domingo, agosto 21, 2011

A destruicao da escola publica pela universidade - Jose Maria e Silva

ESCOLA PÚBLICA
Vítima indefesa das universidades
José Maria e Silva
Jornal Opção (Goiânia), 21/08/2011

O Ideb na porta das escolas não vai medir o mais grave problema da educação brasileira: a pedagogia da destruição que as universidades impõem ao ensino público

O go­ver­no go­i­a­no, por in­ter­mé­dio da Se­cre­ta­ria Es­ta­du­al de Edu­ca­ção, ado­tou uma me­di­da pi­o­nei­ra no Pa­ís — a trans­for­ma­ção do Ín­di­ce de De­sen­vol­vi­men­to da Edu­ca­ção Bá­si­ca (Ideb) nu­ma es­pé­cie de DNA das es­co­las. A par­tir de ago­ra, to­das as es­co­las es­ta­du­ais se­rão obri­ga­das a os­ten­tar uma pla­ca com a no­ta ob­ti­da no Ideb, tor­nan­do pú­bli­co seu su­ces­so ou fra­cas­so no re­fe­ri­do ín­di­ce. Co­mo pai da ideia, o em­pre­sá­rio e eco­no­mis­ta Gus­ta­vo Ioschpe, pen­sa­dor ad hoc da edu­ca­ção, es­te­ve em Go­i­â­nia res­pal­dan­do a de­ci­são do se­cre­tá­rio de Edu­ca­ção, Thiago Pei­xo­to. Em seu Twit­ter, no fi­nal da tar­de de se­gun­da-fei­ra, 15, Ioschpe não es­con­deu o en­tu­si­as­mo: “Sa­in­do de Go­i­â­nia. Ideb na Es­co­la lan­ça­do na re­de es­ta­du­al de Go­i­ás. Pri­mei­ro Es­ta­do. Gran­de vi­tó­ria. Va­mos em fren­te”.

A pro­pos­ta de Gus­ta­vo Ioschpe ga­nhou for­ça en­tre as au­to­ri­da­des do Pa­ís e ten­de a vi­rar lei fe­de­ral, va­len­do pa­ra to­das as es­co­las bra­si­lei­ras. É o que pre­vê pro­je­to de lei do de­pu­ta­do fe­de­ral Ro­nal­do Cai­a­do (DEM), apre­sen­ta­do na Câ­ma­ra dos De­pu­ta­dos em 7 de ju­nho. No mes­mo dia, o de­pu­ta­do Ed­mar Ar­ru­da, do PSC do Pa­ra­ná, apre­sen­tou pro­je­to se­me­lhan­te, que foi apen­sa­do ao do par­la­men­tar go­i­a­no. Uma se­ma­na de­pois, em 15 de ju­nho, foi a vez do de­pu­ta­do Fer­nan­do Tor­res, do DEM da Ba­hia, apre­sen­tar pro­je­to pra­ti­ca­men­te idên­ti­co, tam­bém apen­sa­do ao de Cai­a­do. E na mes­ma da­ta, cou­be à se­na­do­ra Lú­cia Vâ­nia, do PSDB de Go­i­ás, inau­gu­rar es­sa dis­cus­são no Se­na­do, com um pro­je­to de lei do gê­ne­ro.

Além des­sas ini­ci­a­ti­vas no Con­gres­so Na­ci­o­nal, di­ver­sas As­sem­blei­as Le­gis­la­ti­vas e Câ­ma­ras Mu­ni­ci­pa­is pe­lo Pa­ís afo­ra es­tão dis­cu­tin­do pro­je­tos se­me­lhan­tes, to­dos eles ins­pi­ra­dos na pro­pos­ta de Gus­ta­vo Ioschpe. No ca­so dos pro­je­tos de lei que tra­mi­tam no Con­gres­so Na­ci­o­nal, o mais ou­sa­do é o de Ro­nal­do Cai­a­do, pois ele obri­ga to­das as es­co­las do en­si­no bá­si­co — não só as pú­bli­cas, mas tam­bém as par­ti­cu­la­res — a exi­bir a no­ta ob­ti­da no Ideb. Se apro­va­do, o pro­je­to de Cai­a­do exi­gi­ria adap­ta­ções no Ideb, pois a Pro­va Bra­sil, um dos in­di­ca­do­res que com­põ­em o ín­di­ce, é apli­ca­da por amos­tra­gem no en­si­no pri­va­do e não uni­ver­sal­men­te, co­mo ocor­re no en­si­no pú­bli­co ur­ba­no.

Pau­lo Frei­re da “di­rei­ta”
A pro­pos­ta de obri­gar as es­co­las pú­bli­cas a di­vul­ga­rem seu Ideb foi lan­ça­da por Gus­ta­vo Ioschpe na re­vis­ta “Ve­ja”, na edi­ção de 8 de ju­nho. Ao fi­nal de um ar­ti­go em que fa­la­va de sua par­ti­ci­pa­ção na “Blitz da Edu­ca­ção”, do “Jor­nal Na­ci­o­nal”, Ioschpe lan­çou o se­guin­te de­sa­fio: “As es­co­las pú­bli­cas do País de­ve­ri­am ser obri­ga­das por lei a pôr o seu Ideb em pla­ca de 1 me­tro qua­dra­do ao la­do da por­ta prin­ci­pal, em uma es­ca­la grá­fi­ca mos­tran­do sua no­ta de ze­ro a 10. Na pla­ca de­ve­ria apa­re­cer tam­bém o Ideb mé­dio do mu­ni­cí­pio e do Es­ta­do. A mai­o­ria dos pa­is e pro­fes­so­res ho­je não sa­be se a es­co­la do fi­lho é boa ou ru­im, e, se es­pe­rar­mos que con­sul­tem o si­te do MEC, se­re­mos o país do fu­tu­ro por mui­tas ge­ra­ções. Man­de um e-mail pa­ra seu de­pu­ta­do e exi­ja es­sa lei”.

