sexta-feira, junho 19, 2009

433) Cooperacao Euro-Brasileira no Plano Internacional

Transcrevo abaixo palestra que proferi, nesta quarta-feira 17 de junho, no quadro do XVI FÓRUM BRASIL-EUROPA (16 e 17 de junho de 2009), A futura Agenda da União Européia e as relações com o Brasil após as eleições do Parlamento Europeu (Auditório Petronio Portela do Senado Federal, Congresso Nacional, Brasília; Terceira Mesa: 17 de junho, 14.30 – 16.30: A cooperação euro-brasileira no âmbito internacional; Temas: Reforma da ONU e cooperação em políticas transnacionais).

Que cooperação euro-brasileira faz sentido no âmbito internacional?
Uma proposta de agenda maximalista para resultados minimalistas


Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Professor, Centro Universitário de Brasília – UniCeub

Vou me concentrar em alguns questões muito simples, e por isso mesmo, corro o risco de parecer simplista, talvez até caricatural; mas vou insistir nos meus pontos simples, todos eles focados na cooperação euro-brasileira em direção de terceiros países. Deixo de lado, portanto, o plano bilateral Brasil-UE: ainda que não se possa descartar inteiramente essa possibilidade, eu a considero secundária, talvez mesmo desnecessária. O tema, de toda forma, concerne a cooperação euro-brasileira no âmbito internacional, não a cooperação bilateral direta. Meu foco é a cooperação para o desenvolvimento, não diretamente, mas indiretamente, como explico a seguir.

