quinta-feira, abril 30, 2009

419) Ciencia e Tecnologia na AL: indicadores 2008

Pesquisador comenta relatório
O Estado da Ciência em 2008 - Principais Indicadores de C&T Iberoamericanos

Lançado pela Rede Iberoamericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia, objetivo da publicação é reunir ferramenta para a análise dos problemas de CT&I nos países da região
Jornal da Ciência e-mail, 29.04.2009

O Estado da Ciência 2008 foi elaborado pelo Centro de Estudos sobre Ciência, Dsenevolvimento E Educação Superior da Associação Civil Grupo Redes, sede da Rede Iberoamericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt, na sigla em espanhol), pertencente ao Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Cyted, na sigla em espanhol).

O relatório, na íntegra, pode ser acessado em: http://www.ricyt.org/interior/interior.asp?Nivel1=6&Nivel2=5&IdDifusion=25

Em entrevista a Alessandro Luis Piolli, pesquisador associado do Labjor?Unicamp, Ivan da Costa Marques, professor associado da UFRJ, analisa informações do Relatório:

- De acordo com o relatório da Ricyt, a América Latina (AL) apresenta os principais indicadores de produção científica em expansão contínua há 6 anos. Esses números são motivos para comemoração, ou poderíamos ter avançado mais?

O mesmo relatório da Ricyt problematiza esta expansão contínua ao apontar, por exemplo, que o aumento do número de publicações não correspondeu nem ao aumento do número de pesquisadores (ou seja, houve diminuição do número de publicações por pesquisador) nem ao aumento do PIB (ou seja, houve diminuição da produção científica por unidade de produção econômica contabilizada). Mas há aí pelo menos mais duas questões cruciais subreptícias. A primeira é a administração da pesquisa baseada exagerada e exclusivamente em indicadores, números que passam a ser perseguidos como representantes fieis de algo desejado. Mas o aumento de um indicador não corresponde necessariamente a um aumento daquilo que muitas vezes as pessoas enxergam como sendo fielmente indicado por ele.

A segunda é que me parece insustentável universalizar como prontos os indicadores de construção de conhecimentos científicos e tecnológicos da OCDE para países como o Brasil. Teríamos que propor, testar e discutir nossos próprios indicadores. Infelizmente ainda não dá para ver quase nada de prático sendo feito pela SBPC ou pelos cientistas brasileiros neste sentido. Sinceramente espero que eu esteja enganado.

- E diante desse quadro de crise financeira internacional, como deve ficar a relação entre ciência, tecnologia e sociedade na AL comparada ao restante do mundo?

Do ponto de vista da construção de saberes científicos e tecnológicos o elemento inovador que a crise põe em cena é facilitar a percepção, até agora restrita, de que as ciências não só descrevem mas também criam o que descrevem e explicam. Esta percepção, sobre a qual, na sociologia da economia, têm insistindo, dentre outros, pesquisadores como Michel Callon e Donald Mackensie, muda bastante radicalmente como entendemos o conhecimento da ciência econômica. A América Latina não precisa mais ver como absolutos, universais e neutros, sem valores, em sua teoria, os fatos da ciência econômica estabelecida e disseminada a partir da OCDE (e tampouco os fatos de outras ciências, mesmo os das chamadas naturais, mas aí aqueles atributos talvez se compliquem ainda mais).

- O baixo investimento privado em pesquisa permanece na AL e é avaliado como um problema para a transferência tecnológica no relatório. Como o senhor avalia essa questão? O que pode ser feito para reverter esse quadro? A crise financeira pode piorar essa situação?

A principal questão não me parece ser se o investimento em pesquisa é público ou privado. Respostas e soluções legítimas para problemas do tipo “transferência tecnológica” só podem ser específicas e empíricas, resultados de estudos e pesquisas com densidade etnográfica. Caso a caso, o principal seria pesquisar e entender a cadeia que vai desde o conhecimento científico-tecnológico (brasileiro ou estrangeiro) ou, em outros casos, desde o pesquisador brasileiro, até o usuário local, brasileiro, e como pode ser buscada e construída uma relação em que o aumento da pesquisa faça com que seus resultados apareçam nos meios que os países da AL, e particularmente o Brasil, dispõem para aumentar a qualidade de vida de suas populações. E qualidade de vida é coisa que cada povo pode estabelecer a sua.

Neste sentido Darcy Ribeiro foi preciso ao dizer que “precisamos inventar o Brasil que queremos”. É claro que este “nós” implica uma expansão de valores democráticos, para o que entramos em período mais favorável com o afastamento dos golpes militares que faziam parte de nossa tradição política autoritária, embora a exclusão, segregação, coronelismo e autoritarismo continuem presentes em muito alto grau. O que talvez não tenha ainda entrado em clara circulação é a percepção prática de que a novas situações políticas correspondem forçosamente novas construções de conhecimento e portanto, nos dias de hoje, novas ciências e tecnologias.

- O Brasil é o único país da AL que supera 1% do PIB em investimentos em ciência. Como o senhor avalia essa questão? É necessário se investir mais? Como mudar esse quadro?

Novamente, por si só estes números querem dizer muito pouco. Eles são resultados de agregações muito diferenciadas e heterogêneas entre os países e se têm utilidade nas discussões da política de distribuição de verbas (necessária mas restrita a um aspecto e a opções prévias não discutidas), sua utilidade é mais servir de parâmetro aos lobistas do que aquilatar e comparar o que pode ser conseguido com o volume de recursos que eles indicam. A porcentagem do PIB americano em “investimentos em ciência” saltou de menos de 1% para o número mágico ao redor de 3% no pós-guerra, meados do século XX, como resultado dos cientistas terem sido levados aos píncaros da glória pelo papel que as ciências desempenharam na vitória dos EUA, mas aquela ciência crucial para a vitória (nuclear e eletrônica) foi toda feita antes, com menos de 1% do PIB. Esta porcentagem deveria ser um resultado e uma decorrência de projetos e não um dado a priori. Corremos o risco de desperdiçar muito, gastar sem necessidade para não retornar o dinheiro para o tesouro, todos nós conhecemos o afogadilho, a falta de critério e a péssima distribuição das verbas.

- O relatório mostra um significativo aumento na formação de pesquisadores na AL. Além disso, em 1997 as empresas absorviam 16% dos cientistas e tecnólogos, em 2006 elas representavam 35% do total. o que dizem esses números? A iniciativa privada ainda demanda pouca mão de obra qualificada? Qual é a tendência para os próximos anos nesse contexto de crise?

Não deveria surpreender que em um país industrializado com tecnologia estrangeira, como foi o Brasil, as empresas de maneira geral, se é que esta expressão é válida, não demandem mão de obra qualificada para fazer projeto e desenvolvimento de produtos se estes projetos e desenvolvimentos, na visão de um processo de modernização por réplica, já estão prontos nos países que nos servem de modelo. O que a crise pode trazer de positivo, principalmente se mantidas as condições para expansão dos valores democráticos, é a discussão do que aceitar e do que rejeitar nas proposições de modelos de construção de conhecimentos científicos e tecnológicos, que nos dias de hoje são proposições de modelos de vida. E aqui não me refiro à construção de um mundo novo, uma utopia a partir da negação do que temos hoje, mas à construção de um mundo melhor, negociando caso a caso as respostas às perguntas: 1) “quantos somos?” e 2) “como podemos viver juntos?” porque pesquisa é construção, é ação, não se escapa disso, mais ainda agora que talvez as próprias universidades dos países da OCDE nos ofereçam mais claramente os instrumentos para dizer isto do que quando vivia Darcy Ribeiro.

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