domingo, junho 24, 2007

217) Xangai, e a China, pelo Embaixador Meira Penna

O Embaixador José Oswaldo de Meira Penns é um grande conhecedor da China, onde esteve pela primeira vez ainda antes da Segunda Guerra Mundial.
Abaixo, conferencia que ele fez na Confederação Nacional do Comércio em 2005.

TRÊS VISITAS A XANGHAI
Carta Mensal nº 599 – Volume 50
Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio
Fevereiro de 2005

Em meus 42 anos de carreira diplomática e mais 30 de aposentadoria, tive três vezes a oportunidade, em ocasiões bem diversas, de visitar Xanghai, hoje a maior cidade da China e, possivelmente, a maior do mundo. Quero oferecer alguns comentários do que guarda minha memória sobre essa metrópole formidável pelo interesse e por sua curta, porém movimentada história – pois nela servi em duas ocasiões diferentes e por duas outras vezes visitei-a. E antes de mais nada, agora que nosso país se clara disposto a criar com a China laços estreitos e comércio, convém salientar que foi Xanghai, desde sua criação há pouco mais de século e meio, o principal empório do gigantesco país em seu relacionamento com o exterior;

Better fifty years of Europe than a cycle of Cathay – “mais valem cinqüenta anos de Europa do que um ciclo da China” é o que, em versos famosos, proclamara Alfred Lord Tennyson, poeta consagrado de Sua Graciosa Majestade, a Rainha Victoria. Isto, em meados do século dezenove, o que prova que a opinião e julgamento do Ocidente sobre a China têm variado com as estações. O comércio sempre inicialmente conduziu o interesse dos europeus pela longínqua Cathay. Na Antigüidade clássica, os romanos recolheram notícias de um vasto e poderoso Império, uma espécie de misteriosa utopia que existia ao Oriente, nos limites do mundo, e chamavam-na de Seres. De lá procedia a seda que luxuosamente importavam. Há indícios de que, ao tempo de Trajano ou outro dos Antoninos no apogeu, vanguardas de uma legião romana tenham entrado em contacto com pelotões de tropas chinesas na longínqua Bactriana, hoje compreendendo áreas do Turquestão, Tadjiquistão e Afeganistão. Era então a China governada pela poderosa dinastia Han, a mais autenticamente chinesa e duradoura das muitas que dominaram o Império Central. Até hoje, os próprios chins se intitulam Han, “o povo de Han”, para se distinguirem dos manchus, mongóis, tibetanos, turcos e aborígenes que compõem o atual “País Central”, Djung Guó (1). Os primeiros contatos assim supostamente estabelecidos entre o Império do Ocidente e o Império do Oriente foram, no entanto, interrompidos pelas incursões de tribos nômades da Mongólia e Sibéria de origem turcomana, provavelmente aparentados aos Hunos que os chineses denominavam Hsiung Nu. Os Han haviam repelido invasões desses bárbaros. Com esse propósito, terminaram a construção da Grande Muralha que o Primeiro Imperador Ch’in (ou Kin) Xi Huangdi havia iniciado. Escarmentados, os Hunos voltaram-se para o Ocidente e invadiram o Império romano no quarto e quinto séculos. Sob o comando de Átila, tornaram-se o terrível Flagelo de Deus ao destruírem o império dos Godos e invadirem a própria Itália. Como consequência, durante mil anos foram cortadas todas as comunicações entre Leste e Oeste.

A Rota da Seda continuou ocasionalmente aberta durante a Idade Média e, através dela, as formas da escultura grega teriam migrado e influenciado as representações do Buda no período em que o Budismo se estendia e conquistava a Ásia oriental, China, Coréia, Japão, Vietnam, Tailândia, Birmânia e, originariamente, o que é hoje a Indonésia. As invasões de hunos, turcos, tártaros, mongóis e inúmeras outras tribos siberianas de nômades guerreiros que, eternamente, se movimentavam nas imensas estepes, planuras e planaltos da Ásia Central, impediram qualquer outro relacionamento entre as duas civilizações. O vácuo foi preenchido pelo Islam que, sob diversas identidades étnicas, dominou o eixo geopolítico mundial do Oriente Médio. As invasões mongóis tudo varreram. Dois netos de Genghiz-khan, Kubilai e Hulägu, foram respectivamente Imperadores da China e da Pérsia - construindo impérios estáveis. Bagdad, então a grande metrópole maometana, foi destruída e com ela o Califado e, nessas condições, o angustiado Sumo Pontífice em Roma alimentou a idéia de concluir uma aliança com os mongóis, para atacar os odiados cultores de Mafoma pelas costas. A seu comando, entre 1245 e 1247, o frade franciscano João de Piano-Carpini viajou pela Ásia Central como legado papal e esteve presente ao grande Kurultai, ou concílio das tribos mongóis em Karakorum, na Mongólia - reunião que proclamou Kuyuk, outro neto de Genghiz Khan, novo Grande Khan e Senhor do Mundo. A expedição do monge italiano foi uma das mais impressionantes e momentosas expedições diplomáticas que registra a história. Atrás dele, outros europeus alcançaram a Ásia oriental, sendo dois particularmente importantes, o comerciante veneziano Marco Polo, o primeiro a alcançar Beidjing (Cambaluc ou Khanbalig), e o jesuíta basco São Francisco Xavier, o maior de todos os missionários em terras exóticas e o primeiro a conhecer e estabelecer um relacionamento permanente com o Japão no século XVI. Daí por diante, foram as relações entre os dois pólos da cultura universal progressivamente se ampliando e reforçando. A presença constante de padres jesuítas na corte de Beidjing teve um efeito superficial do ponto de vista político, servindo, porém, para aprofundar o conhecimento que, da Ásia oriental, obtinha a Europa. Numa célebre disputa, franciscanos e dominicanos conseguiram persuadir a Santa Sé que errada e sacrílega era a tese dos jesuítas segundo a qual o culto dos mortos, em vigor em toda a Ásia Oriental, não possuía um caráter religioso, mas constituía apenas uma prática de moralidade familiar tradicional. Há sinólogos que consideram tenha a decisão do Papa prejudicado irremediavelmente o que se apresentava como uma perspectiva alvissareira de conversão do povo de Han ao Cristianismo.

