Transcrevo abaixo material retirado do Jornal da Ciência, edição de 10 de março de 2006, sobre a confusão instalada em relação à escolha de um padrão para a TV digital barsileira.
Figura em primeiro lugar mensagem que eu mandei para esse jornal, seguida de matéria transcrita da Agência Carta Maior:
Leitor opina sobre o processo de escolha do padrão de TV digital
Que tal, se por uma vez, o Estado dissesse: renuncio a uma escolha que sempre será parcial, incompleta e falha, e deixo à sociedade e aos agentes econômicos a liberdade de escolha
Mensagem de Paulo Roberto de Almeida, sociólogo (pralmeida@mac.com e http://www.pralmeida.org):
“Perguntar não ofende: Se é para defender a soberania nacional e os interesses ditos populares na definição de um padrão para a TV digital no Brasil, e se a definição por algum dos existentes, ou mesmo a de um novo, híbrido, como defendem alguns, sempre se dará em detrimento de uma série de vantagens (ou desvantagens) inevitavelmente associadas a qualquer um deles, por que não optar pelo óbvio, pelo mais simples, pelo que dá a maior liberdade possível a todos e a cada um, por que não optar por um que desobrigue o Estado de ter de fazer uma dolorosa e dubitável escolha, que sempre será acusada de parcial e leviana (além das inevitáveis suspeitas de corrupção), por que não optar pela não opção?
Exatamente: que tal, se por uma vez, o Estado dissesse: renuncio a uma escolha que sempre será parcial, incompleta e falha, e deixo à sociedade e aos agentes econômicos a liberdade de escolha.
Senhores: façam as suas apostas, o caminho está livre, decidam vocês mesmos, operadores, provedores de programas, fabricantes de aparelhos, que tecnologia querem seguir e sejam livres em seus respectivos empreendimentos. O Estado não adotará nenhum padrão: a sociedade e o mercado o farão, em total liberdade, pois a concorrência aberta sempre foi o melhor dos sistemas econômicos. E que vença o melhor... (Depois de alguma confusão, o melhor do ponto de vista dos consumidores acabará fatalmente se impondo).”
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Governo prioriza política industrial, sob protestos de organizações
Em audiência com entidades da sociedade civil, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, confirmou que a prioridade nas negociações se concentra na instalação da indústria de semicondutores no Brasil como contrapartida
Organizações contestam postura do governo.
Relegado às altas rodas técnicas de universidades e do Ministério das Comunicações até o ano passado, a definição sobre a formatação do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) vem se aproximando de um momento crucial: a escolha do padrão tecnológico.
A proximidade da data vem acirrando a disputa entre radiodifusores, empresas de telecomunicações e tecnologias estrangeiras e dentro do governo. O objeto da briga é o modelo de TV brasileiro, que chega a mais de 90% dos lares do país, e é cobiçado tanto pelo seu potencial de mercado quanto pela sua importância política na formação da opinião de ampla parcela da população.
Por fora da briga de cachorros grandes, que envolve um cercado de R$ 100 bilhões nos próximos 15 anos, movimentos sociais, entidades representativas e organizações que lutam por uma comunicação democrática buscam o adiamento de qualquer decisão neste momento e querem a ampliação do debate para o conjunto da sociedade.
Apesar da tentativa frustrada de aprovação do padrão tecnológico japonês (ISDB), há um mês, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, conseguiu pautar no interior do governo a concepção de que a decisão a ser tomada seria relativa à escolha de um dos padrões tecnológicos de outro país para o SBTVD, ignorando totalmente as pesquisas produzidas no país que possibilitariam uma tecnologia majoritariamente brasileira.
O processo passou a ser conduzido pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que se reuniu com os diversos atores na disputa, principalmente os representantes de padrões estrangeiros.
A discussão evoluiu para uma negociação com os japoneses e europeus pelas melhores vantagens e teve o foco direcionado para contrapartidas destes padrões no plano da política industrial.
