What Is Intelligence? Beyond the Flynn Effect
James Flynn
Cambridge University Press
Estamos ficando mais inteligentes
Por Martha San Juan França
Valor Econômico, 11/01/2008
Há 20 anos, um filósofo americano chamado James Flynn fez uma descoberta genial: o desempenho médio nos testes que medem o quociente de inteligência, o famigerado QI, tem aumentado até 20 pontos por geração no mundo inteiro, o equivalente a uma elevação de 1/5 na inteligência geral de uma pessoa mediana, com QI na casa dos 100 pontos. O fenômeno, batizado de efeito Flynn, revela que as mesmas habilidades intelectuais que possuem hoje um homem ou uma mulher comuns seriam suficientes para garantir altas pontuações em um teste de inteligência realizado no início do século XX no Brasil. Ou seja, se nossos avós e bisavós fossem utilizar as normas atuais de desempenho nesses testes, seriam classificados, no mínimo, como pessoas com recursos de intelecto mais restritos.
Uma pessoa nascida na década de 1920, por exemplo, que possuía um QI de 100, teria um filho com QI em torno de 108 e um neto com QI de cerca de 120, de acordo com a teoria de Flynn. Numa abordagem no sentido oposto, uma criança que hoje tem QI de 100 teria avós com QI de aproximadamente 82.
Os mais pessimistas podem enxergar aí um paradoxo: apesar do declínio da cultura, da decadência do ensino, da má qualidade dos meios de comunicação de massa e do menor número de leitores, o mundo está ficando mais inteligente.
No recém-lançado livro "What Is Intelligence? Beyond the Flynn Effect", ainda sem tradução no Brasil, James Flynn, de 73 anos, procura explicar esses paradoxos ao fazer uma análise da evolução da inteligência para tentar defini-la e discutir uma nova maneira de abordar o papel representado pelo "cérebro, as diferenças individuais e tendências sociais" no seu desenvolvimento.
Fatores como a diminuição do número de filhos e o aumento do lazer - sobretudo o eletrônico, inexistente para as gerações anteriores - teriam favorecido a exposição das crianças a experiências de expansão do QI. Essa mudança no padrão da inteligência seria, segundo o cientista, um efeito colateral da revolução cognitiva do século XX.
Mas a questão não é trivial e a pesquisa de Flynn sofreu uma série de ataques por parte de seus colegas cientistas. Muitos argumentavam que o ganho nos resultados nos testes de QI se devia à melhoria de nutrição. Outros sugeriam que era conseqüência da expansão do ensino e não havia relação com a inteligência inata. Havia também aqueles críticos que simplesmente negavam a eficiência dos testes de QI, usando como argumento a teoria sobre inteligências múltiplas de Howard Gardner - psicólogo cognitivo americano, ligado à Universidade de Harvard e conhecido por sua teoria das inteligências múltiplas - ou a controvérsia despertada por trabalhos do tipo "The Bell Curve" (A curva do sino), escrito por Richard Herrnstein e Charles Murray, que sugeriam existir diferenças intelectuais entre as raças.
Em resposta, Flynn, professor da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, obteve mais dados para comprovar seus resultados. O efeito Flynn foi constatado em quase 30 países, incluindo o Brasil, em cada geração de 30 anos. E ocorreu mesmo em períodos de má nutrição durante as guerras no Japão e na Europa. Além disso, Flynn demonstrou que os testes relacionados que demandam processos mentais ou conteúdos ensinados na escola - como retenção de informação e vocabulário - tiveram os menores ganhos no período. Se o aumento do QI se devesse ao maior número de informações e à melhoria da escolaridade na sociedade industrial e pós-moderna, a hipótese mais provável seria que os conhecimentos apreendidos na sala de aula fossem os mais afetados nos testes de QI, que avaliam uma série de habilidades. O que se percebeu, entretanto, foi que o impacto maior no desempenho parece estar ligado a testes de raciocínio lógico e com pouco peso para o conteúdo cultural.