1. A velha questão do desenvolvimento, ou, talvez, do não-desenvolvimento
Gostaria de começar afirmando, imediatamente e sem qualquer complacência, que considero a cooperação internacional para o desenvolvimento um fracasso, não um completo fracasso, mas um fracasso ainda assim. Seus poucos exemplos de sucesso (relativo) não podem obscurecer o fato de que ela não resolveu, e talvez tenha até agravado, o problema do desenvolvimento dos países pobres.
A ONU e suas agências especializadas já acumulam pelo menos cinco décadas dedicadas ao desenvolvimento e tudo isso resultou em pouca coisa, em quase nada, para ser mais exato. Gostaria que me indicassem um país, apenas um, que tenha alcançado o desenvolvimento com base na cooperação externa ou internacional. Creio que não exista nenhum. Aliás, para ser mais preciso, não existem países que tenham alcançado o desenvolvimento tout court, nas últimas cinco décadas, que tenham saltado a barreira, digamos assim. Se existem, contam-se nos dedos de uma só mão.
De fato, existem alguns, como o Japão no final do século 19 e início do 20 – mesmo se ele ainda era considerado um país em desenvolvimento no imediato seguimento da Segunda Guerra. Mais recentemente, a Coréia, também se habilita para o feito. De toda forma, se estes podem ser considerados casos de sucesso, eles não devem em nada o seu desenvolvimento à cooperação externa, ou apenas muito indiretamente. A Coréia do Sul parece ter alcançado o pleno desenvolvimento, mas não deve isso a ninguém, apenas ao seu próprio esforço, sobretudo no campo educacional. O Chile, igualmente, parece estar na rota do desenvolvimento, mas é preciso recordar que o país aderiu, nos últimos vinte anos, a um processo de mercado e de crescimento pela via do velho e duro capitalismo, bem mais liberal do que dirigista ou estatizante.
Os países hoje avançados – que não tiveram ninguém que os ajudassem em sua fase de decolagem, digamos assim – constituem, atualmente, os grandes provedores de ajuda internacional ao desenvolvimento. A Europa praticou cooperação ao desenvolvimento nas últimas seis décadas e os resultados não são especialmente brilhantes, alguns são mesmo desastrosos, especialmente na África. Mas a culpa, obviamente, não é da Europa. Antes disso, ela havia praticado uma forma especial de cooperação ao desenvolvimento, que foi chamada de colonialismo, que, da mesma forma, não foi especialmente bem sucedida em termos de desenvolvimento, mas que tampouco representou o fracasso completo que muitos proclamam.
Digamos que o colonialismo deixou uma infraestrutura rudimentar, alguma base educacional e um aparato de Estado incipiente, embora funcional, mas que depois foi perdendo em qualidade, passando a ser dominado pela corrupção e orientado unicamente para servir os estratos dirigentes, quaisquer que fossem estes. A situação africana, hoje, no plano das instituições, talvez seja pior do que nos tempos do colonialismo; mas esse tipo de comparação é sempre difícil de ser feito, tendo em conta tantos elementos inéditos e fatores diferenciais.
A América Latina, que tinha encontrado uma forma de inserção na economia mundial desde a sua independência, e logrado progressos no terreno das instituições, da infra-estrutura material e dos recursos humanos, não parece ter conseguido se libertar da pobreza, da desigualdade, da corrupção, da má qualidade da educação e de alguns fatores de instabilidade social que a fazem por vezes recuar na construção de sociedades inclusivas. Sua trajetória no último meio século não foi especialmente brilhante, embora alguns países tenham feito melhor do que outros, na própria região ou fora dela. De modo geral, seu peso na economia e no comércio internacionais recuou, ao passo que o da Ásia aumentou significativamente.
A Ásia, justamente, que era sinônimo de miséria extrema nos tempos do economista sueco Gunnar Myrdal, avançou mais rapidamente do que a América Latina nesse mesmo meio século transcorrido depois que ele publicou Asian Drama. Mas para obter sucesso ela não percorreu exatamente o caminho do planejamento centralizado e da propriedade estatal que o economista sueco havia recomendado. Ele depois ganhou o prêmio Nobel de Economia, não sei exatamente se por receitar receitas de não-desenvolvimento aos asiáticos. O fato é que a Índia só começou a crescer, de verdade, quando abandonou suas receitas tradicionais de planejamento com empresas estatais, como recomendava Myrdal, e resolveu abrir-se ao mundo. Melhor para os indianos, e asiáticos em geral, e azar do Prêmio Nobel de economia, prêmio que talvez ele não merecesse, não por essas recomendações, pelo menos.
Em todo caso, se alguns países também têm caminhado mais rapidamente do que outros, no continente asiático ou fora dele, eles o devem ao velho capitalismo e à nova globalização, tão equivocadamente criticada por bandos de jovens europeus que parecem não ter aprendido as lições da história. Aliás, um dos aspectos mais contraditórios e esquizofrênicos dos nossos tempos é justamente ver isso: jovens loiros de olhos azuis, totalmente globalizados, plenamente inseridos na era digital – o que lhes foi permitido pelo capitalismo globalizado – fazem ruidosas reuniões contra o capitalismo globalizado e apóiam os europeus nas suas demandas absurdas por proteção à agricultura familiar, européia, evidentemente, a mesma que condena os africanos à miséria e ao desespero. Explico mais adiante como.

