico", celebrava como preço do socialismo a destruição de uns "povos inferiores" (saudou o extermínio dos índios) e usava expressões como "negro pernóstico".
Como plagiador, Marx ultrapassa os limites da pura desonestidade. De Marat, se apropria da frase "o proletariado nada tem a perder, exceto os seus grilhões". De Heine, "a religião é o ópio do povo". De Louis Blanc, sacou a fórmula "de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades". De Shapper, tirou a convocação "trabalhadores de todo o mundo, uni-vos", e de Blanqui, a expressão "ditadura do proletariado". Até mesmo sua obra bem acabada e vertiginosa, O Manifesto Comunista (1848, em parceria com Engels), é um plágio vergonhoso de O Manifesto da Democracia, de Victor Considérant, escrito cinco anos antes.
O fim da existência de Marx foi patético. Morreu praticamente só, aos 65 anos, depois de percorrer estações balneárias para mitigar o sofrimento físico, lastimando-se de dores generalizadas na laringe, brônquios, tumores, insônia e suores noturnos. Ao médico que dele cuidava, deixou bilhete, no qual dizia "só encontrar certo alívio numa terrível dor de cabeça - pois a dor física é a único 'estupefaciente' da dor psíquica".
Sua família foi a grande vítima. Dos seis filhos que teve com a esposa, três morreram na primeira infância, em decorrência do estado de penúria a que foram submetidos, e três cometeram suicídio (as filhas Jenny, Laura e Leonor). O único sobrevivente, o filho bastardo do adultério com a empregada, nunca foi reconhecido pelo pai (como todo burguês hipócrita, Marx nem deixava o menino sentar-se á mesa com os irmãos "legítimos") e foi adotado por Engels para "salvar as aparências". A esposa Jenny, prematuramente envelhecida pelo sofrimento, morreu sem perdoar o marido por ter engravidado a empregada.
Com os pais, Marx não foi menos egoísta. Por ocasião da morte de Heinrich, de câncer no fígado, não compareceu ao enterro do pai porque "não tinha tempo a perder". Por conta disso, a mãe cortou relações com ele - Henriette, saturada de pagar suas dívidas, advertiu o filho mimado parasita: "Você devia juntar algum capital em vez de só escrever sobre ele!"
Mas foi ao cometer grosseria com o amigo e provedor de todas as horas, Friedrich Engels, que Marx concedeu a chave para a explicação de sua imoralidade. Após a morte da companheira amada Mary Burns, Engels escreve ao amigo dizendo-se arrasado pelo fato. Marx, por carta, responde que a notícia o surpreendeu, mas logo passa a tecer considerações sobre as próprias necessidades pessoais. Engels, magoado com a frieza do outro, suspende o dinheiro e correspondência. O que leva Marx, apressado, não propriamente a pedir desculpas pela conduta mesquinha, mas a admitir, com franqueza brutal, que "em geral, nessas situações, meu único recurso é o cinismo".

quinta-feira, junho 28, 2007

220) Cultura afro-brasileira: um novo apartheid?

Lei da cultura africana e afro-brasileira: combate à discriminação ou aumento da segregação?
Camila Leporace - Tendências e Debates
Opinião e Noticia, 13/06/2007

Em 2003, foi lançada a lei federal nº 10.639, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de todos os estados brasileiros. Apesar de o fato ter sido considerado importante por movimentos de luta dos negros em todo o país, existe uma discussão em torno da validade dessa proposta: ela realmente ajudaria a diminuir o preconceito desde a sala de aula, ou sairia pela culatra e aumentaria ainda mais a segregação, ao destacar a história do povo negro de outros temas curriculares?

Renato Ferreira, advogado e coordenador do Programa de Políticas da Cor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), lista alguns dos seus possíveis efeitos positivos quanto à redução da discriminação. "A lei visa fazer um resgate histórico que é importante não só para o negro mas para a sociedade brasileira como um todo. Esse é o grande ponto. As pessoas pensam que a lei está retificando a história, e não é. A gente está querendo dar oportunidade para as pessoas negras conhecerem um pouco melhor o Brasil, conhecerem um pouco melhor a sua história, e as pessoas brancas sobretudo; porque você não vence o preconceito e a discriminação com um grupo só sabendo, você só vence quando todos os grupos ficarem sabendo".

Ao falar do ensino oferecido nas escolas brasileiras, Ferreira aponta uma falha que, segundo ele, poderia ser reduzida caso a lei fosse aplicada. "A nossa matriz de conhecimento, que é o que chega às escolas, é essencialmente eurocêntrica. A gente estuda História da Europa, História dos Estados Unidos, e é isso que a gente reproduz, é isso que a gente tende a achar importante. Os outros Estados e aquilo que eles produziram, os seus mitos, as suas crenças, para nós são descartáveis".

Ulisses Martins, que dá aulas de História em escolas particulares do Rio de Janeiro, acredita que a proposta da lei de ensino afro pode aumentar ainda mais a discriminação. "Por que o ensino da cultura afro-brasileira especificamente? E os outros povos que contribuíram para a formação da identidade nacional? Ou foram somente os negros os responsáveis por isso?", questiona. "É exatamente aí que mora o risco de aumento da segregação. Os outros grupos podem se sentir desprestigiados e exigirem o estudo de suas culturas também. E então o que faremos? Criaremos novas disciplinas? Parece que as decisões são tomadas sem que se pense nos alcances que elas podem ter".

Martins diz que lhe causa estranheza o fato de a lei não focar também os índios. "Por que deixar os índios de fora? Querem usar a exploração que o negro sofreu como justificativa para a criação dessa lei; o que faremos com os índios que foram dizimados e perderam suas terras, foram aculturados e, também obrigados a trabalharem como escravos?".

Ferreira concorda com Martins, e acredita que uma outra lei precisa ser criada para contemplar a questão indígena. "O grande problema não é incluir a história dos negros, é deixar de incluir a história dos indígenas", analisa, complementando que uma das razões para os indígenas terem ficado de fora da lei no. 10.639 pode ter sido uma representação não tão grande, no Congresso, à época de sua aprovação.

Apesar de acreditar que outras culturas merecem igual destaque ao que seria dado à cultura negra com a aplicação da lei, Martins destaca que os riscos podem ser minimizados caso a história e cultura afro sejam inseridas dentro do currículo da disciplina de História. "A criação de mais uma disciplina não me parece o caminho ideal. Que essa valorização da cultura não seja apenas da afro-brasileira e seja de outro jeito, porque essa imposição não condiz com a realidade do ensino nacional. Os alunos são muito desinteressados e mais uma disciplina não ajuda".

Martins se opõe ainda ao sistema de cotas para estudantes originários de escolas públicas, especialmente negros e indígenas. "O certo a se fazer é melhorar o ensino público. Assim, as oportunidades e o preparo para o ingresso nas universidades públicas serão os mesmos, tanto para os alunos das escolas particulares quanto para os alunos de escolas públicas. A criação das cotas é uma ação assistencialista que não tem o alcance necessário para resolver o problema".

Renato Ferreira, lembrando que até hoje pouco se fez para combater as heranças negativas da escravidão, explica seu ponto de vista em relação a essas críticas. "O Brasil não adotou políticas públicas para promover a cidadania dos ex-escravos e seus descendentes. Obteve, com isso, uma discriminação estruturada". Uma solução para o já enraizado problema seriam as políticas afirmativas. "São medidas de inclusão que, promovendo direitos de grupos historicamente excluídos, podem reduzir a discriminação, promovendo a justiça social. Isso é importante para todos os brasileiros. A política de cotas, a lei 10.639, entre outras medidas, são espécies de ação afirmativa, e encontram assento na Constituição da República".

A implementação da lei
Ferreira destaca que para que a lei de cultura africana e afro-brasileira seja aplicada são fundamentais recursos e políticas públicas. "E isso no nosso país é um pouco complicado", destaca, dando as diretrizes que em sua opinião devem ser tomadas. "A responsabilidade pela aplicação da lei, a meu juízo, deve ser do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação, que a elas cabe desenvolver e executar as políticas de educação no país, em primeiro plano".

Os professores, que em sua formação também não receberam aulas voltadas em especial para a cultura africana e suas reais influências no Brasil, vêm comentando que não sabem qual a melhor maneira de apresentar alguns tópicos relacionados a essa história e cultura em sala de aula. Esse pode ser mais um obstáculo à prática do que a lei estabelece.

"Já se percebe uma preocupação com a história africana nos cursos de graduação, e a procura por pós-graduação nessa área também aumentou, mas ainda é muito cedo para se dizer que os professores estão preparados para cumprir a lei", diz Martins, explicando como imagina que se dará a preparação dos professores. "Alguns irão procurar por conta própria, mas acho que as instituições podem oferecer o incentivo financeiro para que seus professores de História façam uma pós-graduação em História da África".

Ferreira afirma que a idéia de fazer cursos de capacitação é muito boa, garantindo que quem leciona tem interesse em se especializar. "Se lançam um edital dizendo que os professores do estado ou do município que queiram estudar sobre História da África têm que se inscrever, muita gente se inscreve, muita gente quer fazer. Mesmo sem nenhum tipo de abono por isso. As pessoas são simpáticas ao tema porque sabem que é necessário".

Segundo o advogado, alguns cursos já estão em andamento, ministrados por ONGs e pelo MEC. Ele acredita ser interessante que professores do Ensino Fundamental de todas as matérias se capacitem, e entre as disciplinas do Ensino Médio destaca Português, Literatura e História, mas acredita que quem dá aulas de outras disciplinas também pode ser instruído.

Na opinião de Martins, é preciso ir com calma e repensar ainda vários pontos referentes à lei. Ele levanta questionamentos. "Ainda acho muito importante que se discuta muito mais a validade dessa lei, seus prós e contras, e que se amplie bastante a discussão, para que ninguém seja pego de surpresa. Será que realmente é necessária? Não há outros meios de se divulgar a cultura e história afro-brasileiras? Pensemos pois para não precisarmos resolver problemas mais graves futuramente".

Dê a sua opinião sobre a lei no. 10.639: discriminação ou maior segregação?

terça-feira, junho 26, 2007

219) Homenagem a um mestre: Manoel Correa de Andrade

Adeus Mestre Manoel Correia de Andrade
Josemir Camilo de Melo
(www.paraibaonline.com.br)

