segunda-feira, maio 22, 2006

81) Uma das "vozes autorizadas" fala da Politica Externa

Uma conversa sobre a política externa brasileira, por uma de suas vozes mais autorizadas, o Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

Os desafios da política externa e as vulnerabilidades do Brasil
Agencia Carta Maior
Link: http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=11206
Data: 20/05/2006

Desafios do Brasil são a redução das enormes disparidades sociais, a eliminação de suas múltiplas vulnerabilidades externas, a construção do potencial do país e a consolidação da democracia em um cenário global instável e violento, defende o secretário geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

PORTO ALEGRE - O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores, apresentou, na fria e chuvosa noite de sexta-feira, as linhas gerais da política externa do governo brasileiro, relacionando-as com os desafios internos que o país enfrenta para reverter os altos índices de desigualdade social e o quadro de vulnerabilidade econômica e tecnológica. Falando para um público de cerca de cem pessoas, na reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a convite do mandato do deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), o embaixador defendeu a política externa do governo Lula das críticas que recebeu nas últimas semanas, principalmente a partir do episódio da nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia. Segundo ele, a repercussão que se seguiu a esse episódio no Brasil foi uma questão de política interna, contaminada pelo cenário eleitoral, e não propriamente de política externa.

Para estabelecer as relações entre as políticas externa e interna, Samuel Pinheiro Guimarães procurou definir aquelas que considera as principais características do Brasil e do mundo hoje. A grande característica da sociedade brasileira, segundo ele, são as disparidades sociais. Disparidades de renda, de gênero, de etnias e entre regiões do país. Lembrou que o Brasil é hoje o país com maior concentração de renda do mundo, com cerca de 14 milhões de pessoas convivendo com a fome e mais de 72 milhões em situação de insegurança alimentar (segundo pesquisa divulgada no dia 17 de maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE). O grupo mais afetado por essa situação de insegurança é composto por mulheres negras que vivem no Nordeste, um quadro, assinalou, que resume em um mesmo pacote o conjunto de desigualdades presentes no Brasil. “O programa Bolsa Família é um reconhecimento da importância desse tema”, destacou.

VULNERABILIDADES EXTERNAS

Ao mesmo tempo em que milhões de brasileiros enfrentam diariamente o drama da fome, o Brasil possui a segunda maior frota de aviões e helicópteros particulares do mundo. “Alguém aqui possui um avião particular?” – perguntou Guimarães à platéia. “Ninguém, né. Aqui também não tem ninguém que passa fome. Nós vivemos entre esses dois extremos”, comentou. Aliada a esta situação de vulnerabilidade social, o embaixador apontou uma outra vulnerabilidade que é definidora do que o Brasil é hoje: a vulnerabilidade externa, econômica e tecnológica. Em relação a esse aspecto, ele apresentou uma resposta aos críticos da política externa do governo Lula e, mais particularmente, das viagens do presidente da República ao exterior. “As viagens do presidente à África, ao Oriente Médio e a outras regiões, criticadas por alguns, tem como um de seus objetivos justamente reduzir esse vulnerabilidade a choques externos através da diversificação dos nossos mercados”.

O embaixador citou o caso da febre aftosa, que voltou a atingir o país em 2005, como um exemplo dos efeitos práticos da vulnerabilidade externa. Segundo ele, o impacto da aftosa só não foi maior na nossa economia pelo fato de a carne não estar entre nossos principais produtos de exportação e também pela diversificação da pauta de exportações e dos seus respectivos mercados. Outro elemento que contribuiu para a redução da vulnerabilidade brasileira, acrescentou, foi o fim dos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas fez uma ressalva irônica. “Agora falta desinternalizar as idéias (do FMI, obviamente). Quem quiser que me interprete”, brincou. A vulnerabilidade brasileira também é tecnológica. Guimarães citou o recente caso da venda de aviões Super-Tucanos para a Venezuela, inviabilizada pelo governo dos Estados Unidos que não deu a licença para que empresas norte-americanas fornecessem certas peças vitais para o avião.

