quinta-feira, julho 23, 2009

469) A escola e a educacao, Rodrigo Constantino

O Estado e a Educação
Rodrigo Constantino
23 de julho de 2009

“Eu nunca deixei a escola interferir na minha educação.” (Mark Twain)

Poucas instituições são mais sagradas atualmente do que a escola pública. Mesmo muitos liberais acreditam que deve ser uma função do governo oferecer educação ao povo. Rothbard, em seu manifesto libertário For a New Liberty, discorda. Para ele, a mistura entre governo e educação, com o acréscimo das leis de presença obrigatória nas aulas, foi um contundente fracasso, além de ameaçar a liberdade individual. Pelos mesmos motivos que o Estado deve ser separado da religião, ele deve também ser afastado da importante questão educacional.

Naturalmente, condenar o uso do governo no serviço de educação não é o mesmo que desprezar a educação em si. Pelo contrário: o meio estatal acaba se mostrando sempre ineficiente para fornecer os importantes serviços. A educação – lembrando que a escola é apenas uma parte dela – é um dos mais valiosos recursos de uma sociedade, principalmente em um mundo onde o capital humano ganha cada vez mais importância frente ao capital físico. Justamente por ser tão importante para o progresso, ela não deve ficar a cargo do governo, sempre com gestão mais ineficiente e corrupta, por causas intrínsecas ao seu modelo de incentivos. A alimentação é uma necessidade ainda maior, e quando ficou sob o comando do Estado, como na União Soviética ou China, o resultado foi uma fome generalizada, com milhões de mortes por inanição. Nas nações mais livres e capitalistas, sobra comida*.

Parte da demanda por uma “educação universal” através do governo deriva de um altruísmo inadequado por parte da classe média. Para seus membros, as classes mais baixas deveriam ter a oportunidade de aproveitar o ensino das escolas que a classe média tanto valoriza. E se os próprios pais dessas crianças não desejam oferecer esta gloriosa oportunidade a seus filhos, então um pouco de coerção deve ser empregada, “para seu próprio bem”. Esta é uma postura arrogante, além de paradoxal: ela assume que os próprios pais não sabem o que é melhor para seus filhos, e que por isso necessitam da tutela do governo paternalista. Entretanto, são esses mesmos “mentecaptos” que irão escolher os governantes através do voto. O paternalismo estatal e o sufrágio universal são duas bandeiras contraditórias.

Rothbard lembra que a educação é um processo de aprendizado pela vida toda, e que este aprendizado não ocorre somente nas escolas, mas em todas as áreas de vida. Pode ser que algumas dessas crianças mais pobres encontrem mais valor em outros tipos de educação, em vez de permanecer compulsoriamente por horas “aprendendo” coisas eventualmente inúteis nas escolas públicas. Muitos trabalhos são “escolas” infinitamente melhores que as escolas públicas. Que bem faria a um jogador de futebol de família humilde ser forçado a permanecer horas por dia numa escola pública, em vez de investir em sua carreira? Qual seria a perda para a humanidade, caso indivíduos jovens como Bill Gates e Michael Dell não tivessem abandonado suas faculdades para criar suas empresas? É preciso tomar muito cuidado com o “culto ao diploma”. Na verdade, muito da pressão por freqüência compulsória às aulas e proibição do trabalho adolescente vem dos sindicatos. O verdadeiro objetivo, de acordo com Rothbard, seria afastar do mercado de trabalho os potenciais concorrentes.

Além disso, a educação formal não é uma panacéia, principalmente em países onde o governo controla demais a economia. Como disse o economista William Easterly em O Espetáculo do Crescimento, “criar pessoas com elevada qualificação em países onde a atividade mais rentável é pressionar o governo por favores não é uma fórmula de sucesso”. Em países subdesenvolvidos, com excesso de intervenção estatal, vemos diversas pessoas com diplomas, mas em subempregos, assim como muitos analfabetos ficam ricos somente pela “amizade com o rei”. Trocar favores e ser bem relacionado acaba valendo mais nesses países do que investir em qualificação para competir no mercado. Basta lembrar que as duas partes da Alemanha e da Coréia tinham o mesmo padrão de educação, mas o grau de liberdade fez toda a diferença, permitindo a prosperidade das partes livres e mantendo na total miséria as partes socialistas.

