sábado, maio 05, 2007

206) Dia do diplomata: discursos a mais nao poder...

Dia do Diplomata (normalmetne 20 de abril), comemorado em 2007 no dia 2 de maio:

Discurso da oradora da turma, Secretária Daniela Conceição Mattos de Araújo:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores,
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Defesa,
Excelentíssima Senhora Secretária Especial de Políticas para as Mulheres,
Excelentíssimo Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores,
Excelentíssimo Senhor Diretor-Geral do Instituto Rio Branco,
Estimados Professores,
Senhoras e Senhores,
Queridos colegas de turma,

Os breves anos que separam o dia de hoje do momento em que, pela primeira vez, ingressamos na Casa de Rio Branco assistiram a profundas transformações em nossas vidas. Para muitos de nós, a vinda para Brasília significou deixar para trás terra natal, família e amigos em nome de um sonho.
2. Ocupamos as salas de aula do Instituto Rio Branco com entusiasmo para aperfeiçoar, com o auxílio dos mestres, nossos conhecimentos sobre o Brasil. Não custou muito até descobrirmos que a primeira grande lição se encontrava em meio às nossas próprias carteiras, na convivência com colegas de formação acadêmica diversa e de diferentes regiões do país. Convivência ainda mais enriquecida pela presença de cinco alunos de países amigos: Argentina, Chile, Cuba, República Dominicana e São Tomé e Príncipe. A coexistência em um meio diversificado nos mostrou os limites da visão individual, do olhar particular, apurando nossa sensibilidade para o exercício de voltar-se para o outro, esforço constantemente reclamado pela atividade diplomática.
3. No entorno físico, para a grande maioria de nós, uma cidade diferente, uma paisagem urbana cuja concretude delata uma visão particular de Brasil. Manifestação da modernidade, retrato fino de uma época em que a estética do novo erigia expectativas e esperanças para o país, em formas retas e espaços amplos. A cidade também foi mestra ao nos ensinar como tempo e espaço podem configurar o entendimento humano.
4. No período em que freqüentamos as salas do Instituto Rio Branco, enriquecemos o olhar sobre nossa pátria. Hoje, já atuantes no ofício diplomático, empreendemos a difícil tarefa de ajudar a traduzir o Brasil para o mundo e o mundo para o Brasil. Se outrora aqui entramos engenheiros, dentistas, economistas, músicos ou bacharéis em outras áreas do conhecimento, hoje podemos afirmar: somos diplomatas.
5. "O que aprendemos refaz e reorganiza nossa vida", ponderou certa vez Anísio Teixeira. De fato, nossas vidas já não são mais as mesmas. Muito devemos por isso a familiares, amigos, e à direção, ao corpo docente e aos funcionários do Instituto Rio Branco. Os quadros docentes do Instituto, em seus 62 anos de existência, reafirmam o propósito de formação acadêmica que privilegia saber em sintonia com espírito de constante renovação. Dedicação, profissionalismo, rigor e permanente busca pelo aperfeiçoamento, temperados por doses generosas de bom humor e suavidade são os valores que, condensados na pessoa da paraninfa de nossa turma, Professora Sara Walker, aprendemos a respeitar, valorizar e perseguir como metas pessoais no curso de nossas carreiras. A Professora Sara, que contabiliza este ano 30 anos de serviços prestados a esta Casa, tem sido, não apenas para a nossa turma, mas também para muitas outras que vieram antes de nós, a prova viva de que disciplina e constância na aplicação de objetivos são o melhor caminho para converter esforço em um conjunto produtivo de ações a serviço de um bem maior.
Senhor Presidente,
6. Mais do que rito de passagem, a cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco é ocasião oportuna para reflexão. Tornamo-nos diplomatas em um momento que a política externa ocupa posição central no debate da política doméstica. Longe vão os tempos em que não era descabido afirmar que as questões internacionais estavam alheias às preocupações quotidianas da sociedade. A consolidação das instituições do país abre caminhos para que organizações se articulem em torno de temas de interesse direto da população. Meio ambiente, saúde, violência urbana – tópicos sabidamente não circunscritos ao domínio dos territórios nacionais – inserem-se em uma cadeia de relações que podem ser mais amplamente compreendidas no espaço de iniciativas de intercâmbio entre parlamentos, ministérios ou setores não-governamentais. Na medida em que se multiplicam os canais de comunicação do Brasil com o mundo, somos chamados a buscar com a sociedade novas fórmulas para a inserção externa do país.
