quinta-feira, janeiro 18, 2007

178) Irlanda, um artigo de Marcio Coimbra

O Tigre Celta
Por Márcio C. Coimbra*
marciocoimbra@gmail.com

Se buscarmos qualquer palavra para definir a Irlanda atual, sem dúvida será liberdade. As reformas de cunho liberalizante iniciadas em 1997, conduzidas com enorme inteligência, levaram o país a ostentar indicadores invejáveis. Durante uma recente reunião da The Mont Pèlerin Society, na Guatemala, foi apresentado um trabalho que cruzava dados de todos os indexes de liberdade elaborados por diversos institutos de estudos pelo mundo. Depois de analisar todas as informações, a Irlanda foi considerada o país mais livre do mundo, ou seja, uma nação que possui baixa carga tributária, excelentes níveis de educação, respeito ao cumprimento dos contratos e das leis, independência do Judiciário, respeito à propriedade intelectual, instituições fortes, baixos níveis de corrupção e pouca regulação do Estado na economia. Tudo com o objetivo de incentivar o empreendedorismo. Sua pujante economia liberal, responsável por gerar ótimos indicadores sociais, levou o país a receber o apelido de Tigre Celta.

A mudança começou a ser gestada durante uma cisão política em 1985, com a criação da Democracia Progressista ou simplesmente Partido Democrático (An Páirtí Daonlathach). Este novo grupo político introduziu os conceitos de valorização da livre-iniciativa, baixos impostos, economia competitiva, privatizações e equilíbrio orçamentário com o objetivo de criar um ambiente de comércio dinâmico. Mesmo com Partido Republicano (Fianna Fáil) ocupando a Presidência e a Chefia de Governo (Taoiseach), a habilidade política da Democracia Progressista forneceu a possibilidade de influenciar nas políticas da administração federal por intermédio da Vice-Chefia (Tánaiste), desde a formação do governo de coalizão de 1997, primeiro com Mary Harney (1997-2006) e atualmente com Michael McDowell.

A Irlanda, entretanto, nem sempre foi livre e rica. Durante muitos anos viveu com grande interferência do Estado em sua economia. O desemprego, que hoje é de cerca de 4%, já alcançou 19% em 1987. Os problemas já foram enormes, como crises econômicas que geraram ondas de fome, secas que destruíram plantações e levaram a morte mais de 1 milhão de irlandeses ainda no século XIX. Neste período, mais de 2 milhões deixaram o país, que perdeu por volta de 35% da população. Os problemas continuaram com a interferência dos britânicos e as fortes reações irlandesas, como o Levante da Páscoa em 1916. A independência total veio aos poucos, primeiro com o estabelecimento de um Estado Livre, depois com a Constituição de 1937 e finalmente a República em 1949. Hoje, aberta, soberana e livre, a Irlanda se tornou uma nação de forte imigração, de braços abertos, especialmente aos descendentes dos antigos irlandeses que deixaram o país no passado.

O surgimento do Tigre Celta, na década de 90, é creditado a diversos fatores, entretanto, o mais interessante é observar o processo de ruptura com a interferência do Estado na economia e o surgimento de um país moderno, desenvolvido e socialmente saudável. A entrada na Comunidade Econômica Européia em 1973 é uma parte importante do processo, embora não explique o progresso espetacular a partir de 1997. O mesmo vale para a Espanha, que conheceu um governo de características similares que iniciou no mesmo período que o irlandês. A simples entrada da Espanha na Comunidade Européia em 1986 não foi responsável pelo seu magnífico progresso. Espanha e Irlanda implementaram políticas liberalizantes, responsáveis por seu fabuloso progresso muito tempo após sua adesão ao bloco econômico europeu. O crédito, neste caso, deve ser dado a coalizão entre Democracia Progressista e Partido Republicano na Irlanda, a partir de 1997 e ainda em curso, e ao Partido Popular na Espanha, entre o período de 1996 e 2004.

Durante meu período em Dublin, tive a felicidade de conhecer um país aberto, com liberdades plenas, sem interferência do Estado na economia, o que gerou pleno emprego e um ambiente socialmente desenvolvido. A experiência da Irlanda, sem precedentes em sua história, é uma lição aos países irresponsáveis, toscos e ignorantes que flertam que o populismo e políticas de assistência, como o Brasil e alguns de seus pares na América Latina. As políticas de plena liberdade levam invariavelmente ao sucesso, ao progresso e aos melhores indicadores sociais. “There is no free lunch”, como dizia o saudoso Milton Friedman. Ele estava certo. É só observar no que se transformou a Irlanda.

Artigo redigido em 31.12.2006
Em Dublin, Irlanda.

* Márcio Chalegre Coimbra. Analista político. Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Ação Política pela Universidad Francisco de Vitória e Universidad Rey Juan Carlos, em pesquisa para Fundación FAES (Partido Popular), em Madri, Espanha.

Membro da The Mont Pèlerin Society. Conselheiro do Instituto Liberdade. Membro do Conselho Consultivo do Instituto Federalista. Sócio do IEE - Instituto de Estudos Empresariais. É editor-chefe do site Parlata.

Possui artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv e www.hacer.org) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese - IOB Thomson (www.sintese.com).

Um comentário:

Anônimo disse...

Não vejo as coisas tão róseas assim, mas é importante destacar o clima de liberdade econômica aqui prevalecente. Fala-se muito aqui na opção que a Irlanda fez pelo modelo Boston, de baixo nível de intervenção estatal (e baixos impostos), repudiando o modelo "Berlim", de alta tributação e que prevalece na maioria dos países da "velha Europa". A contrapartida nota-se na péssima infra-estrutura de transportes e saúde e nos índices preocupantes de aumento vertiginoso da brecha entre pobres e ricos. A dependência em relação aos investimentos norte-americanos é absoluta. O expressivo superavit comercial não compensa as remessas de capital a título de lucros, royalties, etc. Há uma fragilidade muito preocupante. Se os contadores das sete maiores empresas norte-americanas aqui sediadas concluirem que as vantagens tributárias já não compensam os custos de produção extremamente elevados e determinarem uma migração para as Chinas, Polônias e Lituânias da vida, o Tigre perde a ferocidade. O Estado aqui intervem, sim, mas de forma inteligente, estimulando as empresas 100% irlandesas e elevar seu nível tecnológico e a buscar mercados externos. É uma corrida contra o tempo. Na UE a grande preocupação da Irlanda é evitar que alemães e franceses façam aprovar um sistema de harmonização tributária que anule a vantagem hoje oferecida aos investidores estrangeiros. Como no Brasil fazem os Estados com o ICMS. Uma equação: Zona Franca de Manaus está para o resto do Brasil como a Irlanda está para a União Européia.