Os desafios do Equador à frente da Unasul
Tadeu Breda Quito (Equador)
Terra Magazine, Sexta, 26 de junho de 2009
No próximo dia 10 de agosto, durante a cúpula a ser realizada em Quito, o presidente equatoriano Rafael Corre receberá da chilena Michelle Bachelet a presidência pro tempore da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). A cerimônia será realizada quase dois meses depois de o Equador incorporar-se formalmente a outro projeto integracionista, a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), dirigida pela Venezuela de Hugo Chávez.
A propósito de tais questões, Terra Magazine conversou com Julio Oleas, assessor do ministro das Relações Exteriores do Equador, Fander Falconi, a respeito do funcionamento desses dois blocos latino-americanos e o modelo de integração a ser defendido pelo país, uma vez na presidência da Unasul.
Oleas acredita que a aproximação comercial na região não estará completa se alguns aspectos relativos à solidariedade internacional não forem abordados. Conforme o assessor, existe atualmente uma espécie de rivalidade entre as diferentes iniciativas integracionistas na América do Sul que pode ser positiva para a geopolítica continental. E fala do delicado papel que o Brasil desempenha na Unasul.
Em que situação o Equador vai receber a presidência da Unasul?
A nossa constituição política estabelece claramente que a integração latino-americana é uma prioridade para o país. Para nós, enfrentar o mais alto desafio de exercer a presidência pro tempore de forma muito ativa e com propostas é uma exigência constitucional. O que queremos fazer? Consolidar os conselhos que já existem: defesa, saúde e energia. Conseguir que a maior quantidade de grupos de trabalho que funcionam hoje sejam transformados em conselhos. Nas áreas, por exemplo, de cultura e tecnologia, que é um assunto que nos interessa muito. Queremos consolidar um centro de assessoramento para as diferenças a respeito dos investimentos estrangeiros. O Equador está empenhado em denunciar os tratados bilaterais de investimento, por atentarem contra a soberania do país. Essa é uma questão que o presidente da República já apresentou e na Unasul temos que, pelo menos, consolidar uma soberania regional que aumente a capacidade de resposta dos países da América do Sul perante as demandas do capital internacional.
Correa fala muito da construção de uma "nova arquitetura financeira regional". Isso também vai ocorrer dentro da Unasul?
Na realidade, o que nós chamamos de uma nova arquitetura financeira regional, que é um processo consolidado por iniciativa do Equador, foi desenvolvido e promovido na Alba. O acordo de Sucre foi assinado no seio da Alba e já está pronto. O Banco do Sul também surgiu no seio da Alba. Então vemos claramente um fenômeno muito interessante dentro do novo processo de integração latino-americana, no qual vários grupos de integração, neste caso a Unasul e a Alba, podem estabelecer uma espécie de concorrência. Isso pode vir a ter resultados muito positivos para os interesses da geopolítica latino-americana. De fato, dentro da Unasul a questão financeira foi mantida em um nível muito mais leve. Isso, no meu modo de ver, é um erro estratégico porque a crise internacional é muito grave.
De que forma essa concorrência entre os blocos pode ser positiva para a integração?
A questão dos blocos é um pouco mais complexa, mas antes dos blocos estiveram presentes as demandas dos nossos povos, o desejo de bem-estar dos latino-americanos, de ter melhores condições de vida. Nesse sentido, se não é em um aspecto pode ser no outro. As questões comerciais podem ser aprofundadas na Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), os direitos humanos podem ter grande projeção através da OEA (Organização dos Estados Americanos), as questões referentes à arquitetura financeira podem tramitar na Alba e as questões energéticas podem ser desenvolvidas muito bem ou na Alba ou na Unasul. Refiro-me a isso quando falo do espírito de concorrência gerado entre essas organizações, o qual pode ser muito conveniente em médio prazo. Claro que a longo prazo, uma América Latina unida na visão europeia de Maastrich poderia ser muito interessante, mas as circunstâncias e os antecedentes históricos são bem diferentes. Isto é o que temos, e com isso temos que trabalhar neste momento, não podemos esperar.
Por que a Unasul foi criada? O início da União Europeia foi o Benelux, um bloco totalmente comercial. Por que a CAN (Comunidade Andina) e o Mercosul não tiveram o mesmo fim?