As implicações de seus resultados levaram o pesquisador a repensar o "fator G", ou seja, a medida de inteligência geral que não depende do grau de treinamento ou da escolaridade da pessoa testada. Em 1994, durante a polêmica que se seguiu ao lançamento do livro "The Bell Curve", que apresentava as estatísticas mostrando o atraso dos negros nos testes de QI, Flynn se uniu ao economista americano William Dickens, do Brookings Institution, para criar um modelo que explicasse essas diferenças.
Nesse modelo, eles sugerem que o aumento da escolaridade nas nações industrializadas até a década de 1950 afetou o resultado dos testes. No entanto, o efeito desse processo deve ter cessado depois disso, pois os testes que medem o conteúdo aprendido na escola tiveram um aumento desprezível, enquanto o desempenho em testes que demandam processos mentais com pouca influência cultural aumentou consideravelmente.
O material mais rico da pesquisa se refere justamente à influência do ambiente sobre a herança genética. Estudos de gêmeos idênticos separados depois do nascimento e criados por famílias diferentes mostram que eles desenvolvem trajetórias semelhantes. Flynn partiu do pressuposto de que essa coincidência não se deve apenas aos genes, mas tem relação com o ambiente.
O argumento pode ser explicado fazendo uma analogia com o basquete. Se dois meninos gêmeos são altos, ágeis e atléticos, vivem em ambientes em que o basquete é valorizado e praticam o esporte com regularidade, provavelmente vão se tornar profissionais, mesmo se forem criados em lugares diferentes. Em contraste, gêmeos baixinhos, desajeitados, pouco entusiasmados com o esporte, vão se tornar meros espectadores.
Em outras palavras, as vantagens genéticas que podem ter sido bastante modestas no momento do nascimento são reforçadas posteriormente ao se associarem ao ambiente. "Não é difícil aplicar a analogia com os testes de QI", afirma Flynn ao Valor. "Crianças com uma vantagem nos testes tenderão a gostar mais da escola, ser mais estimuladas, ler mais e entrar nas melhores universidades. Se tiverem um gêmeo idêntico, separado após o nascimento, com mais ou menos a mesma história, este certamente terá o mesmo desempenho. A capacidade desses genes atraírem ambientes de qualidade semelhante é a chave que faltava no quebra-cabeça."
Flynn começou a estudar a questão da inteligência na Universidade de Chicago - templo do pensamento liberal por onde passaram nomes como o de Milton Friedman -, onde se interessou sobremaneira por questões ligadas à igualdade racial. Sua pesquisa inicial buscava derrubar o mito de que haveria diferenças fundamentais nos QIs de negros e brancos.
Anos depois, escreveu um livro no qual critica as teses - reavivadas há pouco por James Watson, o co-descobridor do DNA - de que os negros teriam uma genética inferior para o item inteligência. A partir daí, Flynn levantou a hipótese de que fatores ambientais persistentes constituem um instrumento poderoso de estímulo para o desenvolvimento de uma sociedade. Quando a escola fundamental se tornou a norma, todas as pessoas com aspirações à classe média queriam um diploma de ensino médio. Quando seus esforços tornaram esse diploma comum, todos começaram a querer um diploma universitário.
"O progresso cria novas expectativas sobre pais estimulando os filhos, empregos de alto nível muito bem pagos nos quais se espera que pensemos por nós mesmos, atividades de lazer cognitivamente mais exigentes", diz o cientista. "Todos querem se manter atualizados, empurrando a média para cima, de forma que se atualizam mais rápido, empurrando a média ainda mais para cima", prossegue.
