Sociedade do Privilégio
Professor Gustavo Henrique de Barroso Franco
gfranco@riobravo.com.br
www.riobravo.com.br
Passando em revista nossas origens, um tema comum a muitos historiadores é a formação de uma Sociedade fundada sobre o Privilégio. No começo, quando se forma o que Jorge Caldeira chamou de a Nação Mercantilista, não havia capital, nem trabalho, tampouco Sociedade, mas apenas o Estado, criador de todos os Privilégios, dentre os quais, inclusive, o direito de propriedade sobre outros seres humanos.
No Brasil nunca tivemos luta de classes de verdade; a tensão social sempre foi entre o Estado, ou seus donos, e a Sociedade, especialmente os brasileiros desprovidos de Privilégio. Direita e esquerda pareciam atores de um enredo menor num país onde o Estado sempre soube definir-se como um fim em si mesmo, como uma encarnação falsificada da Nação. O Estado sempre foi propriedade privada de poucos, e por isso Brasil nasceu e cresceu desigual. A Maioria, ou o Povo, esta entidade sem rosto, multidão silenciosa e amorfa, sempre foi coadjuvante da Sociedade do Privilégio e, basicamente, é gente demais para dividir a pouca riqueza existente.
A Democracia de Massa no Brasil é fenômeno muito recente, e seu aparecimento em meados dos anos 1980 tem a mais inesperada conseqüência: a hiperinflação. O leitor já parou para pensar por que a inflação vai de 100% anuais para 84% mensais de 1984 a 1989 durante os primeiros anos de Democracia depois de três décadas de Ditadura?
A resposta para este enigma é simples: o Povo quis participar da Sociedade do Privilégio, anseio absolutamente legítimo, pois se as políticas públicas eram dirigidas a setores “especiais” ou “estratégicos”, por que exatamente alguém, qualquer pessoa, deve ser excluído desta categoria? Por que apenas alguns e não todos não são merecedores das benesses do Estado?
Os primeiros anos da nossa Democracia de Massa produziram a hiperinflação por que a dinâmica política foi a de “incorporar” todo mundo que aparecesse, todos que quisessem podiam ter a sua Emenda no Orçamento, a sua “Conquista” consagrada na Constituição, seu programinha de apoio no contexto da “Política Industrial”, todo o país passou a ser “estratégico”, e por força do Princípio da Isonomia, todos passaram a merecer o direito a algum pequeno Cartório pelo menos igual ao do vizinho. Todos se tornaram Credores do Estado, e portanto cobradores implacáveis da Dívida Social.
O novo Estado Democrático, diante destes anseios, adotou um modelo de “Clientelismo de Massa”, cujo espírito ainda permanece muito vivo, e que consiste em estender a todos os brasileiros algum Privilégio, via orçamento, ou via regulação, por que todos têm direito. É o Espírito (da Constituição) de 1988.
Todavia, como o Estado não é criador de riqueza, apenas um veículo de transferência, o modelo rapidamente se revelou impraticável. O nobre propósito de “incluir os excluídos” a qualquer custo, acabou corrompido pelo fato de que o dinheiro advinha da tributação do próprio “excluído” através da inflação. Ou das futuras gerações através de dívidas crescentes.
Todos têm direito, mas simplesmente não é possível conceder tantos Privilégios a tanta gente; não vamos acabar com a Sociedade do Privilégio multiplicando Direitos e Privilégios de forma irreal.
Com efeito, quem vai terminar com a Sociedade do Privilégio é a Economia de Mercado, e não é outro o motivo pelo qual a Estabilização, a Abertura, a Desregulamentação, e a Privatização geraram tantas tensões.
A Economia de Mercado é subversiva numa Sociedade do Privilégio pois propugna a competição, a impessoalidade e a Meritocracia, e dispensa, tanto quanto possível a interveniência de um Estado cheio de vícios.
Só uma verdadeira e bem urdida Sociedade do Privilégio consegue o prodígio de alijar a Economia de Mercado do sistema político-partidário, e consegue nos impor quatro candidatos a desancar o que chamam de “o modelo neoliberal”, cada qual propondo, em diferentes vestimentas, a extensão de novos Privilégios e o crescimento do Estado.
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Gustavo Franco é fundador da Rio Bravo Investimentos, empresa de serviços financeiros, fusões, aquisições, investimentos e securitizações. Foi presidente do Banco Central do Brasil de 1997 a 1999. É Formado e pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde atuou como professor, pesquisador e consultor em assuntos de economia, de 1986 a 1993, especializando-se em inflação, estabilização, história econômica e economia internacional. Sua tese foi primeiro lugar no Prêmio BNDES de Economia para Teses de Mestrado em 1983 e deu origem ao seu primeiro livro: "Reforma monetária e instabilidade durante a transição republicana".
Franco foi um dos responsáveis pela instituição da URV e responsável direto pela lei 8880/94 do Plano Real, da moeda, conversões contratuais e desindexações. Teve também expressiva participação nas políticas cambiais e mudanças do cenário econômico à época, incluindo administração de reservas e fases finais das negociações de dívida externa. Foi também membro da equipe responsável pela concepção e implementação do programa de privatização e extinção de bancos estaduais (PROES).
As experiências derivadas do plano real, renderam os seguintes livros: "O Plano Real e Outros Ensaios" (1995) e "O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda" (1999). Em 2006 contribuiu também para o autor Guilherme Fiúza em "3000 dias no bunker, um plano na cabeça e um país na mão" e para Maria Clara R. M. do Prado em "Plano Real: A real história do Real".
Desde 1999 publicou outros três livros: O papel e a baixa do câmbio - um discurso histórico de Ruy Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Reler, 2005. (editor e organizador); Crônicas da convergência: ensaios sobre temas já não tão polêmicos. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 2006; e A economia em Pessoa (textos econômicos de Fernando Pessoa). Rio de Janeiro: Reler Editora, Novembro, 2006 (editor e organizador).
Além de dirigir a Bravo Investimentos, atualmente, Franco dá andamento à carreira de professor, pesquisador e escritor.
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