Co­mo as edi­ções de “Ve­ja” são da­ta­das com ba­se na quar­ta-fei­ra, mas co­me­çam a cir­cu­lar no sá­ba­do an­te­ri­or (no ca­so, 4 de ju­nho), o pro­je­to de lei de Ro­nal­do Cai­a­do, co­mo ele pró­prio ad­mi­te, foi ins­pi­ra­do no ar­ti­go de Gus­ta­vo Ioschpe, mes­mo ten­do si­do apre­sen­ta­do em 7 de ju­nho. A par­tir daí, o Ideb na por­ta das es­co­las tor­nou-se uma fe­bre en­tre po­lí­ti­cos de to­do o País. Em 7 de ju­lho, Ioschpe anun­ciou no seu Twit­ter: “Bom­ba! Ci­da­de do Rio de Ja­nei­ro vai ade­rir ama­nhã ao Ideb na Es­co­la. Gol de pla­ca! Pa­ra­béns a Eduar­do Pa­es e Clau­dia Cos­tin” (se­cre­tá­ria de Edu­ca­ção da ci­da­de). O pró­prio pre­fei­to Eduar­do Pa­es res­pon­deu: “Ioschpe, va­mos se­guin­do su­as di­cas. Aqui no Rio o es­for­ço é to­tal pa­ra avan­çar na edu­ca­ção”.

Gus­ta­vo Ioschpe, um jo­vem de 34 anos, vi­rou su­mi­da­de da edu­ca­ção no País, uma es­pé­cie de “Pau­lo Frei­re da di­rei­ta”, co­mo po­de­ria di­zer a es­quer­da se ou­sas­se brin­car com o san­to no­me de Frei­re. En­tre seus fi­éis se­gui­do­res no Twit­ter es­tão dois go­i­a­nos: o pró­prio se­cre­tá­rio es­ta­du­al de Edu­ca­ção, Thi­a­go Pei­xo­to, e a ex-se­cre­tá­ria e ex-de­pu­ta­da fe­de­ral Ra­quel Tei­xei­ra. Ou­tros po­lí­ti­cos do País in­tei­ro, tal­vez na es­pe­ran­ça de con­se­guir es­pa­ço na gran­de im­pren­sa, en­chem o Twit­ter do eco­no­mis­ta não ape­nas com men­sa­gens de apoio, mas tam­bém com o anún­cio de pro­je­tos de lei ba­se­a­dos em sua pro­pos­ta. Além de­les, Ioschpe vem re­ce­ben­do res­pal­do da gran­de im­pren­sa e de ou­tras ins­ti­tu­i­ções, es­pe­ci­al­men­te de “Ve­ja”, “Fo­lha de S. Pau­lo”, “O Glo­bo” e Gru­po RBS, além do pu­bli­ci­tá­rio Ni­zan Gua­na­es.

Ideb não é va­ri­nha má­gi­ca
A pro­pos­ta de obri­gar as es­co­las pú­bli­cas a ex­por o seu Ideb não é ru­im. Mas con­fun­dir ter­mô­me­tro com va­ri­nha de con­dão é pés­si­mo. O Ideb de­tec­ta sin­to­mas, mas é in­ca­paz de cu­rar do­en­ças. E, co­mo to­do in­di­ca­dor de qua­li­da­de, ele en­fren­ta crí­ti­cas des­de que foi cri­a­do, em 2007, pe­lo Ins­ti­tu­to Na­ci­o­nal de Es­tu­dos Pe­da­gó­gi­cos Aní­sio Tei­xei­ra (Inep), ór­gão do Mi­nis­té­rio da Edu­ca­ção, que tam­bém cri­ou o Sis­te­ma de Ava­li­a­ção do En­si­no Bá­si­co (Sa­eb), em 1990, e o Exa­me Na­ci­o­nal do En­si­no Mé­dio (Enem), em 1998. É cer­to que gran­de par­te des­sas crí­ti­cas têm um fun­do ide­o­ló­gi­co e não se ali­cer­çam na re­a­li­da­de do en­si­no, mas na uto­pia dos crí­ti­cos. Mes­mo as­sim, não con­vém fa­zer do Ideb uma es­pé­cie de so­lu­ção má­gi­ca pa­ra to­dos os pro­ble­mas do en­si­no pú­bli­co; agir as­sim é con­tra­ri­ar a pró­pria ra­zão de ser des­se ín­di­ce.

Por mais que se­jam pas­sí­veis de fa­lhas, os ín­di­ces de qua­li­da­de da edu­ca­ção são uma ten­ta­ti­va sa­lu­tar de ava­li­ar o en­si­no com ba­se em da­dos con­cre­tos, evi­tan­do o dis­cur­so apo­ca­líp­ti­co ou sal­va­cio­nis­ta que sem­pre ca­rac­te­ri­zou os pen­sa­do­res da edu­ca­ção. Co­mo ob­ser­va Emi­le Durkheim (1858-1917), no clás­si­co “A Evo­lu­ção Pe­da­gó­gi­ca”, ca­da te­ó­ri­co da edu­ca­ção ten­de a ava­li­ar a es­co­la com ba­se na uto­pia que pro­fes­sa e não na re­a­li­da­de que vê. Es­sa ten­dên­cia co­me­çou com a “Di­dá­ti­ca Mag­na” (1633), do tche­co Jo­ão Amós Co­mê­nio (1592-1670), an­ces­tral do en­si­no di­to pro­gres­sis­ta, e vi­rou do­en­ça com o ge­ne­bri­no Je­an-Jac­ques Rous­se­au (1712-1778), au­tor de “Emí­lio ou Da Edu­ca­ção” (1762). Rous­se­au in­flu­en­ciou to­do o pen­sa­men­to pe­da­gó­gi­co mo­der­no, mes­mo ten­do si­do um com­ple­to fra­cas­so na cri­a­ção dos pró­prios fi­lhos, os qua­is aban­do­nou.

