domingo, setembro 21, 2008

358) O retorno de Malthus, Rodrigo Constantino

O Retorno de Malthus
Rodrigo Constantino

"Humilhante para o orgulho humano como isso pode ser, nós devemos reconhecer que o avanço e mesmo a preservação da civilização dependem de um máximo de oportunidade para acidentes que ainda ocorrerão." (Hayek)

Em 1798 foi publicada, anonimamente, a primeira edição de Ensaio Sobre a População, de Thomas Malthus. O seu fatalismo conquistou muitos seguidores desde então. Malthus considerava a pobreza um fim inevitável do homem, pois a população iria crescer mais rápido que a produção de alimentos. Seu pessimismo se mostrou infundado, basicamente pelo avanço da técnica, que garantiu um aumento incrível da produtividade. Em defesa de Malthus, devemos lembrar que seu livro era uma reação ao otimismo utópico de pensadores como Godwin, que culpava a propriedade privada por todos os males da humanidade, e pensava que sua abolição levaria a um estado de abundância total, onde o egoísmo desapareceria e o paraíso reinaria na Terra. O livro de Malthus, portanto, serviu como freio para um romantismo infantil que pintava um futuro maravilhoso para humanidade, ignorando aspectos básicos da natureza humana. No entanto, suas previsões catastróficas se mostraram igualmente furadas.

A humanidade avançou muito, e os homens hoje vivem mais e melhor. Eis o que demonstra o Dr. Indur Goklany no livro The Improving State of the World, publicado pelo Cato Institute. Goklany foi um delegado americano do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), e seu livro conta com inúmeros dados, tabelas e gráficos sustentando a conclusão de que o mundo vem melhorando bastante, inclusive em termos de ambiente, graças ao avanço tecnológico e ao livre comércio. A história da humanidade é uma história de miséria, fome, doença e morte, com freqüentes epidemias, enchentes, secas e demais desastres naturais, além de infindáveis guerras. Assim foi desde que se tem informação, até a Revolução Industrial, onde as coisas começaram a mudar para melhor de forma acelerada. O crescimento econômico e tecnológico redefiniu os papéis das mulheres e crianças, expandiu a classe média e desenvolveu novas instituições e organizações. Estamos muito longe do paraíso sonhado pelos românticos, mas nos afastamos muito também do caos pré-industrial, com a fundamental ajuda justamente da propriedade privada. Não obstante o progresso incrível que a humanidade experimentou nos últimos dois séculos, vários neo-malthusianos surgiram com força novamente, pregando um futuro sombrio para os seres humanos. O livro de Goklany é um excelente antídoto contra a doença desse pessimismo alarmista.

Um dos ícones desse pessimismo foi a publicação em 1972 de The Limits to Growth, do Clube de Roma, cuja tese geral foi reiterada depois no Global 2000 Report to the President. A mensagem central desses neo-malthusianos é sempre a mesma: a humanidade está rapidamente se aproximando dos limites de crescimento, exaurindo os recursos naturais e destruindo o planeta. Um Apocalipse é sempre iminente, a menos que os homens mudem seu modo de vida. Isso significa basicamente abandonar tudo aquilo que vem possibilitando o progresso, ou seja, a propriedade privada num ambiente de livre mercado movido pelo lucro. Seria a troca desta ordem espontânea por um regime de planejamento central, onde "clarividentes" do governo iriam cuidar dos rumos da humanidade. Não importa que o modelo de centralização de poder imposto de cima para baixo já tenha sido testado antes, sempre com resultados catastróficos. Se os dados da realidade fossem realmente importantes para essas pessoas, elas não seriam seguidores de Malthus para começo de conversa.

Afinal de contas, nos últimos dois séculos a população global cresceu mais de sete vezes, saindo de 900 milhões para 6,5 bilhões de indivíduos. Não obstante, a média da população se alimenta melhor do que no passado. A oferta de alimentos per capita cresceu 24% de 1961 a 2002, e nos países mais pobres o crescimento foi ainda maior, de 38%. Na China, que comporta quase um sexto da população mundial, o consumo de calorias per capita aumentou 80% nesse período, e na Índia o aumento foi de 50%. Apesar de a população chinesa ter dobrado de tamanho desde então, nada parecido com a fome que eliminou cerca de 30 milhões de vidas entre 1959 e 1961 aconteceu. Isso é progresso, e foi possível pelo gradual abandono do regime comunista e conseqüente abertura comercial.