Fui surpreendido, no dia 22 de junho de 2007, quando ia ler o SBPC-Pernambuco Notícias, com a informação de que neste mesmo dia falecera o geógrafo e historiador Manoel Correia de Andrade. Mais do que uma notícia fúnebre era minha memória que corria para os anos 60, para eu assistir às aulas do emérito professor Manoel Correia no Colégio Estadual de Pernambuco, hoje (re)chamado de Ginásio Pernambucano. Professor da Universidade Federal de Pernambuco, Mestre Manoel era também membro da Academia Pernambucana de Letras e, por algum tempo, prestou brilhantes serviços a FUNDAJ (Fundação Joaquim Nabuco). No final da década de 90 também prestou assessoria a UEPB e foi a última vez que conversamos.
Filho de senhor de engenho, em 1922 (sua mãe descendia do Ministro João Alfredo Correia de Oliveira que redigiu a Lei Áurea, sobre quem o neto publicaria João Alfredo: o estadista da abolição) Manoel Correia rompeu com a tradição e entrou no Partido Comunista em 1942, mas passou apenas alguns meses. Participou das manifestações contra o Estado Novo, sendo preso e processado, mas anistiado em 1944. Em 1945 formou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, sempre advogando causas trabalhistas de sindicatos. Veio, dois anos mais tarde, se licenciar em Geografia e História pela Universidade Católica de Pernambuco.
Começou a ensinar em 1952, no ensino médio. Quando publicou seu primeiro livro, em São Paulo: Geografia do Brasil, para o antigo curso ginasial. Tornou-se um dos assessores do primeiro Governo Arraes e, em 1963, sob os auspícios de Caio Prado que prefaciou a obra, Manoel lançou, em São Paulo, o seu clássico e polêmico A terra e o homem no Nordeste, tido como subversivo pela ditadura (o livro foi apreendido após o golpe de 1964), e não-científico por geógrafos, que não o consideraram obra acadêmica, sendo, posteriormente, editada até nos Estados Unidos. Em meio a esta polêmica, fez, ainda, cursos de Estudo Técnico do Meio Natural, na Universidade de Paris (1965). Era um homem cosmopolita pois visitou vários países como Israel, Japão, Argentina; deu palestras e conferências no Peru, no México, na Colômbia, na França e nos Estados Unidos.
Na UFPE, coordenou os Mestrados em Economia e em Geografia de onde se aposentou em 1983, passando a diretor do Centro de Estudos de História Brasileira (CEHIBRA) da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, até 2003. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFRN, UFAL, UFES e pela Universidade Católica de Pernambuco.
Além de ter sido seu aluno, conheci a obra do Mestre através da História, com seus livros Movimentos nativistas em Pernambuco: Setembrizada e Novembrada, publicados no Recife, em 1971. Provavelmente o Mestre se enquadraria aqui no que o francês Dosse fala: o tempo da historiografia, uma sutil maneira de ver os movimentos populares do passado com olhos do presente. Freqüentador da antiga Livro 7, lá às vezes conversávamos sobre política e universidade, assim, quase que de raspão, ele fazendo suas compras de livro e dando dois dedos de prosa com seu ex-aluno e agora colega na profissão, pelo lado da História. Comentava-se sobre os efeitos da ditadura nos cargos da UFPE, onde dois grupos se digladiavam: de um lado, o grupo de Manoel e demais perseguidos; do outro, o grupo com apoio da Reitoria de então, em que também havia um ou outro esquerdista, mas havia gente da Adesg. Minha simpatia ia para o grupo de Manoel, porque lá estavam os esquerdistas, os injustiçados e os cassados como o Historiador Amaro Quintas. Confabulava-se na Livro 7.
Como geógrafo, teve participação social e política no primeiro governo Arraes, mas homem discreto não foi de panfletagem e sim da pesquisa consciente, como se seguisse os passos do outro injustiçado, Josué de Castro, de Geografia da Fome. Trabalhou com uma excelente equipe de geógrafos pernambucanos, como Gilberto Osório e Rachel Caldas, produzindo ensaios inclusive sobre o rio Paraíba e o Mamanguape, e com economistas como Tânia Bacelar, formando todo um estofo intelectual e científico de esquerda, dentro daquilo que se chamou de desenvolvimentismo sudenista.
Voltamos a nos encontrar como sócios fundadores da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), na década de 90, onde o mestre deixa grande lacuna. Sua atuação não se limitava só a escrever (mais de 100 livros, traduzidos em várias línguas, além de mais de duas centenas de artigos publicados), mas como conselheiro, assessor, já que era um brilhante e incansável pesquisador.

segunda-feira, junho 25, 2007

218) O fundamentalismo islamico, pelo embaixador Meira Penna

O DESAFIO ISLÂMICO - CRUZADA E JIHAD
Embaixador José Oswaldo de Meira Penna
Conferência no Conselho Técnico, Confederação Nacional do Comércio Rio de Janeiro/RJ
Maio 2003

Prelúdio

O panorama mundial parecia, em suma, extremamente promissor, quase eufórico, ao término do Segundo Milênio. Não é isso, contudo, o que hoje ocorre. Estamos diante de novas e inéditas ameaças e, claramente, conhecemos um novo tipo de Guerra Fria ou conflito de baixa intensidade. Rebelde e baderneira, a Esquerda “pós-moderna” se mobiliza em manifestações ruidosas, indumentária de palhaços, arruaças com bandeiras vermelhas, multidões de caras pintadas, intensa propaganda nos mídia que controlam e sempre eficiente pichação de paredes, junto com quase invariável insucesso eleitoral. Na atual perspectiva, é o Brasil a grande e escandalosa exceção, o que explicaria tenhamos, subitamente, passado de terra incognita a notícia de primeira página nos grandes jornais do mundo.

Fixemos desde logo as diferenças entre o período anterior e o atual. Entre 47 e 89, dois grandes blocos fortemente armados ominosamente se enfrentavam. Guerras locais pipocavam alhures. Eram duas Superpotências e Sistemas em choque - exacerbando a tensão mundial. A estrutura do Estado/nação soberano se articulava em alianças formais e informais, ninguém levando a sério os pruridos dos ”não-alinhados” na polarização. Nessa base, podia Samuel Huntington falar em conflitos de cultura e Paul Kennedy antecipar a exaustão dos grandes “impérios” pelo armamentismo patológico. Na situação atual a dissensão ideológica que se expressava em termos geográficos se transforma num contencioso cronológico entre os que se enraízam, obstinadamente, em seus particularismos estreitos de sentido político e, sobretudo, cultural e religioso, e os que se adaptam às condições geradas pela globalização galopante. Paradoxalmente, a Esquerda é hoje provinciana e reacionária. Mobiliza-se contra o que aparece como o movimento irreversível da história. Os Estados Unidos são odiados porque representam, precisamente, o pluralismo cosmopolita e o núcleo vigoroso dos grandes ideais “futuristas” - o liberalismo econômico, o feminismo, a revolução sexual, as preocupações ecológicas e o avanço irresistível da ciência e tecnologia.

O Fundamentalismo Islâmico

Esse aspecto da questão é da maior relevância na apreciação da questão islâmica. Com efeito, enquanto as três grandes “religiões” da Ásia Oriental são essencialmente tolerantes, o Budismo por seu “ateísmo” originário, o Confucionismo por ser mais uma ética social do que propriamente uma religião sacramental e ritual, e o Hinduísmo por força de seu amplo politeísmo em que proliferam os deuses em promíscua convivência - o Islamismo é fundamentalmente exclusivista. A civilização islâmica foi incapaz de elaborar uma filosofia política que proporcionasse consistência e legitimasse a autoridade estatal num pluralismo de grupos sociais. Os Sultões otomanos e os Imperadores Mogóis da Índia conseguiram alcançar um certo equilíbrio nesse sentido, estabelecendo uma hierarquia de classes sociais ou “nações”, de base puramente religiosa e um alicerce na escravidão.

A mistura de religião e política, o que quer dizer, a ausência de uma teoria do duplo gládio, ou separação da Igreja e do Estado, separação do poder espiritual e do poder temporal numa sociedade secularizada - foi o que comprometeu o Islam. Seu monoteísmo ciumento nos parece hoje arcaico. Ao contrário de Cristo, foi Mahomé seduzido pela tentação diabólica do poder. Não encontramos em sua biografia nada que se comparece ao Vade Retro, Satana! com que Jesus afastou a oferta que lhe fazia o demônio de lhe entregar, em troca de um ato de submissão política, todos os reinos da terra.

O exemplo mais evidente da nova “polarização” cronológica entre o passado medieval e o futuro, dito “pós-moderno” se encontra no Fundamentalismo islâmico. Por isso mesmo, ele desperta a simpatia entusiástica dos vários etnocentrismos violentos e renitentes egoísmos sócio-econômicos como o de um Bové com seus queijos; do IRA e seu pseudo-catolicismo arcaico; dos Bascos e seu irredentismo; dos Talibans com seu machismo homicida; de Fidel e Chávez. com sua obsoleta tradição caudilhesca; e dos brasileiros com o Sebastianismo redivivo, transformando o Pai dos Pobres em Papai Noel, sentado na curul presidencial. Um saco de gatos, em suma. Não-alinhados esporádicos e duvidosos são hoje a China, a Rússia, a Alemanha e a França, porque a isso se podem permitir. O fator novo é, porém, horripilante. Se na Guerra Fria se temia o holocausto nuclear, eram os dois lados, pelo menos, governados por estadistas racionais, enquanto a malta de alucinados é agora composta de terroristas suicidas, dispostos a usarem de quaisquer meios de destruição, muito mais ominosos pois ninguém sabe quais os efeitos de um Apocalipse bélico com armas químicas ou bacteriológicas. Resta portanto este terceiro fator de risco sobre o qual me debruço - o Islam. É a mais nova, complexa e séria resistência à lenta tentativa de formação de uma Nova Ordem Espontânea Global, capaz de superar as diferenças étnicas, religiosas e culturais da humanidade - um desafio complexo porque possui elementos exógenos e endógenos, o que quer dizer inerentes à nossa própria sociedade livre. A Sociedade Aberta requer a superação das formas políticas ou pseudo-religiosas (ideológicas) mais salientes que podemos distinguir como “coletivistas”.

Isto quer dizer que o Islam (“submissão”) cristaliza o ressentimento, exclusão e repúdio anti-globalização do “Terceiro Mundo” marginal - o mundo do atraso que foi deixado de lado pelo Enlightenment, tal qual foi formulado por Galileu, Hobbes, Descartes. Locke, Spinoza, Hume, Adam Smith, Montesquieu, Voltaire, Kant, Humboldt, Burke, Bastiat, Benjamin Constant, Tocqueville, Stuart Mill e os “Pais da Pátria” americanos no espírito de 1776 - Franklin, Madison, Jefferson, Hamilton, Paine, etc.. O mundo formado pela “Revolução Gloriosa” inglesa, de 1669, e a Independência americana de 1776 que “institucionalizou” a Liberdade e se consolidou no Constitucionalismo moderno - conforme salientado por Hannah Arendt - implica a vigência do Princípio da Tolerância e a separação da Igreja e do Estado com suas conseqüências na liberdade de culto, expressão, imprensa, “livre pensamento” e de feminismo, com o casamento romântico substituindo o antigo patrimonialismo patriarcal.
Este aspecto da questão é da maior relevância. O Islamismo é fundamentalmente exclusivista em seu monoteísmo machista e ciumento. Não podemos aceitar que possam os muçulmanos construir uma mesquita na Massachussets Avenue, em Washington, bem em frente à Embaixada do Brasil, mas não possam um brasileiro, um americano, um católico, um protestante, um judeu ou um ateu entrar em Meca ou Medina, ou mesmo atravessar, sem risco de serem assassinados, a Esplanada do Templo em Jerusalém - esplanada essa que, afinal de contas, foi construída por judeus.

Em suma, as sociedades islâmicas são, em sua maioria absoluta, sociedades fechadas, totalitárias e obsoletas. A frase “choque de civilizações”, que serve de título a uma obra do professor Samuel Huntington, o ilustre mestre de Harvard, define o que está ocorrendo. Contra a Sociedade Aberta que se moderniza, enriquece, avança na ciência e tecnologia, e domina hoje como paradigma o mundo globalizado, permanece intratável este grotesco fantasma reacionário do tipo vigente do Sudão ao Afeganistão, e a outras áreas tão distantes quanto o sul das Filipinas e o leste de Indonésia
Eis a questão e o tema deste ensaio.

Fundamentalismo e Absolutismo

A crônica das monarquias islâmicas é absolutamente lamentável. Só duas dinastias, aliás não-árabes, conseguiram sobreviver mais de duas ou três gerações, precisamente a dos turcos Otomanos e a dos Grão-Mogóis da Índia. De modo invariável, as lutas sucessórios entre herdeiros comprometiam qualquer esforço de consolidação de Estados, legitimados pelo consenso de suas populações e pacificados sob o império da Lei. O assassinato, como veremos, se tornou o único método reconhecido de debate e solução de conflitos de interesses, opinião pessoal, família, classe ou etnia. A violência sanguinária acompanhou a própria vida e morte do Profeta. É esse divisionismo, acoplado com a tirania e o sectarismo doutrinário, o que comprometeu definitivamente a civilização muçulmana, logo após os primeiros séculos de glória e até o choque desastroso que sofreu, de um lado, com a Cruzada cristã e, do outro, com as grandes invasões turcas e mongóis.