7. Mais complexas são as nossas atribuições, maior é a nossa responsabilidade. Exige-se do diplomata brasileiro que exceda a suas atribuições tradicionais de informar, representar e negociar junto a Estados estrangeiros e organismos internacionais.
8. Em tal contexto, valores para nortear e dar sentido à ação da diplomacia são indispensáveis. São os valores que nos indicam a direção do caminho, o sentido do percurso e a velocidade do passo. Tomando emprestadas palavras do mestre Guimarães Rosa, "que ninguém se iluda, o real está na travessia". E é na travessia, não na chegada, que nos deparamos com a realidade do fazer diplomático, traduzida no fiel cumprimento dos interesses do Estado brasileiro.
9. Os valores nos sustentam e moldam nossas escolhas, porém é o caminho que se converte na materialização tempestiva dos ideais que perseguimos. Muitas dificuldades afiguram-se quando nos dedicamos a concretizar os ideais dos direitos fundamentais e da dignidade do ser humano. Dificuldades que não nos devem desalentar, posto que, se é fundamental a atuação do diplomata em um mundo com valores que se busca deturpar ou renegar; num mundo sem valores, é forçoso admitir, nada há que fazermos. Justamente nos momentos trágicos de cerceamento de liberdades, do uso indiscriminado da força e da ocorrência de arbitrariedades é que têm sido de importância crucial os princípios de tolerância, de solidariedade e a resistência à opressão.
10. Inspirados, portanto, em tais valores, escolhemos para patronesse de nossa turma a Senhora Maria José Mendes Pinheiro de Vasconcellos, primeira mulher a ingressar nos quadros da diplomacia brasileira em 1918, por concurso público de provas, não sem antes travar, por sua candidatura, batalha que só chegou ao fim pela intercessão de Rui Barbosa. O jurista sensibilizou o governo a deliberar em favor da aspiração da Senhora Maria José e o então Ministro das Relações Exteriores, Nilo Peçanha, proferiu despacho em que ratificava a defesa de Rui Barbosa, argumentando que se no âmbito da política, as mulheres podiam ser rainhas e imperadoras, não havia razão de não poderem exercer cargos públicos caso demonstrassem mérito para tanto.
11. A luta das mulheres no Brasil, e em todo o mundo, é um dos melhores exemplos da busca por valores que nos levem ao encontro de uma sociedade mais justa e mais igualitária. Quiséramos falar que hoje não há mais discriminação ou violência contra as mulheres, quiséramos falar em igualdade de gênero não como uma meta a ser perseguida, mas como um valor conquistado em nossa sociedade. Sabemos que ainda há muito a se fazer. Porém, se soubermos ver na travessia a concretização dos ideais, são notáveis os avanços. 63% dos formandos em cursos universitários no Brasil, hoje, são do sexo feminino, assim como 53% dos concluintes do ensino médio. Vossa Excelência tem se empenhado em ações como o Plano Nacional de Política para as Mulheres, que em três anos lançou iniciativas nos campos educacional, da saúde e do ambiente de trabalho para beneficiar inúmeras brasileiras.
12. Queremos vislumbrar um cenário em que gênero, etnia e religião não sejam óbices ao desenvolvimento pleno das potencialidades de cada indivíduo. Não é a vitória absoluta que nos anima, mas as pequenas conquistas que pudermos granjear a cada dia de trabalho.
13. Nesta direção e neste sentido encontramos a realidade do fazer diplomático, que se traduz sumamente em servir aos melhores interesses de nosso povo. Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, gostaria de ousar dizer que não esperamos vencer. Vencer é conformar-se, é ser vencido, é submeter-se. Os vencedores ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue.
14. Permito-me assim desejar que possamos sempre estar empenhados na travessia, com a humildade de desejar que as conquistas não nos dêem a falsa sensação de dever cumprido e que jamais nos conformemos, porque sabemos que há permanentes caminhos a percorrer.
Senhor Presidente,
15. É, portanto, com o espírito desprendido que, diante de Vossa Excelência, professamos nossa determinação em lutar sempre com o espírito dos que não venceram, sem nunca nos darmos por vencidos, na certeza de que o ideal de uma sociedade mais justa e mais fraterna só pode ser construído com permanente inconformismo e com um profundo sentimento de solidariedade.
Muito obrigada.

