terça-feira, julho 07, 2009

456) O Governo Mundial do Papa - Rodrigo Constantino

O Governo Mundial do Papa
Rodrigo Constantino
07/07/2009

"A esquerda política nunca entendeu que, se você dá ao governo poder suficiente para criar a ‘justiça social’, você deu a ele poder suficiente para criar o despotismo." (Thomas Sowell)

O Papa Bento XVI divulgou sua nova encíclica Caritas in Veritate, enaltecendo a mais socialista de todas as encíclicas anteriores, Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI em 1967 (ver meu artigo “Altruísmo ou Socialismo?”, no livro Egoísmo Racional). Muitos católicos anticomunistas ainda depositavam esperança de que o novo Papa fosse permanecer razoavelmente afastado da “onda vermelha” que vem conquistando o mundo. No entanto, o fato é que o catolicismo ambíguo oferece farto material para socialistas também, dependendo da preferência do crente. E o Papa Bento XVI parece ter escolhido a crença no governo.

Logo no começo, Bento XVI afirma que seu “venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo”. Essa luz toda não passa de uma condenação direta ao capitalismo, ao lucro e ao livre mercado. E eis que o novo Papa “economista” condena uma “atividade financeira mal utilizada e majoritariamente especulativa” pela crise atual, palavras que costumam sair da boca populista do presidente Lula com freqüência. Não obstante as impressões digitais dos governos em todas as cenas do crime nessa crise, o Papa acha que a solução passa por mais planejamento central: “Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação”.

Em seguida, o Papa faz uma defesa do welfare state, que seria aplaudido por quase todos os esquerdistas do mundo:

"O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais nada, por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as atividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno. Conseqüentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social."

Pouco depois, o Papa ataca de sindicalista:

"Aqui, as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de proteção eficaz por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e econômicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo fato de os governos, por razões de utilidade econômica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos próprios sindicatos."

Não satisfeito, o Papa prega a simbiose entre economia e governo:

"A atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há de ter como finalidade a continuação do bem comum, do qual se deve ocupar também e, sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição."

Por fim, o Papa acaba defendendo a tese do “governo mundial” através da ONU:

"Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para atuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto se revela necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e econômico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em conseqüência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII."

Não há mais o que comentar. Aqueles que pensavam que teriam na Igreja Católica, com o Papa Bento XVI, um obstáculo ao avanço dos governos, precisam urgentemente de um choque de realidade. A história da Igreja Católica está manchada por relacionamentos sombrios com governos, mesmo os mais autoritários. A simbiose sempre existiu entre Estado e Igreja, com o clero defendendo o direito divino dos reis, e recebendo em troca inúmeros privilégios. “Dá a César o que é de César”, diz o catolicismo, contemporizando com o poder. O novo Papa apenas segue uma milenar tradição católica ao defender mais governo em nossas vidas. Para os mais atentos aos fatos, apenas mais do mesmo. Para os que nutriam esperança libertária no novo Papa, uma grande decepção.

Um comentário:

Vinícius Portella disse...

Penso que católicos e comunistas nunca foram tão distintos, opostos, como muitos gostam de dizer ou gostariam que fossem. No fundo, o discurso comunista repete uma fórmula "sagrada" tornada laica: a narrativa de uma era de ouro (o Éden?!) que o desenvolvimento civilizatório - a partir de um certo momento capitalista - (a serpente da história) veio a arruinar, mas, ao final de tudo, todas as mazelas do mundo serão superadas e viveremos a comunhão do homem com o homem na terra sob o comunismo, ou seja, chegaremos ao paraíso.
Os dois discursos se constituem como verdadeiras doutrinas de salvação e deram origens a noções de progresso que se mostraram desastrosas.
Penso que o pensamento racional crítico, calcado na experiência, se distanciou desse tom profético.
É claro que sobre isso teria de desenvolver uma argumentação mais cuidadosa e fundamentada, mas isso foge aos meus objetivos presente, nem tenho disponibilidade de tempo para tal.
Por fim, não se deve esperar muito do Papa no que tange ao combate ao "dirigismo econômico", pois a Igreja guarda profundas ligações com tal visão.