A reputação do Império Central como poderoso, rico e admiravelmente civilizado atingiu seu apogeu no século XVIII quando os philosophes, notadamente Voltaire, passaram a louvar e enaltecer a China como paradigma de cultura, sabedoria e poder. Foi a época em que a moda das chinoiseries invadiu a França e a Inglaterra. Como resultado desse crescente interesse europeu pela Ásia Oriental, a Inglaterra, então em guerra com a França, enviou à corte de Beidjing a monumental embaixada de Lord Macartney. Carregando consigo uma esquadra e dois mil homens de equipagem, o embaixador britânico demorou dois anos para conseguir, em 1792, ser recebido pelo velho imperador Ch'ien Lung (ou Kien Long), o último dos grande monarcas da dinastia manchú. A missão terminou em fracasso. O motivo principal do insucesso dos “Diabos Narigudos do Ocidente” foi curioso. Enviado por uma potência que já se considerava senhora absoluta dos mares, na ponta de lança da revolução industrial e dona das Índias e grande parte da América do Norte, Lord Macartney considerou absolutamente inaceitável a exigência dos mandarins chineses de que cumprisse a cerimônia do kowtow. O coutou, ou “nove prosternações” diante do Filho do Céu, era cerimoniosa e imperativamente praticado pelos reis tributários ao serem por ele recebidos em audiência geral no “Centro do Mundo”. Desprezando relógios, telescópios, bússolas, canhões e outros bugigangas que do enviado britânico recebera, o Monarca Celeste enviou ao Rei George III uma mensagem presunçosa e extremamente irrealista, denunciando a arrogante auto-satisfação do velho Império que sempre se considerou o Centro do Mundo. Vale reproduzir seus termos:
Vós, ó Rei, que viveis além de muitos mares, inspirado entretanto por vosso humilde desejo de participar dos benefícios de nossa civilização, enviastes uma missão trazendo respeitosamente Vossa Nota... Governando o mundo inteiro, só tenho um objetivo em vista: manter um perfeito governo e cumprir o dever do Estado; os objetos estrangeiros e custosos não me interessam. Se ordenei que os tributos por Vós oferecido, ó Rei, sejam aceitos, foi comente em consideração ao espírito que Vos inspirou a nô-los enviar de tão longe. Nossa virtude dinástica penetrou em todos os países sob o Céu. Os reis de todas as nações me enviam custosos tributos por terra e por mar. Como Vosso Embaixador pode por si mesmo constatar, possuímos todas as coisas. Não concedo valor algum às coisas estranhas ou engenhosas e nada tenho a fazer com os produtos manufaturados de vosso país. Tal é minha resposta a Vosso pedido de nomear um Embaixador junto à minha Corte, requerimento contrário a nossos costumes dinásticos e de que só Vos resultariam inconvenientes”.

O extraordinário episódio configura um momento crucial no secular relacionamento entre o “País Central” e o Ocidente. A embaixada Macartney serviu de tema a Alain Peyrefitte para uma obra monumental intitulada L’Empire Immobile (2), em que, em quatro volumes, analisa as peripécias da embaixada Macartney. A obra cobre as reações dos chineses, dos ingleses e dos jesuítas que, na época, ainda habitavam Beidjing como hóspedes e astrônomos da corte imperial. Notável político e escritor francês, dez vezes Ministro de Estado, membro da Academia e do Institut de France, Peyrefitte compara filosoficamente a atitude negativa, arrogante e contraproducente de Ch’ien Lung diante do desafio ocidental, com a que tomaram os japoneses, meio século mais tarde, no confronto irresistível com a realidade moderna. Ao considerarem o aparecimento do esquadrão do Commodore Peary na baía de Tóquio com a proposta de que o Império nipônico se abrisse, o Xôgun mandou inicialmente examinar o poder dos canhões da esquadra americana. Constatou a realidade e se deu conta de seus efeitos e seus perigos. Em seguida, recebeu os representantes estrangeiros com todas as mesuras. Mais sábios do que os chineses, os nipões perceberam, imediatamente, as ameaças e vantagens que um relacionamento com o Ocidente comportava e trataram de se adaptar, absorvendo a tecnologia da Europa e América. Isso deu início à Era Meiji, a grande transformação do Japão. Na verdade, com exceção da crise paranóica dos anos 30 e 40, os japoneses foram os primeiros naquelas bandas que se revelaram dispostos a enfrentar as promessas da modernidade, preparando-se adequadamente para a globalização e se transformando no primeiro dos chamados “Tigres Asiáticos”.

Enquanto isso, a negativa chinesa em proceder do mesmo modo ia custar ao Império Central cento e cinqüenta anos de violências, invasões, guerras, aflições e perplexidades inimagináveis, até hoje aliás motivo de ásperos debates. Foi uma resistência comprovadamente inútil ao fenômeno da inevitável extensão planetária da civilização ocidental, procedente da área do Atlântico Norte. Há muitos tolos que se comportam do mesmo modo como os chineses dos séculos XVIII e XIX. Os mais inteligentes imitam os japoneses. Os efeitos desastrosos de não aceder às propostas transmitidas por Lord Macartney não se fizeram esperar. Vinte e cinco anos depois da embaixada, os ingleses adquiriram Hong Kong pela força das armas e, em 1842, Xanghai foi fundada, juntamente com a abertura de quatro outros portos na costa chinesa ao comércio britânico. Eventualmente, com a colaboração da França que obteve sua própria “Concessão” em Xanghai, as principais grandes potências européias conquistaram uma situação privilegiada, pois essas cidades se converteram numa espécie de território internacional que, desprezando totalmente a soberania do Estado chinês, introduziram no país as sementes da grande transformação, conduzindo ao processo global de modernização. As imunidades e privilégios gozados pelos “Narigudos Diabos do Ocidente” perduraram até a IIª Guerra Mundial. Foram abusivas mas os garantia contra crises periódicas de xenofobia homicida, a mais grave das quais ocorreu durante a chamada Revolta dos Boxers em 1900.

Entretanto, as notícias sobre a decadência do Império Central já haviam tão ruidosamente alcançado a Europa que se podia falar no “sono” da Velha China. No século XIX, Tennyson não foi o único a menosprezar o poder e vitalidade da nação mais numerosa e uma das mais antigas do planeta. Nos anos vinte, o historiador alemão Oswald Spengler considerou os chineses “um povo de felás”, igual aos egípcios, fadados a sofrer a história, jamais a influenciá-la... Napoleão revelou-se muito melhor analista e profeta mais perspicaz. Comentando as frustrações do embaixador Macartney, sobre as quais havia lido, ele preveniu os céticos: “Quand la Chine s'éveillera... le monde tremblera”... Em 1817, no exílio de Santa Helena, o prisioneiro imperial foi cortesmente visitado por Lord Amherst, o segundo embaixador que a Inglaterra mandara à China, com resultados ainda mais frustrantes do que os do primeiro. “Tremerá o mundo quando a China se acordar” é o título de um livro de crônicas do próprio Alain Peyrefitte, publicado em 1972 após sua primeira visita à China como enviado da França. Em 1996, o escritor francês voltou à carga com outra crônica sobre a era Deng Xiaoping e seu programa de “Uma Nação, Dois Sistemas”, e anunciou com convicção: “La Chine s'est éveillée”...

O sucesso da Singapura, Taiwan, Malásia e Hong Kong testemunham da capacidade do chinês de se adaptar à modernidade industrial - tal como ocorre com os japoneses e os coreanos. Na verdade, os indicadores de desenvolvimento publicados pelo Banco Mundial em 2003, já tornam a China a segunda potência econômica mundial. Ela teria ultrapassado o próprio Japão. Calculado na base da metodologia do PPP (purchasing power parity, a paridade do poder de compra da moeda), o PIB chinês alcança cinco trilhões de dólares, cerca da metade do americano. Não há dúvida, a China acordou! O futuro provará quando as Cinco Modernizações de Deng Xiaoping começarem a render dividendos com a liberalização progressiva do regime...

Foi num momento crucial desse processo de “despertar” da China, que tive a oportunidade de melhor a conhecer. Por duas vezes lá servi e é sobre a primeira visita que vou agora discorrer.

