sexta-feira, outubro 17, 2008

364) Revisitando a Guerra Civil Espanhola

A recuperação da memória histórica na Espanha
José Yoldi
Madri, El Pais, 17/10/2008

O juiz Baltasar Garzón entrou para a história nesta quinta-feira como o primeiro magistrado espanhol que atribuiu ao ditador Francisco Franco e a outros 34 chefes militares que dirigiram a rebelião contra o regime legalmente constituído da Segunda República Espanhola a implementação de um plano de extermínio sistemático de seus adversários políticos e de uma repressão que acabou com pelo menos 114.266 pessoas desaparecidas das quais não se explica o paradeiro e que, na opinião dele, constitui um contexto de crimes contra a humanidade. O juiz se declarou competente para investigar as denúncias apresentadas pelas Associações da Memória Histórica e ordenou que se iniciem as exumações dos cadáveres de 19 fossas comuns, entre as quais está a que supostamente contém os restos do poeta Federico García Lorca, assassinado em Granada.

Em uma resolução no mínimo original, Garzón assumiu a investigação da causa por considerar que os seqüestros com desaparecimento de pessoas são delitos permanentes até que se dê conta do paradeiro dos seqüestrados, o que determina que não são afetados pela prescrição nem podem ser amparados por uma lei de anistia. Mas a competência da Audiência Nacional (Ministério Público) não é determinada pela investigação desses delitos, que considera em um contexto de crimes contra a humanidade por existir um plano sistemático de extermínio, mas porque Franco encabeçou um golpe de Estado contra o governo legítimo, democraticamente eleito, e os delitos contra a forma de governo e os altos organismos da nação, sim, estão atribuídos à Audiência Nacional. Esse delito está relacionado aos desaparecimentos e o juiz considera Franco outros 34 generais e ministros responsáveis pelos mesmos.

O processo menciona expressamente: "A ação desferida pelas pessoas sublevadas e que contribuíram para a insurreição armada de 18 de julho de 1936 esteve fora de toda legalidade e atentou contra a forma de governo (delitos contra a Constituição, do Título II do Código Penal de 1932, vigente quando ocorreu a sublevação), de forma coordenada e consciente, determinados a acabar pelas vias de fato com a República mediante a derrubada do governo legítimo da Espanha, e dar lugar com isso a um plano preconcebido que incluía o uso da violência como instrumento básico para sua execução". No entanto, o magistrado está consciente de que Franco e todos os integrantes da relação de golpistas que inclui no auto já morreram. Por isso solicitou aos registros civis que lhe enviem no prazo de dez dias os certificados de óbito de todos eles, com a finalidade de declarar extinta sua responsabilidade criminosa por esse delito.

Sem a possibilidade de investigar o delito, a Audiência Nacional não seria mais competente no caso e Garzón deverá remeter as autuações aos juizados territoriais correspondentes dos lugares onde foram cometidos os desaparecimentos forçosos. Isso quer dizer que no prazo de um mês, no máximo dois, Garzón não poderá mais seguir com o caso.

Enquanto isso, Garzón se diverte em lembrar no auto os bandos dos generais Mola e Queipo de Llano, os quais ordenavam passar pelas armas todos os que se opusessem ao levante, os comunistas, marxistas, etc., e as declarações de Franco ao jornal "Chicago Herald Tribune" em 27 de junho de 1936, nas quais assumia que teria de matar meia Espanha. Para estabelecer a existência do plano de desaparecimento e extermínio, cita vários historiadores e conclui com o corolário de Secundido Serrano: "Não foi só uma guerra civil, mas também um programa de extermínio", acompanhado do ocultamento sistemático dos corpos, de forma que os familiares não pudessem encontrar o local do enterro. O magistrado lembra que esses crimes atrozes nunca foram investigados penalmente na Espanha, e que "até o dia de hoje a impunidade foi a regra diante de acontecimentos que poderiam ter a qualificação jurídica de crime contra a humanidade".

Também afirma que não pretende fazer uma causa geral, nem uma revisão da Guerra Civil em foro judicial, mas explica que os vencedores, seguindo instruções do promotor geral do Estado, recém-acabada a guerra, abriram uma causa geral contra as chamadas vítimas do "terror vermelho". Apesar de Gallardón e outros governantes terem enviado ao juiz listas de mortos de ambos os lados, a investigação de Garzón se refere unicamente a um deles. Isso fica claro quando o auto indica: "Os vencedores da Guerra Civil aplicaram seu direito aos vencidos e mobilizaram toda a ação do Estado para a localização, identificação e reparação das vítimas caídas da parte vencedora. Não aconteceu o mesmo em relação aos vencidos, que além disso foram perseguidos, encarcerados, desaparecidos e torturados por aqueles que haviam quebrantado a legalidade vigente ao levantar-se em armas contra o Estado, chegando a aplicar-lhes retroativamente leis (...) tanto durante a contenda como depois, nos anos do pós-guerra, até 1952".

A promotoria da Audiência Nacional já anunciou a apresentação de um recurso de apelação contra a decisão do juiz Garzón, que previsivelmente será decidida pelo plenário da Sala Penal.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Um comentário:

Anônimo disse...

La Fiscalía ha recurrido en apelación la resolución del Juez Garzón