O principal problema do nacionalismo árabe surgido após a desintegração do Império otomano e o colapso do British Raj - o Império Britânico - foi a intolerância e o espírito carcerário das instituições político-religiosas. Não podemos aceitar, por exemplo, que possam os muçulmanos construir uma mesquita na Massachussets Avenue, em Washington, bem em frente à Embaixada do Brasil, mas não possa um brasileiro, um americano, um europeu qualquer, um católico, protestante, judeu ou ateu, entrar em Meca ou Medina. Os suíços, que são um dos povos mais democráticos do mundo, porém mui ciosos dos privilégios da cidadania, receberam há alguns anos atrás de delegações árabes o pedido de construção de uma mesquita em Genebra, cidade cosmopolita por excelência. As autoridades helvéticas imediatamente responderam que concordariam de bom grado com a idéia se, aos suíços, fosse autorizada a construção de uma igreja ou templo cristão em Meca. Ninguém mais falou no assunto... A proibição de atividade missionária, a perseguição a minorias cristãs, judaicas, hindus ou bahai em países como o Iran, Sudão, Indonésia, Arábia Saudita, Nigéria e Paquistão (para não falar, evidentemente, do Afeganistão) e os sangrentos conflitos entre comunidades religiosas em grande número de nações islâmicas, tornam uma farsa a assinatura, por esses países, da Carta das Nações Unidas e de uma infinidade de documentos que assegurariam o respeito universal aos princípios comezinhos dos chamados “Direitos Humanos”. A perseguição aos não-muçulmanos têm ocorrido com frequência crescente em tais países, massacres, destruição de igrejas, assassinatos de fiéis e outras violações flagrantes dos direitos mais elementares. O caso mais triste seja talvez o do Sudão onde uma repressão permanente, por parte de uma minoria de militares muçulmanos e ricos mercadores, semi-arabizados, tem flagelada a porção meridional do país, habitada por tribos bantus cristianizadas ou pagãs - calculando-se em dois milhões o número de vítimas, o maior genocídio naquele continente problemático.

Um nome a lembrar, no estudo do Fundamentalismo, é a ensaísta e historiadoras das religiões, ex-freira católica inglesa, Karen Armstrong. Em sua obra sobre o fundamentalismo religioso, The Fight for God, Armstrong menciona o egípcio Sayyid Qutb, nascido em 1906 e executado por Nasser em 1966, como o cérebro detrás da atual vaga mortífera de terrorismo islâmico. Líder de uma facção extremista, esse intelectual muçulmano ocupou um alto cargo no governo militar egípcio que foi responsável por duas guerras perdidas contra Israel, 1956 e 1967. O curioso é que ele viveu três anos nos EUA, entre 1948 e 1951, estudando em Washington, na Califórnia e no Colorado. O contato com a vida americana o tornou, porém, um inimigo implacável de tudo que a modernidade representa no paradigma da American Way of Life. Em artigo recente na revista de The Weeky Standard (29/4), o sociólogo indiano de origem portuguesa Dinesh D´Souza o descreve como o "pai intelectual" da Jihad antiocidental. Embora nunca tivesse pregado abertamente o uso da violência, Qutb seria o inspirador eminente dessa espécie de frenético impulso suicida/homicida que, nos últimos anos, tem atormentado o mundo civilizado. Matar os infiéis. Matar sobretudo americanos e judeus. Matar todos aqueles que se recusem a adotar as normas estritas do Corão. Eliminar no sangue o liberalismo, a idolatria, o "relativismo" moral, o pluralismo de crenças e opiniões, a tolerância com qualquer seita ou partido não consentâneos com os ensinamentos de Mohammed, combatendo sobretudo os vários aspectos da revolução sexual, a igualdade de homens e mulheres e a permissividade, a estas concedidas, em matéria de relacionamentos que não impliquem estrita submissão ao machista patriarca - tal seria o Programa da Irmandade Muçulmana que Qutb liderou e que Osama bin Laden pretende (ou pretendia) espalhar pelo mundo. Se o Ocidente moderno se define pelo termo liberdade, o Islã é antes de tudo "submissão", "obediência". É isto o que se deduz da obra principal de Qutb, À Sombra do Corão, escrito na prisão e curiosamente semelhante, em seus métodos e propósitos, aos Cadernos de Gramsci.

Referência especial cabe à Turquia. A revolução kemalista foi um dos mais interessantes episódios da primeira metade do século XX. Mustafá Kemal Atatürk se revela, nesse sentido e à luz da emergência do terrorismo fundamentalista islâmico, uma das figuras exponenciais de estadista. A decisão do líder turco de adotar o alfabeto latino e o Código Napoleão foi realmente genial. Essas iniciativas lhe serviram para laicizar o país e reduzir, quase até a extinção nas camadas da elite, a influência da legislação corânica. Não que o Fundamentalismo não tenha adeptos no país. Parece evidente, de fato, que o propósito da nação turca, hoje a de mais avançada industrialização e renda percapita entre os da área, é a inclusão na Europa e entrada na Comunidade européia. Tem sido, aliás, a Turquia, desde o princípio, membro fiel da OTAN e aliado particularmente atuante dos Estados Unidos - salvo na surpreendente virada dos últimos meses, talvez causada pela vitória de um Partido islâmico e pelo desejo de integração na Europa da CEU.

A Charada Iraquiana

O mais recente entrevero entre o Ocidente e o Islam se deu após o ataque terrorista contra Nova YHork, em setembro 2001, e na curta guerra do Iraque, Abril/Maio 2003. Falemos, em primeiro lugar, desta última, antes de discutir o fenômeno mais complexo do terrorismo.

O rápido desfecho da questão com o Iraque se deu depois de muito blá-blá-blá nos corredores da ONU e nos gabinetes das grandes chancelarias. A boa diplomacia é ziguezagueante, a política externa labiríntica, a opinião pública caprichosa e cambiante como uma mulher, os mídia empenhados, como sempre, na desinformação ideológica e no escândalo - por isso foi o conflito no Iraque uma das mais espessas charadas a que tenho assistido. Curta é a memória dos povos, valendo no entanto lembrar alguns episódios afins, não tão recentes. Após a IIa Guerra Mundial, parte da qual foi combatida na África do Norte, as duas potências então hegemônicas na área, Grã-Bretanha e França, abandonaram seus “protetorados” e “mandatos”, herdados de 1919. dando independência a uma série de estados de contornos pouco definidos e estrutura instável: as monarquias da Arábia e Jordânia, e as repúblicas do Iraque, Síria e Líbano. Em 1956, ingleses e franceses, apoiando uma iniciativa de Israel em que se notabilizou o general Moshê Dayan, invadiram o Egito para anular a nacionalização do canal de Suez que o coronel Nasser acabava de decretar. Neste caso, a URSS ameaçou intervir em favor dos árabes, mas foi o Secretário de Estado americano John Foster Dulles, linha-dura, quem obrigou os europeus a recuar, assim arruinando a carreira do Premier britânico Anthony Éden, herdeiro e sucessor de Churchill na liderança do Partido Conservador. O resquício do colonialismo europeu se desmoralizou, mas Israel conseguiu a abertura do golfo de Aqaba sobre o Mar Vermelho, ao qual até então não tinha acesso. Depois da morte de Nasser com o fiasco da Guerra dos Seis Dias (1967), os americanos fincaram o pé no Egito que, até hoje, é um dos países que deles mais recebem ajuda e mais drasticamente reprimem os extremistas islâmicos. Foi também o primeiro e único que reconheceu o Estado de Israel.

Os franceses fizeram, posteriormente, mais de uma dúzia de incursões colonialistas na África, continuaram anos a fio a conduzir uma sangrenta repressão aos rebeldes argelinos e provocaram a guerra do Vietnam, na tentativa de reconquistar a Indochina. Os americanos lhes herdaram o abacaxi. No momento em que escrevo, tropas francesas aquartelam na Costa do Marfim, participando de uma guerra civil contra liberianos e guineanos na qual, num só dia, mais de trezentos civis foram mortos. Não houve qualquer recurso ao Conselho de Segurança da ONU. Nem passeatas. Nem protestos de pacifistas. Nenhum país europeu manifestou sua repulsa a tal demonstração de velho colonialismo e a Chancelaria brasileira manteve-se discreta, caladinha, como em geral é seu costume. Por que então, tendo em vista essa passividade geral, a súbita onda de entusiasmo em favor de um dos maiores facínoras totalitários que governaram o Oriente Médio?

Outro exemplo, que volto a recordar. Em 1999, encabeçados pela França e a Alemanha, os europeus da OTAN solicitaram a intervenção dos USA contra os sérvios que empreendiam a “limpeza étnica” dos albaneses de Kôssovo mas, em apoio a Milosevitch, a Rússia vetou qualquer intervenção contra o velho cacique nacional-comunista. Depois de algumas semanas de bombardeio aéreo em que não perderam soldado ou piloto algum, os americanos finalmente interromperam a guerra civil iugoslava que, em dez anos, custou a vida de pelo menos 250 mil civis. Hoje os principais dirigentes sérvios estão em Haia, defendendo-se de acusações de genocídio na Corte Internacional de Justiça. Entretanto, jamais ouvi comentários desairosos à arrogância européia, brados indignados contra a sangrenta matança vermelha de conotações étnicas, empreendida pelos herdeiros de Tito - católicos croatas, ortodoxos sérvios e muçulmanos bósnios e albaneses.

pacifismo, como se vê, é muito discriminatório... O que me fez lembrar o patético Chamberlain que, na Conferência de Munique de 1938, tentou “pacificar” Hitler e voltou a Londres, armado com seu guarda-chuva e um papel na mão, logo à porta do avião ao desembarcar, proclamando “peace in our time”. Em vez da paz, veio a IIa Guerra Mundial... Saddam é o Hitler islâmico e não por acaso o Reichsführer.SS Himmler, que comandou o holocausto dos judeus, declarou admirar o Islam porque “educa os homens para o combate, sendo uma religião muito prática para soldados porque lhes promete o Paraíso se morrerem”.

Acontece além disso que, jamais em sua existência de quase 60 anos, conseguiu o Conselho de Segurança da ONU qualquer ação concreta, no cumprimento da obrigação de “manter a paz e a segurança” em episódios em que estivessem envolvidas potências com assento permanente em sua mesa. O CS já impôs vários “cessar fogo” nos entreveros árabo-israelenses, mas em uma só ocasião conseguiu mobilizar algum poder militar. E isso foi em 1950, ao “legitimar” a intervenção americana na Coréia, invadida pelos comunistas do Norte e pelos chineses, o que só foi viável porque o delegado soviético, por uma gafe até hoje não esclarecida, boicotava o Conselho a pretexto da mudança da representação da China, recém-abocanhada por Mao Dzedong. Os americanos se aproveitaram dessa ausência do habitual veto russo para organizar a Força onusiana, numa iniciativa polêmica em termos estritamente legais face ao texto preciso da Carta da ONU.

Dúzias de guerras e conflitos armados ocorreram desde o fim da IIa Guerra Mundial, e nenhum deles foi evitado pelo organismo internacional. Ignorância, hipocrisia, mentira, demagogia e muita propaganda tendenciosa são fatores presentes na celeuma em torno do Afeganistão e Iraque. Motivos os mais estapafúrdios foram utilizados pela Esquerda/Direita ideológica (usemos essa falsa dicotomia jacobina) para denunciar a intervenção dos USA. Ora, a operação dos EUA e seus aliados foi, mais provavelmente, uma guerra preventiva - uma guerra como aquela que, em 1937 ou 1938, poderia haver evitado o cataclismo nazista se os europeus ocidentais houvessem sido comandados por um líder do calibre de Churchill.

No Oriente Médio, o de que os americanos estão principalmente preocupados é com o abastecimento regular do petróleo da Arábia e Golfo Pérsico. Quando Saddam Hussein ocupou o Kuwait e ameaçou a Arábia Saudita, muitos analistas brasileiros, ignorantes e ridiculamente contraditórios à luz de seus próprios pressupostos, porém obcecados pelas formas mais tolas do sentimento anti-americano, não se deram conta do desastre que teria sido para nosso próprio país se o ditador iraquiano viesse a controlar mais de 50% da produção mundial do ouro negro. Os preços do barril disparariam. O que nos custaria isso em termos de moeda forte para importação, num país onde ainda falta bastante para concretizar o slogan de “o petróleo é nosso”, não pode ser avaliado.