Xanghai (3) era uma aldeia que já principiava a se tornar o principal porto da China setentrional quando, em meados do século XIX, se transformou numa entidade internacional com privilégios de extra-territorialidade para os estrangeiros das chamadas “potências capitulares”., Hoje, ela é uma das maiores metrópoles do mundo. O que se segue procura demonstra a importância do tema, pois a cidade merece...Cobre este capítulo as peripécias que marcaram o segundo posto em que eu ia servir – peripécias pessoais e coletivas que os acontecimentos bélicos impunham. Eu viveria na China duas vezes, a primeira, de abril de 1941 a junho 42; a segunda vez, de 1947 a 49, no episódio final da guerra civil que levou Mao Dzedong ao poder.

Como tal, tornar-me-ia o único diplomata brasileiro – e provavelmente o último sobrevivente dos Old China Hands. O que quer dizer, devo ser o último entre meus compatriotas que conheceram o velho Império Central ao tempo da Primeira República, a de Sun Yatsen, da ocupação japonesa e do governo de Chiang Kaichek - antes portanto do regime maoísta. E quando, em 1992, retornei à China em passeio turístico, fui considerado com pasmo pelos diversos guias oficiais que nos acompanharam. Era uma espécie de assombração, algo como chamam os franceses um revenant, um fantasma da pré-história, um espectro que retorna ao mundo dos vivos. Saltando por cima do Maoísmo, da velha China do Kuomintang e das “Concessões internacionais”, desembarquei na China novíssima que "se acorda" e moderniza sob a autoridade dos Presidentes Jiang Zemin e Hu, segundo e terceiro sucessores do venerável mandarim Deng Xiaoping...

Deixou-me a China uma impressão profunda. Durante todo um largo período da vida senti raízes que me atavam àquele país por laços existenciais de significado especial. Além dos três anos e meio que lá vivi, com duas viagens posteriores, muitos outros foram dominados pela lembrança de experiências traumáticas por que passei. No princípio da carreira acariciara veleidades de me considerar um expert em coisas chinesas, um sinólogo, imaginem! E, efetivamente, tão limitado é o grau de especialização dos funcionários de nosso serviço diplomático que poderia reivindicar o privilégio de ser “o mais entendido” em tal e qual contexto. Não que me pudesse isso, de modo algum, valer em termos de progressão funcional ou prestígio profissional, tão longe se encontram os interesses brasileiros dos do país dos antípodas. Durante algum tempo, cognominaram-me de “chinês”. Enfim, minha identificação como “chinês” perdurou por vários anos entre colegas. Razão de sobra terá tido Guimarães Rosa de me dedicar (1958) seu Sagarana com amizade e um certo chiste irônico, descrevendo-me como um “companheiro nas etapas lumino-nebulosas do Tao, espírito aberto às vozes sábias da História e aos sutis ecos do mar da Mefafísica”...

Quando desembarquei no grande porto em abril de 1941, encontrava-se a cidade na seguinte situação, dividida sumariamente em quatro áreas. Uma parte da chamada Concessão Internacional, além do córrego de Suzhou e na margem esquerda do rio Huangpu, era administrada pelos japoneses. Todos seus arredores sofriam igualmente sob a brutal ocupação do exército nipônico que por ali, na primavera de 1937, iniciara sua segunda tentativa de conquista da China central. O Settlement propriamente dito permanecia, como antes, administrado por um Conselho Municipal sob responsabilidade dos Cônsules das potências capitulares, com direitos extra-territoriais. Entre estas Potências, honrada e discretamente figurava o Brasil. Junto ao Settlement internacional, a sudoeste, a Concessão Francesa era administrada por um Cônsul Geral - o Ministro Roland de Margerie.
Xanghai apresentava-se, em suma, como uma cidade internacional no sentido administrativo e real da palavra, com quatro setores distintos: o francês, o internacional, a área ocupada pelos japoneses e os bairros chineses do lado de Putung, na margem direita do rio Uangpu. Nessa época, das importantes tropas estrangeiras ali concentradas em 1937, com missão de defender as Concessões ante o ataque japonês contra a China, só sobravam um regimento de Marines e alguns fuzileiros navais franceses. Na polícia internacional, serviam muitos oficiais britânicos, com sikhs e gurkas que haviam sido trazidos pelos ingleses, e um grande número de refugiados europeus. Os nacionais das potências da Europa, América Latina e Ásia que haviam mantido sua neutralidade conseguiram sobreviver, bem ou mal, aos quatro anos do conflito mundial, sem sofrerem especialmente da brutalidade das autoridades ocupantes.

Em fins de 1942, depois das duas partidas do navio italiano Conte Verde que proporcionou o êxodo dos diplomatas e mais alguns privilegiados – a autoridade militar nipônica organizou campos de concentração para os civis inimigos que ainda encontraram na cidade - o que é o tema do magnífico filme de Steven Spielberg, Empire of the Sun.

De um modo geral, quando lá cheguei, nada na vida diária do porto parecia indicar que a China inteira enfrentava uma guerra de conquista total; nem que, na Europa, alastravam-se as chamas ardentes do mais violento e sangrento confronto bélico da história universal. A Concessão sobrevivia pacificamente, escarmentada embora pela inconfortável presença opressora dos súditos do Mikado. Ela demonstrava a mesma estupenda serenidade e confiança que sempre a caracterizou, nos cento e setenta anos de duração da novela singular que traduz sua crônica cosmopolita. Notai ainda a circunstância que, em que pesem as tentativas mais radicais dos revolucionários maoístas, com seus pendores ruralistas, de destruí-la após a instalação do “Governo Popular” em Beidjing, 1950, ela continuou progredindo, pouco sofrendo com o Grande Salto para a Frente e a Revolução Cultural. Nessas condições, à medida que o “Império Central”, vulgo República Popular, se integra no movimento geral de globalização e com uma população já superior talvez a vinte milhões, Xanghai se destaca como a maior cidade do mundo, a maior cidade chinesa, seu principal porto, o núcleo da acelerada expansão industrial prevista e a magnífica fachada moderna de imponentes arranha-céus que pretende apresentar ao mundo como símbolo da nova China.

Sobre o cais do rio Uangpu, estende-se o famoso Bund. Seus majestosos edifícios de bancos, hotéis e grandes firmas internacionais - o Billion Dollar Row como era chamado naquele meado do século XX - representavam o que de mais rico e poderoso concentrava a presença ocidental no Oriente. “A cidade onde jamais cessa a agitação” (the City where trouble never ends) confrontava-se com as condições de guerra no mesmo entusiasmo otimista que lhe houvera, no passado, permitido sobrepujar todas as adversidades. Formidável formigueiro humano, compreende-se por que Aldous Huxley, quando a visitou, tenha observado que, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, faz ali sentido o conceito do élan vital bergsoniano. Hoje, espantoso é o crescimento demográfico e econômico. A renda per capita ultrapassa os cinco mil dólares, com crescimento maior do que a média nacional. Só em 2003, calcula-se que três milhões de imigrantes tenham chegado à cidade, valendo-se de um certo relaxamento no estrito controle das migrações internas exercido pelo governo de Beidjing. Quatrocentos mil novos empregos foram criados neste único período de doze meses, o que não impede tenha o número de desempregados atingido 300.000. Uma economia e uma demografia ainda em grande parte sob controle estatal impedem o surgimento de favelas.

