Klauber Cristofen Pires
Libertatum, 04 Oct 2012
Como ponto de partida, imaginemos um bolo que tenha sido fatiado em 12 partes. Caso decidíssemos dividi-lo em 13 partes, ficaria ele maior?
De tempos em tempos, e especialmente em época de eleições, flutuam na rede e-mails e tópicos de redes sociais que alardeiam, falsamente, que estaria em andamento no Congresso Nacional um projeto de lei com a proposta da extinção do décimo-terceiro salário.
Certamente, tal hipótese não se configuraria plausível nos dias de hoje, em uma casa intensamente ocupada por partidos de índole marxista. A certeza da intocabilidade deste instituto é dogma absoluto de que a existência do mesmo representa uma "conquista do trabalhador", e que, além disto, é, por todas as formas, um benefício à sociedade. Há quem defenda, no plano jurídico, tratar-se de uma inafastável cláusula pétrea constitucional.
Tendo-se consciência deste fato, aceitar debater sobre a validade dos argumentos que o sustentam é entrar descalço e sem camisa em um formigueiro. Poucos são os que aceitam verificar as exposições com ânimo de racionalidade. A paixão domina a mente dos defensores de tal forma que mal acreditam que alguém - justamente um assalariado - venha a apresentar uma análise em contrário.
Ainda assim, aceitei o desafio, e aqui proponho expor os meus argumentos que demonstram que o décimo-terceiro, ao contrário do que se imagina, apenas traz prejuízo aos trabalhadores, aos empresários e consumidores.
Como ponto de partida, imaginemos um bolo que tenha sido fatiado em 12 partes. Caso decidíssemos dividi-lo em 13 partes, ficaria ele maior?
Tomemos como base um trabalhador, recém-contratado no início do mês de janeiro, por um salário de R$ 1.200,00 mensais. A seguir será feita uma comparação da situação vigente, confrontada com um cenário em que o trabalhador receberia o décimo-terceiro salário diluído entre os doze pagamentos mensais.
Primeiro caso: vamos supor que este trabalhador não estivesse precisando, imediatamente, deste plus de R$ 100,00 mensais. Nesta hipótese, o nosso amigo poderia investir o seu dinheiro. Considerando que ele optasse pelo meio mais medíocre de investimento, qual seja, a poupança (consideremos aqui uma taxa de 6% ao ano, ou 0,5 % a mês, abstraída da TR e outros incidentes financeiros ou tributários), seu retorno ao fim de doze meses seria algo próximo a R$ 39,72.
Segundo caso: por outro lado, pensemos que o trabalhador necessitasse deste dinheiro. Suponhamos que, no mês de junho, faltassem-lhe R$ 600,00. Se ele puder se valer de uma das formas mais baratas de empréstimo – que tal, justamente, o adiantamento de 13º(?) - então ele pagará, pelos seis meses que restarão até que chegue a sua parcela salarial natalina, algo como R$ 70,00 em taxas e juros. (Note-se que o valor de R$ 600,00 foi escolhido para emparelhar-se com o cenário em que ele recebesse as parcelas mensalmente, de modo a podermos comparar o quanto ele deixa de ganhar e ainda pior, o quanto perde em juros por contrair um empréstimo - isto porque se, de fato, se recebesse os seus proventos em doze vezes, ao invés de 13, não necessitaria do empréstimo.)
O raciocínio exposto acima desmonta qualquer argumento de natureza política. De um modo geral, as principais objeções se resumem na teoria de que o governo deve proteger as pessoas, especialmente as mais pobres, de si mesmas!!! Não há como comentar tal absurdo. Ninguém, muito menos o governo, tem o direito de estabelecer quais são as necessidades ou os projetos dos indivíduos. Tal atitude configura uma derrogação do direito de propriedade e, pior ainda, da liberdade individual pela busca da felicidade. Para a satisfação do raciocínio exposto, basta demonstrar que, EM QUALQUER CASO, o trabalhador ou deixa de investir, ou chega em dezembro endividado.
Quando os constituintes afirmaram o décimo-terceiro salário para todas as categorias profissionais, talvez tivessem imaginado aumentar a renda do trabalhador. Ou talvez tivessem imaginado somente fazer média e assim ganhar votos futuros. Deram-se bem.
