domingo, abril 05, 2009

414) O problema politico dos precos da gasolina no Brasil

PARA PETROBRAS, ÁGUA CUSTA MAIS CARO DO QUE GASOLINA
EDITORIAL
GAZETA MERCANTIL, 26/3/2009

Na sessão conjunta das comissões de Infraestrutura e de Acompanhamento Econômico do Senado, a presidência da Petrobras afirmou que não há qualquer possibilidade, a curto prazo, de caírem os preços da gasolina e do diesel no Brasil. O principal argumento do presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, é de que a gasolina nas refinarias brasileiras custa menos do que água. Gabrielli insistiu em que a empresa não aumentou os preços quando o barril do petróleo atingiu no mercado internacional mais de US$ 150 e que agora também não repassará ao consumidor a queda do produto para cerca de US$ 50 o barril. Sem-cerimônia, o presidente da estatal lembrou aos parlamentares que o preço não baixará "porque não subiu", sem deixar de dizer que o encarecimento da gasolina se deve à margem de lucro das distribuidoras e dos altos tributos.
Os parlamentares reagiram lembrando, primeiro, que os preços da gasolina, sem adição de álcool, já custa 20% mais do que o cobrado nas refinarias dos Estados Unidos. Depois insistiram em que a conta do presidente da estatal estava equivocada: um litro de água custa, em média R$ 0,90, enquanto nas refinarias da Petrobras, o litro da gasolina tem o preço de R$ 1,10. A cobrança dos senadores, aliás, não se limitou ao custo de produção dos combustíveis. A composição do preço do combustível também foi mencionada: do litro de gasolina pago pelo consumidor na bomba, 40% representa o custo do produto, 32% da Petrobras e 8% do álcool, outros 45% se referem aos impostos e os 15% restantes ficam com a distribuição, revenda e custos de transportes.
Nessa divisão do preço do combustível está o custo do efetivo controle que a estatal exerce sobre toda a cadeia de produção e distribuição da maior matriz energética do País. Vale notar que refinadores independentes, como a imprensa registrou, ofereceram no mercado paulista gasolina R$ 0,20 mais barata do que o preço cobrado pela Petrobras. Porque a estatal manteve os preços intocados mesmo com a queda nas cotações internacionais do óleo. Essas revendas independentes afirmam que os distribuidores que compram das microrefinarias Univen e Copage conseguem colocar a gasolina nos postos a R$ 1,98 por litro, quando a gasolina que vem da Petrobras custa aos revendedores finais entre R$ 2,14 e R$ 2,17. Para o consumidor o preço do produto nos postos paulistas gira em torno de R$ 2,45 por litro. Não é diferente no Rio de Janeiro, com os produtos importados pela pequena Refinaria de Manguinhos, especialmente nafta e gasolina, que chegam aos postos com preços bastante competitivos em relação aos cobrados pela estatal. As grandes distribuidoras notaram a diferença de preço e poderiam trocar de fornecedor em relação à estatal, caso tenham garantias de que não haverá retaliações posteriores da empresa.
É fato que essa pequena concorrência não preocupa e não chega a ameaçar a Petrobras. Os diretores da estatal lembram que não há imposição legal para trabalharem com preços internacionais e que podem praticar o preço mais conveniente à companhia. As reclamações relativas ao preço atual da gasolina, que não reproduz a queda dos preços internacionais do petróleo, são rebatidas com o argumento de que os preços de hoje são o que são para compensar o prejuízo acumulado de US$ 17 bilhões que a estatal amargou suportando sem repasse a alta do óleo no mercado internacional especialmente nos doze meses anteriores a setembro de 2008. Esse argumento é complicado porque a estatal não praticou, nesse período, essa mesma política com o diesel, impondo preços médios acima do mercado.
Vale notar que a prepotência da estatal não está restrita ao preço que o consumidor paga na bomba, seja qual for a cotação do barril de óleo. Os funcionários da Petrobras estão em greve desde segunda-feira e segundo a Federação Única dos Petroleiros, a empresa "só avançou" na proposta sobre a Participação nos Lucros e Resultados. As demais exigências da pauta de reivindicações, que incluem melhorias no plano de saúde, melhores condições de segurança no trabalho, maior respeito ao meio ambiente e, inclusive, garantia de emprego para funcionários terceirizados de prestadoras de serviços da estatal, não foram ainda atendidas e, portanto, a greve continua. É curioso, mas o trabalhador do setor privado, que sequer sonha com tais exigências frente às condições reais do emprego, não cogita de greve nem mesmo por motivos bem mais graves. Mas os funcionários da estatal, tanto quanto os diretores da empresa que definem os preços dos combustíveis, vivem em outro mundo, bem diferente daquele em que vivem os trabalhadores e empresários brasileiros.

