Diálogo Informal de Ministros do Comercio sobre Mudança do Clima - Bali, 8-9 de dezembro de 2007 - Notas para Intervenção do Ministro Celso Amorim
Versão em português do original em inglês
A relação entre comércio e mudança do clima deve observar um principio básico: as ações acordadas devem beneficiar o comércio, o meio ambiente e o desenvolvimento.
Desenvolvimento
O desenvolvimento é um elemento-chave dessa equação. Não mudaremos o modo como interagimos com a natureza a menos que, antes, mudemos as forças sociais e econômicas que estão na origem do problema.
Entre essas tendências, sobressaem os padrões insustentáveis de produção e consumo das economias mais desenvolvidas, que tendem a ser emulados pelo mundo em desenvolvimento.
Para levar o desenvolvimento plenamente em consideração, o fórum de discussão deve ser inclusivo e representativo. Os fóruns multilaterais são os mais adequados.
Mudança do Clima
Para tratar de fato de mudança do clima, devemos reduzir significativamente o uso dos combustíveis fósseis. Se existe um ponto a respeito do qual há consenso é que o uso de biocombustíveis reduz a produção de gases do efeito estufa.
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), que recebeu o Prêmio Nobel 2007, é claro ao considerar “bioetanol de açúcares e amido” como um produto obtido por meio de tecnologia energeticamente renovável, classificada na mais avançada de quatro categorias; um produto que é “tecnologicamente maduro, com mercados estabelecidos em diversos paises”. Eis algo, portanto, que não precisamos discutir: se o etanol é ou não um bem ambiental; isso já foi decidido de modo inequívoco por especialistas notáveis e imparciais.
A mudança para os combustíveis renováveis não é apenas desejável, ela é também factível. De acordo com um estudo da UNCTAD, a substituição de até 20% dos combustíveis minerais consumidos em todo o mundo pode ser alcançada até 2020. Isso não seria um passo insignificante na luta contra a mudança do clima.
É por isso, também, que as economias mais ricas vêm investindo consideravelmente na produção de etanol e de outros biocombustíveis.
Segundo um relatório do IISD (Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável):
1. Os Estados Unidos gastarão cerca de US$ 70 a 80 bilhões em subsídios para o etanol de 2006 a 2012. US$ 10 bilhões a mais serão gastos com biocombustíveis naquele mesmo período.
2. Apenas em 2006, os Estados Unidos gastaram algo entre US$ 5,5 e 7,3 bilhões para apoiar a produção de etanol; a União Européia gastou quase o mesmo: cerca de € 3,6 bilhões em 2006.
Países em desenvolvimento não têm de gastar tanto, justamente por causa de suas óbvias vantagens competitivas em agricultura. De acordo com a Rede de Recursos da Cana para a África Austral a biomassa oriunda das zonas tropicais e subtropicais é, na média, cinco vezes mais produtiva, em termos de eficiência fotossintética, do que a biomassa das zonas temperadas.
Ademais, em se tratando de etanol da cana-de-açúcar, a biomassa é empregada no processo produtivo, com ganhos significativos em termos de coeficiente energético. Para o etanol da cana-de-açúcar produzido no Brasil, por exemplo, esse coeficiente é de 8 para 1. Isso contrasta frontalmente com os coeficientes verificados em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, com o uso do milho, e na União Européia, com o uso da beterraba, os melhores resultados não chegam sequer a 2 para 1.
A liberalização do mercado de etanol não beneficiaria apenas o Brasil. Ajudaria, também, outros países em desenvolvimento. Um estudo da Rede de Recursos da Cana para a África Austral constatou que a África Subsaárica possui potencial significativo de bioenergia, em razão das baixas taxas de densidade populacional em diversas áreas, de grandes áreas de culturas e pastagens adequadas e da baixa produtividade dos sistemas de produção agrária existentes. O estudo também menciona a existência de poucas oportunidades de emprego nas áreas rurais e o fato de que a bioenergia é resultado de processo intensivo em mão-de-obra.