2. Insistindo no inviável: o Brasil no caminho da Europa?
Pois bem, o que isto tem a ver com o tema deste nosso ensaio? Aparentemente nada, mas eu diria que muito. A Europa continua a praticar velhas formas de cooperação que já provaram, na melhor das hipóteses, sua inocuidade, ou, na pior, seu caráter nefasto do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, ou pelo menos do crescimento sustentado. Depois de cinco ou seis décadas de déjà vu custoso e inútil, ela poderia ter tomado consciência de que certas coisas não funcionam, e tentar, talvez, outro caminho. O Brasil, por sua vez, parece dar início a políticas de cooperação ao desenvolvimento que tendem a reproduzir, grosso modo, a fracassada experiência da Europa nas suas regiões de eleição. Como chegamos a esta situação?
Digamos que o Brasil é um país desenvolvido, ou pelo menos parece, se é verdade que ele está disposto a conceder ajuda ao desenvolvimento de forma tão generosa quanto vem fazendo nos últimos anos. De fato, o Brasil é membro da Associação Internacional de Desenvolvimento, o braço concessional do Banco Mundial, na categoria de doador, desde a criação desta, nos anos 1960. Ainda que modesta e gradualmente, o Brasil vem aumentando o volume de recursos, o escopo dos projetos e a amplitude geográfica do seu esforço de cooperação externa, mesmo se as prioridades geográficas continuam a se situar na América do Sul e, sobretudo, na África, em especial a África lusófona. Aparentemente, temos uma dívida histórica com nossos irmãos africanos, que o governo atual vem se empenhando em resgatar, sob a justificativa política da reparação pelos séculos de tráfico e de escravidão. Enfim, tudo isso pode ser argumentado, mas este é o quadro atual.
O Brasil também é um país desenvolvido a outro título, no plano da capacitação industrial e das estruturas produtivas. Sem ser socialmente desenvolvido, o Brasil é um país plenamente desenvolvido no plano industrial, e mais do que superdesenvolvido no âmbito agrícola. Digamos que ele conseguiu chegar a esse status graças à cooperação externa, primeiro pela via dos imigrantes europeus que modernizaram a sua economia e que o lançaram no terreno da produção industrial; depois, pela formação de recursos humanos em boas universidades do exterior; pelos bons quadros do setor privado e do setor público que contribuíram na montagem de uma economia e de instituições relativamente satisfatórias no quesito de se conseguir administrar uma economia complexa, moderna e aberta à inovação. Na verdade, o Brasil ainda é um importador líquido de tecnologia, consumindo know-how estrangeiro em suas fábricas, laboratórios e faculdades, de modo geral. Mas ele está no caminho de poder produzir suas próprias receitas tecnológicas, como já o fez na área agrícola, aliás, justamente com base na formação de quadros no exterior e também no próprio Brasil.
Ora, tendo alcançado um patamar razoável de desenvolvimento, ainda que sem muita redistribuição de renda e com imensas disparidades sociais, desequilíbrios setoriais e desigualdades regionais, o Brasil pretende agora reproduzir experiências de cooperação ao desenvolvimento que não são muito exitosas, levando-se em consideração a experiência histórica acumulada até aqui. Volto a este ponto, que me parece essencial: a cooperação internacional não poderia, e não deveria ser, ao desenvolvimento, pois este é um processo necessariamente endógeno, intimamente vinculado a transformações, mecanismos, instrumentos, políticas e tomadores de decisões essencialmente internos ou restritos à formação social em questão.