===========

Sem mercado
Panorama Econômico - Míriam Leitão
O Globo - 27/03/2009

O caso da Petrobras e o preço dos combustíveis é mais sério do que parece. Não é saber se cai ou não o preço da gasolina, é que o episódio mostrou a enorme distorção desse mercado no país. A empresa diz que está, agora, recuperando o prejuízo de 2008. Admite que praticou preços artificiais e entra em contradição com as explicações de que a queda do dólar tinha compensado a alta do petróleo.

No ano passado, a empresa negava que estivesse operando com prejuízo. A explicação dada, quando se perguntava por que o preço não havia subido apesar da disparada do dólar, era sempre a mesma: a de que os preços dos derivados eram decididos a partir do mix dólar-preço de petróleo.

O petróleo havia subido, mas o dólar havia caído, e uma coisa teria compensado a outra. Esta semana, em depoimento no Congresso, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, admitiu que está, agora, reduzindo o prejuízo acumulado em 2008. Estranho: a mesma empresa, a mesma direção, mas uma explicação por ano.

Se a Petrobras praticou preços abaixo do que deveria, a ponto de acumular prejuízo, ela lesou os acionistas minoritários, manipulou preços e criou barreiras à entrada. Se, agora, ela admite que está recuperando o prejuízo, confirma que os preços eram, e são, artificiais.

As duas distorções — preços abaixo ou preços acima do devido — são irmãs e resultado de um mercado sobre o qual uma empresa exerce monopólio em vários segmentos.

O advogado e professor da PUC Pedro Paulo Cristofaro mandou e-mail para a coluna dizendo que um dos “ilícitos contra a concorrência” mais difíceis de caracterizar é exatamente o de praticar preços abaixo do mercado. “Em uma situação específica, o preço abaixo do custo causa prejuízos à concorrência no mercado.

Isso ocorre quando uma empresa tem condições de, vendendo por preço muito baixo, afastar concorrentes, atuais ou potenciais, do mercado. O concorrente que está no mercado sai, o que não está, não entra, pois sabe que não terá condições de manter uma atividade capaz de pagar os seus investimentos e de gerar lucros. Nesse caso, o preço muito baixo passa a ser chamado de ‘preço predatório’”, diz ele.

Aliás, lembra Cristofaro, a própria Secretaria de Acompanhamento Econômico define o que é este preço predatório como um preço imposto “por uma firma dominante, por um tempo suficientemente longo, tendo por intenção expulsar alguns rivais ou deter a entrada de outras”. Segundo a Fazenda, o objetivo desse preço predatório é “um investimento em perdas, por um determinado período de tempo, com a perspectiva de se obter retornos suficientemente altos no futuro”.

Então, se os dirigentes da empresa admitem que estão recuperando perdas, eles praticaram preços predatórios no passado. A própria SEAE diz que o preço predatório dá uma ilusão de bem-estar ao consumidor, mas é temporário, porque no fim isso aumenta o poder de mercado desta empresa.

A Petrobras segue as conveniências político-eleitorais do governo e, em compensação, não tem qualquer constrangimento em área alguma, como acabou de demonstrar ao impor ao país mais alguns anos de diesel com alto teor de enxofre, a despeito da resolução do Conama.

Cristofaro se pergunta se não é o caso de o Cade investigar a conduta da Petrobras.
O pior é que o Cade analisou e concluiu que não há indícios de preços predatórios.
Um dos argumentos é que a empresa não alteraria preços em todo o país só para afastar dois pequenos concorrentes (duas pequenas refinarias que entraram com queixa). Ora, a grande questão não é em relação a quem opera no Brasil, mas é que ninguém entra num mercado em que os preços são tão artificiais e imprevisíveis.

Para o economista David Zylberstajn, o que não tem cabimento é o fato da Petrobras não ter uma política de alinhamento de preços com a cotação internacional.
Segundo ele, o melhor seria criar mecanismos para reajustar os preços em momentos de alta e de baixa, dando mais transparência ao mercado.

— O mais perverso da manipulação de preços é que impede a entrada de novos agentes no país.
Quando a Petrobras não elevou o preço do combustível, ela praticou um dumping, e aí ninguém entraria mesmo.
Agora, que seria um momento propício para as empresas entrarem, porque o preço da Petrobras está alto, ninguém se arrisca, porque ninguém tem certeza da política de preços.
Curiosa também foi a explicação dada pela direção da empresa no Congresso, esta semana, culpando as distribuidoras.
A tese é que são as distribuidoras que aumentam os preços. Como a Petrobras é dona de quase 40% do mercado de distribuição, a desculpa dada pela empresa fica ainda mais esquisita.
Quando é criticado por estar com os preços altos demais, José Sérgio Gabrielli diz que os preços “podem” cair quando a cotação internacional estabilizar. Mas a questão é que a avaliação de “estabilidade” para a direção da empresa é tão obscura quanto qualquer outra decisão da própria empresa.
Os preços cairão quando for de interesse do governo, mas nada a ver com qualquer equação econômica compreensível.

Nenhum comentário: