quarta-feira, julho 01, 2009

441) Juros e situacao fiscal do Brasil: entrevista com Gustavo Franco

O Estado de São Paulo entrevistou o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, sobre os temas mais relevantes da atualidade econômica brasileira.
Dois comentários iniciais:
1) A despeito do que escrevem as repórteres, jovens ou péssimos pesquisadores, Gustavo Franco NÃO "era presidente do Banco Central quando o Plano Real foi implementado, há 15 anos". No momento da concepção e implementação do Plano Real ele era apenas Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. No primeiro governo FHC foi, primeiro, Diretor de Assuntos Internacionais do BC, depois presidente do BC, na saída de Gustavo Loyola. Deixou a presidência do BC no início do segundo mandato de FHC, em janeiro de 1999, depois da derrocada do Real frente ao dólar, por culpa do ex-presidente, então governador de Minas Gerais, Itamar Franco (é bom que se diga).
2) Eu seria bem mais rigoroso do que o Gustavo Franco a respeito da situação fiscal do Brasil. Acredito que estamos numa situação insustentável de gastança totalmente improdutiva, com as despesas correntes do governo, sobretudo em pessoal, um trajetória que deve conduzir a uma bomba-relógio fiscal em algum momento do futuro. Esta será a "herança maldita" de Lula para o seu sucessor, qualquer que seja ele. Trata-se de uma trajetória nefastas que não vem sendo suficientemente enfatizada pelos analistas, mesmo por um observador arguto como Gustavo Franco.

ENTREVISTA: POLÍTICA DE JURO ESTÁ NAS MÃOS DE MANTEGA, DIZ GUSTAVO FRANCO
O Estado de São Paulo, 01.07.2009

São Paulo, 1 - O desafio do Brasil para os próximos 15 anos será conseguir um crescimento sustentado e, para isso, o governo precisará melhorar a situação fiscal. Esta é a avaliação do economista Gustavo Franco, que era presidente do Banco Central quando o Plano Real foi implementado, há 15 anos, e a nova moeda foi criada. Em entrevista às jornalistas Luciana Xavier e Lucinda Pinto, no AE Broadcast Ao Vivo, Franco, sócio-fundador e estrategista-chefe da Rio Bravo Investimentos, ressaltou que o gasto público é hoje o principal inimigo do juro baixo. "No fundo, a política de juros está nas mãos do Guido Mantega. Se a situação fiscal continuar ruim e o juro tiver que subir, a culpa será dele", afirmou por telefone, de sua casa no Rio de Janeiro.

Franco disse que há muito espaço para cortar mais a Selic e que considera que a taxa pode chegar a 2 ou 3 pontos porcentuais acima do juro norte-americano (que está na banda de 0% a 0,25%) mais algum prêmio de risco. Para o ex-presidente do BC, no entanto, as perspectivas para o Brasil são as melhores. "Estamos numa trajetória ascendente, no caminho de um país emergente que pode aspirar à condição de país desenvolvido nos próximos 15 anos".

Veja, a seguir, alguns trechos da entrevista:

Agência Estado - Por que o Plano Real deu certo, visto que muitos outros planos antes dele fracassaram?

Gustavo Franco - Acho que por pelo menos dois fatores. Um, é claro, o aprendizado. Os outros planos anteriores trouxeram muitas lições, muitas tecnologias de desindexação, que foram aproveitadas. A segunda razão pela qual o real deu certo teve a ver com o diagnóstico. Acho que foi o primeiro de todos os planos dessa safra mais criativa de tentativas de estabilização que efetivamente reconheceu que tínhamos um problema fiscal, monetário, convencional e que a inflação brasileira não era produzida por nenhuma teoria exótica, não era inercial, nem estrutural, nem adjetiva, nem financeira, nem nada. Era uma inflação como outra qualquer, derivada de contas fiscais absolutamente desordenadas e fabricação de papel moeda em excesso. Reconhecido isso, passamos mais objetivamente a enfrentar os fatores que determinaram a desordem. Aí começou uma agenda de vários anos e que significa uma mobilização quase que permanente. Mas acho que o segredo do sucesso foi o diagnóstico. Foi parar de se enganar com os diagnósticos alternativos.