De acordo com Flynn, o contrário também ocorre: a queda no desempenho dos testes de QI em resposta ao ambiente desfavorável. O cientista exemplifica com o caso da segunda geração de chineses que migraram para os Estados Unidos. Segundo o pesquisador, a primeira geração que entrou na Universidade de Berkeley em 1966 tinha em média sete pontos a menos nos testes de QI se comparada com seus colegas nativos. Apesar disso, em 1980, 55% da turma de chineses americanos de 1966 ocupava postos de comando, técnicos e profissionais, ao ser comparados com 34% dos americanos comuns.
O pesquisador atribui esse resultado inesperado ao estímulo representado pela família. Para Flynn, "os chino-americanos constituíam um grupo étnico no qual as realizações eram mais importantes do que a capacidade intelectual". Esse grupo ofereceu a seus filhos um ambiente cognitivo mais estimulante do que seus pais haviam providenciado. Como resultado, aos 6 anos, essas crianças possuíam um QI nove pontos acima dos estudantes americanos comuns.
Surpreendentemente, a tendência se reverteu com o passar do tempo. Aos 10 anos, essa diferença de QI caiu quatro pontos. Aos 18, caiu para três pontos. Segundo Flynn, "a vantagem se perdeu quando a escola diminuiu a influência familiar e as crianças passaram a valorizar outras coisas".
Atualmente, trabalhos como os de James Flynn e outros levam os especialistas a considerarem normal a influência do ambiente nos resultados dos testes de QI. "Os testes continuam a ser bastante utilizados, mas a interpretação é mais ampla, sendo muitas vezes necessária uma complementação para avaliar determinadas funções cerebrais", explica a neurologista Lúcia Zanotto de Mendonça, presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. "O que chamamos de avaliação neuropsicológica ecológica leva em conta aspectos como alfabetização, escolaridade, fatores culturais e sociais, sexo, idade, a inter-relação da cognição com as emoções e a capacidade adaptativa."
A inteligência, como outras características físicas e psicológicas, tem grande variação entre os indivíduos. É natural, portanto, que existam pessoas mais, e menos, inteligentes. Conhecer essa diferença e tentar melhorar o desempenho escolar das crianças foi o que motivou o psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911) a idealizar os primeiros testes de QI.
Hoje, eles constituem um conjunto de subtestes diferentes que avaliam as habilidades cognitivas relacionadas comumemente com a inteligência, como habilidade verbal, lógica/matemática, espacial e memória - todas fortemente inter-relacionadas. Verificou-se, por exemplo, que indivíduos com melhores resultados em testes de habilidades verbais tendem a apresentar melhores resultados nos demais testes, independentemente da forma como são ministrados.
Surpreendentemente, com o passar do tempo, o aumento de ganho dos testes cognitivos não se manifestou de forma uniforme. Em seu livro, Flynn explica que isso ocorreu porque, nos últimos anos, a maioria das sociedades tornou-se mais exigente no que se refere à chamada inteligência fluida, que é a responsável pelo raciocínio abstrato e a solução de problemas novos. Estaríamos mais competentes para executar tarefas específicas e não mais inteligentes no sentido global da palavra.
"Cada época exige um tipo de raciocínio que se reflete no ganho cognitivo correspondente ao teste utilizado", explica a psicóloga Carmen Flores-Mendoza, do Laboratório de Avaliação das Diferenças Individuais, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Os ganhos cognitivos, portanto, podem ser de variada intensidade e diferente qualidade, dependendo da exigência presente em cada sociedade, cultura ou nação."
A psicóloga desenvolve um trabalho com outros pesquisadores da América Latina destinado a investigar a relação entre inteligência, rendimento escolar e riqueza das nações a partir dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que mede o desempenho de alunos de 15 anos em 57 países com o objetivo de oferecer indicadores sobre a qualidade dos sistemas educacionais. O teste, no qual o Brasil se saiu muito mal, mede basicamente o conhecimento de ciências, mas também a capacidade de leitura e inclui noções de matemática.