A própria língua franca local era peculiar, endógena. Mistura do dialeto da província do Tchekiang com um pot-pourri de palavras inglesas, portuguesas, indianas e francesas numa gramática chinesa, o Pidgin English é facilmente assimilável e me tornei proficiente em seu uso. Dizem que a origem do jargão foi espontânea, nasceu no business entre negociantes ingleses e compradores locais. Desde logo compreendi que não adiantava esforçar-me por estudar o chinês na versão oficial do Norte. O estudo da língua escrita, ideográfica, implica, necessariamente, o conhecimento do maior número possível dos 40 mil ideogramas que existiriam – um décimo dos quais, pelo menos, seriam imprescindíveis para a leitura de jornais e livros simples. A absorção mnemônica dos ideogramas não é fácil mas se torna, aos poucos, um jogo fascinante. Quanto á gramática, é a própria simplicidade; não há verbos, nem sintaxe complexa. Por exemplo: quando V. encontra na rua uma pessoa amiga e pergunta como está, a fórmula é nin hao? (como bom?). Ou hao bu hao? (bom não bom?). Cabe acrescentar que muitas palavras portuguesas se integraram ao Pidgin. A palavra sabe significa ao mesmo tempo saber e entender. Assim, se quero perguntar a um lojista local se compreendeu o que eu disse, a questão é “sabe no sabe?”. O Pidgin era muito usado em Xanghai com os empregados domésticos, com os cules que nos transportavam em seus veículos antropomotores, assim como nas lojas. Outro termo curioso é maskee, originário da expressão idiomática lusitana mas que!, num sentido semelhante ao francês je m´en fous, italiano ne me frego, ou russo nitchevo. Mais complicada foi a tarefa dos primeiros jesuítas, italianos em sua maior parte, que se estabeleceram na corte de Peking, século XVII, na esperança de converter o Filho do Céu e assim cristianizar de um só golpe a China inteira. A frase “Deus é amor” mereceu complicas ginásticas vocabulárias pois o verbo ser não existe, Deus teve que ser traduzido pelos católicos como “Senhor do Céu” e amor, de modo similar, comporta uma variedade enorme de termos para as formas específicas, “amor paterno”, “amor filial”, “amor sexual”, amor de uma coisa, um lugar ou uma entidade abstrata qualquer.

Um termo que adquiriu um sentido social e histórico importante é comprador, merecendo ser comentada. A palavra designava os primeiros negociantes chineses que estabeleceram comércio com os europeus, portugueses para começar; ela é um exemplo de como se originou o dialeto. A classe dos compradores foi formada, desde a época dos primeiros negociantes europeus que atingiram o sul da China no século XVI, pelos intermediários chineses ou sino-portugueses de Macao que, falando uma língua européia, prosperaram rapidamente nesse comércio e se tornaram o elemento mais influente da nação na primeira metade do século XX. Sua base foi Hong-Kong, Macao, Xanghai e outros portos “abertos” de intercâmbio e contato. No final do século XVIII, o Imperador Kien Long, o mesmo que se recusara a atender às propostas comerciais de lord Macartney, criou uma ojeriza especial aos mercadores chineses de Macao e Cantão, os “compradores” dos artigos oferecidos justamente pelo embaixador britânico, porque constituíam uma ameaça ao isolamento absoluto em que pretendia manter o Império Celeste. Sempre tenho defendido a tese que a Revolução Maoista Chinesa constituiu, realmente, uma revolução de cunho nacional-socialista, totalmente heterodoxa do ponto de vista do Marxismo teórico puro. O movimento foi dirigido não tanto contra um feudalismo rural, que pouco existia no contexto chinês, mas contra a burguesia das grandes cidades portuárias “contaminadas” pelo espírito ocidental. Foi, assim, primariamente uma revolução contra a classe dos Compradores e seus líderes, cognominados Taipan. Se há um aspecto em que se pode falar em “luta de classes” na Revolução chinesa, seria esta configurada pela tendência do campesinato, essencialmente conservador em suas atitudes e interesses, em aceitar a idéia de “Portas Abertas”. A proposta implicava o fim do isolamento. A classe rural concordou assim em ser mobilizado e liderado por outro camponês, mais instruído e de virtudes carismáticas, o camarada Mao, a fim de derrubar os “corruptos compradores” da alta “burguesia” que, juntamente com suas mercadorias importadas, traziam também idéias novas e costumes estrangeiros, oriundos de um mundo totalmente alheio ao centralismo obstinado do Império Central. Em outras palavras, foi a “Revolução” chinesa, na realidade, uma reação ou contra-revolução do conservadorismo rural contra a classe dominante dos compradores, encabeçados pelo Kuomintang.

Não era a primeira vez que uma nova “dinastia” seria estabelecida dessa maneira, Na terminologia chinesa, uma forte personalidade dotada de carisma recebia o “mandato do Céu”, Ming, que legitimava seu governo. Posteriormente, o novo regime passou a ser administrado, como sempre fora, pela burocracia “imperial”. Para esta Nomenklatura, os portugueses também haviam adequadamente inventado o termo Mandarim - aquele que manda. Estes, hoje como outrora, continuam residindo principalmente Beidjing. A China oferece, de fato, o exemplo supremo de uma sociedade que sempre foi governada por uma classe burocrática, um sistema que data do aparecimento de Confúcio (Kung Fu Tsê), no quinto século antes de Cristo. O burocrata é o homem que “manda” em nome do soberano, qualquer que seja o poder tradicional do Imperador, da dinastia por ventura reinante e da intervenção ocasional dos soldados nas crises graves de sua história. É o membro dessa aristocracia civil, outrora necessariamente versada nos “Clássicos” de sua filosofia, quem estabelece como se deve, oficialmente, falar “mandarim”, literalmente a “língua do funcionário público”, kuan-huá, está programada para, pouco a pouco, eliminar todos dialetos locais e se transformar no único idioma chinês. A burocracia weberiana, que no caso é herdade da tradição clássica de Confúcio seus discípulos, particularmente Mencius (Meng-Tzê), o principal teórico político, continua a ser a elite dirigente do país, Xanghai seria, por conseguinte, o principal cenário do confronto entre os “compradores” e os “mandarins”. Os compradores são hoje, também, eficientíssimos vendedores e isso é a principal novidade da China moderna.

O típico Xanghailander era cosmopolita, alegre, dinâmico, empreendedor, livre de preconceitos. Esquecia seu país de origem para só se lembrar que era ou um “Senhor Branco” (White master), ou um Taipan, um Grande Patrão, comprador de mercadorias e idéias estrangeiras. De um lado, o ocidental, solidário com os de sua raça e amante dessa colossal Babilônia erguida como por encanto sobre o lamaçal do rio Uangpu; do outro, o chinês da cidade que sempre foi rebelde contra a imutabilidade conservadora da sua sociedade - e ambos prosperando na mistura exótica de culturas aparentemente inassimiláveis. Hoje, o cidadão de Xanghai é o campeão da abertura e da globalização que os mandarins de Beijding, ainda presos a seus preconceitos marxistas que tão bem se adaptam à milenar tradição burocrática do “Despotismo Oriental”, procuram conter num conservadorismo granítico.