AE - Deixamos definitivamente para trás o risco de hiperinflação?
Franco - De hiperinflação sim. Acho que o último momento em que a gente tenha chegado perto disso foi em 2002, que foi o teste definitivo, a contraprova. Tivemos antes disso uma prova em 99, quando o regime cambial foi notificado. Naquela ocasião uma desvalorização grande sequer fez o IPCA subir acima de 10% ao ano, para surpresa boa de muita gente, eu inclusive (risos). (...) Desde então (2002) estamos em regime de metas com as coisas funcionando na rotina. O Banco Central tem lá seus ciclos de alta e de baixa de juros, mas não vivemos mais uma situação de ameaça de volta daquele pesadelo de antigamente.

AE - Após 15 anos de estabilidade monetária, quais continuam sendo os pontos frágeis da economia?
Franco - É claro que o plano de estabilização não resolve todos os problemas do País. Ele proporcionou uma condição essencial para a vida econômica inteligente. Ele retirou o doente do centro de tratamento intensivo, mas o paciente não virou ainda um atleta olímpico (risos). Acho que aí precisa de outro tipo de treinamento e de esforço. O desafio para os próximos 15 anos é o do crescimento sustentado, elevado. Esse desafio nós não vencemos ainda.

AE - Alguns analistas têm insistido na questão fiscal como um ponto ainda de fragilidade. O senhor considera que esse seria realmente o ponto que menos evoluiu?
Franco - Pois é, é sempre o mais lento. Quando começamos, a situação fiscal era muito pior e demorou muito tempo para que nós chegássemos a ter superávit primário. Talvez se não tivesse havido a urgência da crise de 98 e o acordo com o FMI teria demorado mais ainda. Mas isso é natural. Esse é o componente mais político e mais difícil da gestão da macroeconomia. De resto, as outras coisas que dependem do Banco Central, vão bem. Precisamos sim melhorar a situação fiscal e acho que é isso que vai nos levar mais adiante, inclusive na escala de classificação de risco, e vai nos permitir chegar mais rápido a taxas de juro de primeiro mundo.

AE - O governo tem utilizado muitos instrumentos de incentivo fiscal para limitar o efeito da crise internacional na economia brasileira. O governo está no caminho certo?
Franco - Olha, há coisas que eu gosto e coisas que eu não gosto nas medidas fiscais mais recentes. Eu particularmente gosto de tratar a economia ligeiramente deprimida com cortes de impostos. Embora talvez eu gostasse de ver cortes de impostos de natureza mais horizontal e não apenas esses cortes seletivos atingindo algumas indústrias especificamente. Reconheço a importância dos cortes feitos para alguns
setores, mas o que a experiência demonstra é que os cortes de impostos indiretos entendidos como um corte temporário tem efeito importante para acordar o consumidor. E isso poderia ser feito numa escala maior e permanente em alguns casos. Já os aumentos de despesa, aí eu já não acho que sejam muito apropriados. Trabalhar com aumento de despesa que seja permanente, tipo aumento de pessoal, de salário de funcionário publico, isso é complicado, porque não é política anticíclica. Isso é gastança do jeito antigo. Isso não é bom não. Porque agora não fará muito estrago, porém, mais adiante quando for preciso retirar esse impulso fiscal, no momento em que a demanda privada acordar, nós vamos retornar talvez a uma situação de superaquecimento da economia, que é uma situação que a gente tinha no primeiro semestre de 2008 e que não é desejável de jeito nenhum.

AE - Então o governo estaria preparando a volta do aumento de juro lá na frente com esse tipo de política?
Franco - Não necessariamente. Veja só. Se a política fiscal souber fazer o caminho de volta, não vai ser necessário subir o juro. Agora, se não fizer, vai ser obrigado a subir o juro. Ou seja, o maior inimigo do juro baixo hoje em dia é o gasto publico. No fundo, a política de juros está nas mãos do ministro (da Fazenda) Guido Mantega. Se ele mantiver a situação fiscal ruim quando a economia acordar, o juro vai subir e a culpa será dele.