Uma das crí­ti­cas ao Ideb par­te do pro­fes­sor Der­me­val Sa­vi­a­ni, li­vre-do­cen­te da Uni­camp, com pós-dou­to­ra­do pe­la Uni­ver­si­da­de de Bo­log­na, na Itá­lia, que, em en­tre­vis­ta ao ca­der­no “Mais!”, da “Fo­lha de S. Pau­lo”, em 29 de abril de 2007, acu­sou o ín­di­ce de ser fru­to de uma “pe­da­go­gia de re­sul­ta­dos”. Eis o que afir­mou Sa­vi­a­ni ao jor­nal: “É uma ló­gi­ca de mer­ca­do, que se guia, nas atu­ais cir­cun­stân­cias, pe­los me­ca­nis­mos da cha­ma­da 'pe­da­go­gia das com­pe­tên­cias' e da 'qua­li­da­de to­tal'. Es­ta, as­sim co­mo nas em­pre­sas, vi­sa a ob­ter a sa­tis­fa­ção to­tal dos cli­en­tes e in­ter­pre­ta que, nas es­co­las, aque­les que en­si­nam são pres­ta­do­res de ser­vi­ço, os que apren­dem são cli­en­tes e a edu­ca­ção é um pro­du­to que po­de ser pro­du­zi­do com qua­li­da­de va­ri­á­vel”.

Uto­pia his­tó­ri­co-crí­ti­ca
A exem­plo da qua­se to­ta­li­da­de dos pe­da­go­gos bra­si­lei­ros, co­me­çan­do por Pau­lo Frei­re (1921-1997), cri­a­dor do que cha­mo de “au­to­a­ju­da mar­xis­ta”, Der­me­val Sa­vi­a­ni acu­sa o Ideb de se gui­ar pe­la “ló­gi­ca de mer­ca­do”, mas se es­que­ce que sua pró­pria crí­ti­ca é pau­ta­da pe­la uto­pia so­ci­a­lis­ta da “pe­da­go­gia his­tó­ri­co-crí­ti­ca”, uma cor­ren­te pe­da­gó­gi­ca cri­a­da por ele, com fun­da­men­to em Karl Marx (1818-1883) e, por is­so mes­mo, mui­to uti­li­za­da nos cur­sos de pe­da­go­gia do País. Até mes­mo a ava­li­a­ção do Pla­no Na­ci­o­nal de Edu­ca­ção 2001-2008, en­co­men­da­da pe­lo pró­prio MEC e ca­pi­ta­ne­a­da por pro­fes­so­res da Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral de Go­i­ás, pa­de­ce de mar­xis­mo con­gê­ni­to, o que mos­tra a enor­me di­fi­cul­da­de de se ava­li­ar a qua­li­da­de da edu­ca­ção bá­si­ca no País, pois a uni­ver­si­da­de, res­pon­sá­vel por es­sa ava­li­a­ção, tem um for­te vi­és ide­o­ló­gi­co.

Ao con­trá­rio do que pen­sam os pe­da­go­gos mar­xis­tas e os mi­li­tan­tes sin­di­cais, não é er­ra­do, em si, co­brar re­sul­ta­dos das es­co­las. Eles pró­prios fa­zem is­so o tem­po to­do, só que de uma for­ma per­ver­sa: os re­sul­ta­dos que co­bram dos pro­fes­so­res não di­zem res­pei­to ao mun­do con­cre­to, mas ao “ou­tro mun­do pos­sí­vel”, em no­me do qual ex­clu­em os alu­nos do mun­do re­al. Tra­ta-se da ló­gi­ca ir­ra­ci­o­nal da uto­pia, que faz tá­bu­la ra­sa da re­a­li­da­de. A de­pen­der des­sa pe­da­go­gia, a es­co­la se tor­na par­ti­do po­lí­ti­co, o pro­fes­sor vi­ra mi­li­tan­te de uma cau­sa e o en­si­no se trans­for­ma em pu­ra dou­tri­na­ção. Pro­va dis­so é que o lin­guis­ta Mar­cos Bag­no, no fa­mi­ge­ra­do “Pre­con­cei­to Lin­guís­ti­co” (que já es­tá na 50ª edi­ção), che­ga a ques­ti­o­nar o en­si­no co­mo ins­tru­men­to de pro­mo­ção so­ci­al do alu­no e in­da­ga tex­tu­al­men­te: “Va­le­rá mes­mo a pe­na pro­mo­ver a 'as­cen­são so­ci­al' pa­ra que al­guém se en­qua­dre den­tro des­ta so­ci­e­da­de em que vi­ve­mos, tal co­mo ela se apre­sen­ta ho­je?”

In­di­ca­do­res de qua­li­da­de co­mo o Ideb pro­cu­ram mos­trar que não é pre­ci­so vi­rar o mun­do de pon­ta-ca­be­ça pa­ra se en­si­nar por­tu­guês e ma­te­má­ti­ca a uma cri­an­ça, co­mo acre­di­tam os dis­cí­pu­los de Pau­lo Frei­re. Sem dú­vi­da, co­mo di­zia Durkheim, “a vi­da é, às ve­zes ru­de, ou­tras ve­zes, en­ga­no­sa ou va­zia”, mes­mo as­sim, a es­co­la não po­de ab­di­car do mun­do tal co­mo ele é, co­mo se fos­se uma sei­ta mi­le­na­ris­ta de­di­ca­da a pre­gar o Apo­ca­lip­se pa­ra me­lhor apres­sar o no­vo Éden. O pa­pel da es­co­la não é edu­car o alu­no pa­ra utó­pi­cos mun­dos pos­sí­veis, mas pa­ra con­cre­tos mun­dos pro­vá­veis, os qua­is lhe com­pe­te de­du­zir com ba­se na re­a­li­da­de. Is­so não é “ló­gi­ca de mer­ca­do” - é ape­nas ló­gi­ca de so­bre­vi­vên­cia hu­ma­na, que va­le em qual­quer so­ci­e­da­de des­de que o mun­do é mun­do. Pri­var o alu­no dis­so, co­mo fa­zem os pe­da­go­gos di­tos pro­gres­sis­tas, é um cri­me.