3. O que, exatamente, poderia ser feito no plano internacional?
Descartando-se, portanto, uma agenda de desenvolvimento enquanto tal, caberia tentar ver quais são as grandes tarefas da cooperação internacional que seriam suscetíveis de produzir resultados em termos de capacitação endógena para o desenvolvimento. O desenvolvimento, como se sabe, é um processo complexo, que requer um conjunto de condições necessárias, ainda que não suficientes, para ser bem sucedido, entre as quais podemos alinhar um ritmo de crescimento econômico sustentado, com transformações estruturais – em grande medida de natureza tecnológica – seguidas da distribuição social de seus benefícios.
Mesmo se muitos afirmam que apenas o crescimento econômico não garante, necessariamente, um processo de desenvolvimento, a quase totalidade dos economistas concorda em que sem crescimento seria difícil, ou praticamente impossível qualquer processo de desenvolvimento. Mas já não existe perfeito consenso entre os economistas sobre o que deve integrar, exatamente, um processo virtuoso, ou seja, endógeno e sustentado, de crescimento econômico. Arriscando uma combinação pessoal de elementos estruturais e contingentes para sua continuidade, pode-se alinhar os seguintes componentes de um processo sustentado de crescimento:
(a) estabilidade macroeconômica (inflação baixa, contas públicas em ordem, câmbio e juros de mercado, mercado de capitais orientado para o investimento, etc.);
(b) ambiente competitivo no plano microeconômico, favorecendo os consumidores e a modernização tecnológica das empresas;
(c) boa governança, com regras claras, ambiente jurídico favorável ao empreendimento privado, instituições eficientes para os negócios;
(d) boa qualidade dos recursos humanos, condição essencial para se lograr mudanças tecnológicas e a modernização do aparato produtivo;
(e) abertura a comércio e investimentos estrangeiros, grandes impulsionadores da modernização tecnológica e da competitividade externa.
Admitindo-se que a maior parte dessas tarefas dependa basicamente do próprio ambiente interno e das políticas domésticas mobilizadas pelos governos nacionais, restam o comércio internacional e os investimentos diretos estrangeiros como duas alavancas essenciais para a modernização tecnológica e, portanto, para o desenvolvimento. Mesmo a modernização tecnológica, que é mais dependente de fatores endógenos – e, essencialmente, da qualidade dos recursos humanos – pode ser obtida, ainda que parcialmente, através do comércio internacional, pois ela pode vir embutida nos produtos e processos importados ou ser objeto ela mesma de comércio, via licenciamento e adaptação de tecnologia e know-how estrangeiros.
O que, portanto, poderia ser feito, no plano da cooperação internacional em relação a comércio e investimentos? Descartando-se a velha arenga da transferência de tecnologia no sentido Norte-Sul, menos ainda em termos concessionais, e admitindo-se que tudo isso – ou seja, o acesso a mercados e atração de investimentos – possa ser obtido pelas velhas regras do sistema multilateral de comércio, existem algumas coisas que podem e outras que não podem ser feitas no plano das relações internacionais. Protecionismo comercial, por exemplo, é sempre prejudicial para ambas as partes, mas sobretudo para aqueles parceiros que dependem basicamente da produção e exportação de alguns poucos produtos primários e, posteriormente, de sua elaboração básica para a venda de alimentos processados e dotados de maior valor agregado.
Desse ponto de vista, o protecionismo agrícola e o subvencionismo exagerado praticados pelos principais parceiros desenvolvidos são não apenas perniciosos aos mais pobres dentre os países em desenvolvimento, mas, sobretudo, inadmissíveis se o critério é justamente o da cooperação internacional. Como admitir que os países desenvolvidos não apenas fechem os seus mercados à competição externa, como também acomodem generosamente as demandas subvencionistas de seus produtores e exportadores? Não estou pensando aqui no caso do Brasil, que é um grande ofertante agrícola, extremamente competitivo; estou pensando, basicamente, nas possibilidades de inserção positiva de países africanos e asiáticos pobres no comércio internacional e, a partir daí, em sua qualificação tecnológica via comércio mundial.
Do ponto de vista do Brasil, justamente, o jogo protecionista e subvencionista de americanos, europeus, japoneses e outros – e aqui eu incluo os seus parceiros do G20 comercial, Índia e China – não é tão decisivo quanto para outros países, que, ou não exibem a competitividade agrícola brasileira, ou não dispõem da diversificação da pauta exportadora como a exibida por este gigante sul-americano. O Brasil poderia até, teórica ou hipoteticamente, ser excluído de qualquer iniciativa liberalizante no setor agrícola que pudessem empreender europeus e americanos no plano multilateral, que isso não representaria nenhuma tragédia econômica ou comercial, ao contrário dos seus efeitos para os países africanos ou outros exportadores agrícolas que não dispõem das possibilidades competitivas exibidas pelo agronegócio brasileiro.
A rigor, se houvesse essa abertura excludente contra o Brasil, ele estaria perdendo, sempre hipoteticamente, alguns bilhões de dólares a mais de exportações agrícolas – digamos mais 4 ou 5 bilhões no cômputo global, ou talvez um pouco mais, dependendo de eventual abertura chinesa ou indiana ou de outros países pobres. Mas isso não alteraria fundamentalmente seja o posicionamento global do Brasil na economia internacional, seja suas chances de desenvolvimento, lembrando sempre que o Brasil continuará extremamente competitivo no plano da oferta agrícola mundial, quaisquer que sejam as barreiras levantadas contra os seus produtos desse setor econômico. Esses ganhos externos adicionais sequer representariam qualquer mudança desenvolvimentista no plano interno brasileiro, posto que apropriados pelo já pujante agronegócio, sem mudar o padrão desigual do seu desenvolvimento social.
Podemos descartar as alegações européias de que eles admitem sem quaisquer restrições todos os produtos dos países menos desenvolvidos – tudo menos armas, segundo o slogan apregoado – pois o protecionismo incide, precisamente, de forma negativa sobre as possibilidades de elevação de valor na escala produtiva agrícola dos países pobres. Os africanos são os mais absolutamente prejudicados pelo protecionismo de europeus e americanos, posto que eles nunca poderão se inserir positivamente na economia internacional com a preservação das práticas atuais, de protecionismo explícito e de subvencionismo indecoroso, para não dizer vergonhoso.
Cabe recordar, porém, que essa recomendação de que os países africanos sejam integrados à economia mundial via comércio, segundo suas especializações ricardianas não é nova; ela é muito antiga, e precede, de fato, a própria independência dos países africanos. No final dos anos 1950, antes da grande onda de descolonização, um economista liberal como Peter Bauer já recomendava a abertura dos mercados desenvolvidos às exportações agrícolas dos países africanos. Ele alertava, sobretudo, contra a prejudicial ajuda ao desenvolvimento, contra a assistência supostamente desinteressada, contra a caridade oficial e o provimento de recursos financeiros que, como sempre, vão parar nas mãos erradas (a rigor em bancos estrangeiros). O acesso aos mercados, dizia Bauer, é a única forma correta de vencer o subdesenvolvimento estrutural de africanos e de outros países pobres. Parece que a lição de Bauer nunca foi absorvida, ou seja, americanos e europeus estão equivocados desde antes mesmo que fossem consolidadas suas irracionais, deletérias e nefastas políticas agrícolas.