Em resumo, a liberalização do comércio de etanol e outros biocombustíveis representa uma situação de ganho-ganho-ganho para a tríade comércio/ mudança do clima / desenvolvimento.
No que se refere ao etanol brasileiro, o Relatório sobre Desenvolvimento Humano do PNUD de 2007-2008 menciona:
“O comércio internacional poderia desempenhar um papel mais preponderante na expansão de mercados para combustíveis alternativos. O Brasil é mais eficiente do que os Estados Unidos ou a União Européia em produzir etanol. Além disso, o etanol produzido com cana-de-açúcar é mais eficiente na redução de emissões de carbono. O problema é que as importações de etanol brasileiro são limitadas por elevadas taxas de importação. O levantamento destas taxas iria gerar ganhos não apenas para o Brasil, mas para a mitigação da mudança do clima.”
O que se diz a respeito do Brasil pode ser facilmente aplicado a vários outros países em condições semelhantes.
A recente proposta dos EUA e da UE na OMC
Levando em consideração tanta evidência e tanta análise de diversas fontes confiáveis, é chocante que a recente proposta dos EUA e da UE para bens ambientais na OMC exclua o etanol da lista de bens sujeitos à eliminação tarifária.
A proposta contém várias falhas:
1. Ela se concentra exclusivamente em acesso a mercados para uma lista de produtos unilateralmente declarados “bens ambientais”. Como todos sabemos, não há na OMC – ou em nenhum outro lugar – definição precisa do termo “bem ambiental”. Se houvesse, ela certamente incluiria os biocombustíveis.
2. A proposta não terá qualquer impacto material na luta contra a mudança do clima se comparada com os biocombustíveis.
3. Os produtos da lista foram – todos eles – selecionados entre produtos que compunham outras listas previamente apresentadas em negociações da OMC por países desenvolvidos. O estudo do Banco Mundial, no qual a lista é supostamente baseada, não examinou nenhum produto que não estivesse naquelas outras listas.
4. A proposta ignora completamente todos os produtos agrícolas que poderiam, por qualquer motivo, ser considerados “bens ambientais”. Tratar de mudança do clima deixando a agricultura de lado não tem a menor credibilidade. Isso, mais uma vez, é uma forma de discriminação contra a agricultura, uma das razões principais para o lançamento da Rodada de Desenvolvimento de Doha.
5. A proposta ignora completamente o aspecto desenvolvimento das negociações. Na verdade, a palavra “desenvolvimento” sequer aparece no texto que circulou em Genebra. Isso constitui uma contradição frontal com os princípios não apenas da OMC, mas da Convenção sobre Mudança do Clima.
O argumento de que produtos agrícolas não estão incluídos no mandato de Comércio e Meio Ambiente não corresponde aos fatos. O mandato não faz qualquer distinção entre bens industriais ou agrícolas. Na Declaração Ministerial de Doha, simplesmente concordamos em negociar:
“31. (iii) a redução ou, conforme apropriado, a eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias a bens e serviços ambientais.”
No que se refere aos biocombustíveis, a eliminação de tarifas e outras taxas de efeito equivalente é apenas um elemento. Dois outros aspectos são igualmente fundamentais para a liberalização do comércio:
- A redução de subsídios distorcivos ao comércio, que diminuem os preços e impedem que países em desenvolvimentos tenham acesso a mercados; e
- A eliminação de regras e padrões impostos unilateralmente, que constituem barreiras insuperáveis para o estabelecimento de um mercado internacional operacional e desimpedido.
No que diz respeito a esse último ponto, registramos com agrado o fato de que, em marco de 2007, os Estados Unidos e as Comunidades Européias uniram-se ao Brasil, África do Sul, China e Índia no lançamento do Foro Internacional de Biocombustíveis. Entre outras coisas, a iniciativa procurará desenvolver padrões e regras técnicas aplicáveis aos biocombustíveis, bem como um mercado global para esses produtos. Procurará, também, transformá-los em commodities. Trata-se de um avanço bem-vindo, que mostra como podemos trabalhar juntos para concretizar plenamente o potencial da cooperação internacional no campo da mudança do clima.
