Incrível mundo dos muito, muito ricos
Supermilionários vivem no 'Riquistão', um país sem contato com pobres, onde o medo dos germes é obsessão e o horizonte vai até onde o dinheiro compra
Pedro Doria
O Estado de São Paulo, 8 de julho de 2007
Talvez não faça a mínima diferença para você, prezado(a) leitor(a), mas o fato é que o empresário mexicano Carlos Slim ultrapassou Bill Gates na lista dos mais ricos do mundo. Ele está em primeiro lugar no ranking, com US$ 67,8 bilhões, contra os US$ 59,2 bilhões de Gates. É uma quantidade absurda de dinheiro. Apenas um quarto dos países do mundo têm PIB maior do que a fortuna de Slim. E o patrimônio de ambos, feita a soma, representa mais do que o PIB de Cingapura.
Slim e Gates, contudo, não estão sozinhos no seletíssimo clube dos bilionários. Segundo cálculos da revista Forbes, há 946 pessoas com mais de US$ 1 bilhão em todo o mundo. Eram apenas 140 em 1986. Nunca houve tantos super-ricos e fortunas jamais foram feitas tão rápido - fenômeno típico da globalização econômica, apesar do mal-estar social que isso possa gerar. Este é justamente o campo de pesquisa do economista Robert Frank, que assina uma coluna dedicada ao mundo do luxo e das abundâncias no prestigiado Wall Street Journal.
Há um mês, Frank , o colunista, virou notícia nas seções literárias. Ao lançar nos EUA Richistan - ou Riquistão, livro em que relata usos e costumes dos novos super-ricos - atraiu um bocado de resenhas e comentários estimulantes. Original no tema e rigoroso na pesquisa, Richistan tem tudo para ser um best-seller. 'Eu estava conversando com um milionário certa vez', conta Frank nesta entrevista ao Aliás, 'quando ele me falou que se sentia vivendo num outro país'. Daí vem o nome: baseando-se em dados concretos, Frank explica esse Riquistão de poucos, país excêntrico, com códigos secretos e fobias particulares, um mundo cujas fronteiras se estendem até onde o dinheiro compra.
De onde saem os 300 mil novos milionários feitos anualmente só nos EUA? Basicamente de três setores: tecnologia, mercados de capitais e corporações. Com a possibilidade de atalhos, bem de acordo com o momento atual: a partir de uma boa idéia, é possível abrir uma empresa gastando quantidades mínimas de dinheiro, já desfrutando do acesso ao mercado global. Em questão de meses, uma empreitada da nova economia pode ser vendida a grupos maiores, produzindo um ou dois repentinos milionários.
Neste país quase quimérico, não fosse a realidade das cifras, os habitantes não têm mordomos, mas household managers, ou seja, 'gerentes do lar' que programam aparatos tecnológicos, comandam batalhões de empregados e funcionam até como agentes de viagem - para os patrões, claro. Símbolos de status são aviões - o Gulfstream, o melhor jato executivo do mundo, virou coqueluche -, iates de 300 pés e automóveis de milhão de dólares. Carros Mercedes estão fora. Os muito ricos dirigem Maybach - fala-se máibók, nos EUA. São feitas apenas mil destas máquinas por ano, em uma fábrica alemã que construía motores de tanques e zepelins na Segunda Guerra. Poucos reconhecem um Maybach na rua, mas, para os incrivelmente ricos, é assim. Seus símbolos do luxo são tão exclusivos que só podem ser compreendidos 'intra-mundo'.
O Riquistão é um planeta à parte, tanto que seus habitantes não têm contato com pobres, nem mesmo com a classe média. Um mundo no qual, a partir do primeiro bilhão, extingüe-se a divisa entre o que pode e o que não pode ser adquirido. A diferença mede-se em algarismos. O número pelo qual se avalia cada fortuna. O número no ranking da Forbes. É assim o espírito de competição velada no Riquistão. 'Certa vez perguntei a um bilionário se ele era rico', conta nosso entrevistado. 'Ele respondeu que não. Este sujeito é amigo de Bill Gates. Quando compara sua fortuna com a dele, sente-se classe média.'
Diz Robert Frank que o Riquistão está se globalizando. Fora dos EUA, também cresce a quantidade de milionários no Reino Unido, na França, Alemanha, Rússia, no Japão e Oriente Médio. Mas há um novo grupo de países produzindo riquistaneses: China, Cingapura, Quênia, México, Argentina e, pasmem, Brasil.
Há mais milionários, hoje, do que jamais houve. Por quê?