Con­di­ções so­ci­ais
Sem dú­vi­da, fa­to­res so­ci­o­e­co­nô­mi­cos in­ter­fe­rem na edu­ca­ção. Quan­to mais bai­xo é o ní­vel so­ci­al de uma fa­mí­lia, mais di­fí­cil é o apren­di­za­do de seus fi­lhos. Ob­via­men­te, nem to­do po­bre es­tá fa­da­do à ig­no­rân­cia. Ao con­trá­rio do que pre­ga a mai­o­ria dos in­te­lec­tu­ais con­tem­po­râ­ne­os, a in­te­li­gên­cia tam­bém de­pen­de de fa­to­res he­re­di­tá­rios. Mes­mo as­sim, não dá pa­ra ne­gar que o alu­no do en­si­no pú­bli­co cos­tu­ma fi­car em des­van­ta­gem em re­la­ção a seus con­cor­ren­tes do en­si­no pri­va­do. Fe­liz­men­te, os pe­da­go­gos aban­do­na­ram o de­ter­mi­nis­mo mar­xis­ta do pas­sa­do, mas o Inep con­ti­nua re­co­nhe­cen­do, acer­ta­da­men­te, que o ca­pi­tal cul­tu­ral do alu­no ten­de a ser in­flu­en­cia­do pe­lo seu ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co.

Só que o ins­ti­tu­to tam­bém mos­tra, na aná­li­se da Pro­va Bra­sil, que o de­sem­pe­nho dos alu­nos com o mes­mo per­fil nem sem­pre é igual. As es­co­las fo­ram agru­pa­das por cin­co ní­veis so­ci­o­e­co­nô­mi­cos, do ní­vel 1, o mais bai­xo, ao ní­vel 5, o mais al­to. A es­co­la com mai­or de­sem­pe­nho no ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co mais bai­xo ob­te­ve 206 pon­tos na Pro­va Bra­sil, en­quan­to a es­co­la de mai­or de­sem­pe­nho no ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co mais al­to al­can­çou 224 pon­tos. A di­fe­ren­ça tam­bém se re­pe­te en­tre as es­co­las de me­nor de­sem­pe­nho, que ob­ti­ve­ram no­ta 144 no ní­vel 1 e 174 no ní­vel 5. A mé­dia das es­co­las va­riou de 173 pon­tos no gru­po de me­nor ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co pa­ra 207 pon­tos na de mai­or ní­vel.

“A me­di­da que o ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co cres­ce, tam­bém au­men­ta a no­ta da es­co­la”, con­clui o Inep. “Es­te é um fa­to já am­pla­men­te co­nhe­ci­do, mos­tran­do que o de­sem­pe­nho do alu­no re­fle­te, ain­da que de for­ma, não de­ter­mi­nís­ti­ca, o ca­pi­tal cul­tu­ral de sua fa­mí­lia, que, no Bra­sil, es­tá mui­to as­so­cia­do ao ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co”, acres­cen­ta. Mas, em se­gui­da, res­sal­va que, nu­ma mes­ma ci­da­de, en­tre alu­nos com o mes­mo ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co, hou­ve ex­pres­si­va va­ri­a­ção de de­sem­pe­nho na Pro­va Bra­sil. No ní­vel 3, por exem­plo, a pi­or no­ta foi 133 e a me­lhor, 208. “A di­fe­ren­ça en­tre es­ses dois va­lo­res - 75 pon­tos - é tão re­le­van­te que cor­res­pon­de a mais de três anos de es­co­la­ri­za­ção”, sus­ten­ta o Inep. E con­clui: “Co­mo a di­fe­ren­ça en­tre as es­co­las de um mes­mo ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co não es­tá nos alu­nos, es­ta de­ve ser pro­cu­ra­da na ges­tão pe­da­gó­gi­ca, na for­ma de en­si­nar, na cul­tu­ra, nos va­lo­res da es­co­la ou no pro­je­to pe­da­gó­gi­co. To­dos es­ses pon­tos pas­sí­veis de se­rem mu­da­dos com a ação da es­co­la”.

Di­men­são mo­ral da es­co­la
A con­clu­são do Inep mos­tra o quan­to po­de ser pe­ri­go­sa a trans­for­ma­ção do Ideb na so­lu­ção pa­ra to­dos os pro­ble­mas do en­si­no. O fa­to de um de­ter­mi­na­do gru­po de alu­nos ter o mes­mo ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co não sig­ni­fi­ca que eles se­jam to­dos igua­is e que qual­quer di­fe­ren­ça em seu apren­di­za­do se­ja res­pon­sa­bi­li­da­de ex­clu­si­va da es­co­la, co­mo acre­di­ta o Inep. O mun­do sem­pre foi pre­nhe de po­bres ge­ni­ais e ri­cos es­tul­tos que con­tra­ri­am o de­ter­mi­nis­mo des­sa te­se. Além dis­so, a edu­ca­ção com­por­ta uma di­men­são mo­ral que ja­mais é ava­li­a­da por in­di­ca­do­res de qua­li­da­de co­mo o Ideb. O que mais atra­pa­lha o apren­di­za­do de um alu­no não é o seu bai­xo ní­vel so­ci­o­e­co­nô­mi­co e, sim, o seu bai­xo ní­vel mo­ral. Nin­guém é ca­paz de en­si­nar um alu­no in­dis­ci­pli­na­do, que se re­cu­sa a apren­der. E is­so o MEC, o Inep e as uni­ver­si­da­des se re­cu­sam a en­xer­gar.

Uma pes­qui­sa do Cen­tro de Es­tu­dos e Pes­qui­sas em Edu­ca­ção, Cul­tu­ra e Ação Co­mu­ni­tá­ria (Cen­pec), que te­ve o apoio do Fun­do das Na­ções Uni­das pa­ra a In­fân­cia (Uni­cef), aju­da a elu­ci­dar es­sa ques­tão. Re­a­li­za­do en­tre 2009 e 2010 em 61 es­co­las da Zo­na Les­te da ci­da­de de São Pau­lo e di­vul­ga­do em ju­lho úl­ti­mo, o es­tu­do cons­ta­tou que, quan­to mai­or a vul­ne­ra­bi­li­da­de so­ci­al de um de­ter­mi­na­do ter­ri­tó­rio, me­nor é o ní­vel da qua­li­da­de de en­si­no de su­as es­co­las e tam­bém me­nor é a apren­di­za­gem dos alu­nos. O es­tu­do to­mou co­mo pa­râ­me­tro as no­tas das es­co­las no Ideb e cons­ta­tou que, quan­to mais vul­ne­rá­vel é o ter­ri­tó­rio em que a es­co­la es­tá si­tu­a­da, me­nor é a sua no­ta.