4. O que, exatamente, poderiam fazer europeus e brasileiros juntos?
Partindo do pressuposto de que a eliminação do protecionismo e do subvencionismo agrícolas são essenciais para – já não digo promover o desenvolvimento, mas para empreender – o começo da diminuição do imenso atraso econômico e social de países africanos e outros menos desenvolvidos, tendo presente esse objetivo prioritário, portanto, caberia, então, refletir sobre como poderiam os países africanos e outros pobres elevar sua capacidade produtiva e se inserir competitivamente nos mercados internacionais. Claro, eles exibem não apenas incapacidade produtiva, insuficiências logísticas e ausência quase completa de estruturas de comercialização externa, mas, sobretudo, pavorosas condições sociais, sanitárias e médicas, que não poderiam, e não poderão, resolver sozinhos, sem ajuda externa, inclusive num plano puramente assistencialista.
Existe espaço, portanto, para a cooperação clássica, de cunho humanitário, totalmente caritativa e a África precisa disso: ela nunca poderá vencer sozinha os problemas da AIDS, de outras doenças endêmicas ou epidêmicas, das péssimas condições sanitárias, da ausência de água tratada e outros fatores elementares para uma baixa sensível da mortalidade geral e infantil. A dimensão dos desafios é tal que os países africanos não conseguirão eliminar com seus próprios meios os obstáculos formidáveis que se colocam em seu caminho para a retomada do crescimento. Mesmo se muito do que aparece como insolúvel na África é bem mais devido à incapacidade dos Estados do que à falta absoluta de meios, a cooperação internacional ainda tem um futuro assegurado nos moldes tradicionais naquele continente.
O mais relevante, contudo, seria concentrar os esforços de cooperação internacional conjunta, pelo Brasil e pela UE, na qualificação produtiva de africanos e outros países pobres na área agrícola, desde, é claro, que o protecionismo e o subvencionismo dos países ricos fossem desmantelados, pelo menos em favor dos países menos desenvolvidos. O Brasil entraria com sua tecnologia agrícola adaptada aos ecossistemas tropicais, talvez até com um pacote agrícola ainda mais completo do que a simples transferência de tecnologia, de sementes e de espécies animais e vegetais adaptadas a uma agricultura tropical equatorial e de cerrado seco e úmido, tal como existente nos ambientes do Brasil. Não se pode negligenciar, tampouco, o maquinário e todo o know-how de administração e de comercialização de um negócio agrícola potencialmente evolutivo para o grande empreendimento capitalista, ainda que modelos de agricultura familiar sejam também concebíveis.
A UE, por sua vez, poderia montar um grande programa para formar recursos humanos, seja para esse tipo de cooperação dirigida, seja no plano nacional, de maneira geral, ademais de financiar boa parte dos esforços brasileiros dirigidos aos países visados. A qualificação educacional e técnico-profissional da população africana, e de outros países pobres, é essencial caso o Brasil e a Europa queiram fazer alguma diferença significativa no plano do desenvolvimento internacional. O mundo não deveria mais conviver com cenários humanos tão catastróficos como os atualmente existentes na África e em alguns outros países; mas também é certo que grande parte dos problemas tem origem na falência desses Estados, não encontrando solução nas vias tradicionais de assistência humanitária (inclusive porque grande parte dos recursos é desviadoa para outras praças financeiras, como ocorre, aliás, de maneira recorrente).