AS POTENCIALIDADES BRASILEIRAS

“Tivemos aí um negócio de aproximadamente US$ 250 milhões, inviabilizado por conta de um déficit tecnológico de nossa indústria, que depende de empresas e de governos de outros países para fechar certos tipos de negócios”, observou o embaixador. Ele apontou ainda uma outra face dessas vulnerabilidades, caracterizada pelo déficit que nossas Forças Armadas apresentam para defender adequadamente todas as fronteiras brasileiras. Trabalhar pela superação dessas vulnerabilidades, enfatizou, é um dos principais objetivos do nosso governo e de sua política externa. Uma das condições centrais para que isso ocorra é o desenvolvimento das potencialidades brasileiras, defendeu Samuel Pinheiro Guimarães. “O Brasil possui o quinto maior território do mundo, a décima população e está entre os dez maiores PIBs (Produto Interno Bruto) do mundo. Só três países têm essas características: Estados Unidos, China e Brasil”, resumiu.

Isso faz com que o potencial de longo prazo da sociedade brasileira seja extraordinário. Por isso, apontou, uma das grandes tarefas do governo e do Estado brasileiro é trabalhar para a construção e o desenvolvimento deste potencial. Não é uma tarefa simples, reconheceu. Entre outras coisas, pelo fato de que estes desafios devem ser enfrentados em um ambiente democrático, o que não é nada fácil, considerando as disparidades sociais e regionais que marcam o Brasil. Algumas das críticas desferidas à política externa do governo Lula têm a ver justamente com opiniões divergentes acerca de quais devem ser as linhas estratégicas dessa política. E, em um ambiente democrático, tal diversidade de opiniões é um fator natural e inevitável. Escolhas de prioridades, em um país como o Brasil, dificilmente serão pacíficas. Afinal de contas, cada grupo social organizado vai defender seus interesses. E o imenso potencial da nossa sociedade terá que se desenvolver neste ambiente.

O ESTADO DE COISAS DO MUNDO

Mas o desenvolvimento deste potencial também depende do cenário internacional e Samuel Pinheiro Guimarães fez uma rápida avaliação sobre como anda o estado de coisas no mundo. Para ele, uma das principais características deste cenário é a violência e o desrespeito às regras do direito internacional. “Os países mais fortes acham que têm, não somente o direito, mas o dever de impor suas idéias e interesses aos demais países, dizendo como eles devem se organizar e se comportar. Os princípios da auto-determinação e da não-intervenção não são aceitos por estes países e o que vemos hoje é um processo de enorme concentração de poder em nível internacional, em todos os níveis. Só para dar um exemplo, a força militar dos Estados Unidos hoje equivale à força dos dez países seguintes somados”. É neste cenário, que o Brasil procura reduzir suas vulnerabilidades e desenvolver o seu potencial. E os problemas não se reduzem ao poderio político e militar.

Do total de patentes registradas anualmente no mundo, cerca de 90 mil, as empresas norte-americanas registram cerca de 44 mil, ou seja, quase a metade, assinalou. Isso significa uma vantagem competitiva muito grande, pois as patentes significam, entre outras coisas, capacidade de produzir a um custo mais baixo. Um dos resultados do aprofundamento dessa distância entre os proprietários de patentes e os demais é o crescimento da concentração dos mercados, com a formação de oligopólios. O que assistimos hoje, observou ainda Samuel Pinheiro Guimarães, é um imenso progresso científico e tecnológico no centro do sistema e, ao mesmo tempo, uma diminuição da população destes países, especialmente na Europa. A população dos EUA, notou o embaixador, só não diminuiu por causa da imigração. O resultado dessa combinação é uma situação de tensão e instabilidade muito grande no sistema mundial de nações.

O PROJETO DE INTEGRAÇÃO FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL

Diante desse cenário, concluiu, a política externa só faz sentido se pretende enfrentar esses desafios e buscar um melhor posicionamento do país no sistema internacional. “Nosso grande desafio é trabalhar para que as regras do sistema internacional sejam mais favoráveis à sociedade brasileira”, resumiu. Neste sentido, a emergência de um mundo multipolar interessa muito ao Brasil, pois aí, a possibilidade de o país desenvolver alianças com outros países é muito maior. Guimarães lembrou os principais pólos que vêm se formando no mundo: América do Norte e América Central, capitaneado pelos EUA; a União Européia (uma estrutura que já conta com uma burocracia de 30 mil funcionários, moeda, parlamento e legislações próprias); a China (país que, há 20 anos, vem crescendo a uma taxa média de 10%, e já se constitui na quarta potência econômica); e a América do Sul, que vem procurando construir um processo de integração física.

