quinta-feira, dezembro 07, 2006

166) New Deal chines...

Estrada de ferro para o Tibete é apenas um entre muitos grandes projetos
Craig Simons
Em Golmud, China, 27/11/2006

Quando Zhang Luxin começou a trabalhar na construção da linha ferroviária entre a província de Qinghai, no noroeste da China, e Lhasa, a capital do Tibete, em 1973, a tarefa parecia impossível.

A estrada de ferro, aberta finalmente em julho de 2006, atravessa uma fenda entre montanhas de cerca de 5.200 metros de altura, em grande parte construída sobre a neve permanente que forma ondulações enquanto derrete e congela, em meio a tempestades que irrompem freqüentemente na região.

Mao Tsé-Tung, primeiro líder de China comunista, foi quem a idealizou, prometendo conectar a China com o vizinho Nepal. "Era um grande desafio", diz Zhang, agora com 59 anos, em seu escritório minúsculo em Golmud, uma desolada cidade da fronteira aos pés da cadeia de montanhas coberta de neve de Kunlun, em Qinghai. "Eu quis ajudar a construir nossa nação e acreditei que a estrada poderia ser feita."

Combinado com uma tendência para investimentos maciços em engenharia, essa atitude otimista marcou a expansão econômica da China ao longo das últimas duas décadas. Os tecnocratas chineses já construíram a maior represa do mundo em terreno irregular, o mais caro projeto isolado de engenharia no mundo - um sistema de Us$62 bilhões para bombear água do sul ao norte da China - e agora planeja construir um dos trens mais rápidos do mundo.

Mais projetos de engenharia civil estão sendo construídos, em uma escala recorde. Desde 1996, o sistema da estradas da China aumentou seis vezes em tamanho e agora só perde para o dos Estados Unidos em termos de quilometragem total.

Desde 1950 os governos nacionais e regionais construíram 28.000 represas com diques de altura acima de 15 metros, mais do que metade do total mundial de obras do gênero, segundo Tan Wanlin, especialista em represas do escritório de Pequim do World Wildlife Fund, fundo mundial em defesa dos animais selvagens.

Desde 1970, a China construiu oito usinas hidrelétricas, e Pequim tem planos para a construção de mais 30 até 2020, de acordo com fontes oficiais.

Em termos de ambição, dimensões e velocidade, o ritmo de construção faz lembrar o New Deal norte-americano. Entre 1933, três anos após o início da Grande Depressão, e 1942, o governo de Washington empreendeu o mais consistente programa de obras públicas da história dos Estados Unidos, erguendo edifícios e criando parques nacionais.

A ascensão dos Estados Unidos, após o desespero da Grande Depressão, faz lembrar a guinada da China para o capitalismo após o caos da Revolução Cultural, que descarrilhou numerosos projetos, incluindo a ligação ferroviária até Lhasa. Em 1979, um governo sem dinheiro decidiu terminar a linha em Golmud, que na época era "apenas uma estação numa estrada poeirenta", segundo Zhang.

Mas Pequim nunca abandonou por completo o plano para a estrada. Zhang e um punhado de outros coordenadores e cientistas atravessaram o platô tibetano a pé no final dos anos setenta mapeando a melhor rota para o percurso do trem.

O trajeto era muito difícil. Mesmo durante o verão, as temperaturas frequentemente baixavam de zero, e por diversas vezes, lembra Zhang, ele quase morreu durante tempestades repentinas. "A vida era muito dura e muito solitária", constata o empreiteiro. "Mas para ser bem sucedido uma pessoa deve se esforçar. Não importa qual seja o trabalho que você está fazendo."

O mais difícil era descobrir como construir trilhos estáveis em solo constantemente movediço. Com grandes variações de temperatura em pleno verão, o solo sob a metade da rota de 1.148 quilômetros a partir de Golmud congela à noite e derrete durante o dia, fazendo com que a terra se eleve e caia "alguns centímetros", diz Zhang, acrescentando que com o tempo os deslocamentos podem elevar o solo em até alguns metros. Para resolver o problema, Zhang passou boa parte dos anos oitenta e noventa estudando técnicas usadas em estradas de ferro na Sibéria, no Canadá e no Alasca para manter a chamada neve permanente congelada indefinidamente.