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Senhor Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil

Palácio Itamaraty, Brasília, 02/05/2007

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de formatura da turma 2004-2006 do Instituto Rio Branco.



Meu querido companheiro Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores,
Meu querido companheiro Waldir Pires, Ministro da Defesa,
Minha querida Nilcéa Freire, Secretária especial das Mulheres,
Minha querida companheira Marisa,
Nossa querida Ana Amorim,
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral das Relações Exteriores,
Embaixador Fernando Reis, Diretor do Instituto Rio Branco,
Senhora Sarah Walker, paraninfa da turma 2004/2006,
Minha cara oradora, Secretária Daniela Matos de Araújo,
Meus queridos embaixadores,
Meus caros formandos do Instituto Rio Branco,
Meus amigos e minhas amigas,

Minhas primeiras palavras são de saudação aos jovens que hoje iniciam uma nova etapa de suas vidas no serviço exterior brasileiro.
Recebam igualmente minhas felicitações, os pais, parentes e amigos que aqui se encontram para esta celebração.
Em pronunciamento que fiz logo após as eleições, no ano passado, afirmei que havíamos lançado, nos quatro anos anteriores, as fundações para que o Brasil avançasse na superação das vulnerabilidades que retardaram o nosso desenvolvimento econômico e emancipação social.
Queremos uma política externa que seja a cara deste Brasil. O Brasil democrático que estamos construindo, que seja mais do que uma forma de projeção nossa no mundo, que seja, também, um elemento consubstancial de nosso projeto nacional de desenvolvimento. Para tanto, estamos sempre dispostos a ouvir, mas também queremos ser escutados. Temos que ocupar o lugar que nos cabe no mundo, na defesa dos interesses nacionais.
É preciso engajamento e altivez, mas também respeito pelos outros países, sejam eles pequenos ou grandes, ricos ou pobres. Humildade não é fraqueza, solidariedade não é sinônimo de ingenuidade. Para ser solidário é preciso ter firmeza e acreditar no que defendemos.
Hoje, o Brasil transita em qualquer fórum sem buscar confrontos, mas sem medo de discordar. Conversamos com todos de igual para igual, afinal, recuperamos a nossa auto-estima. Vocês, que hoje formalizam a entrada no Ministério das Relações Exteriores, herdarão a responsabilidade de fazer, da nossa função diplomática, a projeção no plano internacional dessas profundas transformações e aspirações em curso na sociedade brasileira.
Caros formandos,
O Dia do Diplomata deste ano é uma boa ocasião para avaliar os resultados de nossa política externa. Conseguimos realizar muitas coisas, a começar pela América do Sul, nossa maior prioridade. E o resultado: o comércio aumentou enormemente. Nossa região absorve hoje mais exportações brasileiras do que os Estados Unidos. As obras de infra-estrutura física se multiplicam criando uma malha de conexões energéticas, viárias e de comunicações. Lançamos a Comunidade Sul-Americana de Nações, que será consolidada com um acordo constitutivo da União Sul-Americana. Caminhamos para a formação de uma cidadania sul-americana diplomática e pluralista.
O Mercosul se expandiu com o ingresso da Venezuela. Criamos o Focem, cujos primeiros projetos já estão em andamento e vão beneficiar os sócios menores do bloco. Instalamos um parlamento que tornará o Mercosul mais próximo do cidadão e mais atento às necessidades e expectativas de nossas populações.
Fortalecemos nossa aliança com a Argentina. As relações que mantemos com os nossos vizinhos nunca foram tão densas e intensas. Não foi fácil superar décadas de distanciamento entre nós. O processo de integração pode ser às vezes turbulento, mas é indispensável.
Não há outro caminho para a América do Sul que não seja o da construção de um espaço econômico, político e social integrado. Estamos construindo um projeto de longo prazo, que dependerá do empenho desta e das futuras gerações. Não podemos nos render aos interesses imediatistas ou às dificuldades conjunturais, mas a integração não pode ser assimétrica. Ela só será efetiva se tivermos a ousaria de buscar soluções que atendam aos objetivos de todos, especialmente para os menos favorecidos, afinal de contas, isso é o que estamos fazendo no nosso próprio País.
