As universidades federais sob Lula
Paulo Renato Souza
O Estado de Sao Paulo, domingo, 27 janeiro 2008, p. A-2
Em reiteradas oportunidades o presidente Lula reivindica ser o que mais investiu em universidades federais em nosso país. Até o momento, essa postulação se resume a planos e projetos, mas não encontra guarida nos dados de suas realizações. Na semana do último Natal, o Ministério da Educação (MEC) divulgou os dados do Censo do Ensino Superior correspondente ao ano de 2006. Eles revelam sérias ineficiências nas federais nos anos recentes e nos permitem interessantes comparações entre o primeiro mandato do presidente Lula e os de seu antecessor.
Comecemos pelas matrículas. Durante todo o período do governo FHC, elas cresceram 46%, sendo 12% no primeiro mandato e 30% no segundo, cumulativamente. No primeiro governo Lula a expansão foi de 11% nos quatro anos, mas dois terços desse aumento (7%) ocorreram no ano de 2003, ainda como conseqüência das políticas adotadas até 2002. Nos três anos seguintes, a matrícula cresceu apenas 4% no total, muito abaixo até mesmo do crescimento populacional do País. É interessante destacar que o mesmo fenômeno se observa nos cursos noturnos. As matrículas cresceram 20% e 60% nos dois governos FHC - alcançando 93% no período total - e apenas 14% no primeiro governo Lula. Novamente, 11% desta expansão se verificara apenas no ano de 2003. Não deixa de ser irônico que um governo que se quer popular e de esquerda tenha aumentado as matrículas noturnas nas universidades federais em menos de 3%, no total, nos últimos três anos!
A enorme expansão nas matrículas durante o período FHC se deu mantendo o mesmo número de instituições e aumentando levemente o número de professores. Nos anos do governo Lula o crescimento do número de professores foi muito maior do que o de alunos, o que levou a um aumento de sua ineficiência medida pela relação aluno/professor, que em si já é baixa se comparada com as melhores universidades do mundo.
No item das conclusões, as tendências gerais são as mesmas: crescimento de 35% e 24% em cada um dos períodos FHC e 17% no primeiro governo Lula, sendo 18% apenas em 2003. Ou seja, o número de conclusões nas federais foi menor em 2006 do que havia sido em 2003!
Autoridades do MEC, seguindo o cacoete do presidente, acusaram o governo FHC, alegando que supostas “falta de custeio e a carência de recursos humanos” na época teriam provocado esses resultados recentes. Como se vê, não se deram ao trabalho de olhar os números em detalhe para enxergar a sua própria responsabilidade. Na verdade, essa é uma nova versão da balela sobre um inventado “sucateamento” das federais durante o governo FHC, que, à época, foi difundido à exaustão, numa reprodução das velhas táticas totalitárias de repetir a mentira até que ganhe foros de verdade. Refutei esses argumentos em trabalho repleto de dados postado nessa semana no site da Associação dos Reitores das Federais (ver também em meu site, abaixo indicado). O artigo mostra que não ocorreu essa alegada falta de custeio. Demonstra que no segundo mandato de FHC a média anual dos recursos destinados às federais para custeio e investimento foi superior à do primeiro mandato de Lula. Fica também evidente que não houve carência de recursos humanos e que melhorou muito a qualificação do corpo docente das federais, com maior proporção de mestres e doutores.
No meu entender, resultados tão díspares de um governo para o outro são explicados basicamente por duas políticas hoje abandonadas. Em primeiro lugar, em 1998 foi introduzida a Gratificação de Estímulo à Docência, a GED, que vinculava uma parte significativa da remuneração dos docentes ao seu desempenho, avaliado segundo critérios objetivos fixados por cada universidade. Quesitos como o número de aulas por semana, as aulas nos cursos noturnos, as publicações dos professores eram itens incluídos na maioria das instituições. A partir de 2003 a gratificação passou a ser igual para todos, independentemente do seu desempenho.
Em segundo lugar, a distribuição de recursos de custeio para as universidades desde 1999 estava baseada numa matriz de desempenho. Tinha peso relevante o número de alunos matriculados, o de alunos nos cursos noturnos, os programas de pós-graduação, além de indicadores de eficiência. Essa matriz também foi abandonada a partir de 2003. A importância dessas políticas fica ainda mais evidente ao constatar que os indicadores antes mencionados foram melhores no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso em relação ao primeiro, justamente quando elas estavam plenamente vigentes.
Por que essas políticas foram abandonadas? Por uma visão populista a respeito da gestão das instituições de ensino superior públicas, incompatível com o desempenho acadêmico e com o bom uso dos recursos públicos. Agora, um pouco tarde, o MEC parece ter acordado para os méritos de algumas das medidas adotadas no governo FHC. Batizado de Reuni, o governo lança como grande novidade um programa de incentivos ao desempenho das universidades federais pelo qual serão aquinhoadas com mais verbas as instituições que melhorarem seu desempenho em função de indicadores como a relação aluno por professor e os cursos noturnos. Em princípio, qual a diferença em relação à nossa velha matriz de distribuição de recursos de custeio? Mais um programa copiado e rebatizado! Este governo não terá, entretanto, a coragem de retomar a política de remuneração de professores em função de indicadores de desempenho. Nesse caso, o corporativismo das bases falará mais alto, pois o compromisso deste governo é maior com as suas corporações do que com os benefícios da ação pública para o conjunto da sociedade.
Paulo Renato Souza, deputado federal por São Paulo, foi ministro da Educação no governo FHC, reitor da Unicamp e secretário de Educação no governo Montoro. E-mail: dep.paulorenatosouza@camara.gov.br. Site: www.paulorenatosouza.com.br
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