segunda-feira, abril 12, 2010

582) Aquecimento global, agropecuária e reserva legal - Eduardo Pires Castanho

Aquecimento global, agropecuária e reserva legal
Por Eduardo Pires Castanho F° (*)
São Paulo, 10 de abril de 2010

Na reunião sobre mudanças climáticas em Köpenhagen em 2009, o papel conferido à agricultura foi fundamental, seja como problema ou como solução para o aquecimento global. E, ela pode ser fundamental para muitos países, mas por outras razões.
Mas essa questão, que vem desde a ECO-92, é de fato um aquecimento, um resfriamento global como alguns postulam, ou são mudanças climáticas constantes na História da Terra?
O que causaria essas duas hipóteses? Qual o papel da agricultura nesse processo? Que dúvidas científicas permeiam essas discussões? Os dados, os modelos e as medições que serviram de base para afirmar que haveria um aquecimento causado pela ação humana foram objeto de "ajustes" revelados poucos dias antes da conferência e colocaram sob suspeição as conclusões do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas- IPCC (sigla em inglês), que têm desdobramentos até hoje, com auditorias independentes e tudo mais.
Além disso, as relações entre temperatura, concentração de CO2 e outros gases do efeito estufa, acrescidos de vapor d’água na atmosfera, têm efeitos controversos sobre o aumento ou a redução da umidade, da pluviometria e dos níveis de absorção de radiação solar pelas diferentes coberturas da superfície da Terra (agricultura, cidades, florestas e oceanos). Mesmo os efeitos do desmatamento na evapotranspiração e na reflexibilidade da terra (albedo) apresentam resultados muito diferentes, dependendo dos estudos que são feitos. O que dizer então do metano, que de 21 vezes mais “nocivo” do que o CO2, passou para 6 e caminha para 4, que aliado à redução de suas emissões acaba tendo um possível efeito muito menor do que se propalava.
O que é provado, recorrendo a Lavoisier, é que a quantidade de carbono no planeta não aumenta nem diminui: está contida no ciclo desse elemento. O que pode aumentar o seu teor na atmosfera é, por exemplo, a extração e queima de combustível fóssil - carvão, petróleo, gás, xisto. Neste ponto é importante rememorar alguns conceitos: o efeito estufa, fenômeno natural e produzido pela História da Terra, tem o CO2 como um agente fundamental, formador de tecidos vegetal e animal- formador da vida, através das pirâmides energéticas e seus níveis tróficos. A agricultura como agente desse processo, porém, não pode expelir mais carbono do que consome, pois integra o ciclo.
Além do mais, a maior concentração de CO2 contribui para aumentar a produtividade primária nas cadeias tróficas, evidentemente que dentro de certos limites, e, portanto, aumenta a capacidade da Terra em absorver esses gases transformando-os em tecidos vivos. Em síntese Carbono é sinônimo de vida. Novos dados indicam que os ecossistemas e oceanos da Terra têm uma capacidade muito maior de absorver gás carbônico do que demonstravam os estudos científicos feitos até então. Pesquisas mostram que o equilíbrio entre a quantidade do gás em suspensão na atmosfera e a que é absorvida se manteve praticamente constante desde 1850, apesar das emissões causadas pelo homem.
O carbono vira vilão
Há aproximadamente 30 anos a tese do aquecimento começou a se fortalecer e foi baseada em medições que indicavam um aumento da concentração de determinados gases na atmosfera. No entanto, essa tese gerou dúvidas desde o princípio. Toda dúvida aliada à curiosidade é o berço da pesquisa e da ciência e, portanto, de todo o conhecimento sistemático. É óbvio e salutar que a teoria científica seja sempre conjectural e provisória. Tal processo de confronto da teoria com as observações poderá, eventualmente, provar a falsidade da teoria em pauta. Nesse caso, há que eliminar essa teoria, que se provou falsa, e procurar uma outra para explicar o fenômeno em análise. Acrescente-se a isso princípios de ordem ética, como a questão da honestidade intelectual, quando é imperativo reconhecer os erros.
A "luta" ambientalista de vários anos foi pela sustentabilidade, apesar de utilizar-se de outros nomes. Ela visava controle e/ou eliminação da poluição, formas limpas e renováveis de energia, padrões diferentes de comportamento e consumo, uso de tecnologias mais adequadas ao ambiente natural, preservação das variadas formas de vida, restrição ao uso de recursos naturais finitos, reciclagem, reaproveitamento, etc.
Subitamente o CO2 surgiu como responsável pelo aquecimento e a questão do clima se transformou num poderoso catalisador da luta ambiental, arrebatando corações e mentes. Porém, transformou-se o CO2, gás responsável pela vida na Terra, em "poluição", apesar de ainda persistirem dúvidas se ele é causa ou efeito de mudanças na temperatura global, visto que os modelos teóricos não conseguem explicar o que se observa nos registros geológicos. Alguns estudos mostram que de fato o CO2 aumenta com a elevação da temperatura média da terra, só que posteriormente ao aquecimento ter se verificado.