Estamos alargando a nossa ação diplomática na América Latina e no Caribe, na África e nos países árabes. Assumimos um papel de liderança na missão de paz da ONU no Haiti e, juntamente com os nossos parceiros da região, queremos oferecer um novo paradigma de solidariedade na reconstrução de um país irmão. Com a África do Sul e a Índia criamos um foro inovador de diálogo político e cooperação trilateral, o IBAS. Somos três grandes democracias, três sociedades multiétnicas e multiculturais de três continentes diferentes.
Estou empenhado na retomada das relações com a África, continente no qual visitei 17 países. Era inconcebível que o Brasil, por sua história e por sua cultura, tivesse virado as costas para nossos irmãos africanos. Fui o primeiro Presidente da República a visitar oficialmente o Oriente Médio. Esses movimentos de reencontro estão sendo feitos em parceria com toda a América do Sul.
Em 2005, o Brasil sediou a Cúpula América do Sul - Países Árabes, enquanto a Nigéria realizou, em 2006, a primeira Cúpula África - América do Sul. Estamos criando canais de diálogo direto com nações distantes para identificar oportunidades de comércio e de investimento que permitam aos nossos países explorar as possibilidades da economia global. Pouco a pouco vamos criando uma identidade para o continente sul-americano, que favorece a projeção de uma nova imagem para a nossa região em todo o mundo.
A cooperação Sul/Sul ajuda a construir uma nova geografia econômica mundial, não excludente, genuinamente global, que se funda em parcerias para promover a paz, a justiça e o desenvolvimento integral de todos os povos. Essa orientação não nos afastou dos países desenvolvidos. Pelo contrário, fortaleceu nossa capacidade de interlocução com eles. Cada vez mais somos procurados para expressar nossas opiniões e para trabalhar em iniciativas conjuntas.
É esse o sentido do convite para que o Brasil volte, pela quarta vez, a participar este ano, na Alemanha, da Cúpula Ampliada do G-8, com as principais economias emergentes. Os países ricos sabem que não se pode falar em governança global sem a participação de países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais. Não tenho dúvidas de que a nossa ação internacional contribuiu para reforçar a consciência de que a inclusão das grandes nações do Sul nesse diálogo não é apenas saudável, mas indispensável.
Nosso diálogo com os Estados Unidos vai muito além dos biocombustíveis. Em São Paulo e em Camp David, discuti com o Presidente Bush projetos para revigorar as relações bilaterais e iniciativas de cooperação com terceiros países, além dos grandes temas multilaterais. Com a Europa temos uma relação diversificada que desejamos aprofundar, com o estabelecimento de um mecanismo de diálogo de alto nível, estratégico, por ocasião de minha próxima visita a Bruxelas.
Pretendo relançar as negociações para um acordo de Associação Mercosul - União Européia, tão logo seja concluída a Rodada de Doha. No ano que vem, vamos comemorar 100 anos da integração japonesa no Brasil. Estamos amadurecendo diversos projetos que vão do etanol à TV Digital, que espelham o quanto os nossos dois povos podem alcançar juntos.
Minhas senhoras e meus senhores,
O Brasil justo e solidário que estamos construindo dificilmente prosperará num ambiente internacional marcado por uma globalização desigual e arbitrária. Na ONU, entendemos que a expansão do Conselho de Segurança deve acontecer logo para torná-lo mais representativo e legítimo. Graças, em parte, ao G-4, a reforma do Conselho já não parece tão distante.
Na OMC, por meio do G-20, fomos capazes de articular aspirações diferentes de países em desenvolvimento em torno de uma agenda comum. Apesar do ceticismo inicial, a atuação construtiva do grupo é agora amplamente reconhecida. O G-20 está no centro das negociações da Rodada de Doha, que esperamos concluir com êxito o quanto antes. Isso ajudará a reduzir a fome e a pobreza no mundo, uma bandeira que desde 2003 tenho levado comigo e que hoje se incorporou definitivamente à agenda internacional. Foi essa a razão que nos levou a lançar, com outros países, a Ação Internacional Contra a Fome e a Pobreza, que desenvolve hoje iniciativas concretas.
Meus caros formandos,