O secretário-geral do Itamaraty destacou que essa é uma das prioridades da política externa do governo Lula: a integração física da América do Sul para consolidar um pólo regional capaz de desenvolver a potencialidade de seus países em um mundo multipolar. Ele citou algumas iniciativas que apontam para essa integração: a construção da primeira estrada bioceânica, que vai possibilitar o escoamento da soja brasileira pelo Pacífico (via Peru), a construção da terceira ponte sobre o rio Orinoco (na fronteira com a Venezuela) e o projeto do Gasoduto do Sul impulsionado por Brasil, Venezuela e Argentina. De um ponto de vista mais geral, acrescentou, um dos principais esforços da diplomacia brasileira é a defesa do Direito Internacional, um esforço para que as regras desse direito prevaleçam entre os estados, especialmente os princípios da auto-determinação dos povos e da não-intervenção, particularmente ameaçados nos últimos anos.

Durante sua estada em Porto Alegre, Samuel Pinheiro Guimarães lançou sua mais recente obra, “Desafios brasileiros na era dos gigantes” (Editora Contraponto). No final do primeiro capítulo, ele resume os principais desafios da política externa brasileira em um trecho que oferece uma síntese de sua conferência na capital gaúcha: “Os quatro grandes desafios do Brasil são a redução gradual e firme das extraordinárias disparidades sociais, a eliminação das crônicas vulnerabilidades externas, a construção do potencial brasileiro e a consolidação de uma democracia efetiva, em um cenário mundial violento, imprevisível e instável”. Para ele, qualquer reflexão sobre uma estratégia de desenvolvimento para o país deve levar esses quatro desafios em conta e qualquer política externa digna deste nome deve encará-los como tarefas prioritárias para a defesa dos interesses do país no cenário global e para a transformação das potencialidades brasileiras em uma realidade.

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* Na segunda parte dessa matéria, Samuel Pinheiro Guimarães analisa o caso Bolívia, as relações com os demais países da América Latina e a pretensão do Brasil de conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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O BRASIL NO MUNDO
"Crise do gás foi mais de política interna do que política externa"

Para o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, episódio da nacionalização do gás boliviano gerou, além de sentimentos xenófobos, uma crise de política interna muito mais do que de política externa. Ele avalia que governo brasileiro agiu corretamente, reconhecendo direito da Bolívia à soberania sobre seus recursos naturais e abrindo negociações.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

PORTO ALEGRE - “As políticas executadas pelos governos neoliberais na América do Sul e na região amazônica não atingiam o cerne da questão econômica que consiste na construção e no desenvolvimento do mercado interno e no fortalecimento da coesão social. Fundaram suas esperanças em uma inserção retrógrada no mercado internacional, tentando uma volta aos ‘anos dourados’ da exportação de produtos primários e da fictícia estabilidade do padrão-ouro a partir de ‘novos’ avatares, como foi o ‘currency board’ (paridade fixa) argentino. A abertura radical de suas economias ao capital multinacional e as privatizações aceleradas causaram o enfraquecimento empresarial local e a desestruturação dos já frágeis Estados nacionais, gerando temporariamente, de outro lado, grandes ingressos de capital estrangeiro, o que os iludiu” (Samuel Pinheiro Guimarães, DESAFIOS BRASILEIROS NA ERA DOS GIGANTES, p.177, Editora Contraponto).

Essa passagem do recém-lançado livro do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário geral do Ministério de Relações Exteriores, indica a relação que há entre as escolhas internas de um governo e sua política externa. A maioria das críticas contra a política externa do governo Lula vem de setores que implementaram e defenderam com entusiasmo as políticas citadas pelo embaixador. É à luz, delas, portanto, que deve se procurar entender tanto as críticas quanto as orientações da política externa do atual governo. Em sua palestra, em Porto Alegre, Samuel Pinheiro Guimarães, procurou responder a essas críticas, abordando temas como a pretensão do Brasil de ocupar uma vaga no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o projeto de integração da América do Sul, o estreitamento de relações com países da África, Ásia e Oriente Médio e, mais particularmente, o caso da nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia.