A vul­ne­ra­bi­li­da­de so­ci­al do ter­ri­tó­rio da es­co­la é tão im­por­tan­te que in­ter­fe­re até na ba­ga­gem cul­tu­ral que o alu­no traz de ca­sa. A pes­qui­sa do Cen­pec mos­tra que, nas es­co­las de bai­xa vul­ne­ra­bi­li­da­de so­ci­al, 39% dos alu­nos de mai­or ní­vel cul­tu­ral con­se­guem atin­gir um ní­vel ade­qua­do ou avan­ça­do no Ideb. Já nas es­co­las de al­ta vul­ne­ra­bi­li­da­de, es­se ín­di­ce cai pa­ra 19%. Além dis­so, 41% dos alu­nos de mai­or ní­vel cul­tu­ral não con­se­guem nem mes­mo atin­gir o ní­vel bá­si­co no Ideb quan­do es­tu­dam em es­co­las vul­ne­rá­veis, en­quan­to nas es­co­las de bai­xa vul­ne­ra­bi­li­da­de ape­nas 19% des­ses alu­nos fi­cam abai­xo do bá­si­co.

Uma tra­gé­dia edu­ca­cio­nal
Quan­do a vul­ne­ra­bi­li­da­de da es­co­la se so­ma ao bai­xo ní­vel cul­tu­ral que o alu­no traz de ber­ço, en­tão, te­mos uma ver­da­dei­ra tra­gé­dia edu­ca­cio­nal. Do to­tal de alu­nos com bai­xos re­cur­sos cul­tu­ra­is que es­tu­dam em es­co­las al­ta­men­te vul­ne­rá­veis, cer­ca de 50% se si­tuam na ca­te­go­ria abai­xo do bá­si­co, en­quan­to ape­nas 10% se si­tuam nos ní­veis ade­qua­do e avan­ça­do. Já nas es­co­las de bai­xa vul­ne­ra­bi­li­da­de so­ci­al, mes­mo os alu­nos que tra­zem pou­ca ba­ga­gem cul­tu­ral de ca­sa con­se­guem um de­sem­pe­nho bem me­lhor: os que se si­tuam abai­xo do bá­si­co ca­em pa­ra 38% (12 pon­tos a me­nos em re­la­ção às es­co­las de al­ta vul­ne­ra­bi­li­da­de) e os que con­se­guem atin­gir o ní­vel ade­qua­do so­bem pa­ra 24% (14 pon­tos a mais).

Os pes­qui­sa­do­res do Cen­pec con­clu­em que, nos ter­ri­tó­rios de al­ta vul­ne­ra­bi­li­da­de, as es­co­las são o prin­ci­pal equi­pa­men­to pú­bli­co de re­fe­rên­cia e “ten­dem, por is­so, a ser to­ma­das pe­los pro­ble­mas so­ci­ais do ter­ri­tó­rio”. Va­le a pe­na tran­scre­ver uma da con­clu­sões do es­tu­do: “As es­co­las de mei­os vul­ne­rá­veis ten­dem a apre­sen­tar um cor­po dis­cen­te for­te­men­te ho­mo­gê­neo no que diz res­pei­to aos bai­xos re­cur­sos cul­tu­ra­is fa­mi­lia­res e ao lo­cal de re­si­dên­cia na vi­zi­nhan­ça vul­ne­rá­vel da es­co­la. Elas ten­dem, por es­sa ra­zão, a re­pro­du­zir, em seu in­te­ri­or, a se­gre­ga­ção ter­ri­to­ri­al ur­ba­na e so­ci­o­cul­tu­ral da po­pu­la­ção que aten­dem, bem co­mo os pro­ble­mas de­cor­ren­tes des­sa se­gre­ga­ção”.

Os pes­qui­sa­do­res do Cen­pec não di­zem, mas eu di­go: es­se qua­dro se tor­na ain­da mais gra­ve pe­la in­flu­ên­cia das uni­ver­si­da­des no en­si­no bá­si­co. De acor­do com a ide­o­lo­gia pe­da­gó­gi­ca pre­do­mi­nan­te no País (o cons­tru­ti­vis­mo), o apren­di­za­do do alu­no de­ve ocor­rer de mo­do au­tô­no­mo a par­tir do seu con­tex­to cul­tu­ral. Com is­so, o pro­fes­sor que le­cio­na nes­sas re­gi­ões de al­ta vul­ne­ra­bi­li­da­de so­ci­al não po­de fa­zer da es­co­la um ins­tru­men­to ci­vi­li­za­dor - tem de dei­xar que o alu­no des­pe­je na sa­la de au­la to­da sor­te de bar­bá­rie que traz do seu con­tex­to. Se não agir as­sim, o pro­fes­sor se­rá acu­sa­do de opres­sor e pre­con­cei­tu­o­so. Por is­so, até os li­vros di­dá­ti­cos de por­tu­guês, ins­pi­ra­dos na so­ci­o­lin­guís­ti­ca de Mar­cos Bag­no, es­tão ba­nin­do a nor­ma cul­ta do idi­o­ma, com se a fun­ção da es­co­la fos­se re­fe­ren­dar as gí­rias dos gue­tos.