O projeto que traçamos é de longo prazo, dependerá do empenho desta e de futuras gerações. Não há outro caminho para o Brasil e para a América do Sul, fora a construção de um espaço economicamente integrado e socialmente solidário. Por esta razão, o Mercosul continua sendo o principal eixo de nossa estratégia de inserção regional. Mas a realidade internacional está sempre mudando. Precisamos, por isso, estar preparados para o novo.
Devemos ter uma cooperação mais ativa entre os chamados BRICs. O Brasil precisa, também, se aproximar da Ásia, a região do mundo que mais cresce. Com a China, a Índia e o Japão já temos parcerias adiantadas. O Sudeste asiático é uma fronteira que temos que desbravar melhor.
Em agosto sediaremos a terceira reunião ministerial do Fórum de Cooperação América Latina x Ásia do Leste, conhecido como Focalal. Aproveitaremos para promover contatos do Mercosul com a Ásia. No campo das mudanças climáticas, é inadmissível que as populações dos países pobres sejam as principais vítimas do aquecimento global causado pelos países industrializados.
A aposta brasileira nos biocombustíveis faz parte de nossa atuação diplomática. Oferece ao mundo alternativas para a dependência em relação aos combustíveis fósseis não-renováveis e não disponíveis que aflige a maioria dos países do mundo. É uma fonte de energia que queremos difundir de maneira solidária, em benefício de todos mas, sobretudo, das regiões mais carentes do nosso Planeta.
Além de reduzir as emissões de gases poluentes, os biocombustíveis têm grande potencial para a geração de renda e de riqueza na agricultura dos países em desenvolvimento, sem comprometer sua segurança alimentar. Favorecem a cooperação ao projetar, no campo internacional, uma experiência nacional bem-sucedida. Refletem, por fim, um compromisso central do meu governo, do crescimento com eqüidade para todos.
Queridos formandos,
Somente poderemos concretizar nossas ambições como indivíduos e como nação se tivermos a coragem de romper, sem preconceitos, com padrões ultrapassados. Essa é a boa tradição do Itamaraty. Faz parte, também, da boa tradição desta Casa, o respeito a valores universais como a paz, a defesa do direito internacional, dos direitos humanos e do multilateralismo. A tarefa diplomática está cheia de desafios, de incertezas, de momentos de solidão. Em quaisquer circunstâncias, o trabalho de vocês sempre será facilitado pela fidelidade aos princípios universais de que é feita a nossa diplomacia e pelo compromisso maior de todos vocês com o país que representam no mundo, o nosso querido Brasil.
Tenho certeza de que vocês estarão à altura desse grande desafio. Vocês já deram uma demonstração de que estão afinados com essa visão renovadora ao escolher, como patronesse da turma, a primeira mulher a ingressar no Itamaraty, Maria José de Castro Rabelo Mendes. Os formandos dessa turma, assim como todos os diplomatas desta Casa, têm a elevada missão de dar sentido concreto às aspirações nacionais no plano internacional. Assumiram o compromisso com o Brasil, e a nação conta com vocês.
Meus amigos e minhas amigas,
Eu agora queria falar um pouco do que aprendi nesses quatro anos como Presidente, nas viagens que fiz, e o que espero dos nossos diplomatas. Eu penso que, durante muito tempo, nós mesmos aprendemos que deveríamos ter relações privilegiadas com determinados países e não tão privilegiadas com outros países.
Quando o Brasil cresce economicamente, enquanto o Brasil se fortalece politicamente, é importante que cada companheiro ou companheira, diplomata brasileiro, tenha consciência de que quanto maior for a inserção do País no mundo, mais aumenta a responsabilidade de vocês. Quando vocês chegarem em um país qualquer como embaixadores e o Brasil estiver politicamente reconhecido no mundo, estejam certos de que a embaixada brasileira se tornará ponto de encontro para discussões de políticas globais, o que durante muito tempo não foi feito porque o Brasil tinha assumido a responsabilidade de agir como se fosse um país pequeno. E quanto mais um país for representativo, mais solidariedade e mais humildade. Solidariedade, sabendo que nós temos que ter política para ajudar os países menores, e humildade para tratar os pequenos com a mesma grandeza com que tratamos os países grandes. A mim não importa que tenhamos um embaixador em São Tomé e Príncipe e um embaixador em Nova Iorque, a mim importa que, independentemente do continente em que estejam, independentemente da sua população ou do seu PIB, a diplomacia brasileira precisa tratá-los em igualdade de condições, levando em conta, obviamente, as diferenças do que está sendo negociado.