Um dos métodos exigiu o empilhamento de pedras do tamanho de bolas de beisebol na terra, para permitir que o ar frio circule livremente. Outra técnica consistiu na utilização de tubos subterrâneos cheios de amônia. No fundo de cada tubulação a amônia esfria, torna-se gasosa e dela se extrai o calor do solo enquanto ocorre a elevação do solo.

Num percurso de mais de 100 quilômetros onde a terra era menos estável, Zhang e seu grupo decidiram elevar o trem acima do solo, como num monotrilho.

"Todos os grandes dirigentes queriam construir a estrada de ferro, mas questionaram se poderia realmente ser feita", recorda.

A confiança de Zhang era grande o bastante para convencer os maiores líderes de Pequim. Ao longo de quatro anos a estrada custou $ 4,2 bilhões e mais de 100.000 pessoas trabalharam no projeto.

Sua conclusão em julho - um ano antes do programado - foi louvada em meios de comunicação da China.

A ferrovia também ressalta as ambições grandiosas da China de incrementar o comércio com os países vizinhos. Em agosto, a China anunciou que estenderia a linha de Lhasa a Nepal, embora nenhum cronograma tenha sido estipulado.

Quando a linha for construída até o Nepal, "nós abriremos o comércio com o todo o Sudeste Asiático", diz Zhang.

Os detratores, entretanto, vêem intenções sinistras na iniciativa.

Uma queixa diz respeito ao fato de que Pequim está tentando solidificar o controle sobre o Tibete incentivando os chineses Han, grupo étnico dominante na China, a migrarem para a região. O Tibete existiu como um estado independente de facto durante a primeira metade do século 20, mas esteve sob o domínio chinês desde que o exército vermelho comunista ocupou o território, em 1950. De acordo com Pequim, o número de pessoas Han que vive no Tibete aumentou de 70.000 para mais de 105.000 desde 1985, cifras oficiais que são muito inferiores ao número real porque não incluem soldados e trabalhadores que estão lá por curto prazo.

Muitos tibetanos se opuseram particularmente à estrada de ferro porque trará mais gente Han ao Tibete. "O trem fará o Tibete mais rico mas não ajudará muito os tibetanos", disse um trabalhador tibetano que, em Golmud, pediu para seu nome não ser citado porque poderia ser perseguido pelas críticas ao governo. "Trará mais gente Han que vai querer tomar nossa terra."

Alguns cientistas preocupam-se também com o aquecimento global, que poderia tornar o trem inoperável se o custo de manter o solo congelado se tornar demasiado elevado.

"Por volta de 2050, a operação segura da estrada de ferro de Qinghai-Tibete ficará afetada se as temperaturas mantiverem o aumento considerável observado nas décadas passadas", disse Luo Yong, vice-diretor do Centro de Metereologia Nacional da China, conforme o jornal "China Daily" relatou no ano passado. Mas Zhang descarta essas críticas como sendo alarmistas e enganadoras.

Assim como os projetos de engenharia já o fizeram pela China, o trem irá incrementar a economia tibetana e abrir a região ao desenvolvimento, segundo o empreiteiro. "Os Estados Unidos tiveram seu New Deal. Agora é a nossa vez".

Projetos
Represa de Três Gorges: A maior do mundo - cinco vezes mais ampla que a represa de Hoover - conteve o fluxo do rio Yangtze em 2003. Quando estiver operando plenamente em 2009, irá gerar eletricidade o bastante para atender toda a Shanghai de hoje.

Projeto de Transferência de Águas do Sul ao Norte: Projeto isolado mais caro da engenharia mundial, este sistema orçado em US$ 62 bilhões, formado por canais e estações de bombeamento, tem conclusão prevista para em torno do ano 2050, quando moverá 12 trilhões de galões de água - igual a aproximadamente 10 por cento das águas do lago Erie - anualmente do rio de Yangtze em direção ao norte, ao ressecado Rio Amarelo.

Estrada de Ferro Pequim-Xangai: Até 2010 Pequim irá construir uma ferrovia de alta velocidade orçada em US$ 25 bilhões, entre Pequim e Shanghai. Trens viajando a até cerca de 350 quilômetros por hora irão fazer a viagem de 1.320 quilômetros durar menos de 6 horas.

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