O que aconteceu foi a união entre novas tecnologias, globalização e mercados financeiros. É o que chamamos de 'a tormenta perfeita'. Três tempestades se encontram e criam uma tormenta exuberante. O choque destas três forças criou uma economia na qual quem ganha, ganha muito. Nunca foi possível enriquecer tanto e tão rápido na História. Não bastasse isto, tanto o governo Clinton quanto o Bush diminuíram os impostos para os mais ricos, nos EUA. Na última década, o número de milionários mais que dobrou. São 3 milhões de milionários e 400 bilionários.
Como estas três forças se relacionam para enriquecer pessoas?
O primeiro bilionário foi John D. Rockefeller. Ele precisou escavar poços de petróleo, erguer refinarias, depois construir ferrovias para transportar o combustível. São progressos que levam tempo para acontecer. Hoje, se você tem 20 anos e uma boa idéia, pode conseguir investimento e lançar uma empresa com quase nenhum dinheiro. Não precisará erguer um edifício, nem comprar caminhões. Ainda assim, pela internet, terá acesso ao mercado global. No fim, terá duas opções. Poderá vender seu negócio bem-sucedido para outra empresa ou para o público, se abrir o capital na bolsa de valores. É um processo que toma meses, não décadas. Rockefeller já era um homem de meia idade quando fez seu primeiro milhão de dólares. Um dos homens que entrevistei para o livro, Jerry Polis, abriu 12 empresas diferentes antes de completar 30 anos. Cada um dos quatro filhos de Sam Walton, fundador da Wal-Mart, tem uma fortuna superior à de Rockefeller no momento em que este que morreu, mesmo corrigidos os valores pela inflação.
O fato de que fortunas sejam feitas com facilidade lhes diminui o mérito? E como fica o mito americano do self made man?
Nos EUA, não importa quão rico você é, o que você compra ou como fez sua fortuna, desde que tenha sido honesto. Entrevistei um homem que tem três jatos, dois iates e uma casa na Califórnia onde trabalham 105 empregados. Ninguém acha que ele esbanja porque começou pobre e enriqueceu legalmente. Não corrompeu ninguém, não cometeu fraude. Por outro lado, se o patrimônio foi herdado de mão-beijada ou ganho desonestamente, então nem todo o dinheiro do mundo comprará o respeito dos outros. Esta ética protestante é o motivo pelo qual americanos celebram os ricos. Nisto, os EUA são diferentes de países como o Brasil, ou países da Ásia, onde o dinheiro em geral vem acompanhado de conexões políticas, laços familiares e corrupção.
O homem mais rico do mundo, hoje, é latino-americano. A fortuna de Carlos Slim foi adquirida por conta desta 'tormenta perfeita'?
Carlos Slim é um caso à parte. Por um lado, sim, ele é representante de um novo México que se beneficiou muito do mercado de capitais e da globalização, atraindo investidores para suas empresas. Mas, por outro lado, Slim também se beneficiou do velho México, é acusado de monopólio da telefonia celular em seu país, de manipular o governo para obter favores. Seu sucesso depende destas relações. Os ricos dos EUA enriquecem por conta própria.
Quanto dinheiro é preciso para fazer alguém rico?
US$ 10 milhões.
Que cálculos fez para chegar a este número?
Há dois métodos. Um: perguntar aos bancos privados que gerenciam o dinheiro de ricos quanto tem seu cliente mais pobre. Outro: descobrir quanto dinheiro é necessário para se viver de renda, com luxos, sem jamais gastar o principal. Das duas maneiras, chega-se a US$ 10 milhões. Ainda assim, conheci muitas pessoas que têm esta quantidade de dinheiro e se sentem na classe média.
Afinal, o que é luxo? O que faz de um produto algo exclusivo?
Ao invés de iates de 100 pés, passou-se a construir iates de 200. Mas, para impressionar, hoje, é preciso de um iate de pelo menos 300 pés! A outra forma de definir um produto como exclusivo é aumentar seu preço. Ao invés de comprar um automóvel de US$ 100 mil, alguns compram carros de US$ 1 milhão. O mercado de arte é outro divisor. Recentemente, uma tela de Jackson Pollock foi vendida por US$ 140 milhões; um Mark Rothko, por US$ 73 milhões. Para ter na parede um quadro de grande qualidade, pintado por um artista muito conhecido e de alta cotação, é preciso estar num nível muito superior.
Mas, com US$ 10 milhões o rico está apenas na classe média dos milionários?
É isso. A inflação para produtos que os milionários querem é o dobro da inflação para o resto da economia. Como há milhões de milionários procurando as mesmas roupas, os mesmos automóveis e os mesmos jatos, tudo muito exclusivo, então a demanda é muita e a oferta, pouca. Veja o caso das Ferraris. Se você quiser comprar uma Ferrari, hoje, precisará entrar numa lista de espera e ela só estará disponível daqui a dois anos. Os preços para estes símbolos de status sobem muito mais do que os índices de inflação.