Nessa atmosfera excitante, de confrontos múltiplos, em que o adversário a combater era um invasor imperialista igualmente asiático, fui contagiado logo ao chegar. Na verdade a atração que a cidade exercia sobre o estrangeiro, o charme misterioso com que o Oriente cativa os que nele viveram, não é a de um recanto burguês pacato, com paisagem familiar. A Ásia acorrenta numa perspectiva de aventura, perigo e exotismo. O fascínio é do extraordinário quotidiano que alimenta a imaginação, o campo livre onde se deleitavam os inescrupulosos, os ambiciosos, os audaciosos e os inimigos da rotina dos filisteus. Um verdadeiro Xanghailander já sobressaía, muito antes da chamada “globalização neoliberal” que marca o início deste novo século, como um internacionalista ou cidadão do mundo no sentido que a coletividade a que pertencia só era limitada pela relativa diferença fisionômica e lingüística entre as etnias. Para ele, na China, tudo era permitido. Se alguns carregavam aos ombros a ilusão kiplinguiana obsoleta do “fardo do Homem Branco”, a missão civilizadora que a si próprios confiara, sem pedir licença ao “nativo” - essa velha arrogância do conquistador se foi pouco a pouco diluindo no mercado global. O europeu ou o americano que para lá se mudasse, ou para Hong-Kong, ou para Singapura, não estava disposto a “estabelecer-se” com casa, mulher e filhos, como o faria em alguma cidadezinha do Sussex, da Provence, do Kansas ou do Texas. O que ansiava era viver nietzscheanamente, viver perigosamente. Clima penoso tanto física quanto politicamente, era um lugar privilegiado para se assistir aos grandes espetáculos humanos, à tremenda turbulência das massas e aos contrastes insolentes da vil riqueza com a mais sórdida miséria - um palco teatral na crosta ocidental da China.

Nas obras que o celebrizaram, Les Conquérants e La Condition Humaine, soube André Malraux captar o fundo trágico e muito humano da vida neste empório do Oriente. O cenário histórico da obra de Malraux é a crise dos anos vinte, a Segunda Década da grande Revolução Chinesa que se desenvolve com múltiplos atores e surpreendentes reviravoltas, cindindo o movimento entre o Kuomintang, à direita, e o “Exército Popular” de Mao Dzedong, à esquerda. O romancista francês escolheu o momento crucial em que, procedente de Cantão com as tropas “nacionalistas” que comandava, o “Generalíssimo” Chiang Kaichek aliou-se à classe dos Compradores, casando com a herdeira de uma de suas mais ricas e poderosas famílias, os Sung (4). A família Sung é interessante porque personifica toda a problemática política, social e econômica das quatro décadas decisivas da Revolução (1911-1950). Um rico industrial com conexões americanas, Sung. foi o fundador da linhagem e seus três filhos são responsáveis pelos rumos contraditórios que tomou o processo de transformação do país. A filha mais velha, Chingling casou com Sun Yatsen, o patriarca da República. Depois da morte do marido, aderiu aos maoístas, recebeu o Prêmio Stáline e, vivendo em Beidjing, suportou sem grandes transtornos as turbulências da Revolução Cultural, morrendo com toda a glória entre os comunistas. O irmão, T.V. Sung, foi Ministro da Fazenda do Kuomintang e dos Negócios Estrangeiros durante a guerra, sendo considerado em certo momento o homem mais rico do mundo. Negociante inveterado, ouvi dizer durante minha passagem pela base aérea de Natal em 1944, que mesmo as condições especiais da guerra mundial e sua alta hierarquia não o impediam de realizar transações locais com cigarros americanos e relógios suíços. A terceira, Meiling, casou com Chiang Kaichek, exatamente no momento em que o “Generalíssimo” rompia com seus aliados comunistas e suprimia, a ferro e fogo, a greve revolucionária de Xanghai comandada por Chou Enlai. Iniciando e terminando vitoriosamente o combate aos diversos “Senhores da Guerra” que dominavam as províncias, Chiang chegou praticamente a unificar a China, salvo as áreas setentrionais controladas pelos Maoístas depois da famosa “Longa Marcha”. Na complicada intriga de que se valeu Malraux para a redação de La Condition Humaine, os dois irmãos, T.V. Sung e Sung Meiling, desempenharam um papel crucial como representantes de Xanghai e de sua classe dos Compradores.

Em certo momento e por motivos de tratamento de saúde, Meiling viveu numa ilha da baía de Guanabara, Brocoió. Tive ainda ocasião de conhecê-la quando de uma viagem oficial a Taiwan realizada em 1966, em que eu acompanhava o Ministro Juracy Magalhães – episódio de que tratarei em parte posterior destas Memórias. Após a morte de Chiang e sempre cercada de prestígio, Meiling foi viver em Nova York onde faleceu em 2003, com 106 anos de idade. Como resquício da cisão ocorrida na Revolução chinesa entre “nacionalistas” do Kuomintang e “comunistas” do PCC, persiste ainda o problema de Taiwan que o “Governo Popular” de Beidjing continua a reivindicar como parte da nação.

Quanto a Chou Enlai, este típico intelectual de vocação mandarínica, ex-Comissário Político do PCC na cidade, por pouco escapou ao pelotão de fuzilamento mas perdeu para sempre a perspectiva de alcançar a posição suprema e se tornar o Número Um da Revolução, como merecia. Ele se recuperaria suficientemente, no entanto, para ocupar o posto der Primeiro Ministro depois de 1950 no governo comunista. Mandarim-Mor sob as ordens de Mao, sobreviveu à Revolução Cultura e foi mentor de seu fiel sucessor Deng Xiaoping, herdeiro de um programa mais racional do que o do alucinado campônio populista. Por duas vezes, quase perdeu a vida, mas Mao o respeitava como melhor conhecedor do mundo exterior. A intriga que então se desdobrou (1925/27) iria condicionar o progresso da Revolução chinesa, através de vinte e cinco anos de novas guerras civis, entremeadas de oito anos de uma guerra selvagem contra o inimigo japonês que custaria cinco milhões de mortes – ao todo 50 milhões de vítimas até, finalmente, cessar a turbulência depois da morte do Grande Timoneiro. Temos aí nas três “famílias” ideológicas – 1) a pro-americana dos “compradores”, dos Sung; 2) a originariamente mandarínica e marxista de Chou Enlai; e 3) a “ruralista”, populista ou camponesa reacionária de Mao, exposta no célebre “Livrinho Vermelho” – os três eixos que orientaram a Revolução no fulcro do tufão de Xanghai. Tudo terminaria, em que pese o despotismo dos que, em 1989, mandaram fuzilar centenas de estudantes nos arredores da paradoxalmente chamada Praça da Paz Celestial (Tien-An-Men) - na atual tentativa de conciliação que se resume no slogan “uma nação, dois sistemas”, nas mãos do terceiro herdeiro de Deng, Hujintao.

