sábado, maio 09, 2009

421) O entendimento obrigatorio China-EUA

O NECESSÁRIO E IMPRETERÍVEL ENTENDIMENTO EUA-CHINA
Amaury Porto de Oliveira
Embaixador aposentado

Em fins de janeiro, tive minha última reunião de trabalho com Gilberto Dupas. Ele me chamou ao IEEI, em São Paulo, para encontrar Clodoaldo Hugueney, recém-instalado na chefia da Embaixada do Brasil na China, e interessado em apoios acadêmicos para projetos de cooperação sino-brasileira. Hugueney mostrava-se impressionado com a amplitude e riqueza das análises da vida internacional, em curso na China, e com a seriedade e profissionalismo dos seus governantes, dando azo a que eu avançasse minha convicção de que a substância do jogo internacional, nas próximas duas ou três décadas, vai consistir num improrrogável entendimento entre americanos e chineses, em busca de novas definições para a ordem mundial. Dupas concordava com que uma dessas definições implicava em mudanças profundas na matriz energética da economia global.

Meu ponto de partida, nesta reflexão, é que o mundo está assistindo ao fim de quase três séculos de liderança anglo-americana, premido a encontrar novas soluções de valor paradigmático para as exigências sócio-econômicas do planeta. E o que distingue uma era, nesse nível, é antes de mais nada sua matriz energética. O governo Bush retardou perigosamente a aceitação, pelos EUA, da dura realidade de que a Terra está ameaçada no seu saudável funcionamento, em conseqüência das opções energéticas feitas na Idade Industrial. Pelos ingleses, inicialmente, com a queima do carvão fóssil para transporte e manufaturas e, mais tarde, a produção de eletricidade. Pelos americanos, no século XX, com o uso avassalante dos hidrocarbonetos na Sociedade do Motor. Na era que raia, a China vai-se tornando em termos absolutos (mercê da sua enorme população), um foco de poluição global ainda maior que Inglaterra ou EUA, embora em termos per capita os EUA sigam de longe imbatíveis. Mas o fato é que a China não tem escolha. Ou se resigna ao atraso ou adota os modelos dos anglo-americanos. Eles conceberam um sistema na medida das ambições de bem-estar deles próprios, sem deixar espaço para possíveis ambições do resto. A China tomou hoje a liderança desse resto, e não haverá saída efetiva para a crise que se abateu sobre o mundo, enquanto os EUA não abrirem espaço para a China e os emergentes.

O Professor Francisco Teixeira, especialista em pesquisas de teor prospectivo, costuma afirmar que o mundo já está no ano 2030, pois as soluções que definirão esse prazo médio serão as tomadas nos próximos três ou quatro anos. Isso dá particular importância ao primeiro mandato de Barack Obama, que assumiu a Casa Branca no tempo justo para dialogar com a dupla Hu Jintao-Wen Jiabao, governantes formados em intenso contacto com as profundas necessidades do povo chinês e, como Obama, dotados de grande sensibilidade para os problemas humanos e sociais. Soluções definitivas não poderão ser achadas até 2012. Será crucial, porém, descortinar o caminho a ser seguido e adquirir a convicção de que é preciso cooperar. Construir apoio interno nos dois países. Nos EUA, o Presidente Obama vem arrancando a anuência do Congresso para a verdadeira reinvenção da sociedade americana que ele está tendo de buscar. Na China, ao contrário do estereótipo tão repetido de que chefes autoritários simplesmente dão ordens, ocorre muito debate. The Economist (21.03.09) dedicou um longo artigo às discussões na China.. Desde o “Maoflag”, grupo de extrema esquerda que vê os EUA como inimigos a exorcizar, até células de reflexão liberais pedindo maior integração na economia de mercado. Os governantes fazem força para manter o equilíbrio, e o Primeiro Ministro Wen Jiabao tem-se notabilizado por buscar apoio nos ensinamentos éticos de Adam Smith.

Unir esforços para salvar o meio-ambiente é o terreno de convergência de americanos e chineses. E assumir a tarefa já não depende apenas da sabedoria de governantes em posto. O risco potencial de catástrofes humanas implícito na ação poluidora do crescimento chinês está alcançando amplitude transfronteiriça e barrar, por exemplo, a deterioração do meio-ambiente da Califórnia, assunto do interesse nacional dos EUA, funciona como elemento de pressão para cooperar. Hillary Clinton colocou bem o problema, em recente declaração em Pequim: “Estamos no mesmo barco. Ou remamos juntos, ou vamos juntos para o fundo”.