Isso pode indicar estar havendo algum engano com o modo como carbono e temperatura estão articulados nos modelos sobre o clima. Dentro do próprio IPCC começaram a surgir dúvidas a respeito do real papel do CO2, tanto por essa precariedade dos modelos climáticos, como pelas próprias medições de carbono, que, se são válidas para continentes, não o são para países.
Sob essa ótica, o vapor d’água, que também é responsável pelo efeito estufa, vai acabar sendo considerado poluidor
O irracionalismo
A falta de lógica e de rigor científico levou setores da mídia, por incrível que pareça, a atribuírem o rigoroso inverno por que passou este ano o hemisfério norte, com o “desderretimento” da Calota Polar Ártica, ao “aquecimento global”. Na mesma linha, existem empresas que trabalham com a exploração de recursos naturais não renováveis (minérios e petróleo), que estão se aproveitando dessa "onda" atual e se colocam como empresas “sustentáveis”, afirmando que estão combatendo o aquecimento global, o que é uma retórica de ludibrio. As mesmas dúvidas existem sobre a temperatura média da Terra, que na grande maioria derivam de pontos de coleta continentais e urbanizados onde se formam as "ilhas de calor". As próprias medições sobre a participação das queimadas na Amazônia variam em mais de 75%, como se constatou em trabalhos feitos na região, conforme os enfoques empregados e os objetivos a serem alcançados pelas pesquisas.
Tais ponderações são chamadas de reacionárias, produtos de atitudes passionais e não científicas, quando não de mercenarismo puro e simples. É o modo mais fácil, simples e eficiente de minar o debate, qualificando o opositor de “cético do clima”. No entanto, se estiver ocorrendo de fato um resfriamento global, tal fato apenas reforça os aspectos da luta permanente pela sustentabilidade: é um avanço, não um retrocesso.
A redução das emissões é importante pela redução da poluição, bem como o emprego das energias renováveis. A queima do petróleo e do carvão não é nociva apenas por um questionável aquecimento, mas por poluir, por exemplo, através do enxofre e provocar chuva ácida e esgotar um recurso finito, que poderia amanhã estar sendo usado para a produção de alimentos, através de sínteses. A utilização desenfreada de recursos naturais não renováveis insere-se no mesmo padrão. A eliminação dos desmatamentos e das queimadas, a adoção de técnicas sustentáveis pela agricultura, o aumento de produtividade das pastagens, o incremento das áreas florestais, a proteção da biodiversidade e assim por diante, são compromissos que devem ser assumidos porque apontam para um mundo melhor, mais equilibrado e mais sustentável, transitando de ecossistemas simples para os de maior complexidade. Por mais que se queira, não existe recuperação de biodiversidade; espécie extinta está extinta, pelo menos no atual estágio da ciência.
Atribuir à agricultura e à pecuária grande parcela de responsabilidade pela emissão de gases efeito-estufa é desconhecer completamente como se processam essas atividades. E se desconhece mesmo, é só ver o caso do metano: há quem atribua ao gado estabulado, que come comida de humano, melhor performance “carbônica” do que o gado que como comida de gado e vive nos pastos. Colocar os efeitos de queimadas, no mais das vezes criminosas, como emissão de gases pela pecuária é, no mínimo, leviano. O crescimento das pastagens e a estocagem de carbono, que é feita por elas, não são levadas em consideração. O desmatamento em si não causa aumento de CO2 na atmosfera. O que o causa é a queima do material desmatado.
Precisaria portanto haver mais seriedade nos estudos que são feitos e também nas suas conclusões. As atividades agrícolas são as únicas ações humanas que captam carbono da atmosfera e o transformam em fibras, alimentos, energia, etc. Fazem o papel que os antigos fisiocratas conferiam ao setor: é o único que produz, enquanto os outros apenas transformam. No cômputo geral, mesmo que um provável aquecimento global se devesse também às atividades humanas, o papel da agropecuária nesse processo seria desprezível.
Adequação legislativa
Esclarecidas essas questões, a atual crise econômica exige que se tomem medidas que aproveitem oportunidades que se apresentem. O Brasil tem todas as condições de se aproveitar disso e se firmar como o maior produtor mundial de alimentos, fibras e energia renovável, além de “produtos ecossistêmicos” não-tradicionais, utilizando modelos pioneiros de desenvolvimento, com tecnologias baseadas em baixo carbono e recicláveis. O País ainda carece de uma política geral que equacione a questão da renda regional, o que deveria levar o Governo, no caso da Amazônia, a assumir de fato a gestão das terras públicas, negociando multilateralmente o pagamento de serviços prestados pela região à comunidade internacional e que à luz dos novos conhecimentos e das relações internacionais se considerem os novos novos mercados de produtos e serviços que a região é capaz de proporcionar em nível global.