O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

A questão do ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Guimarães contextualizou esse tema no âmbito do debate sobre a reforma das Nações Unidas, proposta lançada pela secretaria geral da organização. “Este é um desejo de muitos países, como Alemanha, Índia e Japão, que, conjuntamente com o Brasil formam o chamado G-4, hoje um pouco abalado pela posição japonesa”, destacou. Segundo ele, as resistências e oposições ao ingresso deste ou daquele país no conselho são normais e não acontecem somente em relação ao Brasil. “Na Europa, a candidatura alemã sofre a oposição de países como a Itália e a Espanha. A da Índia sofre oposição do Japão. Isso é natural. É um equívoco achar que não podemos ter essa pretensão porque outros estados têm uma opinião diferente. Em geral, não há unanimidade em torno destas questões”. Para defender a legitimidade da pretensão brasileira, Guimarães recorreu a uma comparação.

“Em uma reunião de condomínio, os proprietários se reúnem para decidir como o seu prédio deve ser e como deve funcionar. Os inquilinos não têm voto nestas reuniões e só lhes cabe cumprir o que for decidido pelos proprietários. O Conselho de Segurança da ONU funciona de modo semelhante. O que nós queremos é que o Brasil possa participar do processo decisório deste tipo de condomínio”, resumiu. O embaixador também rebateu as avaliações segundo as quais o Brasil vem sendo prejudicado por essa pretensão e que teria sofrido uma derrota. Segundo ele, não cabe falar em derrota pois não houve votação na ONU para decidir sobre a ampliação do Conselho de Segurança. É um tema que ainda está em discussão. “Quando houver uma votação e se nosso voto for vencido, aí alguém poderá falar em derrota, mas, mesmo aí, não há nada trágico para o país. Quando se entra numa votação, pode-se ganhar ou perder. Esse é o jogo democrático”.

DIMINUIÇÃO DAS DISPARIDADES SOCIAIS

Guimarães também comentou as críticas às viagens do presidente Lula ao exterior. Na sua avaliação, essas viagens têm contribuído para a abertura de novos mercados para o Brasil e, conseqüentemente, para a diminuição da vulnerabilidade do país a choques externos. Além disso, elas também estão relacionadas ao desafio da diminuição das disparidades sociais internas e externas, particularmente através da iniciativa global contra a fome, que conta com o apoio de vários países. “Não podemos esquecer que hoje cerca de 800 milhões de pessoas no mundo vivem com menos de um dólar por dia”. Ele destacou ainda os laços históricos que o Brasil possui com o continente africano (“Em termos raciais, o Brasil é a segunda maior nação africana do mundo”) e o compromisso do país em auxiliar na luta contra a pobreza e a miséria nesta região, especialmente através da experiência brasileiras nas áreas da agricultura, saúde e educação.

Além dos laços históricos e dos acordos de cooperação, ele chamou a atenção também da importância política de o Brasil contar com o apoio de um maior número de Estados em suas reivindicações em nível global. “A África tem 53 estados, um pouco menos do que um terço do total de estados do mundo. Nas negociações internacionais é muito importante que o Brasil tenha o maior número possível de aliados e votos”. Por fim, falou sobre a abertura de novos mercados para empresas brasileiras na África. Recentemente, exemplificou, a Vale do Rio Doce fechou um negócio de aproximadamente US$ 1,5 bilhões com Moçambique. Vai levar minério de ferro do Brasil para o país africano, processá-lo lá e exportá-lo para a Ásia. E ressaltou o caráter estratégico do aprofundamento de relações com países como Índia, China e África do Sul, “nações que têm muitas semelhanças como Brasil; são grandes Estados na periferia do sistema”.