Imaginem o que o paranóico tirano pretenderia se bafejado com sucesso em seu empreendimento hitlerista, houvesse destruído Israel e unificado as terras árabes em torno de uma Bagdad renascida, capital de um novo “Califado” islâmico!

Acresce que, na situação atual, o panorama mundial do petróleo está rapidamente mudando. A Rússia será em breve a principal produtora, com auxílio americano e desbancando a Arábia Saudita. Novas tecnologias estão sendo rapidamente desenvolvidas para substituir o carburante. A energia nuclear está em vias de novo avanço, como alternativa para a geração elétrica. O uso do hidrogênio e de métodos mistos (eletricidade-gasolina) nos automóveis “híbridos”, não está muito longe de se concretizar. Além disso, quando e se por ventura o preço do barril atingir e ultrapassar os US$40 dólares, novas fontes energéticas se tornarão economicamente viáveis como, por exemplo, o álcool em mistura como no Brasil, e o xisto betuminoso de que possuem os EUA e o Canadá reservas praticamente infindáveis. Acredito que os xeiques da família de Ibn Saud, donos de 40% de toda a riqueza da Arábia, assim como o sultão de Brunei, o homem mais rico do mundo e proprietário de todo o território desse pequeno Estado em Bornéu, terão motivos para grande desapontamento...Todas as especulações são possíveis. No que diz respeito ao fato de que Bush Pai interrompeu a Guerra do Golfo depois de libertar o Kuwait, enquanto Bush Filho invadiu o Iraque e derrubou Saddam, a charada continua, abrindo as portas a todas as especulações da multidão.

Já se disse que a originalidade da Guerra do Iraque é que terminou antes de que se soubesse por que havia começado...Para se entender a situação internacional é necessário, de qualquer forma, um conhecimento suficiente da história, dos eventos do passado recente e mais distante, e da complexidade dos relacionamentos entre as potências ativas no jogo de poder. Em 1939 por exemplo, a Alemanha nazista e a Rússia estalinista assinaram o acordo Molotov-Ribbentrop que lhes facultou a partilha da Polônia, a forçada integração dos países bálticos à URSS, o ataque russo à Finlândia - bem como a possibilidade da Wehrmacht, oito meses depois, conquistar a França e erguer contra a Inglaterra, último bastião de liberdade na Europa, uma ameaça que parecia mortal. Entretanto, quando em meados de 1941 foi a URSS invadida, Churchill, o mais tenaz líder conservador britânico, imediatamente proporcionou apoio integral a Stáline que Roosevelt reiterou. Desencadeada para preservar a independência da Polônia, a Guerra terminou com a integração desse mesmo país ao Império comunista, juntamente com toda a Europa oriental. Ao final, foi a Europa democrática libertada pelos americanos que, em 1945, dispunham da arma nuclear absoluta, 50% do PIB mundial e doze milhões de soldados em armas, o que não impediu, diante da passividade isolacionista do rival, primei ro Roosevelt e depois Truman, que em extraordinária demonstração de gênio maquiavélico Stáline, responsável de um maior número de vítimas do que Hitler, se apossasse da metade do continente. Sobre toda área se ergueria, como novamente seria Churchill o primeiro a se dar conta, uma pesada “Cortina de Ferro”. Esta só cairia 45 anos mais tarde, graças, novamente, ao poder americano vitorioso na Guerra Fria, libertando toda a Europa Oriental e a Rússia inclusive. Se há, por conseguinte, uma nação à qual deve o mundo a liberdade e a democracia, essa nação, paradigma global, é precisamente a América.

O declínio do império soviético começou com a invasão do Afeganistão em 1979 e terminou, após dez anos de fracasso e um milhão de vítimas, com o abandono da aventura. Durante todo esse tempo, jamais ouvi falar em manifestações pacifistas de protesto em qualquer cidade do mundo livre; e nem mesmo o Papa, notório inimigo do comunismo, fez qualquer declaração a respeito do episódio. Os afegãos haviam resistido com o armamento fornecido pelos americanos. Osama bin Laden era um deles. A questão do Afeganistão é interessante, na perspectiva histórica, porque durante séculos foi pomo de discórdia entre potências européias principalmente interessadas na Índia, cuja segurança terrestre depende do planalto iraniano-afegão. Nesse período, sempre se constituiu a Santa Rússia tzarista em protetora dos cristãos, missão que a URSS pretendeu herdar de protetora dos árabes.

No jogo complexo de equilíbrio de poder esboçam-se alguns paradoxos surpreendentes que muita gente ignorante, ingênua ou tendenciosa, não consegue perceber. Saddam Hussein não foi derrubado após a Guerra do Golfo porque contrabalançava os fanáticos aiatolás iranianos. No poder durante mais de 30 anos, esse verdadeiro protótipo do gangster internacional foi responsável por três guerras, perdendo mais duas outras. A repressão da minoria curda com gazes venenosos, a invasão do Kuwait e o conflito com o Iran (1980/88) teriam igualmente causado mais de um milhão de mortes. Para resistir a Saddam e à superioridade de seu armamento soviético, recorreram os aiatolás, que haviam desmontado o exército do Xá-in-Xá, a meios heróicos como o de mandar batalhões de crianças para explodir com os pés os campos de minas - admirável de heróico engenho, não acham? E não só Israel alega haver destruído um reator nuclear iraquiano em 1981 como leio, em obras de físicos americanos publicadas na década passada, sobre seus esforços para desenvolver a arma atômica. O propósito de Saddam, repito, teria sido recriar um sultanato árabe naquela que foi a antiga metrópole do Islam, Bagdad.

Incidentalmente, o último grande herói da Jihad islâmica às Cruzadas não foi um árabe, foi um curdo - o nobre e valente Sultão Salah ud-din Yusuf, +1193: Saladino reconquistou Jerusalém e cavalheirescamente venceu Ricardo Coração de Leão, rei da Inglaterra. Estas recordações históricas parecem irrelevantes mas são até hoje influentes na mente dos muçulmanos que sonham com sua grandeza numa Guerra Santa contra o Ocidente moderno.

O retorno da Escravidão

Neste ponto vale apontar para a circunstância que, em outro aspecto sério da história dos conflitos continentais, foi a Europa flagelada pelo Islam. É costume entre os comentaristas ignorantes, oriundos da Esquerda festiva, só culpar os brancos pela escravidão negra. Em encontro internacional de Durban, 2002, na África do Sul, uma interminável choradeira ressentida e mentirosa se elevou de parte de árabes, africanos, asiáticos, latino-americanos e alguns mal-inspirados ocidentais contra as desgraças por eles sofridas com a escravidão e o colonialismo.

A verdade histórica é que, se o colonialismo europeu durou duzentos anos na Ásia e apenas cem anos na África, a opressão dos mahometanos sobre povos europeus na área do Mediterrâneo e dos Bálcãs se prolongou, repito, por quase mil anos. A Escravidão clássica havia sido abolida no Ocidente pelo Cristianismo após a desintegração do Império romano. Brancos em sua imensa maioria haviam sido os escravos na Grécia e em Roma. A influência da Igreja católica suprimiu a escravidão pessoal mas não impediu a forma de servidão feudal, associada à posse da terra, que persistiu durante a Idade Média e até época avançada em certas regiões da Europa oriental e ocidental, assim como na América Latina. Ora, a escravidão propriamente dita foi re-introduzida no Ocidente pelos muçulmanos, eis o fato pertinente.

As lutas entre árabes e turcos, assim como contra os europeus, produziram a expansão da instituição hedionda na América, Norte e Sul, quando em 1517 foi pela primeira vez autorizada o trabalho escravo de negros africanos pelo Imperador Habsburgo Carlo V°. O primeiro negro africano já aparecera na corte do Infante Dom Henrique, o Navegador. Alguns livros recentes sobre a Hidra de muitas Cabeças - como The Many-Headed Hydra de Peter Linebaugh e Marcus Rediker; e Slavery and Human Progress, 1984, do professor da Universidade de Yale David Brian Davis - têm restabelecido a verdade complexa da história dessa instituição cujos principais promotores, durante toda a Idade Média, foram os árabes, exatamente os árabes. No entorno do Mediterrâneo durante séculos, particularmente na Sicília, Itália central, sul da França e Catalunha, os corsários da África do Norte efetuaram razias predatórias, destinadas a abastecer os prósperos mercados de escravos do Oriente.

A costa que vai do Marrocos à Líbia, através da Argélia e Tunísia, é habitada sobretudo por Bérberes e passou a ser conhecida como a Costa da Barbaria (Barbary Coast). O historiador Robert C. Davis calcula que perto de um milhão de escravos cristãos europeus foram levados para a África do Norte entre o início do século XVI e o fim do século XVII. Em 1627 por exemplo, piratas muçulmanos conseguiram alcançar a Islândia, no Mar do Norte, de onde carregaram 400 residentes locais. Em 1617, os corsários foram até a ilha da Madeira, levando como vítimas mais de mil portugueses dos dois sexos, flagelando depois a Irlanda e a costa atlântica da França. Marinheiros de barcos marcantes, especialmente ingleses, eram os principais alvos das gázuas (a palavra é árabe), mas como resultado das guerras entre monarcas cristãos e os Sultãos otomanos, um número considerável de burgueses e camponeses europeus foi seqüestrado, a fim de satisfazer as exigências dos predadores orientais. A Ordem dos Franciscanos dedicou uma parcela ponderável de sua obra no sacrifício de frades excepcionais que se ofereciam para substituir cristãos escravizados na região, a título de resgate. No século XIX, foi o tráfico, finalmente, eliminado pela intervenção militar dos ingleses e franceses, acompanhados lodo depois por italianos e espanhóis. Os marines americanos igualmente participaram da repressão e, no hino da sua corporação, ouvimos o versículo From the Walls of Montezuma to the Shores of Trípoli, celebrando o sucesso de sua expedição...

O papel da escravidão é muito extenso e curioso, tendo sido pouco estudado. A escravidão feminina desempenha enorme papel no fenômeno. Os Sultãos otomanos tinham preferência pelas belas circassianas da região do Cáucaso, e tantos príncipes foram por elas gerados que o próprio Sultão-Califa era ocasionalmente designado como o Filho da Escrava. Os Mamelucos, que constituíram várias dinastias no Egito e no Oriente próximo, eram soldados escravos assim como os Janízaros, recrutados entre crianças cristãs dos Bálcãs, que formaram a tropa de elite da Sublime Porta.

Na colonização da América, Norte e Sul, o florescimento da escravidão africana foi assim uma conseqüência indireta e uma imitação do exemplo oferecido pelos árabes. Os traficantes maometanos, aliás, entranhando-se pela África ao sul do Sahara onde converteram grande parte de sua população tribal ao Islam, não só ali implantaram a escravidão como se associaram aos portugueses e outros europeus na expansão do tráfico. É sabido que os milhões de negros trazidos para o Brasil no período 1550/1850, foram vendidos aos negreiros luso-brasileiros por intermediários árabes e pelos próprios régulos da “Costa” da Guiné, Nigéria e Angola, tirando proveito dos prisioneiros que faziam em suas incessantes guerrilhas tribais. Entretanto, a expansão do Corão se faz hoje, quase que exclusivamente, nesse continente. Adicione-se ao quadro pouco edificante, pouco conhecido e quase nunca admitido, o fato que a escravidão ainda perdura na África, nas mãos de árabes e, quando em meados dos anos 50 servi na Missão Permanente do Brasil junto à ONU, ainda se discutia em todas as Assembléias Gerais a necessidade de eliminar a vergonhosa instituição. O Sudão é dominado por militares muçulmanos do norte do país que mantêm aceso o fogo da prática perversa. O genocídio das populações do Sul do Sudão é uma das máculas do século e o espírito da escravidão, em suma, um dos traços mais característicos da sociedade islâmica que, nessa prática, se habituou a vergar sob o chicote dos tiranos.