Contudo, a realidade que se seguiu foi outra. Talvez o décimo-terceiro tenha resultado em algum ganho de renda no primeiro ano de vigência. Entretanto, em seguida, os novos empregos, logicamente, passaram a ser contratados por valor menor, de forma que se amoldassem ao pagamento do 13º. E possivelmente muita gente conheceu o desemprego. Do lado do governo, este decidiu resolver o problema que criou para si mesmo imprimindo moeda e/ou se endividando. Com a consequente desvalorização cambial, tudo voltou a ser “como d'antes, no quartel de Abrantes”.
Vamos dar uma olhada agora desde o ângulo dos empregadores. A missão parece ser mais fácil do que a anterior, mas ainda assim, mesmo entre esta classe de cidadãos, há defensores veementes. Como já havia expresso, de tal forma há um consenso sobre a matéria que a simples liberdade de questioná-la parece um sacrilégio.
Sem dúvida, o pilar ergue-se sobre a crença de que o 13º impulsiona as vendas de fim de ano. Antes, porém, de discorrer, reitero que as comparações a seguir serão feitas com base na anexação do 13º ao pagamento do salário mensal, isto é, dividido em doze parcelas durante um ano.
Primeiramente, lembremos, o empregado chegará em dezembro, inescapavelmente, em uma de duas situações: a) ele não precisava do 13º, de modo que poupou o plus pago mês a mês, beneficiando-se, desta forma, com o rendimento das aplicações; ou b) ele precisava do dinheiro, de modo que, tendo-o usado, livrou-se de pedir um empréstimo. Como se vê, o pagamento mensal do 13º SEMPRE, isto é, em QUALQUER SITUAÇÃO, irá beneficiar o trabalhador, posto que, OU ele chegará em dezembro mais rico, OU menos endividado, o que certamente, beneficiaria o comércio.
Além disso, se o empregado recebeu seu 13º mensalmente, e o utilizou ao longo do ano, então o comércio teve - de qualquer forma - o retorno do dinheiro, e com vantagens! Ora, há muitos setores que não precisam do Natal. A estes, o fim de ano torna-se atrativo apenas por um artificialismo contraproducente, posto que têm de aguardar que as pessoas recebam o 13º para, enfim, comprar o que poderia ter sido adquirido antes. Note-se que, mesmo para as empresas cujo Natal é interessante, muitas vendas já poderiam ter acontecido. E deste cenário exsurge a pergunta: qual o empresário que, podendo vender a tempo presente, prefere esperar para vender seus produtos somente no próximo Natal?
Se as vendas pudessem ocorrer segundo uma demanda natural, mesmo considerando o Natal, o planejamento seria facilitado, porque os erros de previsão, quando houvesse, seriam pequenos e poderiam ser prontamente corrigidos nos meses seguintes. Prever as vendas de Natal no Brasil, ao contrário, configura-se como uma tarefa mais arriscada, gerando ou sobras, que, as mais das vezes, terão o preço desvalorizado após as festas (sem dizer das que perecem), forçando a liquidações no mês de janeiro, ou faltas de estoques, isto é, vendas frustradas. Em qualquer caso, prejuízo.
Ademais, acúmulos artificiais de estoques podem gerar a necessidade de armazenagem extra; da mesma forma, também possivelmente haverá a necessidade de contratar empregados temporários, ou contratá-los em maior número. Dois itens a mais no rol das despesas. É certo que esta análise está voltada para os empresários, mas nem por isto devemos considerar que contratações extras, PARA OS MESMOS PRODUTOS VENDIDOS, sejam socialmente defensáveis. A criação forçada de empregos é prejudicial a toda a sociedade, afetando tanto ao empresário quanto aos trabalhadores. O melhor para um país é que seus cidadãos não estejam somente empregados, mas sim empregados sob a organização econômica mais eficiente possível.
Já ouvi de quem tentara pagar o 13º mensalmente, que o Ministério do Trabalho e Emprego condena tal prática, tendo, inclusive, aplicado advertências e multas. Segundo os emissários do Estado, desta forma o empregado chega em dezembro "sem ter nada a receber". Desta forma, orientam aos empregadores que reservem a correspondente parcela de cada mês, de modo a possuírem capital disponível quando na hora de se efetuarem os pagamentos. Eles partem do princípio que o ao empresário não basta pagar aos empregados o justo salário, mas também atuar como seu tutor, como se fossem incapazes....