São processos diferentes. Nós partimos de uma matriz um pouco mais complexa, nós não vivemos o trauma histórico da segunda guerra mundial. Lamentavelmente a América Latina também não teve a visão de se projetar como um bloco mais coeso, como aconteceu com a Europa para enfrentar a Ásia e a América do Norte. Nesse sentido as percepções são diferentes, também os compromissos norte-sul são outros. Isso tem a sua dinâmica própria e acredito que por isso a evolução de uma integração nos termos de abertura comercial - como o Mercosul, a CAN e a Aladi - deve ser trabalhada em termos mais políticos, como projeção da região. É um pouco retórico, mas realmente tivemos, no início do século 19, uma visão bem mais integradora, que foi o pensamento de Bolívar e que fracassou quando fracassou o congresso de Panamá de 1826. Nesse momento, uma potência de fora da região agiu nos bastidores porque a união latino-americana não era do seu interesse. Então ocorreu a divisão. A primeira e mais notória foi a da América Central, mas também o Peru e o Alto Peru, e depois a da Colômbia e o Panamá. Aqui se trata de um processo histórico induzido que devemos reverter a partir de uma percepção mais clara de integração nas questões de política social, infraestrutura, energia e planejamento das fronteiras, que não é a via de integração comercial que tivemos na segunda metade do século XX, é um processo novo. Temos que procurar a nossa própria identidade de integração. Nesse sentido, a questão das assimetrias é muito importante, inclusive mais importante que as diferenças de visões políticas a respeito da integração.
Como o Equador pretende apresentar essas questões na Unasul?
Abordamos dois aspectos: Um é a operacionalidade da Unasul. O Equador tem o firme compromisso de fortalecer o funcionamento do sistema. No entanto, vemos uma grande vantagem e um grande problema. Por um lado, a vantagem é que a secretaria da Unasul está em Quito, então podemos nos envolver mais com a Unasul, assim como o Peru se envolveu mais com a CAN porque a sede está em Lima. Mas temos uma dupla dificuldade. Primeiro, para que isto comece a funcionar de pleno direito, necessitamos de nove ratificações, e até o momento temos apenas duas. Segundo, um problema de igual ou maior relevância, que é o fato de não haver consenso para a nomeação do primeiro secretário geral. É uma questão difícil, marcada por uma posição severa do Uruguai.
Qual é a dinâmica entre a Alba e a Unasul? Uma se opõe à outra?
A Unasul é um espaço no qual a disputa pela liderança acontece devido às questões que discute. A liderança da infraestrutura é disputada entre a Venezuela e o Brasil; a liderança social tem maior presença no Chile. Temos uma espécie de acordo tácito para dividir as competências. No caso da Alba, vemos que existe uma forte liderança da Venezuela e a agenda foi gerada ao redor da importância geopolítica e da forte liderança energética que a Venezuela apresenta de forma comparativa. Também há diferenças substanciais sobre de que forma se promovem as ideias e os conceitos de integração. Por um lado, a Alba foi criada por Cuba e pela Venezuela como uma clara resposta à ALCA, que fracassou em 2002. Então ela tem uma clara orientação ideológica. Mas a Unasul processa as diferenças ideológicas de forma mais complexa.
Como o senhor vê o futuro da Unasul?
Penso que neste momento a Unasul é a opção mais promissora para a integração latino-americana. É um espaço democrático, onde a liderança é disputada de um ponto de vista conceitual, com debate de ideias; é um espaço, de certa forma, mais equilibrado - no que diz respeito às posições ideológicas - e penso que se o Brasil deixasse de lado a sua posição dominadora, seria o lugar ideal para reunir toda a América Latina.
De que forma o Brasil é um entrave para a integração?
Atualmente o Brasil é o único país da América Latina que é plenamente viável na economia globalizada. Está em um nível de influência não só regional, mas também mundial, que o coloca em outro patamar. Se a visão política que expressa a diplomacia brasileira fosse a do Partido dos Trabalhadores, a opção seria evidente. No entanto, se a visão política que expressa é a do grande capital concentrado ao redor de São Paulo, então a opção será menos propícia a corrigir as diferenças regionais. Isso depende, em boa parte, das forças políticas que intervêm na Unasul e, principalmente, da posição adotada pela diplomacia brasileira.
Quais são os outros possíveis entraves para a integração?