Mas não seria o trabalho escravo, na verdade, o traço principal do totalitarismo? É a este ponto crucial que pretendo chegar. O uso que do trabalho forçado de milhões de prisioneiros e condenados inocentes fizeram Hitler e Stáline - o primeiro durante os seis anos da Guerra, o segundo durante os trinta de sua tirania - é testemunho perene e exemplo detestável que as sociedades fechadas apresentam para a humanidade livre. São sociedades carcerárias de que o socialismo soviético e o nacional-socialismo alemão se tornaram paradigmas odiosos, conspurcando a imagem da civilização no século XX.

O Terrorismo Fundamentalista. Os Haxixim.

Muito se tem falado ultimamente sobre o fundamentalismo islâmico que, espalhando-se pelo mundo, provocou “conflitos de baixa intensidade” no Afeganistão e Iraque, em torno do novo fenômeno do terrorismo suicida. A leitura da obra de Karen Armstrong, já acima mencionada, muito contribui com valiosas informações para o melhor entendimento da prática em outros livros excepcionais no seu estilo sereno, com riqueza analítica sobre diversos aspectos do conflito religioso com a modernidade, Armstrong cobre o Protestantismo americano, o Judaísmo antigo e moderno e, naturalmente, o Islam desde suas origens. Como explicação geral, ela salienta a reação do formalismo dogmático, inato na natureza humana, contra as conseqüências atuais do Racionalismo e do movimento da Iluminação (Aufklärung) dos séculos XVII e XVIII que nos legou a civilização liberal moderna.
Como explica o Aurélio, historicamente a palavra assassino procede do termo que designava os "comedores de haxixe" (uma espécie de maconha), na Pérsia do século XI. Configurando um ramo heterodoxo do Xiismo, os haxixim pertenciam a uma seita ismaelita de hereges fanáticos que se tornaram notáveis por seu pendor e métodos homicidas. Eram seguidores de um fanático, Hasan ibn-Sabbah que, controlando fortalezas inexpugnáveis em altas montanhas da Síria e Irã, mataram em ataques suicidas o primeiro dos grandes sultãos turcos seldjukidas, Alp Arslan, seu Grão-Vizir e vários sucessivos governantes. Eles haviam herdado do Xiismo ismailita, com suas esperanças messiânicas, uma crença extrema na obediência cega ou submissão (Islam) à autoridade divina, representada pelo líder político. Na paixão e valor do sacrifício, com recompensa final no paraíso de bem-aventurança que o haxixe proporcionava, estavam fortemente influenciados pelo maniqueísmo. Na versão mais sofisticada do dualismo original da religião persa, os maniqueus se proclamavam únicos servos do verdadeiro Deus, defensores da Verdade e do Bem e destinados a morrer numa "guerra santa" contra todos os infiéis, cultores de Satã - que seríamos todos nós, os infiéis...

Conta-se que, em seu reduto montanhoso do Alamut, Hasan construíra um jardim encantado, com piscinas, vinho farto e alimento de banquete, habitado por lindas huris sedutoras cuja virgindade era renovada todas as manhãs, após satisfazer os caprichos lúbricos do bronco pastor do planalto. Para esse cenário edênico levava seus jovens adeptos, semi-conscientes, depois de droga-los com a semente. Passavam ali alguns dias deliciosos e, acreditando haverem de fato visitado o Paraíso de Allah, iam voltar à realidade pelo mesmo processo. No árido deserto, eram então informados que ao paraíso poderiam retornar se jurassem obediência cega às ordens de Hasan. O assassinato servia ao chefão para suas maquinações políticas, granjeando-lhe com isso enorme poder, sem que as tropas e a polícia do Sultão conseguissem eliminá-lo - numa antecipação muito curiosa do que é hoje representado pelo grupo Al Kaida de Osama Bin Laden. Foi a contaminação do Xiismo pelo dualismo iraniano, acoplada à paixão suicida dos que desejam vingar a morte de Hussein, o que explicaria a fúria sanguinária dos sectários. O suicídio em ato de terror homicida é um pequeno preço a pagar pelo direito de alcançar o paraíso e suas huris... Para uma gente pobre, ignorante e desesperada em sua miséria, assim como frustrada em seus impulsos sexuais pelas estrituras draconianas que o Corão impõe, a barganha valia a pena...

O recurso ao terrorismo suicida foi igualmente utilizado contra os Cruzados que ocupavam bases na Terra Santa. A seita perversa só foi destruída pelos invasores mongóis, 200 anos depois, quando o Grande Khan e Xá-in-Xá Hulägü, neto de Genghiz-khan e irmão de Kublai, imperador da China, finalmente desmontou suas últimas fortalezas nas montanhas. Acontece que, havendo entrado em contato com os Francos, neles inculcaram os métodos de ação e as velhas crenças do dualismo iraniano - o Deus do Bem, Ormudz, sempre em luta contra o Deus do Mal Ahriman. A Ordem dos Templários teria sido particularmente afetada por sentimentos desse tipo e as práticas secretas da seita. Depois de sua supressão em princípios do século XIV, pelo rei de França Philippe le Bel com aprovação do Papa, diz-se que os Templários foram sucedidos pela Maçonaria - numa simbiose com a corporação dos arquitetos das grandes catedrais góticas. O maniqueísmo que contagiou certas heresias medievais, particularmente os Búlgaros e os Albigenses do sul da França, provocando uma sangrenta Cruzada repressiva, teria tido, similarmente, sua origem nessa versão iraniana do Islamismo xiita.

Naturalmente, os povos oriundos da Ásia oriental, curdos, indianos, indonésios, malaios ou turcos da Ásia Central e Turcomenistão chinês que, nos mil anos de expansão do Islam, se converteram à mensagem do Profeta, não herdaram a mesma tendência anti-ocidental porque seus inimigos mais próximos eram pagãos ou asiáticos. Mas no coração do Fundamentalismo islâmico se acendeu o inextinguível rancor contra a Europa de cultura clássica e tudo que ela representa. Só podemos explicar o furor irracional dos palestinos contra Israel porque os judeus representam uma cunha ocidental encravada no próprio âmago da terra sagrada do Profeta. Os judeus foram traidores que ensinaram a Mahomé tudo o que escreveu no Corão.

Recusaram, porém, a conversão que este tão generosamente lhes oferecia - pecado imperdoável. A posse da Esplanada do Templo em Jerusalém é um símbolo da feroz ambivalência em relação à Cidade Santa das duas outras religiões - isto embora o único título que possam os Sarracenos apresentar sobre o local seja a lenda fantástica que Mahomé a visitou, montado no cavalo alado Burak, para de Deus receber, através do Arcanjo Gabriel, a Revelação junto ao canto da muralha onde hoje se ergue a mesquita de El Aqsa. Mas não são as Mil e Uma Noites a obra de imaginação mais desvairada e o que de mais eminente criou a literatura árabe?

Na Idade do Crime

Os dados históricos acima oferecidos procuram dar uma explicação religiosa e psicológica dos motivos pelos quais o Fundamentalismo islâmico se transformou no mais perigoso adversário do movimento de globalização econômica, política e cultural que se registra no novo milênio. Uma religião de cega "submissão" ao ímpeto assassino, como forma de cultuar a Verdade e eliminar o “Grande Satã” da infidelidade religiosa, não pode senão recorrer a esse tipo particularmente covarde e nojento de combate, o terrorismo.
Retornemos, por consequência, à instituição peculiar da criminalidade suicida. Certo, o terrorismo não é unicamente islâmico. No cerne da cultura da esquerda jacobina romântica, gerada por esse outro falso profeta paranóico que foi Rousseau, está encravada a violência como instrumento politico. La Terreur foi o produto da rebordose revolucionária da França de 1793. Tratava-se de purificar a Humanidade, cortando a cabeça dos méchants, dos ricos e poderosos aristocratas que oprimiam os misérables, gerando uma cultura xiita, propriamente ocidental. A ideologia totalitária acompanha a evolução da democracia pela mão esquerda, literalmente a mão sinistra, de mau agouro, funesta e mortal, da equação ideológica sob a qual vivemos. O terrorismo sempre foi a arma predileta do Estado absolutista revolucionário. Como terrorismo religioso podemos julgar os métodos usados pela Inquisição para suprimir as heresias, tal qual ocorreu durante o período das guerras de religião. Como terrorismo estratégico, episódios como o massacre de Nanking em 1938, perpetrado pelos japoneses. Sobretudo agora que o poderoso suporte geopolítico que sustentava o totalitarismo, a URSS, desmoronou de uma maneira menos ruidosa do que o World Trade Center, porém com contrachoques bem mais consideráveis - devemos contar com a presença crescente de minorias de agitados, frustrados e insatisfeitos, capazes de qualquer brutalidade, qualquer selvageria e qualquer mentira na perseguição, a todo custo, da utopia de paz, amor e justiça, dita “social”.

Terrorismo com dinamite, gazes venenosos e, eventualmente, armas biológicas, antraz, um dia talvez a varíola, o que estamos descobrindo é o matador energúmeno que implora a assistência de Allah. O mundo saiu da Idade das Guerras para penetrar na Idade do Crime: Hezbollah e Fatah na Palestina; Taliban e Al Qaida no Afeganistão -mas também IRA na Irlanda, ETA na Espanha, FARC na Colômbia, Brigadas Vermelhas (Brigate Rosse) na Itália, Facção Rubra na Alemanha, Sendero Luminoso no Peru, Montoneros na Argentina, Tupamaros no Uruguai, Che Guevara em Cuba e Bolívia - sem esquecer, no Brasil, os asseclas do Marighela e Lamarca, arregimentados num inacreditável número de grupelho que o Exército desbaratou na década de 70, mas foram consagrados pela Imprensa, o Congresso e a Igreja como vítimas e heróis nas décadas seguintes (cabendo, a propósito, a leitura do livro A Grande Mentira, do general Aguinaldo Del Nero, Edit. Biblioteca do Exército). O marketing é preparado pelo terrorismo da desinformação, quando vemos uma locutora da TV Cultura fazer a apologia da destruição do WTC, sugerindo que o "Grande Satã" está em declínio, eis que não consegue nem mesmo defender o coração do poder financeiro e militar capitalista; ou quando um mentiroso contumaz com ares de profeta, que se apresenta como o maior “teólogo” ou “ecólogo” brasileiro, lamenta só dois, e não duas dúzias de aviões tenham atacado Nova York em setembro de 2001; ou, ainda, quando o reputado “grande economista” Celso Furtado, atribui o ataque às Torres Gêmeas à própria “extrema-direita” americana. Afinal de contas, vinte anos atrás, um propagandista da antiga DDR, o pseudo-Estado que representava a parte da Alemanha oriental ocupada pelo exército soviético, conseguiu difundir por todo o planeta a versão de que o vírus HIV havia sido uma criação deliberada do Pentágono com o propósito de reduzir a explosão demográfica no Terceiro Mundo... Isso tudo dá uma idéia, aliás, do tipo de dezinformatsyia que a educação pública está fornecendo à juventude brasileira, exultando com o “golpe mortal" dado ao capitalismo norte-americano...

Em suma, os terroristas haxixim foram os primeiros a descobrir o uso letal do seqüestro de aviões como arma de guerra. E vale recordar a quase simpatia com que foram acolhidos, nos anos 60, os primeiros casos registrados em aparelhos da ELAL israelense, vitimados pelo método de inominável covardia. Lembro-me do sucesso que uma tal de Leila Khaled, ativista palestina, granjeou na época junto à imprensa internacional, transformando-se numa espécie de estrela de cinema ou modelo de moda. A aviação é, de fato, extremamente vulnerável. Foi necessária a tragédia de 11 de setembro 2001 para que, finalmente, procurassem as autoridades das principais potências aéreas deter o alastramento contagioso da enfermidade pela imposição de contra-medidas adequadas de proteção das aeronaves. A aviação, cujo desenvolvimento se deu principalmente nos EUA, é um símbolo supremo da globalização pela facilidade e rapidez que concede à intercomunicação humana e, por isso exatamente, alvo preferido dos inimigos da Sociedade Aberta

Duelo Ao Meio-Dia

A democracia liberal sofre, infelizmente, de sua própria natureza tolerante. A impunidade é confundida com "direitos humanos". A explosão de criminalidade resulta do próprio bom-mocismo governamental, sendo regularmente interpretada como resultante, não da perversidade do criminoso, mas de vários álibis sociais e da responsabilidade da polícia, considerada como mero guarda-costas dos ricos. Aqui mesmo no Brasil, vários Ministros da Justiça e muitos dos Secretários de Segurança se esmeraram na invocação do álibi. Todo o Mundo Livre sofre do mal. A imprevidência e as falhas na segurança do transporte aérea demonstram que, se as autoridades americanas foram apanhadas "descalças" (with their pants down...), certamente se evidencia que a culpa é do comodismo de uma próspera e pacífica população que jamais conheceu qualquer perigo ou invasão estrangeira, desde a guerra de 1812 contra a Grã-Bretanha.