O pa­ra­do­xo das no­tas
Se o Ideb for co­lo­ca­do na por­ta das es­co­las pa­ra que elas pos­sam pe­dir so­cor­ro à so­ci­e­da­de, ele se­rá bem-vin­do. Mas se for uti­li­za­do co­mo ins­tru­men­to de pres­são con­tra di­re­to­res e pro­fes­so­res, se­rá mais um de­sas­tre na edu­ca­ção bra­si­lei­ra. O ver­da­dei­ro pro­ble­ma do en­si­no bá­si­co não é o pro­fes­sor, mas o alu­no. Não bas­ta que o pro­fes­sor sai­ba en­si­nar - é pre­ci­so que o alu­no quei­ra apren­der. Até Je­sus Cris­to, na Pa­rá­bo­la do Se­me­a­dor, dei­xa is­so cla­ro: é im­pos­sí­vel cul­ti­var uma se­men­te na pe­dra. Em to­da a his­tó­ria da edu­ca­ção bra­si­lei­ra, ja­mais as es­co­las pú­bli­cas con­ta­ram com tan­to re­cur­sos ma­te­ri­ais e hu­ma­nos co­mo con­tam ho­je. Nas gran­des ci­da­des, um per­cen­tu­al ex­pres­si­vo de pro­fes­so­res tem es­pe­cia­li­za­ção, mes­tra­do e até dou­to­ra­do, mas as no­tas do Ideb são mais al­tas nas pe­que­nas ci­da­des, on­de a qua­li­fi­ca­ção do pro­fes­sor é me­nor.

São du­as as ra­zões pa­ra es­se pa­ra­do­xo: pri­mei­ro, os cur­sos de pós-gra­du­a­ção, em mui­tos ca­sos, só ser­vem pa­ra con­fun­dir o pro­fes­sor do en­si­no bá­si­co, na me­di­da em que des­pre­zam sua ex­pe­ri­ên­cia di­dá­ti­ca em no­me de uto­pi­as mi­ra­bo­lan­tes; se­gun­do, a apren­di­za­gem do alu­no da es­co­la bá­si­ca de­pen­de mais da au­to­ri­da­de do que da ca­pa­ci­da­de in­te­lec­tu­al do pro­fes­sor. Por is­so, Ca­ju­ru, no in­te­ri­or de São Pau­lo, com 23.371 ha­bi­tan­tes, e Ei­ru­ne­pé, na Ama­zô­nia, com 30.665 mo­ra­do­res, saí­ram-se mui­to bem no Ideb de 2009. Ca­ju­ru con­se­guiu co­lo­car seis de su­as oi­to es­co­las no ranking das me­lho­res mé­di­as, en­quan­to uma es­co­la pú­bli­ca de Ei­ru­ne­pé ob­te­ve a quar­ta me­lhor no­ta (8,7), ul­tra­pas­san­do em 3,6 pon­tos a me­ta pa­ra 2011. Em ci­da­des pe­que­nas, as fa­mí­lias ten­dem a es­tar mais pró­xi­mas da es­co­la e, com is­so, re­for­çam a au­to­ri­da­de do pro­fes­sor — que é im­pres­cin­dí­vel pa­ra o apren­di­za­do do alu­no.

E é jus­ta­men­te a au­to­ri­da­de do pro­fes­sor que vem sen­do vi­li­pen­di­a­da pe­las uni­ver­si­da­des. As pes­qui­sas aca­dê­mi­cas so­bre edu­ca­ção cos­tu­mam apon­tar o su­pos­to au­to­ri­ta­ris­mo dos mes­tres co­mo cau­sa da vi­o­lên­cia e in­dis­ci­pli­na en­tre os alu­nos e ain­da acu­sam os pro­fes­so­res de não se­rem su­fi­ci­en­te­men­te cri­a­ti­vos pa­ra atra­ir a aten­ção da clas­se. É o que se vê no li­vro “Ju­ven­tu­des: Pos­si­bi­li­da­des e Li­mi­tes”, pu­bli­ca­do pe­la Unes­co, co­mo re­sul­ta­do de um gran­de se­mi­ná­rio so­bre o te­ma re­a­li­za­do na Uni­ver­si­da­de Ca­tó­li­ca de Bra­sí­lia em no­vem­bro de 2009, com o apoio do go­ver­no fe­de­ral. Nes­se se­mi­ná­rio, on­guei­ros, exe­cu­ti­vos fe­de­ra­is e dou­to­res uni­ver­si­tá­rios fo­ram pra­ti­ca­men­te unâ­ni­mes em cri­ti­car os pro­fes­so­res, acu­san­do-os de não dar voz aos alu­nos, co­mo se os alu­nos, ho­je, não des­sem pal­pi­te em tu­do den­tro da es­co­la. Os pro­fes­so­res é que são si­len­ci­a­dos, tan­to que nun­ca são cha­ma­dos a fa­lar nes­ses se­mi­ná­rios.

Le­ni­ên­cia do sis­te­ma de en­si­no
Um dos par­ti­ci­pan­tes da con­fe­rên­cia, o as­ses­sor da pre­si­dên­cia do BNDES, Ri­car­do Hen­ri­ques, che­gou a afir­mar que “há uma fal­ta de ade­rên­cia dos pro­fes­so­res à von­ta­de dos alu­nos” e acu­sou o do­cen­te de ser “de­sen­ca­de­a­dor de si­tu­a­ções de vi­o­lên­cia”, co­mo se o pro­fes­sor não fos­se uma ví­ti­ma acu­a­da pe­la clas­se, que, uma vez re­fe­ren­da­da pe­lo Es­ta­tu­to da Cri­an­ça e do Ado­les­cen­te, po­de fa­zer de­le o que qui­ser. To­dos os pro­fes­so­res que ou­vi em mi­nha dis­ser­ta­ção de mes­tra­do — de­fen­di­da há qua­se dez anos — dis­se­ram já ter si­do xin­ga­dos com pa­la­vrões por alu­nos. Um de­les afir­mou: “Um alu­no que xin­ga o pro­fes­sor, que ame­a­ça de mor­te o pro­fes­sor, tem que ser pe­lo me­nos sus­pen­so. Mas não acon­te­ce na­da. Ho­je, o alu­no di­zer pa­ra o pro­fes­sor ‘vai to­mar no cu’ é uma coi­sa nor­mal. Alu­no já me man­dou fa­zer is­so. Con­ver­sei com a di­re­to­ra e ela dis­se que não po­dia fa­zer na­da. Is­so es­tá er­ra­do. A es­co­la ti­nha que po­der fa­zer al­gu­ma coi­sa”.