O Presidente Lula convidou países-membros das Nações Unidas para participar da Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, que se realizará no Brasil em novembro de 2008.
Transferência de Tecnologia
Outro elemento importante na luta contra a mudança do clima é a necessidade de tornar as “tecnologias limpas” mais facilmente disponíveis. Muitos dos avanços tecnológicos são obtidos por empresas privadas e são protegidos pelas regras de propriedade intelectual. Isso não nos deve impedir de tentar encontrar meios para permitir que essas tecnologias sejam rapidamente assimiladas e postas em uso por todos os países.
O acordo TRIPS já dispõe de flexibilidades próprias para o “uso público não-comercial”. A partir dos conceitos que estão consagrados na Declaração sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública, poderíamos examinar maneiras de como novos mecanismos podem ser desenvolvidos para auxiliar no combate à mudança do clima com tecnologias melhores e mais modernas.
Podemos, também, conceber meios de:
- Disseminar tecnologias favoráveis ao clima que sejam desenvolvidas por órgãos públicos; ou
- Financiar a aquisição de tecnologias que possam ter impacto positivo sobre a redução de emissões nocivas, tornando tais tecnologias acessíveis a todos os paises.
*****
Texto em inglês
Relationship between trade and climate-change must observe a basic principle: agreed actions must result in benefits to trade, to the environment, and to development.
Development
Development is a key element of this equation. We will not change the way we interact with nature, unless we first change the social and economic strains that are the source of the problem.
Paramount among them are the unsustainable patterns of production and consumption of the most developed economies, which also tend to be emulated in the developing world.
To take development fully into consideration, forum for discussion must be inclusive and representative. The multilateral fora are the most appropriate.
Climate Change
To truly address climate change, we must significantly reduce the use of fossil fuels. If there is one thing upon which there is general consensus on, it is that usage of biofuels reduces the net production of greenhouse gases.
The Nobel Prize winner IPCC clearly classifies “bioethanol from sugars and starch” as a product obtained by a desirable renewable-energy technology classified in the most advanced of four categories; one that is “technologically mature with established markets in at least several countries”. Therefore, there is at least one thing we need not discuss: whether or not ethanol is an environmental good; this has been unequivocally decided for us by irreproachable, impartial experts.
The switch to renewable fuels is not only desirable, it is also feasible. According to an UNCTAD study, substituting up to 20% of mineral fuels consumed worldwide with biofuels is attainable by 2020. This would not be a minor step in the fight against climate change.
This is also undoubtedly why the richer economies have been investing heavily in the production of ethanol and other biofuels.
According to a report of the IISD (International Institute for Sustainable Development):
1. the USA will spend around US$ 70 to 80 billion on subsidies to ethanol over the period 2006 – 2012. An extra US 10 billion would go to biodiesel over that same period.
2. In 2006 alone, the US spent something between US$ 5.5 to 7.3 billion for support on ethanol and the EU just about the same, at € 3.6 billion also in 2006.
Developing countries do not have to spend so much precisely because of their natural competitive advantages in agriculture. According to the Cane Resources Network for Southern Africa, on average, biomass in tropical and sub-tropical climates is five times more productive, in terms of photosynthetic efficiency, than biomass produced in temperate zones.
In addition, for sugarcane ethanol, the biomass is employed in the production process, with significant gains in terms of energy ratio. For sugar cane ethanol produced in Brazil, for example, that ratio is above 8 to 1. This contrasts sharply against ratios obtained in developed countries. In the US, using corn, and in the EU, using beets, the best ratios do not even reach 2 to 1.
The liberalization of the ethanol market would not benefit Brazil alone. It would also help other developing countries. A study by the Cane Resources Network for Southern Africa finds that Sub-Saharan Africa has significant bioenergy potential due to low population densities in many areas, large areas of suitable cropland and pastures, and the low productivity of existing agricultural production systems. It also notes the existence of low employment opportunities in rural areas and the labour intensive nature of bioenergy.