Digam-me, caros leitores, como nos sentiríamos, os brasileiros, se um evento do mesmo estilo ocorresse, digamos, no Rio de Janeiro, no Maracanã repleto em dia de campeonato? Como reagiria a opinião pública e o governo de Brasília? Seríamos “arrogantes e vingativos” em face do desafio? No caso dos americanos, tenho a idéia de um paradigma. Num filme de 1982 ganhador do Oscar, High Noon, Gary Cooper é um xerife (xerife no sentido inglês, e não mourisco do termo) que, motivado por sua responsabilidade moral e solitário sob o sol do meio dia, enfrenta um bando de criminosos assaltantes. Estou convencido que, na famosa “ética protestante” weberiana definidora dos anglo-saxões, especialmente do pessoal do Midwest, se destaca a figura do mocinho que, impávido, mantém a ordem e o “estado de direito” contra bandidos bem armados. É evidente que muito mudou na moderna sociedade americana. O velho paradigma mítico todavia permanece, evidenciado em ocasiões sérias ou conjunturas inéditas como a atual - quando o indigitado “gringo arrogante” se comporta como o general Colin Powell que, em Johannesburgo, se manteve calado e tranquilo ao ser recebido com apupos por aqueles mesmos africanos que não morreram de fome graças aos alimentos transgênicos, generosamente doados pelos USA. Os franceses não perdoam aos americanos terem sido por eles duas vezes salvos dos alemães, em 1917 e 1944. Os alemães, ex-nazistas, não terem sido liquidados mas ajudados a se re-erguer pelo Plano Marshall, de tal forma que, em 1952, sete anos depois da derrota - seu PIB já alcançara o de antes da guerra. E a Europa da CE, que já se considera uma “super-potência” de PIB equivalente ao americano, não lhes perdoa sua própria incapacidade de punir, sozinha, a sangrenta “limpeza étnica” promovida pelos sérvios de Milosevitch na Croácia, Bósnia e Kôssovo. Usando exclusivamente a arma aérea, foram de fato os ianques que, pela primeira vez na história militar, venceram uma guerra sem perder um único soldado - diga-se que em franca demonstração de sua presunção. Diante de tais aberrações, não é de surpreender que se sintam os ianques justificados quando descobrem que o suposto toma-lá-dá-cá da diplomacia é um trânsito de sentido único. O mocinho às vezes se zanga no tiroteio à plena luz do meio-dia. Dado, no entanto, o temperamento frio e introvertido de xerife do Midwest ele estará disposto a arriscar o duelo e tirar a desforra, sem grande alarde. O arquétipo do mito nacional indica que ele mataria o vilão e se casaria com a mocinha...
Não foi isso, contudo, o que anteciparam nossos grandes “expertos” em assuntos internacionais. O ressentimento é a reação normal dos inferiores, medíocres, frustrados ou azarentos. Ninguém melhor do que Nietzsche analisou essa disposição humana, constituindo tal análise, provavelmente, sua maior contribuição à filosofia ética. O ensaísta e prestigioso jornalista francês, Jean-Fraçois Revel, lançous recentemente um bestseller, A Obsessão Anti-Americana (trad. Edit. UniverCidade), em que aplica ironica e admiravelmente esses conceitos de ressentimento e projeção de complexos de inferioridade aos europeus, frustrados pela perda de sua hegemonia mundial. A reação é universal e muito explica do Fundamentalismo, assim como da aliança paradoxal com o esquerdismo endêmico dos “intelectuários”. Alguns auto-denominados “analistas políticos”, notáveis por sua miopia, entre os quais um freqüentador assíduo da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, achou que os “mercenárioos” americanos seriam derrotados pelo “patriotas” do quarto ou quinto mais poderoso exército do mundo, comandado pelo gênio estratégico do Saddam Hussein. Outro, austero e compenetrado locutor político da TV-Band opinou que, abandonado por seus aliados pouco inclinados a se meter em encrenca quando em jogo o preço do petróleo, os USA se perderiam nas areias do deserto, nelas afundando como num novo Vietnam! Outros, mais imaginativos, descreveream cenários horrendos de bombas sujas, gás sarin, epidemia, aviões suicidas se despencando sobre a ponte da Golden Gate ou causando um desastre ecológico, tipo Chernobyl, ao explodir uma central nuclear em Ohio. Seria o Apocalipse de uma Terceira Guerra Mundial contra o Islam inteiro, um bilhão de seres fanatizados pelo Allahu Akbar! Certo, porém, estive quando julguei que o texano desejava apenas re-personificar Gary Cooper e antecipei corretamente o desfecho. Durante alguns meses ouvimos as alegações mais absurdas veiculadas nos jornais e TVs mas, curiosamente, uma das fontes principais das opiniões e boatos maliciosos se encontrava no próprio USA onde encapuçados pseudo-pacifistas, “liberals” do Partido Democrático, midia como o NY Times e o Washington Post, e os eternos resmungões neurastênicos da turma do “culpe logo a América” (blame America first) nunca perdem a ocasião de atribuir a “forças ocultas” existentes em sua livre sociedade cosmopolita, a responsabilidade por todos os dramas do cenário internacional. Mas a rapidez estupenda e esmagadora da intervenção militar aliada contra Bagdad, vitoriosa em três semanas, deixou os obsessivos pessimistas, niilistas e anti-americanos em posição vexatória. Na tempestade de areia no deserto, mal enxergaram a realidade. Foram desmontadas suas ridículas antecipações e desmentidos os argumentos tolos, usados para denunciar o arrazoado da expedição.

As alegações provêm de um misto de ignorância, ressentimentos, xenofobia, preconceitos ideológicos, masoquismo romântico e desinformação deliberada. A ousadia revelada nas manifestações de rua, porém, nos surpreendeu com a impressão de um vigoroso movimento mundial contra o suposto “imperialismo” brutal e tapado, da atual administração em Washington. Vejam o mito do petróleo. Sua banalidade encobre um paradoxo pois o de que se tratou foi, precisamente, de evitar que Saddam estendesse seu poder sobre a maior parte do Oriente Médio. Se viesse a controlar os preços de mais de 50% da produção mundial, no Kuwait, Arábia Saudita e Iraque, o ditador poderia elevá-los a um nível que afetaria TODA a economia mundial, criando um novo “choque” como os das décadas 70/80. A exploração dos poços iraquianos estava também na mira de franceses e russos, o que dá para explicar a posição de Chirac e Putin nessa confusão. Mas ouvimos outros ridículos protestos, inclusive sobre a intenção dos EEUU de, simplesmente, dominar todo o Oriente Médio em proveito de seu estado satélite, Israel. Anteciparam o colapso da ONU como resultado da “estupidez” do Presidente Bush, ou vislumbraram um ominoso rompimento entre a América e a Europa. No que diz respeito às operações militares, outros sábios profetas de algibeira anteviram um novo Vietnam, uma resistência heróica no estilo de Stalingrado, uma guerrilha interminável e desgastante, vaticinando o levante geral dos muçulmanos em jihad apocalíptica de consequências imprevisíveis. Ora, o que ocorreu foi exatamente o contrário, um fiasco. Os árabes vizinhos não se mexeram. As divisões da Guarda Republicana evaporaram. A população acolheu os aliados como libertadores. Na metade do tempo, vinte dias, com a metade dos efetivos empenhados (250 mil contra meio milhão), um diminuto número de baixas tanto entre as tropas da coalizão quanto nas fileiras do adversário, e menos da metade de vítimas civis, George W. realizou o que, na Guerra do Golfo de 91, Bush Pai conseguiu para a libertação do pequeno Kuwait.

Como explicar então a explosão de imbecilidade coletiva, nas arruaças pseudo-pacifistas? O Premier italiano Berlusconi acentuou que as manifestações da mentira organizada constituíram uma “blasfêmia contra a paz”, com suas bandeiras “manchadas com o sangue de cem milhões de inocentes”. Se não podemos analisar as ocorrências em termos de esquerda X direita (Chirac é de “direita”, enquanto Blair, líder de um partido “trabalhista”), não há dúvida que a rede mobilizada pela Internet no mundo ocidental, assim como as encomendadas pelos mandarins de Beidjing e islamitas da Indonésia e Malásia, foi organizada por figuras-chaves da esquerda internacional.

O Brasil e os Árabes

Durante quarenta anos raciocinamos em termos do paradigma da dupla polaridade e quando se descobriu que a URSS era um gigante com pés de barro, uma falsa superpotência com sua economia socialista periclitante, procuraram os observadores e ativistas da Esquerda Festiva, atônitos, novos modelos de convivência. Com palavras que melhor não as houvesse pronunciado, um Chanceler brasileiro chegou a lamentar o ocorrido em 1989, o fim da Guerra Fria, obedecendo à convicção subliminar que o Brasil ia perder a oportunidade de prosseguir em seu joguinho barato de chantagem, definido como “Terceiro Mundismo”, em vigor desde a Presidência Geisel, senão desde a Operação Pan-Americana de Juscelino Kubitschek. O truque consistia em pedir dinheiro emprestado a Washington, sob ameaça de nos passarmos com armas e bagagem para o lado dos Soviéticos.
A chantagem é, entretanto, um estratagema diplomático que não mais funciona. O programa dessa diplomacia de estilo “maquiavelismo dos pobres” caiu por terra, para nós como para outros “idiotas latino-americanos”, africanos, asiáticos e mesmo europeus. Desde a administração Geisel, executada no Itamaraty pelo chanceler Silveira há quase 30 anos, que a receita de “salvação nacional” para os terceiro-mundistas têm sido o alinhamento com os árabes para deles obterem fantásticos investimentos em petrodólares - eis que tinha sido o Brasil um de seus principais clientes na compra justamente de petróleo. Por enquanto, a política só nos tem causado, particularmente no Iraque, dezenas de bilhões de dólares de prejuízo. Durante alguns anos falou-se muito no Japão cuja economia parecia desbancar a americana. Vã ilusão! Surgiu depois a alternativa da China, salvo que Deng Xiaoping aderiu ao capitalismo e criou as “zonas especiais” com vibrante economia de mercado competitivo- segundo a fórmula “Uma Nação, Dois Sistemas”. No momento, parece que o interesse, tanto de Beidjing quanto de Washington, consiste em reforçar seu relacionamento comercial e econômico, no quadro da Organização Mundial de Comércio, WTO, do que entrar em “choque civilizacional”.

Na região do Oriente Médio entretanto, os ânimos estão a tal ponto exaltados que existe enorme dificuldade em analisar qualquer situação militar, geopolítica ou econômica, em termos frios e objetivos. Frieza, objetividade e imparcialidade é, exatamente, o que está faltando tanto do lado dos imediatamente interessados, judeus e palestinos, ou, em termos mais largos, americanos e árabes, quanto daqueles a quem cabe exercer o árduo e inconfortável papel do tradicional "deixa disso!" e de todos aqueles que ainda dependem das importação do combustível. Interferir numa briga de bêbados não é cômodo. Pior ainda, numa querela em torno de questões religiosas. A paixão irascível é contagiosa. Fui embaixador em Israel de 1967 a 1970 e tenho a experiência dessas querelas, assim como uma posição tomada, de tristeza e ceticismo ante a interminável vendeta. É com enorme dificuldade, todavia, que procuro manter-me equilibrado e objetivo ante o espetáculo do desencadeamento de intratáveis paixões homicidas, terrorismo, fanatismos religiosos condimentados de nacionalismo, ambições territoriais, intrigas complexas e jogo constante de alianças...