Antes da industrialização, ao menos uma criança entre cinco morria antes de completar o primeiro aniversário. Em outras palavras, a mortalidade infantil era de 200 para cada 1.000 nascimentos. Nos Estados Unidos, em 1900, a mortalidade infantil era de 160, mas em 2004 já havia caído para 6,6 em cada mil nascimentos. Algumas pessoas gostam de condenar a era da industrialização por causa do pesado trabalho feminino e até infantil, esquecendo que antes a alternativa era morrer de fome. Foi justamente o progresso capitalista que permitiu essa feliz mudança na vida de tanta gente. A expectativa de vida na história da humanidade, por exemplo, sempre teve uma média de 20 a 30 anos apenas. Em 2003, a média mundial era de 66,8 anos, e para os países mais ricos da OECD estava em 78,5 anos. Na África Subsaariana, a região mais pobre do planeta, a média era de 45,6 anos, justamente porque o progresso capitalista não deu o ar de sua graça por ali.

Não só estamos vivendo muito mais, como estamos vivendo melhor. Durante o século XX, as doenças crônicas foram postergadas: nove anos para doenças do coração, onze anos para doenças respiratórias e oito anos para câncer. A taxa de analfabetismo global caiu de 46% para 18% entre 1970 e 2000. O uso de trabalho infantil em termos mundiais foi reduzido de 24,9% em 1960 para 10,5% em 2003. Isso não foi possível pela aprovação de leis mágicas, mas sim pelo crescimento econômico. Tanto que o trabalho infantil ainda é um problema justamente nos países mais pobres, mesmo com legislação contrária ao uso de crianças em trabalhos pesados. A pobreza ainda é um problema grave, principalmente nos países mais isolados e distantes das vantagens da globalização. Ainda assim, a proporção da população mundial na extrema pobreza despencou de 84% em 1820 para 24% em 1992. Pelos padrões de qualquer homem médio hoje, o mundo de poucos séculos atrás era um mundo de miseráveis.

O resumo que Glokany faz da situação é que o rico hoje não está melhor por ter tirado algo do pobre, mas sim o pobre está melhor por ter se beneficiado de tecnologias desenvolvidas pelos mais ricos, e sua condição estaria bem melhor se estivesse mais bem preparado para aproveitar os benefícios da globalização. A análise dos avanços da humanidade nos últimos séculos é encorajadora, e mostra que o pessimismo dos neo-malthusianos ignora o enorme poder da criatividade humana, da nossa capacidade de inovar e se adaptar. Produzimos muito mais usando muito menos. O temor de que os recursos estão prestes a se exaurir não conta com esse ganho de eficiência. A Idade da Pedra não ficou para trás porque acabaram as pedras, nem a Idade de Bronze virou história porque acabou o bronze. Os homens foram desenvolvendo formas mais produtivas de uso dos recursos.

Alguns alarmistas aceitam essa lógica irrefutável, mas alegam que o planeta está na rota de destruição. Para esses eco-terroristas, o problema central não é o limite dos recursos em si, mas sim a conseqüência do crescimento econômico. O planeta não teria capacidade de suportar mais riqueza sem resultados nefastos para o clima. Há novamente uma completa desconfiança em relação à capacidade humana de adaptação e inovação. Além disso, Glokany mostra que até mesmo na questão climática o mundo está melhorando. O ambiente está mais limpo, e isso se deve justamente ao progresso capitalista. Os maiores poluidores são os países mais pobres, em termos relativos. Mas esse é o foco da segunda parte de seu livro, que fica como tema para outro artigo. Aqui, o objetivo era apenas demonstrar como o retorno do pessimismo de Malthus não tem respaldo nos fatos.

Paradoxalmente, muitos ainda condenam as causas que possibilitaram evitar as previsões catastróficas malthusianas. Aqueles que ainda sonham com o "novo mundo possível", na linha utópica de Godwin, atacam os pilares do progresso em nome da fantasia. Se suas idéias prevalecerem, aí sim a pobreza geral será um fim inevitável. Não porque Malthus estava certo sobre as estimativas de crescimento populacional e da produção de alimentos; mas sim porque as forças que refutaram o pessimismo malthusiano estariam impedidas de funcionar livremente. A ordem espontânea dos livres mercados seria substituída pelo controle centralizado dos governos. O resultado é totalmente conhecido: a miséria total. Se o socialismo vencer o capitalismo no campo das idéias, aí sim Malthus será vingado. Caso contrário, a humanidade poderá seguir seu curso rumo ao progresso, deixando a miséria cada vez mais para o passado.

http://rodrigoconstantino.blogspot.com

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