Quanto dinheiro é preciso para dinheiro nunca mais ser problema?
Divido os ricos em três categorias. Aqueles que têm entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões, os que têm entre 10 e US$ 100 milhões e os que passam disto. O primeiro grupo certamente é rico para padrões americanos, mas está na base desta pirâmide. Certa vez, perguntei a um bilionário se ele se sentia rico. Ele me respondeu que não pois conhecia muitos que tinham mais do que ele.
Com US$ 1 bilhão, o que não se pode comprar, em termos materiais?
Neste nível, não é mais uma questão de o que pode ser comprado ou não. Bilionários compram o que quiserem. É o número que importa para eles. Este homem que não se sente rico, como mencionei há pouco, é justamente o dos três jatos e dois iates. Para ele, tomar a decisão de comprar uma casa é como, para mim, tomar a decisão de comprar ovos no supermercado. Só que ele é amigo do Gates e, ao comparar fortunas, sente-se por baixo.
Nesse nível, as pessoas continuam produtivas? Ou passam apenas a administrar a fortuna?
Alguns vivem de fazer com que o dinheiro que já ganharam aumente. Outros, quando percebem que já compraram tudo o que queriam, sentem-se vazios. A solução que muitos deles encontram é dedicação à filantropia. Uns montam organizações para ajudar países pobres. Outros buscam uma carreira política. Apenas em 2003, os ricos americanos doaram 30 bilhões de dólares para caridade.
O que é isso comparado ao investimento de governos em programas humanitários?
Não passa de um pingo d'água no oceano. Governos de países ricos doam incrivelmente mais do que isso. A diferença é que governos e ongs muito grandes acabam desperdiçando em burocracia e corrupção. Veja o exemplo de Philip Berber, um bilionário texano do setor de tecnologia, que luta contra a pobreza na Etiópia. Ao invés de doar o dinheiro para, digamos, a Unicef, ele contrata um etíope para ir às aldeias e perguntar do que o povo precisa. Em alguns casos é um poço para água fresca, mas também pode ser uma clínica ou uma escola. Berber então promove um leilão para descobrir quem executa a obra mais barato, chama gente da aldeia para trabalhar nas construções, a comunidade está sempre envolvida. Segundo as contas dele, seus projetos custam a metade do que custariam nas mãos de uma ONG grande. Mas, verdade deve ser dita, projetos de filantropia como o de Berber ou o de Bill Gates são a exceção entre milionários.
Eles têm contato com a pobreza?
Nenhum. Não têm a menor idéia de como é a vida de uma pessoa pobre. Hoje, se você é muito rico, provavelmente vive numa bolha. Seus filhos vão a escolas que apenas outros ricos freqüentam, sua casa é cercada de outras mansões, suas férias são passadas em lugares muito, muito exclusivos, suas viagens são em aviões particulares. Ricos não interagem sequer com a classe média. Não têm idéia de como é o resto dos EUA, quanto mais o resto do mundo. Berber é uma exceção. Mesmo aqueles que nasceram pobres estão tão longe deste mundo, e não conseguem compreender a situação de desespero de muitos.
Então seguem o estereótipo do novo rico alienado?
São novos ricos, sim. Ter uma fortuna é muito novo para eles. Não importa em que lugar do mundo isso aconteça, quando alguém faz muito dinheiro, no primeiro momento não sabe muito bem como gastar. Aqueles que herdam dinheiro têm gerações de experiência sobre como lidar com fortunas. Sabem como se portar, como gastar, como economizar. Mas os novos ricos de hoje, não. Eles podem gostar muito de badalações, mas querem trabalhar o resto da vida.
Então eles não são como Paris Hilton, que vive de festa em festa?
Não, embora gostem de festas, insisto. Steve Schwarzman, um dos principais nomes de Wall Street atualmente, deu uma festa de aniversário que custou milhões de dólares este ano. Outro milionário, que conheci, deu uma festa na qual apareceram em vídeo lhe dando felicitações um ex-presidente e um ator importante. Dinheiro e celebridades andam juntos. A maioria destes milionários não é famosa, mas eles gostam dos famosos. Há dez ou vinte anos, identificávamos os ricos do mundo, porque eram poucos. Hoje, há bilionários dos quais nunca ouvimos falar. São anônimos. Querem ter mansões e iates, mas não querem que as pessoas saibam. Querem privacidade.
Então são pessoas mais práticas e objetivas?
Elas acham que sim. Larry Page e Sergei Brin, que fundaram o Google, compraram recentemente um Boeing 767. Argumentam que o avião custou apenas US$ 15 milhões e um jato Gulfstream, mais compacto, custaria três vezes isto. Para eles, foi uma decisão prática. Comprar um 'jumbo' para fazer papel de jato particular não é demais? Ricos se acham práticos, mas não são.