A situação é agravada pela guinada que a diplomacia brasileira deu, há 30 anos, sob influência de vários chefes da Casa a que pertenci. Um desses eminentes cavalheiros já influenciava os lances de nossa política externa como embaixador em Genebra, ao final dos anos 60, antes mesmo de eu embarcar para Tel-Aviv. Tornou-se posteriormente o líder inconteste do "terceiro-mundismo" como Chanceler de Geisel e, através de seu sonolento sucessor, ao tempo de Figueiredo. A grande cartada consistia em pretender desviar para o Brasil os investimentos em petrodólares dos xeiques árabes, acumulados de forma gigantesca após as duas crises nas décadas 1970/80. Mas, em vez de nos locupletarmos com o tesouro de Ali Babá, foi o Brasil que investiu pesadamente na região, particularmente no Iraque.

Como não era Bagdá um posto de tout repos, foi esnobado pelo diplomatas de carreira e, por longos anos, entregue a um general reformado, amigo do Presidente. Esse militar criou fortes laços de amizade com o tirano local - o mesmo que ainda hoje governa a nação infeliz. O coleguismo da farda valia mais do que a experiência da carrière. Embraer, Petrobrás, Mendes Júnior, Engesa, Avibrás e não sei mais que empresa brasileira se dedicaram, com o maior afinco, a cavar poços, construir ferrovias, abrir estradas, fornecer tecnologia de míssil, vender caminhões, blindados, matéria prima nuclear e, ao fim, desenvolver por algumas centenas de milhões de dólares um tanque pesado. O famoso Osório foi especialmente concebido - não para combater nas coxilhas gaúchas então ameaçadas, segundo alguns pessimistas, pela megalomania paranóica de generais e almirantes argentinos, mas para enfrentar tanques israelenses e ianques nas areias do deserto. De tudo isso resultou uma verdadeira estória fantástica das "1001 Noites". Para encurtar: bilhões de dólares brasileiríssimos foram engolidos à fonds perdus nas ditas areias movediças. As duas últimas empresas mencionadas faliram e duas outras quase levaram o diabo. A Petrobrás perdeu sua "província pioneira mais rica do mundo", perto de Mossul, enquanto os sauditas preferiram, com razões de sobra, investir no mais moderno tanque americano Abrams. De tudo sobrou, porém, uma sombra tenaz de simpatia por Saddam Hussein: há um quê de masoquismo no caráter do Estado brasileiro...

Ora, segundo fontes israelenses e a opinião de alguns colegas mais sutis que serviram na área, era Saddam o mais pérfido, astuto e inexorável de todos os mafiosos que governam o Oriente Médio. O velho Bush não o quis derrubar na Guerra do Golfo, para mantê-lo como reserva de mercado "sunita", frente a qualquer agravamento da histeria "xiita" no planalto iraniano. O "Eixo do Mal" do jovem George W. abarca hoje, conjuntamente, Iraque e Irã. Aparentemente, os EUA possuem provas de que Saddam não só renascera das cinzas de 1991, como verdadeiro Fênix, mas estava determinado a encabeçar uma coalizão anti-israelense com armas químicas e biológicas, do tipo já utilizado contra os curdos, os xiitas da baixa Mesopotânia e na guerra contra o Irã de 1980/82 - conflito este que teria causado mais de meio milhão de baixas. O arrazoado me parece haver sido de evitar a criação de uma espécie de novo Califado de Bagdad, munido de armas químicas e possivelmente nucleares, que se apoderaria de todo o petróleo do Oriente Médio e seria suficientemente poderoso, após absorver duas dúzias de pequenos emirados vizinhos, além da Arábia Saudita - para enfrentar e destruir Israel. Mas, como disse, talvez não seja eu a pessoa adequada para julgar imparcialmente entre a sorte de Israel e a do Iraque, entre Sharon e Saddam Hussein, ou entre este e Bin-Laden... Que o Alla´hu Akbar me venha em socorro e me proporcione uma lâmpada de Aladim na tenebrosa escuridão que cobre todas as intrigas e negociações diplomáticas, de excepcional fertilidade naquela área.

O Islam e a Revolução Sexual

Levantemos agora uma nova cortina, entre as pesadas que cobrem a tenda onde se esconde o objeto de nossa pesquisa histórica e sociológica - ao lembrar os versos famosos de Omar Khayyam:

Há uma porta cuja chave não possuo
Há um véu através do qual nada posso ver

Particularmente relevante em qualquer abordagem da globalização é a resistência que encontra a Revolução sexual moderna no Terceiro Mundo, com especial acuidade na área da sociedade islâmica, essencialmente patriarcal e machista. Trata-se de um grave e interessante problema sobre o qual agora nos debruçamos. Ilustra-o um pequeno episódio, bem sintomático e relacionado com o fundamentalismo puritano xiita dos aiatolás iranianos. Foi em princípios de 1978 que um incidente, no cinema de uma cidade do interior, Tabriz, em dia de feriado religioso, serviu de centelha para desencadear a chamada “Revolução iraniana”. Exibia-se um filme americano. A fita comportava, como de costume, uma cena de beijo hollywoodiano. Ora, tal ato é considerado obsceno pelos muçulmanos se praticado entre homem e mulher, à luz do dia e em local público, ao passo que o beijo na boca entre homens é tido como perfeitamente normal. Atiçada por ulemas xiitas, uma multidão enfurecida atacou e incendiou a sala de espetáculo, carbonizando a maior parte dos espectadores, quase uma centena, e a partir da tragédia, de grande sensação em todo o país, a violência se foi alastrando, como uma infecção maligna, até engolfa-lo, derrubando o Xá-in-Xá e levando ao poder o regime fundamentalista, estritamente reacionário, do aiatolá Ruhollah Khomeini.

O fosso entre as práticas ocidentais de crescente liberdade sexual, hoje universalizadas, e os costumes medievais dos Fundamentalistas pode ser ilustrado por dois livros publicados em França pelo aiatolá, na época em que lá se encontrava em exílio. Traduzidos para o francês, foram publicados pelas edições Libres-Hallier, em Paris. O formalismo legalístico da religião de Mahomé, mesmo em assuntos íntimos como a maneira como se deve urinar e defecar, atinge a extremos que nos parecem francamente patológicos. Seu puritanismo inclui a proibição de contacto direto com a urina, os excrementos, o esperma, o sangue, os restos de um cadáver, a pele de homens e mulheres não-muçulmanos, bebidas alcoólicas e o suor de um camelo. As proibições podem tornar compulsiva a vida de um fiel obediente a todos os mandamentos corânicos. As abluções necessárias após um ato de sodomia com um homem são meticulosamente descritas, não existindo contudo, ao que parece, proibição explícita de tal prática. As relações conjugais são também pormenorizadamente reguladas. Em outras regiões retardatárias, um montão de regras pormenorizadas determina o comportamento sexual no que diz respeito, por exemplo, à extensão da parte do pênis que pode penetrar na vagina durante o período de jejum do Ramadã.

Não obstante esses tabus absurdos, o Corão permite, segundo consta, uma forma de "casamento temporário" com uma mulher, cristã ou judia, o que naturalmente muito facilita as coisas... O que nos parece mais estranho é a postura no que diz respeito à bestialidade. Permissão é dada aos homens, mas não às mulheres, de praticarem atos libidinosos com animais, contanto que bichos do sexo feminino. "Não é recomendado ter relações com animais selvagens, especialmente com uma leoa"... Mas o chuque-chuque com animais domésticos é visto com tolerância. A ninguém é permitido olhar, diretamente, para a genitália de outra pessoa, salvo marido e mulher, de tal maneira que um médico ginecologista só pode examinar a paciente através de um espelho. Na China antiga imperava igual proibição, de maneira que os profissionais eram obrigados a examinar as doentes através de uma boneca de marfim onde a mulher indicava as partes em que sentia alguma dor.

Os excessos mais tenebrosos da reação puritana se manifestaram no Afeganistão sob o regime absolutista do Taliban. Essa milícia guerrilheira ultra-ortodoxa determinava compulsoriamente o corte do cabelo das mulheres e o crescimento da barba dos homens, reduzindo as primeiras a um estado próximo da escravidão. Proibidas de andar nas ruas sem um horrendo véu ou espécie de saco que as cobre da cabeça aos pés, e igualmente proibidas de dirigirem automóveis, de exercerem qualquer profissão e de freqüentarem escolas ou universidades, as infelizes sofriam de tratamento inferior ao dos homens nos hospitais. Não podiam ser médicas, nem enfermeiras. As adúlteras eram apedrejadas até a morte. Li a história horrenda de uma infeliz criatura que, lapidada, foi levada como morta para o cemitério onde o coveiro percebeu que ainda respirava. Foi então tratada num hospital, curada, reconduzida à praça pública e novamente supliciada. Assisti na TV a um documentário da execução de uma mulher com um tiro na cabeça, como espetáculo popular num estádio de futebol transformado em palco de exibição das atividades da polícia secreta. Esta era órgão do “Ministério da Defesa da Virtude e Perseguição do Vício”, num cenário francamente orwelliano. Em princípios do século XXI, é o retorno ao pior obscurantismo da Alta Idade-Média. Poucas vezes um regime totalitário entrou em tão revoltantes exageros no controle do comportamento individual.

É verdade que, na Idade Média, os teólogos e Santos Padres da Igreja também entravam em detalhes escabrosos sobre o comportamento sexual dos fiéis como, por exemplo, sobre quais as posições lícitas e ilícitas para o ato sexual, ou se era ou não pecado praticar o coito nas vésperas da Sexta-feira Santa. Em pleno século XVII, Pascal manteve uma polêmica azeda com um padre jesuíta porque este havia autorizado uma jovem marquesa, dama de companhia na corte de Luís XIII, a ir a um baile após haver comungado pela manhã. A "posição missionária" foi ensinada pelos catequizadores protestantes aos natives da África e Polinésia cujas mulheres foram obrigadas a vestir saias e cobrir o peito. Mas nenhum desses clérigos impingiu suas proibições com a meticulosidade fanática e psicopática dos aiatolás que, afinal de contas, estão escrevendo e governando em pleno século XXI, numa das nações mais civilizadas e cultas da antiguidade. As considerações acima me fazem lembrar os versos famosos de Lucrécio, tantum religio potuit suadere malorum - "a tantos males pode a religião conduzir"...

Que se leve em consideração, no entanto, que no período do apogeu de sua civilização, quando a Europa ainda mergulhava nas sombras mais espessas da Idade Média, a sociedade árabe em Bagdad ou em El Andaluz deve ter sido uma sociedade sexualmente bastante livre e hedonística, tal qual testemunham os versos de Omar Khayyâm e obras como “As Mil e Uma Noites" e "O Jardim Perfumado" que, no século XIX, ao Ocidente foram reveladas por esse extraordinário aventureiro, explorador, escritor, poliglota e diplomata que foi Sir Richard Burton (+1890). Homem de muitos talentos que contribuiu para a descoberta das nascentes do Nilo e do lago Victoria, e foi o primeiro europeu a entrar (disfarçado) na Meca, desempenhou Burton um papel importante ao transmitir ao Ocidente o gosto pelo erotismo oriental - da Índia e do Islam. Desprovido de preconceitos, foi uma espécie de “superhomem” nietzscheano no sentido que efetuou uma “transmutação de todos os valores” contra a moral vitoriana, podendo ser considerado o pioneiro do tropicalismo e orientalismo inerentes à Revolução sexual.