"É o tipo de prova que solicita não apenas conhecimento escolar, mas a aplicação desses conhecimentos na resolução de problemas cotidianos ou na interpretação de fatos atuais, ou seja, raciocínio abstrato", explica a psicóloga. "Portanto, qualifica o que o mundo e o mercado de trabalho contemporâneo solicitam da pessoa: entender e trabalhar com símbolos. É por essa demanda cognitiva que a prova Pisa apresenta uma correlação em torno de 0,80 com testes de inteligência."
É de supor que os países com melhor desempenho no Pisa, segundo a psicóloga, apresentem também um alto desempenho em testes de inteligência. Uma suposição que advém dos trabalhos e discussões que rodeiam as investigações do psicólogo Richard Lynn e do economista Tatu Vanhanen, que publicaram em 2002 um livro polêmico sobre os testes de inteligência e sua relação com a riqueza das nações ("IQ and the Wealth of Nations"). Segundo a obra, o QI médio de um país estaria associado em 0,70 à sua riqueza, isto é: quanto maior é o capital intelectual de um país, maior é a sua capacidade de produzir riqueza (esta última medida em PIB per capita).
Para comprovar sua tese, eles deviam provar que as estimativas dos QIs dos países eram medidas válidas de inteligência. Para tanto, correlacionaram esses dados com os resultados do Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciências (Timss), outra prova escolar internacional. Verificaram que, de maneira semelhante ao que ocorre em investigações de pessoas, havia alta associação entre o QI do país e o resultado geral na prova.
"Novos estudos demonstraram essa associação, não só entre o QI dos países, os exames de rendimento escolar e o nível de riqueza, mas também com outros indicadores sociais", observou a psicóloga. "Desse modo, pode-se dizer que o Pisa, embora não tenha sido desenhado para isso, aponta, a cada avaliação, em que medida os governos conseguiram aumentar a capacidade cognitiva de suas populações mediante o aumento da qualidade educacional, uma vez que a inteligência acompanha o rendimento escolar", afirma Carmen.
Para a psicóloga, o QI médio estimado para a América Latina (considerando-se que a média geral é 100), está entre 80 e 93 pontos. A maioria dos países latino-americanos está abaixo de 90, portanto, abaixo da média e insuficiente para acompanhar o desenvolvimento tecnológico e industrial que gera riqueza econômica. O projeto em que Carmen está empenhada quer levantar com mais precisão a situação cognitiva da região, uma vez que os números acima têm como base estudos antigos. Os dados de QI datam de 1940 até 1995, dependendo do país. Os dados das provas Timss e Pisa são de 1995 a 2003. "Nossa pretensão é analisar o desempenho das populações com as duas medidas simultaneamente", afirma.
Além disso, o projeto quer entender as causas do baixo rendimento nas provas. "Mesmo estudantes de uma parte da elite econômica do país tiraram notas abaixo do esperado no Pisa", observa a psicóloga. "Em 2003, somente 20% conseguiram se posicionar nos níveis 4 e 5 em matemática. A elite americana e européia concentrou-se em torno de 55% nesses mesmos níveis. Por quê? Será que nosso contexto educacional privilegia outro tipo de processamento, justo aquele que não responde aos desafios cognitivos atuais?" São questões que o projeto pretende responder.
"What Is Intelligence? Beyond the Flynn Effect" - De James Flynn.
Cambridge University Press, 200 páginas, R$ 55, importado na Livraria Cultura, em São Paulo ( www.livcultura.com.br )
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Um comentário:
Caro PRA,
sobre esse tema, sugiro esta entrevista do Prof. Flynn sobre o livro. Note a parte em que ele pede mais pesquisas no Brasil!
http://www.gnxp.com/blog/2007/12/10-questions-for-james-flynn.php
O paper dele com o Dickens pode ser baixado no site do American Enterprise Institute (à direita na tela), que também contém material sobre um debate dele com Charles Murray (que já vai bem além do que sou capaz de avaliar, mas é interessante):
http://www.aei.org/events/eventID.1425,filter.all,type.upcoming/event_detail.asp
Espero ter sido de utilidade!
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