Fontes do setor consultadas pela Carta Maior acreditam que as notícias sobre a definição em favor dos japoneses tenham procedência. Matéria publicada no jornal “Folha de SP” nesta quarta-feira (08) deu como certa esta decisão.
Segundo a reportagem, a escolha do ISDB se justificaria pela oferta dos japoneses de investir US$ 2 bilhões em uma fábrica de semicondutores no país e pelo forte lobby das emissoras de TV em ano de eleições. Mas no mesmo dia o presidente Lula negou, em Londres, que já tenha sido tomada qualquer decisão.
A análise feita por pessoas próximas ao processo de negociação é que a matéria, supostamente plantada, teria bastante fundamento, mas que o governo fez que não era com ele por que ainda tem esperança de receber nova proposta dos europeus e forçar mais a negociação.
Em audiência realizada com entidades da sociedade civil nesta quarta-feira (8), a ministra Dilma enfatizou que o objetivo central do governo é conseguir trazer uma fábrica de semicondutores (chips), sem a qual o país aprofundaria uma posição periférica na economia global, aumentaria o déficit na balança comercial e "perderia a guerra".
Segundo Edison Lima, do Sindicato dos Pesquisadores em Ciência em Tecnologia de São Paulo, hoje os eletrônicos são o item mais deficitário da balança comercial brasileira, com resultado negativo de US$ 7 bilhões ao ano.
"Desta parcela, cerca de US$ 3 bi são referentes a semicondutores importados, o triplo do que o país exporta por ano em aviões, para fazer uma comparação", diz.
Na avaliação da ministra, todo o resto das definições - desde o modelo de exploração dos serviços e um novo marco regulatório até as regras de transição – seria feito em momento posterior.
Na audiência, os integrantes de organizações da sociedade civil questionaram a ministra sobre como a sociedade seria ouvida nesta discussão, uma vez que a negociação em curso já envolve a definição do padrão tecnológico, amarrando determinadas definições sobre o modelo. Dilma Rousseff respondeu afirmando que a negociação não será pública, que pode não ter conclusão no dia 10 (sexta-feira) e que importa pouco, do ponto de vista do modelo, o padrão escolhido, uma vez que as tecnologias tendem a convergir em um curto espaço de tempo, e todas teriam demonstrado disponibilidade em incorporar soluções nacionais. O diferencial seria quem poderia oferecer a fábrica de semicondutores.
Mas a avaliação de alguns presentes na reunião é que pesou forte o lobby dos radiodifusores e o medo do governo de tê-los, se não como aliados, pelo menos não como inimigos até outubro.
"O governo não pode tratar esta decisão, que tem relevância para a nação e para o conjunto da sociedade e pode alterar o cenário concentrado da mídia brasileira, sob o ponto de vista do pragmatismo eleitoral", critica Diogo Moysés, do Intervozes.
O medo dos integrantes das organizações da sociedade civil é que a alegação das vantagens oferecidas pelos japoneses seja apenas um argumento para justificar a adoção do padrão tecnológico historicamente defendido pela Rede Globo.
A preocupação ganha fundamento pelo fato de os japoneses ainda não terem assegurado os investimentos na fábrica de semicondutores, diferente do que diz a reportagem do jornal Folha de São Paulo, e condicionarem esta oferta a uma análise e viabilidade de mercado e de modelo, conforme reportagem do jornalista Samuel Possebom publicada nesta quinta-feira no portal Tela Viva.
A vigorar esta exigência dos japoneses, o desenho do modelo de negócios e de exploração dos serviços do SBTVD teria de ser definido agora para garantir a montagem da fábrica para o Brasil, amarrando as definições sobre modelo de negócios e serviços, essenciais no SBTVD, segundo Celso Schröder, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
"Não é na política industrial que está contido o desenho da nova cadeia de valor, que advirá da convergência, muito menos seu modelo de serviços e negócios, que deveriam ser os pontos-chaves da política do SBTVD".