Somente não ocorre a estes representantes do estado que a manutenção de numerário em quantidade é prejudicial aos negócios. Estamos em tempo do "just in time", quando todas as etapas de produção ou vendas são ajustadas tão finamente que quaisquer sobras são consideradas em seu custo. E isto inclui o dinheiro parado. Alguém pode alegar que pode lucrar com esta situação, aplicando tais reservas no mercado financeiro. Quem sustenta tal afirmação se engana. Ora, se a algum empresário, é mais lucrativo aplicar dinheiro a juros do que rodar seu próprio negócio, então é o caso de fechá-lo. A ideia de se levar adiante algum empreendimento somente se justifica porque a expectativa de lucro é superior às taxas de juros. O argumento de que é melhor investir o dinheiro do que pagar o 13º mensalmente também é falaciosa. A cada situação, compete o respectivo cenário: para um 13º pago mensalmente, o empresário, de fato, não investirá as parcelas mensais do 13º no mercado de capitais, mas terá diante de si todas as vantagens já explicadas neste artigo.
Finalmente, há também os que defendem que o 13º "propicia" ao assalariado a possibilidade de adquirir produtos de maior valor agregado, o que, de outra forma, ele gastaria somente com "feira". Entendo que não vale a pena entrar no mérito da questão, isto é, conferir qual seria o comportamento médio dos empregados caso recebessem as parcelas do 13º mensalmente. O bastante nesta questão foi provar que o empregado chegaria em dezembro, como já dito, ou mais rico, ou menos endividado. Como ele vai utilizar seu dinheiro não compete a ninguém, senão a ele próprio. Utilizar-se de uma lei para orientar o consumo de alguém equivale a derrogar, em parte, seu direito de propriedade, e muito mais do que isto, seu direito à busca de sua felicidade pessoal. Se alguém se sente mais feliz comprando um frango a mais por semana do que comprando uma televisão, é o comércio que deve se ajustar aos seus desejos, não o contrário.
Por fim, como fica a situação dos consumidores? Vejamos preliminarmente que antes, criticamos as consequências sobre duas classes diferentes de cidadãos - trabalhadores e empresários - , mas desta vez, a condição de consumidor recai sobre ambos. A divisão trabalhador-empresário-consumidor não deve ser vista como uma classificação estanque, visto que todos os fenômenos acontecem simultaneamente e são uns a causa imediata dos outros. A visão em separado serve apenas como auxílio para o estudo até aqui esboçado.
Todos os argumentos que foram apresentados em relação aos assalariados e aos empresários geram como consequência a diminuição do consumo. Em síntese:
Resta-nos, saber, se, todavia, cabe alguma inspeção sobre fatos que, sem afetar de forma direta a estes primeiros, possam causar repercussão sobre o poder de compra.
Imaginemos que, analogamente ao fato de o empresário ter adiado parte de suas vendas para o Natal próximo, o consumidor também deixou de fazer, respectivamente, sua compra. A consequência direta para o primeiro já foi vista. Ao segundo, afora a frustração de não lhe ter sido possível ter uma necessidade mais urgente ser satisfeita, restará, adicionalmente, a inflação, a deteriorar seu dinheiro disponível. Quando, finalmente, possuir o numerário resultante do pagamento de seu 13º, perceberá o desgosto de verificar que aquilo que ele desejava comprar lá atrás, ainda no mês de fevereiro, estará à venda, no próximo dezembro, possivelmente por um preço superior.
Em um país como o Brasil, este é um dado que não pode ser desconsiderado, ainda mais quando os diversos governos se endividam para pagar o 13º de seus servidores. O endividamento estatal, ou a decisão temerária de expandir o papel-moeda em circulação, geram a imediata reação por parte do mercado, pois aumenta-se a procura pela mesma quantidade de bens disponíveis, acarretando o indesejado aumento dos preços. A súbita elevação do nível dos preços em dezembro, que salta aos olhos dos compradores mais distraídos, abocanha considerável porção do poder de compra dos salários, e não só do mês de dezembro, mas pelos meses seguintes, pois neste país, um produto baixar de preço após um aumento, ainda é coisa muito rara.