Desde seu nascimento, entretanto, tivera Xanghai uma existência movimentada. Em meados do século XIX, a metrópole enfrentou o pesadelo da revolta dos Tai-Ping - um movimento anárquico, xenófo, anti-manchu e com vagas influências cristãs que terminou com um saldo de trinta milhões de mortos. Possivelmente o episódio mais brutal daquela centúria relativamente pacífica, a crise dos Tai-Ping durou anos e só foi debelada com a ajuda dos europeus. Na passagem do XIXº para o XXº século, Xanghai assistiu de longe ao trauma dos Boxers - os primeiros guerrilheiros xenófobos que a poderosa e perversa Imperatriz Viúva Tzu Hsi, tia do “Último Imperador”, cultivou, a fim de resistir a qualquer mudança enquanto tentava preservar sua própria família no Trono do Dragão. A cidade já crescia desmesuradamente. Fora, até a guerra, o primeiro porto da Ásia e absorvia centenas de milhões de dólares em exportações e importações, como entreposto do Eldorado chinês. Fortunas fenomenais foram acumuladas, nem sempre honestamente, e a prosperidade alcançou cifras jamais atingidas. Concebiam-se as possibilidades futuras como imprevisíveis. A China é um país de imensos recursos, fabulosas riquezas do subsolo, abundantes matérias primas para a indústria da Europa e América – o maior mercado potencial, a mais numerosa população trabalhadora e mesmo, como já alguns antecipam, a primeira potência econômica do planeta. O espetáculo da fortuna fácil que se esbanja em caprichos e vícios, no quadro da miséria e podridão humana, arrastando-se pelas sarjetas – todas as manifestações multiformes da vida urbana, florescendo como em parte alguma neste planeta em plena crise da Grande Depressão – tal foi o quadro com que, mal saído de um Rio de Janeiro ainda provinciano, me deparei para deleite, perplexidade e, logo em seguida, horror - horror com o que aconteceria no inverno de 1941/42.

Tema curioso que desejo tocar antes de prosseguir com estas reminiscências se me apresenta como o do transporte na cidade. Pode-se dizer que a história do desenvolvimento da China pode ser descrita, em termos de progresso tecnológico, por uma série de etapas nos meios de transporte. O cavalo nunca exerceu um papel importante em sua economia. Só foi largamente utilizado militarmente, por influência, suponho, das tribos siberianas que regularmente usaram a cavalaria em suas invasões da China setentrional. A dinastia Tang estendeu o Império até seus mais distantes limites de domínio e influência para o sul (Vietnam e Birmânia), para oeste (Tibet e Turquestão) e para o norte (Sibéria e Coréia), pelo uso amplo da arma hipomóvel. A intensa a urbanização chinesa sempre preferiu, para as grandes comunicações pesadas, o transporte fluvial em rios e canais. A besta de carga principal foi o próprio homem, ou sua variedade nativa, o cule. A evolução se processou do seguinte modo. Originariamente, o mandarim ou qualquer membro da elite dominante e sua família eram transportados em liteiras ou palanquins. Dois cules, um na frente, outro atrás. O primeiro notável progresso foi realizado pelos ingleses que introduziram o rickshaw ou jinrickshó – literalmente, “veículo a tração humana” – e não sei se há tradução portuguesa para essa espécie de carrinho de mão. Inventado ao que se diz por um Sahib da Índia e usado, em certa época, por toda a Ásia oriental, inclusive no Japão, o veículo configurou um enorme avanço tecnológico - um único ser humano carregando um outro, ou mesmo dois ou três. Muito me servi desse meio em Xanghai e, posteriormente, em Beidjing, empregando-o no lugar de inexistentes táxis. O nome no dialeto local era pronunciado, aproximadamente, uhambatzó, mas desconheço os respectivos ideogramas. Foi sendo substituído aos poucos pelo pedicab cujo puxador, ao invés de correr a pé, usa rodas. É, em outros termos, uma tricicleta. O progresso do individualismo democrático é notável, de dois para um a um para dois ou mais de dois. Finalmente, na fase atual do desenvolvimento chinês, como se pode apreciar por qualquer fotografia de tráfego nas ruas chinesas, é a própria bicicleta, um para um. A bicicleta configura o transporte ideal para pequenas distâncias, sem poluição, sem engarrafamentos e proporcionando um saudável exercício diário ao indivíduo atento à saúde de seu coração. A instalação de uma grande indústria automobilística é fenômeno recente, com conseqüência imprevisíveis não só para o trânsito, mas para o consumo do petróleo nessa gigantesca economia.

Todavia, eram estas as condições que a Xanghai granjearam, já quando a conheci, a fama de Paris do Oriente...Vivi na China, precisamente, num dos momentos mais dramáticos da imensa transição do colonialismo imperialista para a sociedade globalizada da modernidade. Eu era jovem. Tinha vinte e poucos anos. Era a primeira experiência de liberdade e ainda sofria da louca irresponsabilidade, sofreguidão e insegurança da juventude. Nunca sentiria a realidade do turbulento mundo moderno tão intensamente como nesse ano e meio em que participei diretamente de eventos históricos, entre os mais salientes do século... Experiência ímpar que, confrontada com algo semelhante em meu próprio país, me foi sumamente instrutiva ao cotejar a evolução das duas nações nos antípodas, à luz do fenômeno de globalização da economia, cultura e poder político euro-americano.

Vale recordar que, no primeiro período em que servi em Xanghai, assisti á fracasssada tentativa dos japoneses de ampliar seu Lebensraum através da conquista da China – o que descreviam como colocar “Os Quatro Cantos do Mundo sob um Mesmo Teto”. A agressão à China, que precedeu o expansionismo nazista e provocou a II ª Guerra Mundial no cenário asiático, foi inicialmente conduzida por grupos de militares do Exército da Manchúria, agindo de modo aparentemente independente e dominando as políticos hesitantes do governo de Tóquio. O general Araki Sadao. chefe de uma facção ultra-nacionalista que propunha a Via Imperial, Kodo Há - um movimento ideológico de natureza nazista. Araki e outros colegas de farda, samurais aventureiros, puseram-se na cabeça que seria possível conquistar a China, conquista-la inteiramente, fazer o mesmo do que os mongóis e os mandchús que haviam estabelecido suas próprias dinastias. Hirothito seria colocado no Trono do Dragão. Na batalha em torno das concessões internacionais de Xánghai, em fins de 1937, os adversários se empenharam no primeiro grande confronto bélico da Segunda Guerra Mundial. Num bombardeio aéreo por engano dentro do próprio Settlement, antecipou-se os horrores da nova forma de terror coletivo.

Cortadas as artérias vitais de comunicação com o vale do Yang-Tzê, destruído seu comércio, suspensa a navegação e irremediavelmente comprometido o domínio econômico ocidental, convenceram-se finalmente os Taipans europeus de sua sorte. Se vencesse o Japão, monopolizaria a vida econômica do porto; se a China, como aconteceu, as tropas vitoriosas, nacionalistas ou comunistas, entrariam nas concessões sem se deter e varreriam interesses, concessões e privilégios dos financistas e mercadores estrangeiros. Tudo culminou em 1949 no sucesso do populismo nacional-socialista de Mao Dzedong.

A presença de nossa Consulado Geral em Xanghai não representava, por conseqüência, senão um símbolo inútil, sem qualquer valor prático que o justificasse. Um pouco de bom-senso e atenção de nosso Ministério teria determinado, ainda em 1940 ou 41, o fechamento tanto dessa repartição, quanto da Legação que ainda mantínhamos – realmente para que? - em Peking . Não seria a primeira vez que, secretamente, no mais íntimo de minha mente, surgia a dúvida sobre se as repartições brasileiras existem para dar emprego a funcionários, e não os funcionários para atender às necessidades políticas e administrativas das repartições.