De acordo com o International Energy Outlook 2008, do Departamento de Energia (DOE) dos EUA, o consumo total de energia do mundo deverá alcançar, em 2030 (horizonte de previsibilidade aceito pelo Professor F. Teixeira), 695 quatrilhões de BTUs (British thermal units). Para chegar lá será preciso acrescentar 233 quatrilhões de BTUs à oferta existente em 2005, desafio de atendimento duvidoso, sobretudo se enfrentado com o recurso às três fontes de energia primária ditas fósseis. Mesmo sem tomar em conta as razões de tipo ecológico para ir abandonando essas fontes de energia, cresce entre os especialistas a convicção de que o petróleo, por exemplo, atingirá seu pico de produção em 2015, num nível em torno de 95 milhões de b/d, criando para os três lustros seguintes um déficit de oferta que impedirá, só por si, o preenchimento da oferta calculada pelo DOE para 2030. Essa simples verificação já indica a urgência de os atores do sistema energético mundial (governos e companhias) começarem a cuidar com seriedade do desenvolvimento de fontes alternativas de energia primária. A visão desse déficit proporciona a Washington e Pequim espaço e estímulo para efetuarem a grande transição paradigmática.

Idéia que é preciso descartar vivamente (apesar de muito repetida) é a de que a China buscará fatalmente assumir a liderança hegemônica do mundo. Não é possível, hoje, antecipar o que a China será levada a fazer mais para o fim do século, em condições históricas totalmente distintas das de agora. Parece correto, porém, afirmar que no horizonte de 2030-2050 não estão postas iniciativas chinesas do tipo em questão. Quando mais não seja, porque não disporá a China dos meios necessários. Se os projetos de desenvolvimento em que se empenha a China forem todos levados a bom término, o país atingirá, na altura de 2030-2050, um PIB de peso médio, insuficiente para bancar aventuras militares. Vantagem factível de ser conquistada será, isso sim, a construção de uma economia de amplitude continental, sólida e coesamente apoiada em malhas modernas de transportes e telecomunicações. A China aparecerá como polo de influência global alternativo aos EUA, mas certamente ainda muito ligado ao mercado e à tecnologia dos EUA. Basta ver a armadilha em que a China se deixou enlear, com o seu fantástico acúmulo de reservas em dólares. Ao aproximar-se agora a reunião do Grupo dos 20, autoridades chinesas demonstraram preocupação com os riscos inerentes a tal situação. Mas foram balões de ensaio, pois que a questão do dólar como moeda universal é um dos componentes da predominância histórica dos anglo-americanos, e só será resolvida no quadro do novo paradigma.

O terreno da convergência de chineses e americanos – insisto – está na edificação de um novo perfil energético para a economia global. Do lado chinês, a tomada de consciência dessa necessidade pode ser associada ao comparecimento de Hu Jintao à reunião de 2007 do Grupo dos 20, na Alemanha. Na antevéspera da sua partida, foi publicado em Pequim o primeiro Plano chinês para o combate do aquecimento global Os investimentos nesse sentido, que em 2007 iam ser de 580 milhões de dólares, deverão chegar a quase um bilhão de dólares em 2010. Somente a parcela das energias renováveis (eólica, solar e biomassa), que no início do Plano representava 7% da produção total de energia do país, poderá alcançar 16% em 2020. E a mídia internacional vem recolhendo uma abundância de informações que mostram a China se tornando, na altura de 2012, um país líder na manufatura e utilização de instrumental para o aproveitamento da energia solar. Tudo isso ecoa as palavras que vêm sendo ditas em Washington pelo Presidente Obama e que foram sintetizadas pelo novo Secretário de Energia, o Prêmio Nobel de Física Steven Chu, no seu discurso de posse. O Dr. Chu comprometeu-se a usar energia de forma mais eficiente; aumentar a produção das energias renováveis já bem desenvolvidas (eólica e solar, em especial); e estimular o desenvolvimento de novas tecnologias no terreno da energia, de maneira a torná-las competitivas no mercado. Estão dadas, assim, as condições para que americanos e chineses iniciem a busca conjunta de um novo equilíbrio energético para o mundo, no qual os EUA terão necessariamente de fazer maiores concessões, a fim de abrir pacificamente espaço para a China. O encontro Obama-Hu, que está sendo preparado para as próximas semanas, em Washington, promete ser momento de real significado histórico.

Campinas, abril de 2009.

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