Que ou­tro pro­fis­si­o­nal con­vi­ve com is­so to­do dia co­mo o pro­fes­sor é obri­ga­do a con­vi­ver? E o pro­fes­sor não tem a quem re­cla­mar. Os in­te­lec­tu­ais uni­ver­si­tá­rios ve­em-no co­mo um in­ca­paz; as au­to­ri­da­des edu­ca­cio­nais tra­tam-no co­mo um re­lap­so; os pa­is con­si­de­ram-no um ser­vi­çal de seus fi­lhos; os alu­nos trans­for­mam-no em ver­da­dei­ro pa­lha­ço. E to­das as ins­tân­cias edu­ca­cio­nais do País ten­tam es­con­der es­sa re­a­li­da­de, pois o es­tu­dan­te não po­de ser res­pon­sa­bi­li­za­do por na­da. E quan­do alu­nos agri­dem vi­o­len­ta­men­te um co­le­ga ou um pro­fes­sor, mui­tas ve­zes é a ví­ti­ma quem tem de mu­dar de es­co­la. E se ocor­re de o agres­sor ter de sa­ir, ele ja­mais é ex­pul­so, mas ape­nas trans­fe­ri­do pe­la pró­pria di­re­ção. Ou se­ja, é pre­mi­a­do, pois não te­rá nem o tra­ba­lho de pro­cu­rar va­ga em ou­tro es­ta­be­le­ci­men­to de en­si­no — a di­re­ção da es­co­la é obri­ga­da a fa­zer is­so por ele.

En­tre as so­lu­ções pa­ra a vi­o­lên­cia que os aca­dê­mi­cos de­fen­dem es­tão a aber­tu­ra das es­co­las pa­ra a co­mu­ni­da­de nos fi­nais de se­ma­na — so­bre­car­re­gan­do ain­da mais o pro­fes­sor — e a pro­mo­ção da “Cul­tu­ra da Paz”. Es­se mo­vi­men­to, cri­a­do pe­la ONU e en­cam­pa­do pe­lo MEC, con­sis­te em le­gi­ti­mar as gan­gues que de­pre­dam a es­co­la, pois re­ti­ra de­las o ca­rá­ter de agres­so­ras — que, de fa­to, são — pa­ra con­fe­rir-lhes o “sta­tus” de par­te le­gí­ti­ma de um con­fli­to so­ci­al. Co­mo se não bas­tas­se, as uni­ver­si­da­des ain­da de­fen­dem que os pró­prios alu­nos se­jam ca­pa­ci­ta­dos em me­di­a­ção de con­fli­tos, fin­gin­do não ver que es­ses con­fli­tos, na mai­o­ria das ve­zes, en­vol­vem dro­gas, fa­cas, es­ti­le­tes, ar­mas de fo­go e pro­pen­são à cha­ci­na, pois mem­bros de gan­gue são ani­mais sel­va­gens: não sa­bem o que é hon­ra se de­lei­tam em mas­sa­crar, em gru­po, a ví­ti­ma in­de­fe­sa.

Pro­fes­sor co­mo sub­ci­da­dão
É na por­ta des­se ti­po de es­co­la que a Se­cre­ta­ria Es­ta­du­al de Edu­ca­ção vai pen­du­rar a pla­ca com a no­ta do Ideb. Co­mo eu dis­se, a me­di­da po­de ser po­si­ti­va, des­de que não se trans­for­me em mais um ins­tru­men­to de tor­tu­ra psi­co­ló­gi­ca con­tra pro­fes­so­res e di­re­to­res e sir­va co­mo um pe­di­do de so­cor­ro da es­co­la, per­mi­tin­do-se a ela que ex­pli­ci­te to­dos os seus pro­ble­mas, co­mo a vi­o­lên­cia, a in­dis­ci­pli­na, a va­di­a­gem dos alu­nos e a tres­lou­ca­da in­clu­são de de­fi­cien­tes men­tais gra­ve en­tre alu­nos nor­mais. Por que Thi­a­go Pei­xo­to, Ro­nal­do Cai­a­do, Lú­cia Vâ­nia, Eduar­do Pa­es e vá­ri­as ou­tras au­to­ri­da­des pe­lo País afo­ra dão as cos­tas pa­ra es­ses pro­ble­mas que os pro­fes­so­res re­la­tam to­dos os di­as e cor­rem pa­ra pôr em prá­ti­ca as idei­as de Gus­ta­vo Ioschpe, sen­do que mui­tos mes­tres da re­de pú­bli­ca têm de ma­gis­té­rio o que Ioschpe tem de vi­da?

A im­por­tân­cia ex­ces­si­va que os po­lí­ti­cos dão ao em­pre­sá­rio e eco­no­mis­ta é uma for­ma in­di­re­ta de des­me­re­ci­men­to do pro­fes­sor. É co­mo se ele va­les­se mais do que to­dos os pro­fes­so­res bra­si­lei­ros jun­tos. Mas os po­lí­ti­cos não são os úni­cos cul­pa­dos por agi­rem as­sim. Foi a uni­ver­si­da­de quem trans­for­mou os pro­fes­so­res do en­si­no bá­si­co em sub­ci­da­dã­os. Ra­ras são as pes­qui­sas aca­dê­mi­cas que ou­vem o pro­fes­sor e, quan­do o fa­zem, é ape­nas pa­ra de­sa­cre­di­tar o que ele diz. Por is­so, Gus­ta­vo Ioschpe con­se­gue pon­ti­fi­car so­bre edu­ca­ção com tan­ta fa­ci­li­da­de, ape­sar de nun­ca ter pos­to os pés nu­ma es­co­la pú­bli­ca, a não ser co­mo ce­le­bri­da­de, nas asas do “Jor­nal Na­ci­o­nal”. Ioschpe é co­lu­nis­ta da gran­de im­pren­sa des­de os 20 anos e lo­go se tor­nou uma es­pé­cie de gu­ru da edu­ca­ção, so­bre­tu­do de­pois do lan­ça­men­to do li­vro “A Ig­no­rân­cia Cus­ta um Mun­do”, em 2004.

