Indústria do seqüestro assola a América Latina
O pagamento de resgates chega a mais de 1 bilhão de euros por ano
Juan Jesús Aznárez, em Madri
El País, 20/02/2008
A pecuarista Carolina Restrepo, de 40 anos, foi libertada há cinco anos, depois que sua família pagou 110 mil euros ao Exército de Libertação Nacional (ELN), a segunda guerrilha da Colômbia. "Vocês têm de financiar a guerra", lhe diziam. A maioria dos milhares de seqüestros cometidos anualmente na América Latina não é denunciada, mas é paga. Os resgates milionários permitem ilegalidades de todo tipo: o funcionamento do ELN e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), uma teia de aranha de empresas de fachada ou as contas bancárias de centenas de bandos de criminosos e máfias policiais no México, Brasil, Argentina, Venezuela e Equador. Muitas vítimas perdem a vida ou são mutiladas para apressar o pagamento dos resgates.
A instabilidade política ou econômica de vários países da América Latina, a fragilidade do Estado de direito em quase todos e a pobreza maciça alimentam uma série de conseqüências danosas: o seqüestro, seja político ou como um crime comum, freia o investimento das companhias estrangeiras ao encarecer suas operações com custosos planos de segurança.
Não são poucos os executivos que se recusam a viver nas capitais mais perigosas. "Me ofereceram para viver na Cidade do México e eu disse que não porque tenho dois filhos adolescentes", confessa o advogado J.M.A., 52, que trabalha para uma multinacional espanhola. Mais de 50% dos seqüestros ocorridos no mundo, com resgates que superam 1 bilhão de euros, se localizam na América Latina, 7.500 no ano passado, segundo as estatísticas disponíveis e outros dados da empresa de segurança britânica Control Risks Group.
A peripécia de Carolina Restrepo foi dura e reveladora. Universitária, filha de um rico latifundiário, simpatizava com a ideologia supostamente redentora dos insurgentes. Ela lhes propôs um debate que foi sempre rejeitado. "São muito pobres ideologicamente." Para obter informação sobre o patrimônio familiar, o chefe do bando a namorou fingindo ser outro seqüestrado. Descoberta a farsa, as perguntas foram diretas: "Quem são os ricos da região? Com quem nos comunicamos? Queremos um número de telefone e a lista de propriedades."
As Farc, por sua vez, retêm atualmente 770 pessoas; o ELN, 400; grupos paramilitares, cerca de 250, e o crime comum, 1.757, segundo a Fundação País Livre. Entre 1996 e 2007 morreram 1.285 pessoas em cativeiro. "O número dramático mostra as condições deploráveis em que se encontram os que foram privados da liberdade", denuncia Olga Lucía, diretora da fundação.
As minas da brutalidade e do seqüestro não terminam na Colômbia. O México a segue na lista porque, assim como no Brasil, Venezuela ou Argentina, as desigualdades sociais são abissais e a corrupção e a ineficácia policial, elevadas. "Quando seqüestraram meu segundo irmão, vim para a Espanha", conta o economista mexicano A.M., 30 anos, filho de pais espanhóis e proprietário de várias padarias no Distrito Federal. "Fui ao lugar onde devíamos deixar o dinheiro", lembra. "Ora, sem que tivéssemos denunciado o seqüestro, havia um veículo policial nas imediações. Um agente recolheu o dinheiro."
No ano passado foram denunciados 438 seqüestros de longa duração no país asteca, segundo o Conselho Cidadão para a Segurança e a Justiça Penal do México. "Mas para cada um denunciado permaneceram três sem conhecimento das autoridades", afirma José Antonio Ortega, diretor do conselho. O butim anual beira os US$ 600 milhões.
No entanto, é muito difícil quantificar o dinheiro manipulado pela indústria do seqüestro na América Latina, devido ao sigilo lógico das operações. A insegurança também atemoriza a Venezuela, cuja capital, Caracas, é uma armadilha quando escurece. Pelo menos uma pessoa é seqüestrada por dia, segundo dados oficiais. "Quando me enviaram o vídeo com meu irmão pedindo que a família pagasse, eu desmoronei. Tinha o pânico no rosto", relata J.S., 45, um advogado abastado de origem cubana.
No dia da entrevista, que ocorreu dentro de seu carro em Caracas, ele escondia uma pistola carregada entre as pernas, tal era seu medo de ser seqüestrado. "Viajamos com o dinheiro (quase US$ 1 milhão) por uma estrada do Estado de Zulia (fronteiriço com a Colômbia) e os seqüestradores nos chamaram por telefone. Tínhamos de jogar a maleta pela janela do carro e continuar em movimento. Fizemos isso e pouco depois o libertaram."
Seqüestro relâmpago se consolida
O seqüestro-relâ mpago (ou "secuestro exprés" nos países hispânicos) dura menos de um dia, dá um lucro limitado, entre 500 e 5 mil euros, e se firmou como o mais freqüente na América Latina. Só na cidade brasileira de São Paulo são cometidos mensalmente 500 delitos desse tipo, segundo vários relatos. As vítimas são levadas de seus carros nos semáforos, de cinemas, no trajeto para o trabalho: em qualquer momento da rotina diária do cidadão. Depois, a primeira visita é aos caixas automáticos.
"Com o nervosismo, eu errava a senha do cartão e isso me custava mais alguns socos", lamentou uma vítima. Essa modalidade rivaliza com os seqüestros clássicos, com resgates acima de 50 mil euros, mas que obrigam a ter lugares onde reter a vítima indefinidamente.
Há três anos a companhia de seguros Kroll elaborou uma classificação dos países mais castigados: Colômbia, com 4 mil seqüestros anuais; México, 3 mil; Argentina, 2 mil e Brasil, 1 mil. Embora seus governos indiquem cifras mais baixas, o delito continua fazendo estragos. O seqüestro, a extorsão e o narcotráfico financiam as guerrilhas colombianas, que obtêm cerca de 600 milhões de euros anuais por esses esquemas, segundo dados oficiais.
Os policiais corruptos da Argentina também dispõem de receitas extraordinárias. Sabe bem disso o professor espanhol A.B., de 49 anos. "Aceitei a direção de um colégio em Buenos Aires e pouco depois a polícia do bairro onde eu morava me pediu uma contribuição voluntária", lembra. "Me neguei e minha filha de 9 anos foi seqüestrada. Para resgatá-la, tive que vender rapidamente meu apartamento na Espanha, o carro e os quadros, e fui morar com a sogra."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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