AE - Há mais espaço para a Selic cair?
Franco - Eu acho que sim. Acho que temos uma janela relevante, ela está sendo explorada com cautela, pelas autoridades. A Selic está num nível histórico, mas isso não deve assustar o Banco Central. Estamos vivendo muitas coisas históricas ultimamente aqui e no exterior. Mas creio que há espaço para o juro cair.

AE - Muito espaço?
Franco - Dependendo da política fiscal e do desenvolvimento da economia nos próximos meses, pode ter sim bastante espaço. É preciso ter clareza de que no médio prazo não há nada que indique que a taxa de juros brasileira não deva permanecer do tamanho da taxa de juro americana, mais o risco soberano, que são mais 2% ou 3%, e mais algum prêmio pela volatilidade cambial. Isso é uma equação de arbitragem, que orienta muito os mercados financeiros e é uma das maneiras de pensar numa taxa de juro de equilíbrio de médio prazo. Seguramente é um número bem mais baixo do que a gente tem agora.

AE - Isso para juro nominal, não juro real?
Franco - Nominal. Não tem mais sentido fazer conta de taxa de juro real, porque estamos desindexando ou já desindexados por inteiro. Então, essa história de juro real... vamos parar com isso (risos). É um pequeno pecado que a gente deve abolir.

AE - O Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu manter a meta de inflação para 2011 em 4,5%, embora as projeções de inflação estejam abaixo disso. Foi uma decisão acertada?
Franco - Isso implica num pequeno paradoxo do regime de metas que reside no seguinte. Se a meta é 4,5% com tolerância de dois pontos para cima e para baixo, a pergunta que vocês deveriam fazer às autoridades é a seguinte: O que acontece se a inflação brasileira cair abaixo de 2,5% ao ano? Nós vamos ter política deliberadamente inflacionista? A gente sabe o que acontece quando a inflação supera por cima a banda de tolerância. Mas e por baixo, o que acontece?

AE - Em relação ao dólar, o senhor acha que ele pode ficar abaixo de R$ 1,80 no curto prazo ou pode voltar a subir?
Franco - Não gosto de jeito nenhum de fazer previsão. Mas tenho a sensação de que provavelmente depois do verão no Hemisfério Norte nós vamos ter muito mais atividade no mercado internacional, em matéria de novas emissões e provavelmente com um mês a mais de recuperação nos Estados Unidos. De modo que esse pode ser um momento de entrada de capital relevante no País. Nós já tivemos um IPO mesmo antes do inicio do mês de julho. Portanto, o segundo semestre pode sim trazer um novo momento de fortalecimento do real. Mas existem muitas incertezas no ar, tanto lá fora quanto aqui dentro. Lá fora, pelo ângulo do desenrolar da crise, principalmente na Europa, onde
ainda não se podem descartar acontecimentos surpreendentes nos países do Leste, do Báltico. Tem muita fofoca no ar. Internamente, os riscos de sempre, na situação fiscal, a proximidade do período eleitoral, o momento conturbado na política...Não é nada grave, mas sempre é preciso cautela.

AE - Se não fosse o Plano Real, a gente teria aguentado essa crise?
Franco - É um exercício meio difícil. Porque muita coisa teria acontecido nesses 15 anos.

AE - Levando-se em conta uma realidade parecida com que a gente tinha ...
Franco - Pois é, mas não consigo conceber que a gente tivesse vivido durante 15 anos com inflação de 40% ao mês. Acho que se não tivesse havido o Plano Real, o cenário que acho que é possível fazer é que o Brasil teria experimentado uma trajetória do tipo da Argentina, que é uma sucessão de fracassos de política econômica, pacotes malsucedidos e calotes. Uma situação que vem se deteriorando cronicamente, no caso deles, há mais de 15 anos. E nós conseguimos sair dessa situação de perder, perder, perder e começamos a ganhar jogos. Desde então, a economia só fez progredir em várias áreas. O Real foi um ponto importante nessa trajetória, especialmente porque assinalou essa virada. Abandonamos a trajetória para baixo, (trajetória) argentina, vamos dizer assim (risos), e estamos numa trajetória ascendente, no caminho de um país emergente que pode aspirar à condição de país desenvolvido nos próximos 15 anos.
(Luciana Xavier e Lucinda Pinto)

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