Outro fator que pode advir como causa para a corrosão do salário é o imposto de renda. A concentração das parcelas mensais para pagamento em um só mês, na forma do 13º, pode resultar em uma mudança de alíquota. Conquanto o assalariado possa mais tarde reaver seu dinheiro, por ocasião da declaração de ajuste, na prática, a ação governamental serviu como uma forma de empréstimo compulsório.
Há também o risco de, devido a uma causa estranha, não ser mais possível ou desejável adquirir o bem até então desejado. A título de exemplo, houve uma vez em que fiquei planejando a aquisição de um carro importado, por longos meses, até que, justamente no dia em que tinha o dinheiro para adquiri-lo, o governo acabava de decretar um aumento no imposto de importação de 70%! Obviamente, a partir da frustrante notícia, adquirir um carro novo foi um dos itens relegados ao fim da minha lista de prioridades...
Da mesma forma, poderia também ter havido alguma inovação tecnológica que acarretasse um aumento no preço final do bem, afastando a atração do consumidor que o esperava dentro dentro de um orçamento "contado". Lembro-me aqui de uma ocasião em que os fabricantes de máquinas de lavar haviam trocado a tecnologia de acionamento dos aparelhos, de mecânica para eletrônica. Na verdade, fizeram isto para se furtar às determinações de um decreto de congelamento de preços. De qualquer forma, para os consumidores para as quais as máquinas com acionamento mecânico pareciam ser suficientes, a mudança acarretou um prejuízo, senão em até mesmo uma impossibilidade - pelo menos temporária - de adquiri-las.
Outra consequência possível do adiamento de uma compra é o risco da relação de oferta e procura. Imagine que uma pessoa tenha se deparado, na loja, com o CD de um cantor que ela conheça e admire, embora ele ainda não goze de um prestígio junto ao público. Ela pensa, vê que anda com seu orçamento apertado, e decide aguardar até receber seu 13º. No entanto, durante este interstício, o querido cantor se tornou famoso, e seu CD dobrou de preço!
Como se vê, o tempo é um fator fundamental para influenciar a decisão de uma compra. As condições pelas quais a escolha de um determinado bem de consumo poderia se realizar praticamente nunca se repetem. Sempre o momento seguinte traz inovações que precisam ser levadas em conta, reclamando novas avaliações.
Quando o governo congela parte dos salários dos trabalhadores, para que sejam pagos somente em determinada época, o efeito se verifica na proporcional derrogação do importantíssimo duplo poder - de decisão e de informação - que os consumidores exercem na sociedade. No primeiro caso, observa-se um proporcional impedimento de o indivíduo mitigar o seu desconforto, o que, de certo modo, pode ser corretamente interpretado como seu empobrecimento. No segundo, opera-se uma distorção da compreensão que o empresário deve ter - por falta ou incompletude de informações - com relação à colocação de bens futuros no mercado, com prejuízo para toda a sociedade.
O décimo-terceiro salário adveio na forma de lei do costume do comércio de gratificar os vendedores pelas vendas extraordinárias que aconteciam no período natalino, e desta forma configurava-se como uma medida contratual criada para servir como uma medida incentivadora, delimitada, no entanto, pelas circunstâncias reais da conjuntura econômica. Desde que o governo estipulou o alargamento para todas as classes de trabalhadores, inclusive para os servidores públicos, criou um deturpamento despropositado deste mecanismo.
Como um apêndice, podemos transplantar praticamente todos os fenômenos observados quanto ao 13º para o caso do pagamento do 1/3 constitucional das férias. A única diferença reside em que o 13º concentra o seu pagamento, pelo menos em parte, no mês de dezembro. Em ambos os casos, a interferência estatal, a não ser no justo ano em que foi implementada, jamais significou um aumento da renda, mas apenas uma ingerência indevida em processo que, tanto melhor funcionaria, quanto mais naturalmente ocorresse.
O que os cidadãos devem aprender é que riqueza não se cria por decreto. O salário de um empregado sempre será a expressão de sua produtividade econômica, em nada importando quantos salários venha a receber ao longo de um ano.
Espero ter assim plantado uma semente. Melhor do que apenas terminar com uma burocracia a mais, penso que, quando chegar a hora de a sociedade perceber o caráter meramente populista de leis como esta, estará madura o suficiente para não mais aceitar tal comportamento dos seus mandatários.
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domingo, outubro 07, 2012
Decimo-Terceiro Salario: uma grande bobagem - Klauber C. Pires
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