Eu disse, na última vez em que estive aqui no ano passado, e vou repetir agora: talvez Celso, não sei se você, o Samuel ou outro embaixador mais experiente, têm a dimensão de como o Brasil é visto no mundo hoje. Eu levo como imagem a construção do G-20, eu levo como imagem o resultado da reunião de Cancun, em que não faltaram ao Brasil aqueles que tentaram passar a idéia do fracasso da diplomacia brasileira quando se construiu o G-20. Num primeiro momento, alguns países que entraram no G-20 em Cancun se afastaram logo, porque receberam pressão para se afastar. Num segundo momento, não só esses países que tinham se afastado voltaram, como o G-20 hoje é condição fundamental para qualquer grande acordo internacional, não apenas por mérito brasileiro, mas porque o Brasil participa do G-20 com ações que representam mais da metade da população mundial. São países que têm importância econômica no mundo, têm importância militar, têm importância tecnológica e têm, sobretudo, importância política no mundo.
Vocês, assumindo a diplomacia brasileira, irão perceber e precisarão fazer mais sacrifícios do que outros embaixadores fizeram em outra época, porque certamente terão muito mais trabalho do que já tiveram outros embaixadores. Mas, de qualquer forma, vocês também irão perceber logo no início que serão levados em conta muito mais rapidamente do que outros foram em outra época. Sabem por quê? Eu dei um conselho da outra vez e vou dar outro: nunca aceitem a submissão, nunca aceitem que alguém fale mais grosso que vocês. Pode-se falar mais grosso por falta de educação, aí a gente não tem que se igualar, mas em se tratando de política, em se tratando de diplomacia, nós não somos nem maiores, nem menores que ninguém, nem mais, nem menos importantes. Nós somos, antes de tudo, brasileiros e brasileiras a serviço do nosso País. Queremos respeitar todo mundo, mas queremos ser respeitados e queremos, ao mesmo tempo, fazer com que a voz desta nação seja ouvida em todos os quadrantes do mundo.
Por isso, meus parabéns mais uma vez. Vocês, agora, vão colocar a mão no fogo para valer. Eu lembro que quando discuti com o Celso Amorim a necessidade de ampliar o quadro de funcionários do Itamaraty, de levar embaixadas brasileiras para os países, se pudermos levar para todos, porque essa é uma forma de você aumentar a sua inserção nesse mundo globalizado. Não é você ter 30 embaixadores disputando para ver quem vai para Washington, quem vai para Paris, e não ter nenhum querendo ir para São Tomé e Príncipe ou para outro país menor economicamente e do ponto de vista populacional. Nós temos que ir para todos os países.
E eu ainda sonho mais, Celso. Eu acho que nós vamos ter que retomar a política que este País já teve, de comprar as nossas embaixadas, porque no passado... quando a gente viaja hoje para a Argentina ou viaja para outro país qualquer e encontra a embaixada brasileira, é motivo de orgulho, porque há algum tempo atrás alguém teve a coragem de comprar aquilo, porque significava o Brasil fincando o pé ali definitivamente. Ninguém vai reconhecer uma embaixada que muda a cada dois anos, a cada três anos, a cada quatro anos, ou seja, as pessoas desabituam a ver a bandeira nacional. É importante que a embaixada brasileira seja uma marca na cidade e no país em que nós estamos. Eu digo isso porque Getúlio Vargas teve coragem de comprar quase todas as embaixadas que nós temos. De uns tempos para cá, nós passamos a alugar. E a gente vai perceber que depois de dez anos pagando aluguel, a gente pagou o preço da embaixada que poderia ser nossa. Eu não sei qual é o falso moralismo ou qual é a implicância de que um país como o Brasil não pode comprar embaixada lá fora.
Eu acho que nós precisamos voltar a discutir isso. Eu, por exemplo, tomei conhecimento do caso da Alemanha, um prédio que a gente já poderia ter pago, se tivéssemos comprado, mas por conta não sei do quê, estamos até hoje pagando aluguel. E vamos pagar aluguel, porque não é propriedade nossa. Comprar os nossos próprios, nos países estrangeiros, é uma demonstração de que a gente está naquele país definitivamente, com marca registrada: a cara do Brasil, a bandeira do Brasil, a casa do Brasil.
Boa sorte.