Como são suas casas?
Uma casa que visitei tinha 14 TVs de plasma e mais de 100 caixas de som, todas conectadas a uma central que gerencia do entretenimento à segurança. É comum, nestas residências, que as cortinas sejam automatizadas de forma que, conforme elas fechem, a luz seja acendida. Noutra casa, você põe um bótom na roupa ao entrar, de forma que sua localização seja rastreada por satélite. Assim, quando vai de um cômodo para o outro, as portas se abrem e se fecham. Ajuda também a não se perder. A casa é muito grande.
O senhor cita, no livro, que eles têm obsessão por limpeza.
Sim. Nas escolas para mordomos, que hoje são verdadeiros gerentes das mansões e da vida de seus patrões, uma das primeiras coisas que aprendem é que nada assusta mais os milionários do que germes. Nisto, todos os ricos, de todos os tempos, são iguais. Há um século, John Rockefeller já tinha planos de viver até os 100 anos - e ninguém vivia tanto assim naquela época. Milionários querem viver para sempre, são pessoas egocêntricas. E trabalham tanto, e o tempo todo, que não querem parar, porque senão adoecem.
Onde ficam os rincões nos quais vivem os ricos de hoje?
Nos EUA, os milionários vivem na Califórnia, em Nova York, Flórida e Texas. Mas você pode encontrar alguns deles até nos estados mais pobres. Um dos que descobri, enriqueceu produzindo casinhas de cerâmica em miniatura na qual você coloca uma lâmpada dentro. Fez mais de US$ 100 milhões e vive num lugar pacato. No mundo, a maior concentração está no Japão, no Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e Oriente Médio. Você os encontrará também na China, em Cingapura, no Quênia, na Argentina, México e Brasil. Nos próximos anos, os super-ricos serão uma comunidade internacional.
Quer dizer, de alguma forma, os mais ricos ficarão mais ricos e os pobres mais pobres?
A economia está crescendo tanto para ricos quanto para pobres. Mas haverá mais milionários. O número deles aumentará em uns 10% por ano. É uma boa época para escrever sobre gente rica. Os ricos têm feito tanto coisas impressionantes quanto ridículas com seu dinheiro.
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4 comentários:
Essa dinheirama absurda - essa aí, não uma grande quantidade de grana - me dá uma aflição danada... eu imagino que os Midas perderam ou perderão, mais cedo do que se imagina, a característica de ser-para-a-morte, a que mais nos direciona para a alegria de viver... o melhor da festa é esperar por ela e a pior desgraça que pode acontecer com qualquer um é conseguir tudo - e imediatamente - o que se quer. Desejo - e não fruição imediata - é o que nos mantém vivos e com os olhos brilhantes,mesmo que só com dez pratas pra cerveja e o pão de queijo, na carteira...
Ao invés de ficarmos tagarelando "os ricos ficam ricos e os pobres ficam pobres" deveríamos ser realistas: "os inteligentes ficam mais inteligentes e os burros permanecem burros".
Concordo! A frase "...os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres" mostra bem a crença enraizada na mente daqueles que não conseguem enxergar a riqueza como algo bom para si, para a sociedade ou para os outros simplesmente. Não há razão para ter inveja, nem medo do enriquecimento, pelo contrário, é benéfico e muito útil a todos. Não há escassez nesse mundo, não há disputa por dinheiro, se eu tenho muito não significa que alguém tem que ter pouco. Essa é a crença responsável pelos milhões de pobres espalhados pelo nosso planeta. E essa pesquisa mostra bem que isso é verdade, nunca houve tantos milionários como hoje, o que significa que podem haver muito mais. Se os milionários vivem numa bolha como sugeriu o texto, o mesmo pode-se dizer dos pobres, que vivem confinados numa bolha de escassez, sem nunca se interessar pelo mundo dos ricos, não como curiosos, mas para aprender as ferramentas que se devem aplicar para melhorar a própria vida. Para estes é mais fácil culpar o governo, a economia e blá, blá, blá. A pesquisa mostra que nos Estados Unidos os ricos enriquecem por conta própria, por que? Porque acreditam em si mesmos e sabem que não precisam de mais nada para avançarem.
As potencialidades cósmicas são inesgotáveis. A Natureza é expressão viva de riqueza infinita. No futuro, o mundo estará mais espiritualizado e fraterno. A informação chegará ao ser humano em tempo real e será fácil saber que ser rico é uma possibilidade natural de todos os seres que tiverem acesso à ciência da prósperidade. Se o indivíduo pensar, sentir, falar e agir do modo correto que conduz ao sucesso, será impossível fracassar.
Júlio Borba
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