Segundo integrantes das organizações, neste novo cenário, a política industrial conteria, sim, o desenho dos outros modelos e o governo passaria então a definir a parte essencial do SBTVD de forma não pública e sem ampla discussão com a sociedade, demonstrando mais uma vez o equívoco na condução do processo e a opção de privilegiar os interesses dos radiodifusores em detrimento da sociedade.
Esse quadro confirmaria a advertência contida na carta entregue pelas entidades à ministra Dilma Roussef, de que estaria em curso uma tentativa de "criar fatos consumados que terminem impedindo a realização de uma das maiores potencialidades da digitalização da TV aberta: a multiplicação do número de canais de televisão e a inclusão digital da população".
A posição foi endossada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), também presente à reunião. "A discussão de política industrial tem que ser feita junto com o modelo de exploração para evitar um fato consumado", disse.
Debate aberto
Para evitar a política de fato consumado as organizações da sociedade civil foram solicitar a ministra Dilma Roussef o adiamento da decisão e abertura de amplo debate com a sociedade. Estiveram presentes representantes da CUT, da Associação Brasileira de ONGs (Abong), do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM), do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação (Cris Brasil) e do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC).
"Com a TV digital, será possível abrir a radiodifusão para novas operações como pequenas emissoras comerciais de âmbito local, canais legislativos, comunitários, universitários, públicos e até mesmo produzidos pelos próprios movimentos sociais. Esta decisão terá enormes impactos sociais, culturais e econômicos na vida brasileira e, por isso mesmo, necessita ser fruto de amplo debate", diz a carta entregue.
Os integrantes questionaram a ministra sobre a definição da exploração dos serviços e como a TV Digital poderia contribuir para a democratização da comunicação, permitindo a entrada de novos atores no espectro eletromagnético.
Outra preocupação manifestada pelos presentes foi a dispensa da tecnologia nacional produzida pelas universidades brasileiras.
"O Brasil investiu tempo, dinheiro e obteve ótimos resultados nas pesquisas que produziu. É importante saber se isso será considerado e como acontecerá, pois corremos o risco de colocar inovações que avançam frente à consagradas tecnologias na lata de lixo", questiona Edison Lima.
A posição do governo começa a revoltar também os pesquisadores.
"Vemos encoberta a discussão de áreas em que o Brasil pode de fato alavancar suas indústrias e criar um diferencial de qualidade, que é o caso do software e da geração de conteúdo, áreas que estão intimamente ligadas. Enganam-se aqueles que pensam que a adoção de um padrão estrangeiro não afetará o desenvolvimento de conteúdos", afirma texto escrito por Luis Fernando Soares e Guido Lemos, coordenadores de um dos consórcios brasileiros que produziu inovações tecnológicas.
Na avaliação de José Zunga, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), outro ponto-chave que está sendo solapado no processo é a definição de regras que preparem a implantação da TV Digital no país. "É importante o cuidado com o ambiente regulatório frágil na área das comunicações, pois a criação de um novo serviço pode aumentar o fosso da desigualdade entre grandes e pequenos produtores caso não seja regulada sob a ótica da sociedade".
Também preocupada com isso, a deputada Jandira aproveitou a audiência realizada com a ministra Dilma Roussef para destacar a importância da implantação da TV digital ser feita segundo um marco regulatório democraticamente discutido. Ela informou que a Câmara dos Deputados prepara um seminário ainda para este mês e questionou a ministra sobre quando o governo passaria a incorporar o Parlamento no processo de decisão sobre os rumos do SBTVD.
A ministra reiterou a posição de que o marco regulatório ficaria para depois, mantendo impasse com a posição das entidades. Ao final da reunião, as entidades cobraram que o governo defina concretamente como vai incorporar a sociedade civil no debate. A ministra prometeu uma resposta, mas manteve a posição de que a discussão neste momento ficará restrita ao governo.
(Carta Maior, 9/3)
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