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Embaixador Celso Luiz Nunes Amorim
Ministro de Estado das Relações Exteriores
Brasília, Palácio Itamaraty, 02/05/2007

Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, na cerimônia de formatura da Turma 2004-2006 do Instituto Rio Branco

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, Dona Marisa, Ministra Nilcéa Freire, minha mulher Ana, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Embaixador Fernando Guimarães Reis, Professora Sarah Walker, paraninfa da turma, Ministro Waldir Pires, que nos honra também com a sua presença, Embaixador Guy Mendes Pinheiro de Vasconcelos, Senhores e Senhoras Embaixadores e Senhores Diplomatas, meus queridos formandos.

Eu queria dizer umas poucas palavras na abertura desta cerimônia, que é importante não só para os que se formam, mas para o próprio Itamaraty, para a instituição, porque é um momento de renovação da própria casa. Queria manifestar a alegria de receber os jovens colegas, alegria de ver também entre os novos colegas – uma turma, creio, de vinte e nove alunos – cerca de um terço de mulheres, o que é também um símbolo de renovação da nossa casa. Uma alegria que, naturalmente, é simbolizada pelo fato de termos a diplomata Maria José Mendes Pinheiro de Vasconcelos reconhecida como a primeira mulher a ingressar no Itamaraty. Uma história em si mesma interessante, pela luta, pela dedicação, pelo debate que despertou na época. O Jornal do Brasil, que é um dos jornais daquele período que ainda sobrevive, defendeu o caso (Carlos de Laët, que era um grande jornalista daquela época, defendeu a entrada, também com o apoio de Rui Barbosa, que deu parecer jurídico favorável), mas também um jornal que infelizmente não existe mais, o jornal A Rua – cujo nome é significativo, por um lado, mas que não espelhava a visão do povo, provavelmente apenas de uma parte da elite –, chegou a dizer que o Itamaraty estava sofrendo de uma perigosa tendência feminista. Não sei se essa mesma crítica se faria nos dias de hoje, mas é sem dúvida alguma um sinal dos tempos, não só porque temos uma turma com tantas mulheres, mas também uma turma que tomou a decisão de homenagear as mulheres.

Presidente Lula, o seu Governo tem sido, nesse aspecto, muito inovador. Pela primeira vez temos uma situação em que cerca de 10% das chefes de missão são mulheres. Pela primeira vez tivemos duas subsecretárias mulheres (“sub” pode parecer pouco, mas subsecretários podem algumas vezes assumir o Ministério como Ministros Interinos, embora por pouco tempo, mas, de qualquer maneira, isso já ocorreu). Pela primeira vez, temos também uma chefe de gabinete que é mulher. Temos, igualmente, uma Embaixadora nas Nações Unidas. Todos os que visitarem nossa missão – não agora, mas daqui a cinco, seis anos – poderão ver, naquela galeria de retratos, o retrato da Maria Luiza, que é a primeira mulher nomeada Embaixadora nas Nações Unidas.

Refiro-me a esses temas, Nilcéa, porque creio que nisso não vai nenhum favor, nem a rigor nenhum esforço especial da administração. Basta que nós não permitamos que preconceitos se manifestem, porque o preconceito é algo que, por natureza, ninguém reconhece. Preconceito é algo latente, inconsciente, que nos exige esforço e policiamento para não se manifestar. Bastou, portanto, afastar o preconceito para que as mulheres emergissem sem nenhuma necessidade de favor ou de alguma ação especial. Há outro aspecto, porém, das discriminações na nossa carreira sobre o qual temos que fazer algo mais. Apenas começamos. E eu até lamento que não esteja hoje aqui a minha querida amiga Matilde Ribeiro porque, como mulher e negra, ela sofre de dupla discriminação. Ou seja, ela simboliza uma parte da população que sofre de dupla discriminação.

Temos procurado também avançar na questão racial. Temos tido programas de ação afirmativa desenhados de maneira muito especial, porque eles visam, ao mesmo tempo, assegurar o mérito mediante programas – cujos detalhes não vou descrever, mas que muitos conhecem – de bolsas de estudo. Temos conseguido aumentar o número de negros, de afro-descendentes na nossa instituição. Eu queria dizer que isso também não é nenhum favor aos indivíduos que são afro-descendentes. Trata-se de uma necessidade do País, de uma necessidade do Itamaraty, de uma necessidade da instituição, que deve não só reconhecer-se como uma entidade dotada de alta capacidade técnica e intelectual, mas também ver-se como instituição que reflita o que realmente somos, que reflita qual é o Brasil que nós representamos.