5. O que é maximalista e o que é minimalista na agenda de cooperação conjunta?
Uma agenda ideal de prioridades para o desenvolvimento das regiões ainda atrasadas do planeta colocaria a liberalização comercial na frente, junto com um regime aberto de investimentos estrangeiros nos países receptores, além de uma concentração de esforços nas questões sanitárias, epidemiológicas e educacionais, como aquelas verdadeiramente importantes para mudar a face do continente. O essencial está não nas formas tradicionais de cooperação, mas na liberalização ampla do comércio internacional, a começar pelos mercados agrícolas, os únicos que poderiam se combinar com as vantagens ricardianas dos países africanos e outros tão pobres quanto eles.
Essa agenda é dita ideal porque é a única que pode combinar estímulos de mercado com políticas apropriadas no plano governamental, todas tendentes para a modernização dos sistemas produtivos dos países atrasados. O grande condicionante, obviamente, é a liberalização comercial irrestrita na área agrícola da parte dos países avançados, um objetivo maximalista que provavelmente não será alcançado. Digo que não será alcançado porque europeus e americanos não estão próximos de renunciar aos seus mecanismos tradicionais de proteção e de subvenção nessa área, o que é realmente lamentável. Mas esta é a realidade.
O mais provável é que fiquemos com a agenda minimalista, feita de cooperação tradicional, algum envolvimento dos países emergentes nos esforços de cooperação bilateral e multilateral, uma insistência nos mesmos mecanismos de assistência técnica e humanitária e, portanto, progressos muito lentos no processo de desenvolvimento dos países atrasados, pela simples razão de que eles continuarão a estar isolados das correntes dinâmicas do comércio internacional.
Sendo assim, pode-se estabelecer as bases de um programa minimalista que congregue instituições e esforços do Brasil e da UE em direção das questões mais urgentes da agenda internacional, que são as do desenvolvimento dos países atrasados. Isso será eventualmente feito, mas obviamente será insuficiente para mudar as realidades presentes de modo decisivo. Ou seja, teremos uma continuação do déjà vu no cenário internacional, com a mesma lenta evolução que temos atualmente.

Finalmente, os mesmos fatores que bloqueiam uma mudança mais rápida nas estruturas econômicas e sociais do sistema internacional, também vão continuar retardando avanços mais significativos no plano das relações bilaterais ou bi-regionais. Pode ser, por exemplo, que a UE e o Brasil, no âmbito do Mercosul, retomem as negociações com vistas a chegar a um acordo-quadro de associação prevendo a liberalização comercial em escala ampliada. Cabem dúvidas fundadas, contudo, sobre se essas negociações poderão verdadeiramente chegar a termo, tantas são as posições restritivas e protecionistas em ambos os lados. Existem as conhecidas resistências européias na área agrícola, e uma relutância similar do lado do Mercosul no que se refere às tarifas industriais e outras medidas cerceadoras de investimentos e da propriedade intelectual. Na verdade, o cenário bi-regional é ainda mais complicado, em vista de desacordos profundos existentes internamente, entre os países do Mercosul, notadamente Brasil e Argentina. Mas isso é válido também para acordos mais abrangentes, ainda que menos ambiciosos, como os negociados entre o Grupo do Rio e a UE, com finalidades de cooperação ampliada aos terrenos econômico e comercial.

Em conclusão, não podemos esperar grandes mudanças ou avanços significativos nos temas tradicionais de relações internacionais ou de relações bilaterais entre o Brasil e a UE: políticos e responsáveis governamentais, qualquer que seja sua ideologia ou afiliação política, são essencialmente conservadores no estabelecimento e na condução de agendas de trabalho que se referem a essas relações. Aparentemente, não podemos esperar nenhum desenvolvimento espetacular seja no plano bilateral, Brasil-UE, seja em direção daquelas questões que reputei como mais importantes na agenda internacional. Esta é a minha constatação.

Brasília, 11 de junho de 2009

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