quinta-feira, julho 12, 2007

227) Solucao de Controversias na OMC

Entre a OMC e o cada um por si
Rolf Kuntz*
ECONOMIA & NEGÓCIOS
O Estado de S. Paulo, Quinta-feira, 12 julho de 2007

Vem aí mais uma briga com os Estados Unidos, enquanto se tenta salvar, sem muita esperança, a Rodada Doha de negociações comerciais. O Brasil deverá juntar-se ao Canadá em novo processo contra os subsídios agrícolas americanos, segundo confirmou o chanceler Celso Amorim. O governo brasileiro resolveu inscrever o País como co-autor da ação, desistindo de figurar como terceira parte interessada. Sem acordo na rodada, os litígios tenderão a multiplicar-se, têm advertido funcionários da Organização Mundial do Comércio (OMC). A iniciativa canadense e a decisão brasileira reforçam a advertência. Os conflitos tendem a aumentar porque nem as normas atuais estão sendo cumpridas. Mas haverá como impô-las, se o sistema estiver enfraquecido? O governo canadense acusa o americano de conceder subsídios superiores aos permitidos pelo acordo agrícola da rodada anterior. O governo brasileiro tem um motivo adicional, segundo explicou o ministro de Relações Exteriores. Os Estados Unidos não adotaram todas as medidas indicadas pelo painel da OMC, num processo a respeito do algodão. Problemas como esse não são novos e não ocorrem somente quando há uma desigualdade muito grande entre as partes. O julgamento dos processos na OMC pode ser tecnicamente correto e conduzido com imparcialidade, mas isso não assegura o cumprimento das normas. Concluído o processo na instância final, recomendações são feitas à parte perdedora. Se não forem adotadas em prazo razoável, a outra parte pedirá autorização para retaliar. É esse o defeito principal do sistema. Há regras sofisticadas, um sistema processual bem definido e juízes qualificados e em princípio imparciais, mas falta um sistema centralizado de sanção. De modo geral, as decisões são cumpridas e isso confere ao sistema certa credibilidade. Se a parte perdedora, no entanto, fizer corpo mole, descumprir ou cumprir apenas parcialmente as determinações do painel julgador, a única sanção disponível será a retaliação comercial pela parte vencedora. A solução é ruim por dois motivos. Em primeiro lugar, a retaliação, apesar de justa, tende a prejudicar o comércio e pode ser nociva às duas partes. Isso contraria o grande objetivo do sistema - promover a expansão comercial com segurança e eqüidade. Em segundo lugar, a retaliação pode ser ineficaz ou inexeqüível. Pode ser insuficiente para causar um incômodo real à parte punida. Ou pode ser temerária, apesar de legal, quando a parte vencedora do processo é muito mais fraca que a outra. É preciso pensar com muito cuidado antes de aplicar uma retaliação a um parceiro como os Estados Unidos ou a União Européia. Mesmo os europeus têm hesitado, quando se trata de punir comercialmente a maior potência do mundo. É essa, afinal, a diferença mais notável entre a ordem legal dos Estados e o sistema de normas internacionais. Não há, no plano internacional, nada comparável ao monopólio estatal dos meios de coerção. Pode-se discutir se o conjunto de Estados compõe uma sociedade e se as normas interestatais correspondem ao conceito de lei. Pode-se debater, igualmente, se tem sentido falar de um sistema descentralizado de aplicação da pena. Há bons argumentos a favor de qualquer dessas teses. Quem quiser repassá-los terá de refazer uma história de quase meio milênio, começando com os neo-escolásticos espanhóis do século 16 e fazendo uma boa parada em Hobbes e Kant. Seja qual for a escolha teórica, o problema prático permanecerá. O sistema multilateral de comércio nunca será bastante eficaz enquanto a sanção depender, em último caso, da força de uma das partes. Mas nem a pauta da Rodada Doha incluiu a construção de um mecanismo de sanção coletiva. Na falta desse mecanismo, é preciso valorizar e fortalecer politicamente o esquema da OMC. Com todas as suas falhas, o sistema multilateral, tal como existe, continua sendo o mais favorável à eqüidade. Acordos bilaterais e regionais podem ser muito úteis e até indispensáveis, mas não podem substituir uma ordem global. Com o sistema enfraquecido, tudo poderá ser pior. Os inimigos da globalização e de instituições como a OMC, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) parecem não perceber esse dado elementar. Apesar de todos os seus defeitos, o FMI ainda contrabalança, de alguma forma, o enorme poder do sistema financeiro privado.

*Rolf Kuntz é jornalista

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