In short, liberalizing trade of ethanol and other biofuels is a win-win-win situation for the triad trade / climate change / development.
As far as Brazilian ethanol is concerned, the UNDP Human Development Report 2007-2008 states:
“International trade could play a much larger role in expanding markets for alternative fuels. Brazil is more efficient than either the European Union or the United States in producing ethanol. Moreover, sugar-based ethanol is more efficient at cutting carbon emissions. The problem is that imports of Brazilian ethanol are restricted by high import tariffs. Removing these tariffs would generate gains not just for Brazil, but for climate change mitigation.”
What is said about Brazil can easily be applied to many other countries with similar conditions.
Recent US – EU proposal in the WTO
In the face of so much evidence and analysis from a variety of reliable sources, it is striking that the recent US – EU proposal for environmental goods in the WTO excludes ethanol from the list of goods subject to tariff elimination.
That proposal has a number of shortcomings:
1. It has an exclusive focus on new market access for list of products unilaterally declared as “environmental goods”. As we all know, we don’t have in the WTO – nor anywhere else – a precise definition of the term “environmental goods”. If we had one, it would for sure include biofuels.
2. The proposal will have no real material impact on the fight against climate change compared to biofuels.
3. The products on the list were – all of them – selected from those that composed previous lists submitted in the WTO negotiations by developed countries. The World Bank study, on which it is allegedly based, did not look at any products outside those lists.
4. The proposal entirely disregards all agricultural products that could, for any reason be considered an “environmental good”. To address climate change overlooking agriculture is simply not credible. This, again, is another instance of discrimination against agriculture, which was one of the main reasons to launch the DDA.
5. The proposal entirely disregards the development aspect of the negotiations. In fact, the word “development” simply does not appear in the text that was circulated in Geneva. This is in sharp contradiction with the principles not only of the WTO but of the Convention on Climate Change.
The argument sometimes flagged that agricultural products are not covered by the mandate on trade and environment does not correspond to the facts. The mandate makes no distinction between industrial or agricultural goods. In the Doha Ministerial Declaration we simply agree to negotiate on:
“31. (iii) the reduction or, as appropriate, elimination of tariff and non-tariff barriers to environmental goods and services.”
As far as biofuels are concerned, the elimination of tariffs and other duties of equivalent effect is just one element. Two other aspects are also fundamental for trade liberalization:
- Reduction of trade-distortive subsidies, which depress prices and impede developing countries to enter the market; and
- Eliminate the unilaterally developed regulations and standards that constitute insurmountable barriers to the establishment of an operational and unhindered international market.
Concerning this latter point, we welcome the fact that, in March 2007, the United States and the European Communities joined Brazil, South Africa, China, and India in launching the International Biofuels Forum, which will, among other things, work to develop standards and technical regulations applicable to biofuels, so as to develop a global market for these products and transform them into real commodities. This is a welcome development, that shows how we can work together to fully realize the potential for international cooperation in the field of climate change.
President Lula invited UN Members to participate in the International Biofuels Conference, to take place in Brazil, in November 2008.
Transfer of Technology
Another important element in the battle against climate change is the need to make the “clean technologies” more easily available. Most technological breakthroughs come from private companies and are protected by the intellectual property disciplines. This should not prevent us from trying to find ways to allow these technologies to be quickly assimilated and put to use by all countries.
The TRIPs agreement already has inbuilt flexibilities for “public non-commercial use”. We could examine ways on how, building on the concepts that are enshrined in the Declaration on the TRIPs Agreement and Public Health, new mechanisms might be developed that help us fight climate change with better and more updated technologies.
We may also devise ways to:
- disseminate climate friendly technologies that are developed by public entities; or
- fund the acquisition and make available to all countries technologies that may have a consequential impact on the reduction of hazardous emissions.
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