A MISSÃO NO HAITI

Sobre a participação brasileira na missão de paz no Haiti, Samuel Pinheiro Guimarães observou, em primeiro lugar, que a missão foi uma decisão aprovada por unanimidade no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil, acrescentou, foi convidado pelo secretário geral da ONU, Kofi Anan, para dirigir a missão, e consultou previamente todos os países da região sobre o que eles pensavam. “Todos concordaram. O Brasil está lá há mais de um ano, nenhum soldado brasileiro morreu e nenhum haitiano foi morto por soldado brasileiro. Apesar de todas as dificuldades, o país conseguiu realizar eleições gerais e escolher um novo governo. O que é importante enfatizar é que não estamos lá a serviço de nenhum Estado. O Brasil já participou de mais de dez missões de paz, com resultados muito bons, como foi o caso da recente missão no Timor Leste, muito elogiada pela comunidade internacional”, argumentou Guimarães.

A política externa brasileira enfrenta três situações todos os dias, explicou. A primeira delas é que o Brasil tem que reagir às iniciativas de outros países. Ele lembrou quando, no início do governo Lula, os EUA decidiram intervir militarmente no Iraque e o Brasil foi contra, apesar de todas as pressões. “Foi uma demonstração de independência de nossa política externa”. Em segundo lugar, o país precisa ter iniciativas, como o projeto de integração da América do Sul, o aprofundamento das relações com a África, o Fórum Índia-Brasil-África do Sul e a Conferência América do Sul-Países Árabes. E, em terceiro lugar , precisa transformar as relações tradicionais do Brasil (com Europa e EUA), fazendo com que elas se tornem mais favoráveis. É o caso das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), da luta pela redução dos subsídios agrícolas e em defesa de uma nova geografia comercial.

O CASO BOLÍVIA

No âmbito das reações a iniciativas de outros países, Guimarães analisou o caso da nacionalização das reservas de gás e petróleo, na Bolívia. Segundo ele, a repercussão no Brasil da decisão do governo Evo Morales foi um caso de política interna e não externa. “Houve claramente um esforço da oposição para desconstituir a política externa, considerada um dos pontos altos do governo Lula. Além disso, há um outro esforço em curso, em âmbito internacional, para tentar separar o Brasil da Venezuela”, observou. O embaixador lembrou que a questão do gás, na Bolívia, é muito mais antiga que o governo Evo Morales. O primeiro acordo sobre o gás boliviano data de 1938. E o acordo para a construção do gasoduto Brasil-Bolívia é de 1993. “Essa relação não foi criada pelo atual governo”, recordou. Inclusive, acrescentou, durante o governo Lula, os investimentos da Petrobras na Bolívia foram muito pequenos. “Não houve aprofundamento da dependência”, garantiu.

Além disso, prosseguiu, o contrato com a Bolívia prevê renegociação de preços a cada três meses e há uma cláusula que prevê a reformulação do sistema de preços a cada cinco anos e que, a qualquer momento, uma das partes pode propor revisão dos preços. Assim, observou, o governo boliviano estava amparado em termos legais. Quanto ao aumento de impostos, classificou como um ato de soberania. “Se ele convém aos nossos interesses ou não, isso é outro problema”. O que está ocorrendo na Bolívia, assinalou ainda Guimarães, é a afirmação dos movimentos indígenas após uma experiência de políticas neoliberais extremamente desastrosas. “É importante lembrar que, até 1952, havia um regime de servidão na Bolívia, onde as propriedades eram vendidas junto com os índios que as habitavam. E estamos falando de um país onde cerca de 66% da população é indígena e que elegeu um presidente indígena com ampla maioria no Parlamento”.

“Aqui no Brasil, gerou-se uma reação xenófoba, inclusive com alguns defendendo o uso da força. Foi uma crise de política interna muito mais do que de política externa. O governo brasileiro agiu corretamente, reconhecendo o direito da Bolívia à recuperação da soberania sobre seus recursos naturais e abrindo negociações. E elas avançaram. Haverá compensação por qualquer desapropriação e os preços serão renegociados. O que é surpreendente é que pessoas que pretendiam privatizar a Petrobras há pouco tempo tornaram-se ardorosos defensores da empresa”, ironizou o embaixador. Sobre as relações com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, Guimarães, além de apontar um esforço internacional para separar o Brasil daquele país, rebateu de modo expeditivo a idéia de que haveria uma disputa pela liderança na América do Sul: “O presidente Chávez tem a maior estima em relação ao Brasil e plena consciência do que nosso país representa”.

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