Mas sem poder prever o que aconteceria, o espetáculo da presença dominante dos japoneses em torno da cidade e alguns incidentes que testemunhei estavam aos poucos determinando minha própria atitude, progressivamente mais envolvida nos acontecimento bélicos que se sucediam e que terminaram, ao final das contas, com a sobrevivência e sucesso dos aliados em luta pela liberdade e a democracia. Recordo-me de haver assistido, ainda ao final do verão de 41, a uma exibição marcial de fuzileiros navais japoneses num terreno baldio, área aberta na esquina do Bund. O objetivo da demonstração era, obviamente, impressionar a população local com o poder de seus novos Senhores. Os fuzileiros se exercitavam, enterrando a baioneta no corpo de um “inimigo”, feito de palha, e a cada gesto, a companhia inteira soltava um rugido selvagem, gutural, de tigres ferozes. Em dado momento, obedecendo às ordens de um oficial, meia dúzia de fuzileiros puseram-se a afastar com brutalidade a audiência de chins que, curiosos mas imprudentes, se haviam acumulado para presenciar o treinamento de seus invasores. Vários populares caíram ao chão, com a cabeça ensangüentada. Pareceu-me que um deles estava com o crânio rachado. Foi então que, pela primeira e talvez única vez, ouvi o hino nacional, o Kimi-ga-yô – cantado em coro, lento, melancólico, exótico, com suas sentenças de tom religioso cuja tradução aproximada é a seguinte:

Que Te seja dado viver dez mil anos felizes.
Vive, meu Augusto Senhor, até que os pedregulhos,
Reunidos pelos séculos em grandes rochedos
Sejam os veneráveis flancos de musgo recobertos.

O hino é mais uma oração ou renovação da declaração de profunda e eterna fidelidade ao Tennô Heika. No local, além dos fuzileiros, havia também uma aglomeração de súditos do Mikado. A cerimônia terminou com o berro estrondoso, três vezes repetido, os braços lançados para o alto, Banzai! Banzai! Banzai! – grito de viva, literalmente “Dez Mil” (Dez mil anos), o que tanto em chinês (Wan Sui) quanto em japonês, sugere a eternidade. Confesso que um arrepio me percorreu o corpo.

Poucos dias depois, passeando pela Nanking road, entrei numa pequena loja de fotografia e assisti a outro espetáculo, ainda mais desagradável. Um japonês muito irritado e em trajes civis, talvez algum antigo oficial do exército – com eles não se topava freqüentemente do lado de cá dos limites da Concessão internacional – discutia com o dono da China Marvellous Photo Shop. Provavelmente, sobre o preço de uma máquina alemã Zeiss Ikon, ou coisa semelhante. Estavam falando chinês, fiquei esperando. De repente as coisas desandaram. O freguês ficou amouco, o termo malaio-indonésio é amok, “furor homicida e suicida” - aquele furor que seria demonstrado durante toda a guerra. Gritou e atirou brutalmente o aparelho em plena cara do gordo vendedor. O sangue espirrou e o chinês se espatifou no chão. Discretamente, bati em retirada para não assistir às seqüelas do entrevero. Como por acaso, naquela mesma semana um dos meus amigos “russos brancos”, me proporcionou uma série de fotos tiradas por ocasião do massacre ou Rapto de Nanking, de fevereiro de 1938, um dos episódios mias horrandos da Segunda Guerra Mundial, em que se calcula tenham perecido entre 200 e 300 mil civis e soldados chineses.. Compreendam assim que, embora admirando o caráter inflexível dos japoneses, minhas simpatias se estavam rápida e radicalmente se consolidando para o lado dos chineses e de seus aliados ocidentais. Estes eram os americanos que, desde 1937, prestavam assistência discreta à resistência do Kuomintang e, desde sempre, favoreciam a política globalizante das “portas abertas” (Open door policy). O propósito era diametralmente contrário à monopolização do mercado chinês, potencialmente o maior do mundo, por uma única potência dominante.

De qualquer forma, que estava a guerra por chegar, até eu sabia, sem recurso a qualquer Serviço de Inteligência, a não ser a minha própria. Nos primeiros dias de dezembro de 1941 fomos assistir às despedidas do IVº Regimento dos Marines. Eles partiam para as Filipinas. Graças a meu chefe, o cônsul geral Mee, me havia tornado amigo de vários oficiais desse último destacamento americano na Concessão internacional, inclusive de seu comandante, o coronel, posteriormente general Howard. Tenho uma fotografia tirada no momento em que Howard dá os cumprimenta de despedida ao comandante japonês da praça, do outro lado dos limites do Settlement. E guardei a carta que escrevi no mesmo dia a minha Mãe, no Rio, prevenindo-a da iminência da guerra e pedindo que não se preocupasse se, a partir daquela, não mais recebesse correspondência minha. As comunicações seriam cortadas por um prazo indefinido. Com o despertar, violento porém não inesperado, de Pearl Harbor e da ocupação de todo o Settlement internacional de Xanghai na noite de 8 de dezembro, me dei conta do envolvimento em que nos encontrávamos em acontecimentos gigantescos diante dos quais nossa própria sorte insignificante, nossos pequenos projetos, mesmo nossas vidas se reduziam à expressão mais simples. Minhas remniscências me asseguram que, naqueles dias de dezembro de 1941, li de uma só vez o livro de Anatole Frence Les Dieux ont Soif. É uma história que se passa durante a Revolução Francesa. O panorama que se descortina é o do terror e da irracionalidade. A leitura do autor francês introduziu-me ao ambiente do mundo totalitário do século XX em que eu iria encontrar, anos depois, as obras seminais de Huxley, Orwell, Kafka, Koestler, Isaiah Berlin e Popper, um outro francês, Julien Benda, e alguns outros eminentes autores que foram sensíveis à tragédia da civilização moderna. Em Xanghai, era a mesma atmosfera num horizonte diverso, com o acréscimo do exotismo da Ásia Orienta. A impressão de impotência diante de dois imponderáveis, a massa chinesa e o Leviatã nipônico, deixou-me com uma sensação desagradável de insegurança que, realmente, só cessaria depois de nossa volta ao Brasil, repatriado com os outros diplomatas das nações aliadas em julho de 42 pelo navio sueco Gripsholm.

Quero, porém, relatar um aspecto especial nessa minha memorialística. O inverno de 42 foi particularmente severo naquela parte do mundo. Nevou bastante em Xanghai e isso contribuiu para tornar ainda mais precárias as condições de vida da enorme massa chinesa, deixada ao Deus dará. O regime de racionamento nunca foi estabelecido porque, como alguém reparou, sempre houve racionamento na China. Ele vigorou até a Revolução comunista, por força do poder aquisitivo de cada um: quem tinha dólares no bolso, sempre encontrava o de que comer no mercado negro. Quem não tinha, morria de fome. Após o triunfo de Mao Dzedong, a míngua continuou valendo para as massas, mas não para o mandarinato do partido. De novo, milhões morreram de fome no período de comunização das terras, do mesmo modo como outros milhões faleceram como resultado do "Grande Salto para a Frente". No inverno de 1942 e em regime de semi-internamento sofremos apenas, os diplomatas, da deterioração no abastecimento de certos alimentos, principalmente carne de vaca que sempre foi rara na culinária chinesa. Nada que comprometesse a saúde. A situação tornou-se bem mais trágica para os pobres. A "indizível miséria" de que fala Teilhard de Chardrin ao percorrer os campos desorganizados da China, era ainda mais evidente nas cidades. Tendo vivido vinte anos na China, inclusive todo o período da Guerra – quando estudou o “Homem de Peking” e escreveu Le Phénomène Humain - Teilhard conheceu profundamente os sintomas da carência generalizada que, até a idade moderna, sempre configurou o sistema. Naquele inverno, o frio e a fome criaram uma calamidade na cidade, superlotada de refugiados de aldeias vizinhas e escarmentados pela luta de guerrilha. Em uma madrugada de fevereiro, as autoridades das Concessões internacionais recolheram mais de trezentos cadáveres nas ruas. E numa noite frígida, passando numa calçada não longe de meu apartamento, tropecei num cadáver recoberto de neve e caí. Era difícil distinguir no lusco-fusco. Contei o ocorrido ao jovem Bertrand de Margerie – filho do Cônsul Geral francês e futuro jesuíta que lecionou muitos anos no Rio de Janeiro, no Colégio Santo Inácio, e ele me citou os versículos do Livro de Jó, capítulo 14:

Consome-se o homem como a podridão,
Como um vestido roído pela traça.
Nascido de mulher, tem a vida curta e de tormentos repleta.
É como a flor que se abre e logo murcha,
E foge como sombra sem parar...

