quinta-feira, fevereiro 01, 2007

179) Victor Hugo: um escritor exemplar

Resenha da biografia de Victor Hugo por Max Gallo, publicada no jornal Valor Econômico. Gostei, sobretudo, deste trecho:
"E Victor Hugo produzia muito, era uma verdadeira máquina de escrever. "Ele acordava de madrugada para trabalhar e não parava nunca", diz Gallo. Era tão rápido que podia terminar uma peça de teatro em 15 dias. Escreveu 17.500 páginas ao longo da vida, passando pelos mais diversos gêneros literários. Seu segredo? "Uma energia incrível."
Pois é, para escrever é preciso energia, mas são necessárias, sobretudo, idéias...


A estética da pobreza em Victor Hugo
Por Joana Calmon
Jornal Valor Econômico - caderno EU&Fim de Semana, 26/01/2007

Retrato de Victor Hugo: o maior autor romântico da língua francesa foi também fotógrafo, pintor, político e um cidadão engajado que lutou pela liberdade e pelos direitos humanos

Dono de uma vocação precoce e ambições imensas, Victor Hugo, ainda garoto, estava decidido a se igualar a um dos maiores escritores de sua época: "Quero ser Chateaubriand ou nada", escreveu, aos 14 anos, em seu diário. Em pouco tempo, chegou aonde queria. E foi além. Na hora da morte, teve a chorá-lo, nas ruas de Paris, mais de um milhão de pessoas. Seu corpo foi exposto sob o Arco do Triunfo e depois levado para o Panthéon, templo supremo dos heróis da pátria, onde repousam Voltaire e Rousseau, só para ficar nos grandes nomes da literatura.

Mas Victor Hugo não entrou para a história apenas como um dos maiores autores românticos da língua francesa. Além de poeta, dramaturgo e romancista, foi fotógrafo, pintor, político e cidadão engajado. Lutou pela liberdade e pelos direitos humanos, revoltou-se contra a pena de morte e conquistou a imagem de "pai dos pobres". Graças a sua obra famosa, "Os Miseráveis", o povo ganhou destaque na literatura.

"Antes dele, nenhum escritor havia atribuído um papel aos pobres. Ele introduziu valores até então inéditos no mundo das letras, como a justiça social e a fraternidade. E isso influenciou a literatura em diversos países, inclusive no Brasil", explica o historiador e escritor Max Gallo, que lança "Victor Hugo", biografia em dois volumes - "Eu Sou uma Força Que Avança", que aborda o período entre 1802 e 1843, e "Este Sou Eu", que retrata os anos entre 1844 e 1885.

Ao longo de mil páginas, o autor segue, passo a passo, a trajetória de uma das mais importantes figuras da França, desde o seu nascimento - antes ainda, já que começa o livro pelo momento em que ele foi concebido - até a morte. Ao contrário de outros biógrafos de Victor Hugo, Max Gallo não aborda apenas a obra literária e as realizações do homem público. Adentra também sua vida privada. Esse mergulho na intimidade do poeta exacerba aspectos geralmente pouco explorados, como a relação complicada com o pai na juventude e a quase obsessão sexual na velhice.

Para reunir o material necessário, Gallo viajou aos lugares onde o escritor viveu, analisou o depoimento de pessoas que atravessaram seu caminho e leu os jornais da época, assim como todas as suas correspondências. Também decifrou, com a ajuda de especialistas, as anotações que ele fazia em seus caderninhos e diários. "Ele escrevia todos os detalhes de sua vida amorosa em código, mas conseguimos interpretá-los e reconstituir fielmente mesmo as cenas mais picantes, sem trair a realidade", garante o autor. "Victor Hugo foi um grande amante até o fim de seus dias."

E com a mesma intensidade com que amou as mulheres ele lutou por seus ideais. Em 1851, num ato de resistência contra o arbítrio dos poderosos, opôs-se ao golpe do imperador Napoleão III e partiu para um longo exílio, de quase 20 anos, nas ilhas britânicas de Jersey e Guernsey , no Canal da Mancha, e em Bruxelas.

Foi nesse período que Hugo começou a esculpir sua estátua de herói nacional. Jurou só pôr os pés na pátria quando a liberdade tivesse sido plenamente reconquistada. Mesmo depois da anistia concedida aos exilados políticos, recusou-se a voltar. "E, se sobrar apenas um, serei ele", declarou. Quando o império finalmente caiu, uma verdadeira multidão foi aguardar o trem que o trazia de volta à capital francesa. Ao desembarcar, Victor Hugo deparou com o povo, eufórico, gritando trechos de suas obras. Emocionado, não conseguiu conter as lágrimas.

Mesmo com momentos de glória, Victor Hugo levou uma vida sofrida, marcada por separações e pela morte de vários entes queridos. Na opinião de Gallo, o episódio mais dramático de todos foi a perda da filha Léopoldine, que morreu afogada. É justamente aí, no ano de 1843, que termina o primeiro volume de sua biografia. "Essa tragédia significa uma guinada na existência de Victor Hugo e inspirou uma parte importante de sua obra", explica.

No livro de Gallo, cada capítulo corresponde a um dos 83 anos de uma vida tumultuosa e cheia de contradições. Aos fatos históricos intercalam-se citações de Hugo, assim como seus sentimentos e sensações diante do que está acontecendo: uma espécie de autobiografia na terceira pessoa. Ao longo da história, percebe-se que o titã das letras, apesar de um sucesso estrondoso que poucos escritores tiveram o privilégio de conhecer, se angustiava muito com as vendas de seus livros.

"Victor Hugo ficou muito rico com a sua obra, mas tinha de sustentar muita gente, filhos, netos, amantes, agregados etc. Essa responsabilidade era motivo de preocupação constante. Por isso, estava sempre em contato com os editores, discutindo as estratégias de divulgação, pressionando para que eles investissem em publicidade. Ele nunca escondeu que a pluma e o tinteiro eram suas fontes de renda. Queria que cada lançamento fosse um best-seller", conta o historiador.

E Victor Hugo produzia muito, era uma verdadeira máquina de escrever. "Ele acordava de madrugada para trabalhar e não parava nunca", diz Gallo. Era tão rápido que podia terminar uma peça de teatro em 15 dias. Escreveu 17.500 páginas ao longo da vida, passando pelos mais diversos gêneros literários. Seu segredo? "Uma energia incrível. Quando esteve exilado, caminhava diariamente pela praia e mergulhava nas águas gélidas do Canal da Mancha para revigorar."

Passados 120 anos de sua morte, Hugo permanece no olimpo da literatura mundial. Mas, se milhões de pessoas conhecem os enredos de seus romances, como o "Corcunda de Notre Dame" ("Notre Dame de Paris") e "Os Miseráveis", são poucos os que lêem de fato suas páginas, consideradas por alguns críticos prolixas e rebuscadas.

Com um texto fluido e fácil de ler, Max Gallo - ele próprio um grande intelectual francês - consegue mostrar ao grande publico que Victor Hugo é muito mais do que um desenho animado dos estúdios Disney ou um espetáculo de sucesso na Broadway. E desperta nos leitores dessa magistral biografia a vontade de correr às livrarias e devorar, de verdade, a obra de seu personagem principal.

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