Temos entraves de todo tipo. Em primeiro lugar, embora possa ser pouco diplomático afirmá-lo, o Chile tem tendência a uma precaução extrema. Há certa tendência à permissividade interventora por parte da Colômbia e do Panamá. Existe uma visão mais anglo-saxônica de boa parte do Caribe. Há uma exacerbada contestação ideológica por parte da Venezuela. E há questões estruturais, como o Plano Colômbia ou a dolarização do Equador, ou a forma de permitir o extrativismo mineral de outros países. São questões complexas, que estão na pauta interna dos países e que de certa forma começam a ser debatidas nos foros regionais para chegar a uma ideia convergente em longo prazo.
Neste momento, as relações entre o Peru e o Chile, entre a Argentina e o Uruguai, e entre o Equador e a Colômbia passam por problemas. Os pequenos conflitos diplomáticos regionais atrapalham a integração?
Penso que atrapalham muito. Veja, em um caso estamos falando de um problema que envolve um problema de popularidade interna que tenta se recuperar convocando a unidade nacional a respeito de uma questão de limite territorial; no outro caso temos a interferência direta de uma fábrica de celulose que incomoda o outro país, com graves danos ecológicos. No outro caso estamos falando de uma interferência à soberania, que tem a ver com um plano para, supostamente, controlar o tráfico de drogas, sendo que esse controle se daria apenas no país da oferta, mas não no da demanda. Então, nos três casos estamos falando de fatores que não são de fundo nacional, e quando digo nacional estou me referindo à nacionalidade expressada pelos povos.
No Mercosul, um dos principais problemas é a diferença econômica entre os países. Como a Unasul pretende lidar com essa questão?
Penso que deveria ser tratada com a evolução de um conceito das vantagens comparativas para um conceito mais atual de solidariedade internacional, de completar-se, de planejamento internacional nos campos da cultura, da energia e da política social. Não vejo alternativa. Se o nosso modelo de integração continuar sendo a partir da venda de bens e serviços, sempre vamos ter as aberrações propostas e concretizadas a longo prazo. Penso que é necessário caminharmos para um terreno de solidariedade para obter acordos e compromissos nos quais os que estão mais embaixo possam ter certa cooperação para crescer de forma mais harmônica.
Como aconteceria isso na prática?
As questões sociais, de tecnologia, inovação e comunicação são muito importantes, assim como as questões de infraestrutura. E a forma de canalizar os investimentos estrangeiros. Penso que o capital humano e físico deveria compor um esquema de relação com as condições de vida. Ou seja, essa convergência fiscal, em inflação e monetária, vivida pelo cenário europeu, nós poderíamos estabelecê-la de outra forma: com investimento em infraestrutura e capacitação humana para encontrar níveis semelhantes de habilidades e de capacidade onde o espaço de mercado latino-americano leve a um mesmo tipo de indicadores.
Terra Magazine
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2 comentários:
É uma leitura equivocada minha ou ele é contraditorio do comeco ao fim da entrevista? Fala de uma 'concorrencia entre blocos favoravel ao desenvolvimento' (ate acho concorrencia favoravel, mas entre blocos???). Depois fala de uma possivel segmentacao de tarefas dentre os blocos, sendo essa uma das coisas favoraveis da competicao. QUE COMPETICAO? Só se for por ordem de competencia pre-definida atraves de criterios politicos e uma praxis clara ideologica. Depois ele fala da fatalidade de que a A.L. nao tenha sofrido uma integracao mais coesa como a UE. Este senhor deve ser esquizofrenico. Uma pergunta: sera que a ECSC nao era an verdade a precussora da UE? Sendo BENELUX nada mais que um modelo a ser seguido? ECSC abrangia Benelux, mas nao era uma expansao desta acredito eu.
Léo Teles
O funcionário equatoriano, obviamente, domina mal todos os matizes da integração regional, tem baixa familiaridade com a história e com a economia e provavelmente se esforça para repetir as posições oficiais de seu governo, num contexto de enormes mudanças na chancelaria do Equador, que fragilizaram bastante seu funcionamento e sobretudo formulação de políticas.
Nâo sei exatamente a qual sigla se refere a ECSC. Antes da UE, o que existiam eram as Comunidades Européias, elas mesmas uma assemblagem dos diversos mecanismos criados pelos tratados de Roma de 1957, e que foram evoluindo ao longo do tempo, a partir do primeiro instrumento: a CECA, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, resultado do Tratado de Paris, de 1951.
As posições do funcionário em questão são, portanto, contraditórias, como sao contraditórias todas as políticas de suposta integração na região. Não consigo detectar um padrão uniforme nos diversos projetos, cada país exibindo sua própria concepção sobre os processos e instrumentos existentes.
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