Sociedade sensual e exótica, sem dúvida, mas sempre sob domínio do homem, o machismo do Islam estaria, possivelmente, associado ao caráter historicamente despótico do poder político nos Estados sarracenos. Relutando, como salientamos acima, em aceitar as concepções democráticas sobre os direitos e liberdades civis, e desconhecendo as estritas regras políticas que disciplinavam as antigas monarquias da Europa - com o controle moral mais ou menos rígido do comportamento dos autocratas pela Igreja - os reinos muçulmanos facilmente degeneravam para o autoritarismo carcerário mais draconiano. A política do capricho do soberano estendeu-se, então, para o terreno do sexo. Mulay Ismail (+1727), um Sultão do Marrocos conhecido como “o Sangrento”, parece haver sido aquele que levou seus impulsos libidinosos às últimas consequências. Ele teria reconhecido 888 herdeiros vivos, dos mil e tantos que gerou. A cifra estaria registrada no Guiness, certamente um record. Mas a política de dominar uma nação promovendo filhos, sobrinhos, primos, genros e outros parentes a todos os postos da administração tem sido seguida por outras dinastias, como a da Arábia Saudita com seus príncipes petroleiros. É o despotismo elevado à última potência, um Patrimonialismo Selvagem. Na América do Sul, um caudilho venezuelano, Juan Vicente Gomez (+1935), pôs em prática método semelhante de domínio, de tal modo que quase todos os generais, ministros, governadores de estados, chefes de polícia e embaixadores eram membros da família do ditador.

Devemos, em tal contexto, salientar as circunstâncias e o papel desempenhado pela imagem cinematográfica de efeito universal. Os muçulmanos fundamentalistas declararam guerra ao cinema ocidental e os guerrilheiros do Afeganistão queimam as películas e destroem as máquinas fotográficas onde quer que as encontrem. Todos eles costumam reagir vigorosamente contra o que consideram as atitudes escandalosas dos ocidentais em relação ao sexo. Recordo a surpresa que tive ao ouvir de um colega, diplomata de uma nação muçulmana moderna e ele próprio indivíduo culto e bastante sofisticado, a manifestação de repúdio e colérica indignação com o espetáculo “escandaloso” de mulheres que, no verão parisiense, se exibem topless às margens do rio Sena.

Eminentemente privado, a revelação do ato sexual constitui uma blasfêmia inominável e intolerável à lei de Allah. Se mesmo o ato de urinar comporta privacidade, o que dizer da fornicação! É como se o segredo da omertà masculina houvesse sido traído. Hoje em dia, em alguns países como o próprio Iran e a Arábia Saudita, esta governada pela dinastia sunita fortemente puritana de Ibn Saud, é proibido o uso de antenas parabólicas, assim como a importação ou funcionamento de aparelhos de TV ou vídeo. As telas dos televisores, como explica uma das autoridades locais, apresentam "programas ocidentais caracterizados por atitudes profanas"... "com todo tipo de maldade e corrupção". Mais do que o cinema no entanto, a tecnologia da Televisão e da Internet vai superando as barreiras nacionais e suas alfândegas, num desafio que o Fundamentalismo dificilmente conseguirá coibir.

O harem (em árabe hárim, significando "proibido") e o que, na Índia, é conhecido como purdah (cortina), o que quer dizer, a segregação das mulheres, assim como a obrigação do porte do véu e a poligamia, são velhas e sólidas instituições que configuram uma antiga herança semítica, com influências iranianas. Foram introduzidas por Mahomé no Corão. É possível que a experiência histórica de invasões estrangeiras e guerras civis, quando o estupro das mulheres dos vencidos se tornava habitual, haja estimulado o costume vexatório. A história da Índia setentrional é particularmente sangrenta e atingiu com fúria singular as mulheres e crianças. Tamerlão (Timur Lenk)teria erguido meio milhão de crânios numa pirâmide, após sua conquista de Delhi (1399). A selvageria dos déspotas de Delhi, quase todos procedentes do Afeganistão, não possui paralelo na história mundial. Foi a influência muçulmana que alastrou o purdah, pois este não existia anteriormente às invasões procedentes da fronteira do Noroeste - quando as mulheres gozavam de grande liberdade e andavam seminuas, tal como figuram na sua estatuária antiga.

A prática generalizada da violência sexual em ocasião de conflito bélico persiste no Oriente, tanto quanto no Ocidente. Nas diversas guerras civis do Afeganistão, nas guerras que opuseram a Índia e o Paquistão, assim como por ocasião da guerra de Independência do Bangladesh em 1971, as tropas paquistanenses e indianas utilizaram largamente esse método de aterrorizar a população, por simples sadismo ou para fins de genocídio. O mesmo ocorreu durante os vários episódios de “limpeza étnica” registrados na Bósnia, no processo de desintegração da Iugoslávia. Para ilustração de como as mulheres foram vitimadas pela violência sanguinária neste século de genocídios, guerras totais e totalitarismos assassinos, inspirados por ideologias inimigas da Sociedade Aberta, vide a obra Death by Government, o último dos quatro estudos do professor R.J. Rummel (New-Brunswick, 1997), O cálculo é de 170 milhões de homens, mulheres e crianças ao todo.

Algumas feministas árabes, como a professora Amina Wadud Muhsin, atualmente professora na Universidade da Virginia, argumentam que os homens se valeram de interpretações tendenciosas do Livro Sagrado para, nos últimos 1400 anos, limitar ou extinguir os sucessivos surtos de feminismo islâmico. Um livro que toca diretamente no problema é a história dramática da Princesa Sultana. A Dama é uma aristocrata da família real saudita. A opressão humilhante e tenebrosa que sofrem as mulheres sob o regime corânico, mesmo as de melhor educação e cultura européia, é ilustrada nessa obra de 1992, revelada por Jean Sasson. A princesa procura provar que, pelo menos, as mulheres islâmicas de maior cultura estão, corajosamente, principiando a reagir contra os hábitos arcaicos que sua sociedade ainda alimenta.
Outro livro é o de Khalida Messaoudi, uma argelina que, traumatizada pelo horror da guerra civil provocada pelos fanáticos islamitas, de um lado, e os não mais tolerantes militares do outro, publicou em França, em 1995, um relato de sua atitude "Irredutível" diante da tragédia. Khalida muito claramente coloca na questão sexual o cerne da reação fundamentalista que agita o mundo islâmico. Ela alega que o Fundamentalismo, como qualquer movimento totalitário, deseja exercer controle absoluto sobre a sociedade, dando-se conta que a melhor maneira de atingir seu propósito de dominação é exercer a repressão sobre a sexualidade feminina, coisa que o estilo patriarcal do Mediterrâneo facilita.

"O que as mulheres representam é o desejo, a sedução, o mistério, o incômodo mas também a ‘alteridade’ que é imediatamente visível em seus corpos”. É por isso que os islamitas se sentem tão ansiosos em esconder o corpo feminino. Freneticamente procuram cobri-lo de véus, encapuza-lo, fazer com que as diferenças biológicas desapareçam dos sinais corporais exteriores. As mulheres que resistem, conclui a corajosa argelina, se tornam símbolos da Alteridade individualista que o totalitarismo procura eliminar.

Pelo absolutismo e exclusivismo de suas atitudes dominadoras, o Islam constitui o baluarte mais obstinado da "falocracia patriarcal". Contra os arremedos do feminismo, ele tenta manter a hegemonia masculina na estrutura da sociedade dita tradicional. Acentuemos que, em outros países não-árabes da área, como a Turquia, Líbano, Malásia e Indonésia, não podemos observar uma subserviência tão acentuada das mulheres. Quando o grande Kemal Atatürk decidiu modernizar seu país, concedeu às mulheres os mesmo direitos dos homens, invocando uma legislação ocidental - ou, mais especificamente, o Código Napoleão. Na Turquia, Paquistão e Indonésia mulheres já alcançaram a chefia do governo, privilégio que poderá contribuir para encorajar o movimento feminista.

Mas outro aspecto, ainda mais odioso, do fenômeno do machismo islâmico é o hábito, vigente no Egito, em grande parte da África negra e em alguns países árabes do Oriente Médio, de mutilação genital ou "circuncisão" do clitóris das meninas - uma prática destinada a dificultar a masturbação ou eliminar a possibilidade de orgasmo quando se tornam mulheres. A operação comporta a cliterodectomia ou a extirpação dos lábios vaginais e, em alguns casos, a chamada infibulação, que consiste numa sutura nos órgãos genitais para tornar o coito impossível. Embora se afirme que nada no Corão justifique o abominável costume, o fato é que dele sofrem uma multidão de mulheres. Fala-se na cifra de 130 milhões. Em 1996, o governo egípcio declarou imoral e ilegal a prática, depois de haver constatado que 70% das mulheres na área urbana e 95% no campo teriam sido submetidas a alguma forma de mutilação, a maior parte das vezes por métodos primitivos. A questão continuaria a ser discutida nos tribunais, em face da postura dos ulemas.

Tal situação cria um verdadeiro abismo com o Ocidente moderno que se globaliza. O assunto tem sido alvo de protestos por entidades internacionais, atentas aos direitos humanos e direitos da mulher, inclusive em uma reunião sobre o tema realizada em março de 1997, no Rio. As reações anti-feministas, entretanto, não se limitam à área do Islam.

Conclusões

Podemos acentuar, em conclusão, que a seriedade da problemática criada pelos Fundamentalistas muçulmanos como infensos à modernidade, reside na recusa obstinada a superar seu machismo patriarcal. Em nenhuma outra religião ou sociedade política (no Islam, elas se confundem) a resistência ao feminismo é tão tenaz. Mesmo na Igreja católica, é pouco provável que as injunções papalinas ainda contenham por muitos anos o aggiornamento nesse terreno. É um problema de rebelião contra a modernidade que poderá acarretar conseqüências funestas no futuro. A questão se relaciona, evidentemente, com o extremismo chauvinista do macho e, sustentado em Escrituras religiosas, o Machismo muçulmano agrava o dilema desses países na alternativa de integrar-se ou não à modernidade global - uma alternativa que poderá ser de árdua solução, acarretando graves conflitos como desde agora estamos testemunhando.

As discrepâncias entre o Ocidente americanizado e o Islam se poderá tornar catastrófico pois, daquele lado, o exagero é diametralmente oposto ao libertinismo imperante em alguns círculos deste nosso lado. Indiscutivelmente, as teses sobre uma futura possível apartheid do mundo islâmico numa sociedade internacional progressivamente mais aberta e cosmopolita, devem levar em consideração essas reações grotescas e sanguinárias tanto no que diz respeito às conseqüências mais radicais da Revolução sexual, quanto às circunstâncias que exigem o pluralismo, a tolerância, o respeito pelos direitos individuais, a liberdade das minorias étnicas, a liberdade de comunicação e a liberdade de ir e vir - em suma, todas aqueles princípios que caracterizam uma sociedade democrática e liberal moderna.

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Em conseqüência dos eventos dos últimos anos relacionados com o terrorismo, uma série de livros têm sido publicados nos EUA e na Grã-Bretanha sobre a questão. Um artigo do professor Clifford Geertz, da Universidade de Princenton, na Now York Review of Books de 3 de julho, analisa perfeitamente as posições dos principais autores, ocidentais e muçulmanos, que tratam do tema. Gilles Kepel em Jihad: The Trail of Politicall Islam (Harvard U.P.); Daniel Pipes em Militant Islam Reaches America (Norton) e, de Stephen Schwartz, The Two Faces of Islam: The House of Sau’ud from Tradition to Terror (Doubleday) são pessimistas e antecipam uma verdadeira guerra contra o totalitarismo territorístico islâmico. Dois outros livros são mais moderados e puramente objetivos The Future of Political Islam, de Graham Fuller (Palgrave) e After Jihad: América and the Struggle for Islamic Democracy, de Noah Feldman (Farrar, Straus & Gurioux). Finalmente, citaríamos duas outras obras que defendem o ponto de vista dos muçulmanos: Faithlines: Muslim Conception of Islam and Society, de Riaz Hassan, publicado pela Universidae de Oxford, assim como The Ulama in contemporary Islam: Custodian of Change, de Muhammad Qasim Zaman, publicada pela Universidade de Princenton, naturalmente muito mais otimista quanto ao conflito e antecipando uma vitória final dos meios islâmicos que desejam a modernização de suas sociedades e uma conciliação entre os reclamos da fé belicosa e o desejo das elites ocidentalizadas de encontrar um terreno de acordo entre o liberalismo global e o Fundamentalismo.