Para isso, no entanto, precisa modernizar sua legislação, incorporando os avanços científicos ocorridos nos últimos quarenta anos. Eliminar, por exemplo, a aberração técnica e sócio-econômica que é a chamada Reserva Florestal Legal, área de no mínimo 20% das propriedades rurais. Essa reserva é inócua para os Estados do Sul e Sudeste do Brasil, visto que em 1965 já haviam ocupado suas fronteiras agrícolas. Assim, todas as atividades agrossilvopastoris, que estavam sedimentadas, perderiam no mínimo, 20% da sua capacidade produtiva, porque passaram a ser consideradas nocivas ao meio ambiente, independentemente de elas ainda não serem proibidas legalmente.
Restringir e reduzir a produção do território rural produtivo em uma época de conquista de mercados, com produção ambientalmente adequada e certificada é um contra-senso absoluto. O que se precisa é ter produção ambientalmente adequada em 100% da área, e tecnologia para isso já existe. Para os efeitos que se pretendem que as reservas tenham: preservar e manter os ecossistemas e os seus processos, enquanto unidade funcional, de nada adiantam milhares de pseudo-reservas florestais, com algumas dezenas de hectares cada uma, respeitando no mínimo 20% da área de cada propriedade rural. Isso porque determinadas espécies e suas respectivas cadeias alimentares e energéticas, para serem preservadas e reproduzidas, necessitam áreas contínuas de milhares de hectares que não tem tamanho definido aprioristicamente. Assim, essa exigência percentual pode até levar a acelerar a extinção de espécies que necessitam de grandes territórios e proporcionar o desenvolvimento descontrolado de outras, contribuindo, por exemplo, para o reaparecimento de doenças praticamente extintas. Tais eventos podem ocorrer devido à fragmentação, que leva a um empobrecimento da diversidade biológica e a um ecossistema desequilibrado.
Propostas
Do ponto de vista estritamente técnico-científico, o que se reivindica é que a legislação garanta uma produção agrossilvopastoril sustentável, conservando a diversidade biológica no território estadual como um todo. Ou seja, nada que fosse baseado em percentuais de cada propriedade, mas, sim, em qualidade e quantidade absoluta de área, mediante estudos por bacias hidrográficas, definidos caso a caso, como é o método das multas atualmente feito. Tirar a possibilidade de elaborar esses estudos equivaleria a atribuir um mesmo projeto para todas as construções do País. Estudos já realizados para o Estado de São Paulo indicam que a proporção de terras aptas para usos florestais pode ser superior a 1/3 do território, ou seja, 50% maior do que a percentagem que a legislação florestal federal determina como mínimo. Assim, numa política pública estadual pró-ativa, a proporção de vegetação nativa conservada deve ser definida para o Estado como um todo e não para propriedades individualizadas, podendo ter como base regiões com características ambientais semelhantes. Fundamental considerar que essas áreas estarão também produzindo serviços ecossistêmicos de grande relevância, que precisam ser remunerados adequadamente. O ônus de uma política pública tem que ser repartido com toda a sociedade, como reza a Constituição.
Uma forma de dar início a uma política pública de pagamentos por serviços ecossistêmicos seria utilizar valores baseados no custo de oportunidade médio das terras. Para o Estado de São Paulo por exemplo,fazendo-se uma hipotética evolução para 30 anos, que seria o prazo legal previsto para a adequação ambiental, esse dispêndio anual estaria ao redor de R$ 37 milhões, no primeiro ano, acumulando quantias semelhantes por ano até que se chegasse ao ponto desejado. No último ano e a partir daí haveria uma estabilização em torno de R$ 1 bilhão anuais, ou seja, de 2,5 a 3% do valor atual da produção agropecuária estadual, volume perfeitamente absorvível pelo atual sistema de impostos vigente no Estado, representando não mais do que 30% do ICMS arrecadado no setor rural.
Há que expandir a agricultura para onde ela for viável e restringi-la onde outras atividades forem potencialmente mais interessantes. Nesse sentido, por exemplo, não há porque usar a Amazônia para a agricultura se ela é o maior produtor de equilíbrio climático do planeta. Assim como se comercializam produtos agrícolas, tem-se que fazê-lo com os serviços ecossistêmicos não-tradicionais.
Essa discussão é interessante pelo momento que o planeta atravessa. É preciso saber o que se quer quanto ao futuro e aproveitar as oportunidades. Não se trata, portanto, de maior rigor nas punições, nem de estabelecer mais proibições, mas de aproveitar os avanços dos conhecimentos feitos nos campos ambiental e dos agronegócios, para reverter o quadro de degradação porventura existente e manter o potencial sócio econômico dos agronegócios.

(*) Eduardo Pires Castanho Filho é pesquisador científico do Instituto de Economia Agrícola, IEA, órgão vinculado à Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio, APTA, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, SAA.
e-mail: castanho@iea.sp.gov.br

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