Um dia, passeando à noite pela Jofi Lu, a Avenue Joffre cerca de nosso hotel, com uma amiga que falava chinês, assisti ao espetáculo constrangedor de um miserável que, estendido na neve junto a um companheiro, morria presumivelmente de frio e fome. Compramos alguma comida quente que encontramos não longe e oferecemos aos dois. O que estava vivo riu, pronunciou em chinês algumas palavras que significavam haver entendido nossos motivos e nos informou: “Não adianta, ele está morrendo”. O vivo aguardava a morte do amigo para dele se apossar da indumentária, dos sapatos e de toda a comida que demos. Como interpretar o riso impenetrável e a indiferença de um mendigo para com o outro? Numa multidão como a da China, com seus 600 ou 700 milhões de indivíduos - a população naquela época, metade do que é hoje, mais de 60 anos depois - é natural que a vida humana conte por pouco. Nossas emoções de Ocidentais e Cristãos também são incompreensíveis para um chinês, treinado em esconder seus sentimentos e só sentindo obrigação moral para com os próprios parentes e amigos mais próximos. Os transeuntes, impassíveis, continuavam a tropeçar em velhos raquíticos e crianças despidas, a gemer e gritar de frio e de fome, tal a quantidade de desamparados na imensa metrópole ocupada. O banditismo constituía outro sintoma do caos latente – que pouco interessava à guarnição nipônica, só atenta à sua segurança militar. O bandido comum não hesitava em matar para roubar cem dólares. Muitos estrangeiros, inclusive um russo a que eu fora apresentado pouco tempo antes, foram assassinados por simples ladrões de bicicletas, gatunos noturnos e arrombadores de janelas. Afinal de contas, o mesmo tipo de violência ocorre hoje no Rio e em São Paulo, sem guerra alguma, e também toleramos o agravo com o simples álibi que "a culpa é da sociedade"! Os ricos chineses protegiam-se, com guarda-costas russos, contra organizações que nada deixavam a desejar aos gangsters e seqüestradores na habilidade e audácia, superando-os porém pelo número. Crianças em tenra idade tiveram suas barrigas abertas para nelas serem escondidas as barras de ouro e armas de fogo, contrabandeadas nos limites da cidade.

Outro problema era o terrorismo, variante do primeiro embora com um sentido diverso. Dele tinham a sofrer principalmente os civis japoneses e os "colaboracionistas" do governo títere de Wang Chingwei em Nandjing. O terrorismo indiscriminado era parcialmente contido graças ao velho sistema chinês de policiamento, chamado Pau Chia. Consistia na responsabilidade coletiva de todos os habitantes do quarteirão onde se acreditava o culpado estivesse refugiado. O quarteirão era isolado; seus habitantes não se podiam locomover, nem trabalhar ou receber alimentos, eletricidade ou água, até que o suposto criminoso aparecesse. O sistema oferecia às vezes aspectos cômicos. Um pegue-e-pague da época foi bloqueado durante 48 horas, com todos os fregueses que se encontravam em seu interior obrigados a passar dois dias sem comer...
Os inimigos e as "massas", era isso o que a nós todos, ocidentais, preocupava. A palavra “massas” voltaria incessantemente no vocabulário marxista e, particularmente, no maoísta. Ela possui uma tonalidade de sentido transcendente, mas naquele momento seu significado era bastante específico. A China é governada pelas "massas". As "massas" fariam a “Revolução Popular”, a cujo término eu teria outra oportunidade de assistir em 1947/49. As massas são uma realidade estatística numa nação de 1,3 bilhões de habitantes. Em Xanghai, as massas constituíam uma realidade concreta, uma monstruosidade palpável. Cidade que tinha uns três ou quatro milhões de habitantes quando a conheci, a massa humana, no seu colorido cinzento-azulado, comprimida em uma das maiores densidades demográficas do planeta, agitada e, ao mesmo tempo, curiosamente pacífica e silenciosa, oceano humano que oprimia e afogava - quantas vezes durante a guerra, numa época em que quase não existia tráfego de automóveis, eu sentia essa sensação estranha de estar sendo absorvido ou engolido ou me afogando dentro de um ciclópico ser coletivo, um Behemoth. Eu temia ser estrangulado pelas "massas". Há duzentos anos, já escrevia Lord Macartney, o primeiro embaixador inglês, que "essa imensa população gosta de viver ao ar livre, em número infinito". A sensação de um formigueiro ou de uma torre de cupim é muito real. Volta-nos constantemente ao espírito as duas palavras francesas grouiller, pulluler...

Quero terminar com a seguinte consideração. O ponto a salientar é a limitada inclinação histórica de uma sociedade tão introvertida quanto a chinesa pela expansão ultramarina. Essa introversão vem de par com uma atitude histórica essencialmente conservadora e defensiva que, na minha opinião, não permite antecipar se transforme a China, eventualmente, com seu crescimento econômico e demográfico, numa superpotência globalmente agressiva. Acredito que se o espírito de Xanghai e de Hong Kong vingar por todo o imenso país – o que quer dizer que, se as modernizações de Deng Xiaoping amadurecerem, não haverá por que temer a China senão como grande concorrente, jamais com um misterioso Dr. Fu Manchu agressivo. A China que se acordou, se levanta simplesmente para o grande papel que lhe cabe num mercado e num mundo globalizados.

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Julho de 2004

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1. A transcrição dos nomes chineses para o português é sempre problemática. A tradicional, de origem inglesa, baseava-se na pronúncia no dialeto de Cantão. Escrevia-se então Peking, Shanghai, Canton, etc. A mais recente, oficial, procura aproximar-se da fonética, como em Beidjing. Mas escrevo Xanghai como melhor aproximação. Os nomes das cidades correspondem sempre a dois ideogramas, duas sílabas. Djung é o ideograma para centro, Guó ou Kwo é o ideograma para país, estado ou nação.

2. Traduzido para o português, O Império Imóvel, ou O Choque dos Mundos, Casa Jorge Editorial, Rio, 1997.

3. Observem que prefiro transcrever os ideogramas chineses correspondentes ao nome do porto e principal metrópole comercial do país da maneira como o fazem os ingleses e, também, os chineses – salvo que ponho “X” no lugar de “Sh”. Os dois ideogramas Shang e Hai querem dizer “acima” e “mar”, ou “à beira do mar”. Uso igualmente o H antes de Hai, para indicar que a palavra deve ser pronunciada com um H aspirado.

4. Algumas vezes o nome é transliterado Soong e Song.

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