Preciso dizer, em reconhecimento também ao trabalho feito por muitos antecessores, que bastante já foi feito. Eu me lembro ainda – bem como alguns colegas que estão aqui devem lembrar-se – de quando eu entrei para o Itamaraty, época em que 90% ou eram cariocas ou tinham ido para o Rio de Janeiro antes e estudaram lá. Mas não eram bem do Rio de Janeiro, eram de um pedaço do Rio de Janeiro que ia do Flamengo ao Leblon. Fora disso, era uma ou outra exceção que entrava para o Itamaraty. Muitos progressos foram feitos durante esses anos. Nós temos hoje uma grande representação regional do Brasil, pelos perfis de todos os Estados, mas temos sentido que ainda, em alguns aspectos, há caminho a percorrer. E para concretizar um desejo seu, Presidente, de termos uma sociedade igualitária em todos os aspectos, inclusive no aspecto étnico-racial, ainda há um caminho a percorrer. Fica o desafio para o nosso Embaixador Fernando Reis, que tem participado ativamente desse processo. E eu, Presidente, creio que, em um dia como hoje, não devo expandir nas palavras, pois as pessoas querem ouvir depois as dos formandos, paraninfos e homenageados. São as suas palavras que interessam, que contam. Mas eu queria também fazer dois outros comentários: um, sem procurar criar nenhuma sigla nova, mas, de uma maneira quase que espontânea, ao ver as notas para esses meus comentários, ocorreram-me três ”R’s”. Lembro-me aqui dos três “D’s”, do famoso e saudoso Embaixador Araújo Castro: desenvolvimento, desarmamento e descolonização. Eu me lembrei de três “R’s” hoje: reforma, rejuvenescimento e renovação. Isto é o que o seu Governo, por meu intermédio, por intermédio do Secretário-Geral, do Diretor do Instituto Rio Branco, de todos os Embaixadores, tem procurado fazer.

É muito importante que os jovens sintam não apenas que entraram para uma carreira na qual, desde o primeiro momento, poderão ter funções importantes (porque na vida do diplomata é assim: o mais jovem Terceiro Secretário já é chefe. Como dizia o Embaixador Silveira, onde quer que haja a plaquinha do Brasil e alguém diante dela esteja falando em um foro internacional, essa pessoa já tem uma grande responsabilidade), mas é importante que também percebam que podem ascender aos postos mais altos da casa.

Eu, Presidente, enquanto merecer a sua confiança, continuarei empenhado nesse trabalho de renovação da carreira. Um exemplo incidentalmente mencionado é o da Embaixadora Maria Luiza, mas há muitos outros. Isso sem prejuízo de podermos contar, de alguma forma, com a sabedoria daqueles que são experientes. Mas é preciso complementá-la com a energia e a criatividade dos jovens.

Presidente, eu queria simplesmente, para finalizar, dizer que todo esse grande esforço que nós temos feito em relação à carreira (esta turma é de 29 alunos, mas a próxima já será de 100, porque nós estamos, num período de quatro anos, aumentando os quadros em 400 vagas) está sendo imitado, inclusive, por outros países. Esse esforço todo não teria sentido se não fosse para executar uma política externa que realmente nos inspira. A política externa, Presidente, eu não diria apenas que é o combustível, mas que é o biocombustível da nossa ação, da dedicação dos diplomatas a essa função tão importante. Sem entrar em grandes detalhes, eu diria que caberá a Vossa Excelência, se assim o desejar, fazer algum balanço ou alguma projeção para o futuro. Mas eu queria dizer que a nossa política externa, sob sua condução direta (eu digo direta porque sei do interesse que Vossa Excelência dedica ao tema) quebrou tabus, rompeu desafios, aprofundou posições que eram processadas, mas que não eram levadas adiante com tanta intensidade – como a integração da América do Sul. A atual política externa também desvendou novos horizontes, com países ricos e com países pobres: criamos o G-20 e contamos com o G-4 (aliás, há dois livros novos sobre o G-20 e sobre o G-4 que serão distribuídos, espero que ainda hoje).

Portanto, Presidente, é uma política externa que realmente causa orgulho por ser também o complemento indispensável de uma política interna, de uma ação interna do Governo voltada para uma reforma social e democrática. O seu Governo, Presidente Lula, busca igualdade sem suprimir a liberdade. Ele busca o diálogo sem ter medo da crítica. Eu diria que isso para nós todos – e para mim, pessoalmente, como o diplomata mais velho, já aposentado – é motivo de grande honra. Sinto que todos podem sentir-se muito honrados de estar servindo a este país neste momento histórico. No mais, eu queria também dar a minha palavra de felicitações aos jovens que entram para a carreira, aos pais, que tanto se esforçaram, aos demais parentes que estão aqui e agradecer, mais uma vez, Presidente, o apoio que Vossa Excelência tem dado à casa de Rio Branco.

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