Fi­lho de um en­ge­nhei­ro e in­dus­tri­al ga­ú­cho com uma jor­na­lis­ta e so­ci­ó­lo­ga, Gus­ta­vo Ioschpe é her­dei­ro da Iochpe-Ma­xi­on (sem o “s”), em­pre­sa do ra­mo au­to­mo­ti­vo e fer­ro­vi­á­rio, além de do­no da G7, uma pro­du­to­ra de do­cu­men­tá­rios so­bre fu­te­bol. Co­mo se vê, edu­ca­ção pa­ra ele é qua­se um hobby, tal­vez um de­sa­fio cog­ni­ti­vo. Is­so não sig­ni­fi­ca que não es­te­ja cer­to em mui­tas de su­as aná­li­ses, co­mo a de­fe­sa que faz do mé­ri­to na edu­ca­ção e a crí­ti­ca ao cor­po­ra­ti­vis­mo dos sin­di­ca­tos. Er­ra­dos es­tão os que o trans­for­mam em gê­nio sal­va­dor do en­si­no pú­bli­co, ape­nas por­que te­ve a ideia de pen­du­rar o Ideb, fei­to um cho­ca­lho, no pes­co­ço do pro­fes­sor. Ima­gi­nem se um se­cre­tá­rio de Sa­ú­de re­sol­ves­se es­fre­gar na ca­ra dos mé­di­cos um in­di­ca­dor da me­di­ci­na pro­pos­to por um pro­fis­­si­o­nal de ou­tra área. Fi­ca­ria pou­co tem­po no car­go.

Mais ônus so­bre a es­co­la
O prin­ci­pal ob­je­ti­vo de se co­lo­car o Ideb na por­ta das es­co­las é mo­bi­li­zar a co­mu­ni­da­de, so­bre­tu­do os pa­is de alu­nos, pa­ra que co­brem a me­lho­ria da qua­li­da­de de en­si­no. Mas é pou­co pro­vá­vel que is­so acon­te­ça. A ten­dên­cia é que jus­ta­men­te os pa­is ir­res­pon­sá­veis, in­te­res­sa­dos em ter­cei­ri­zar a cri­a­ção de seus pró­prios fi­lhos, mo­no­po­li­zem as co­bran­ças jun­to à di­re­ção da es­co­la. As leis vi­gen­tes, co­me­çan­do pe­la Cons­ti­tu­i­ção de 88 e pas­san­do pe­lo Es­ta­tu­to da Cri­an­ça e do Ado­les­cen­te, fa­ci­li­tam is­so. Elas tan­to fi­ze­ram pa­ra des­tru­ir o pá­trio po­der que mui­tos pa­is já es­tão achan­do boa a ideia de não te­rem que se pre­o­cu­par com os pró­prios fi­lhos. O pró­prio MEC dei­xa cla­ro, no do­cu­men­to so­bre a Pro­va Bra­sil, que a me­lho­ria da no­ta no Ideb é res­pon­sa­bi­li­da­de ex­clu­si­va da es­co­la e ja­mais do alu­no. Sem dú­vi­da, um con­vi­te pa­ra que os pa­is la­vem as mãos e dei­xem o pro­ble­ma nas cos­tas do pro­fes­sor.

Aqui vai um só exem­plo des­sa ten­dên­cia ca­da vez mais cres­cen­te. Em mar­ço des­te ano, um gru­po de pa­is do Rio de Ja­nei­ro foi con­de­na­do a pa­gar uma in­de­ni­za­ção de R$ 18 mil por da­nos mo­ra­is à di­re­to­ra de uma es­co­la — ela ti­nha si­do achin­ca­lha­da por alu­nos no Orkut, com pa­la­vras de bai­xo ca­lão. Em sua de­fe­sa, os pa­is dos alu­nos ale­ga­ram que a di­re­to­ra cons­tran­gia seus fi­lhos e que eles ape­nas que­ri­am “es­tar na mo­da” ao cri­ar o Orkut. Ora, es­se ti­po de pai po­de ser um ali­a­do da es­co­la na lu­ta pe­la me­lho­ria do en­si­no? É ób­vio que não. Um pai res­pon­sá­vel sim­ples­men­te man­da­ria o fi­lho apa­gar o Orkut di­fa­ma­tó­rio e iria pes­so­al­men­te com ele pe­dir des­cul­pas à di­re­to­ra.

Co­mo di­zia Durkheim, to­da so­ci­e­da­de, pa­ra so­bre­vi­ver, ne­ces­si­ta de um mí­ni­mo de con­for­mis­mo ló­gi­co as­so­cia­do a um mí­ni­mo de con­for­mis­mo mo­ral. E é jus­ta­men­te a ló­gi­ca e a mo­ral que es­tão sen­do sis­te­ma­ti­ca­men­te des­tru­í­das pe­las pró­pri­as uni­ver­si­da­des, que de­ve­ri­am ser su­as guar­di­ãs. Is­so se re­fle­te co­ti­dia­na­men­te no en­si­no, in­dis­pon­do fi­lhos con­tra pa­is, alu­nos con­tra mes­tres, e obri­gan­do a es­co­la bá­si­ca a aco­lher e edu­car com efi­cá­cia to­do ti­po de trans­gres­sor, mes­mo o vi­o­len­to. Ca­so se fa­ça um le­van­ta­men­to das tes­es e dis­ser­ta­ções so­bre edu­ca­ção pro­du­zi­das por mes­tres e dou­to­res do País, dá pa­ra cri­ar um ou­tro Ideb: o Ín­di­ce de Des­tru­i­ção da Edu­ca­ção Bá­si­ca. É es­se ín­di­ce que pre­ci­sa ser ex­pos­to — só que na por­ta das uni­ver­si­da­des bra­si­lei­ras.

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