Para Rothbard, há forte causalidade entre a obrigatoriedade escolar e a crescente insatisfação de muitos jovens rebeldes. Prender por anos na escola publica, alunos que não possuem muita habilidade ou interesse nessa área é um ato criminoso contra a mente dessas crianças, segundo Rothbard. Ele lembra que a nação americana foi construída por cidadãos e líderes que, em muitos casos, não receberam muito ensino formal. Thomas Paine é um excelente exemplo. O autor de Common Sense começou a trabalhar aos 13 anos, ao lado do pai, e foi um autodidata. Além disso, como disse Thomas Sowell, não é possível ensinar todos no mesmo ritmo, a não ser que este ritmo seja reduzido para acomodar o menor denominador comum. Assim, um ensino público universal deverá necessariamente se balizar pelos piores alunos, que em inúmeros casos estariam aprendendo coisas mais úteis para si em outros lugares.

O maior problema, entretanto, reside no risco de doutrinação ideológica. Como coloca Rothbard, se as massas serão educadas em escolas do governo, como poderiam essas escolas não virar um poderoso instrumento para incutir obediência às autoridades estatais? O cão não morde a mão que o alimenta. Escolas públicas dificilmente vão criticar os governos. Muito mais provável será elas virarem máquinas de propaganda ideológica de governos. De fato, esse é justamente o resultado que pode ser observado mundo afora. E Rothbard não deixa de notar que no começo, as escolas públicas americanas eram defendidas exatamente com o intuito de moldar e criar obediência nas massas. Nos dias coloniais, a escola pública era usada como um mecanismo de supressão dos dissidentes religiosos, assim como para ensinar as virtudes da obediência ao Estado. Os pioneiros em controle estatal na educação foram a Prússia autoritária de Bismark, e a França imperial, longe de representarem modelos adequados de liberdade. Muitos gostam de enaltecer a “educação” cubana, ignorando o alerta de Mário Quintana: “Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem”. Que educação é esta onde o povo é compulsoriamente afastado das leituras de livre escolha?

Automaticamente, surge um evidente problema: qual será a educação oficial do governo? Parece óbvio que este modelo irá incentivar todo tipo de disputa e briga entre grupos de interesse, cada um tentando vencer o “jogo democrático” para impor a sua visão de mundo. Deve a educação pública ter inclinação tradicional ou construtivista? Deve ela ter cunho religioso ou secular? Deve ela adotar a ideologia socialista ou liberal? Quais matérias merecem maior destaque na grade curricular? A uniformização do ensino público irá limitar as alternativas através do domínio de certas características. O burocrata não conta com os incentivos adequados para satisfazer os consumidores, e toda burocracia acaba optando por regras uniformes para evitar transtornos. Ao contrário disso, o livre mercado é notório por atender todo tipo de demanda. Quanto mais pública for a educação escolar, mais uniforme ela tende a ser, ofuscando as necessidades e desejos das minorias. Basta lembrar que jornais e revistas são um importante aspecto da educação, e existem todos os tipos de linha editorial nesse setor. Abolindo a escola pública, o mesmo aconteceria na área de ensino escolar, com um mercado livre fornecendo enorme variedade para os clientes.

Além da visão utilitarista, Rothbard foca, como de praxe, mais ainda no aspecto moral da coisa. Em primeiro lugar, as escolas públicas forçam aqueles pais que desejam mandar seus filhos para escolas privadas a arcar com um custo duplo: eles são obrigados a subsidiar as crianças dos outros nas escolas públicas, e também devem pagar pelo ensino de seus próprios filhos. Como Herbert Spencer defendeu: um homem não deve ter o direito de jogar sobre os ombros da comunidade o fardo de educar seus filhos, assim como não pode demandar que devam alimentá-los e vesti-los. Além disso, os adultos solteiros ou casais sem filhos são obrigados a subsidiar famílias com filhos. Seria isso ético?

Nota-se que há inclusive um incentivo a ter mais filhos, se a educação deles representa um custo alheio, e não próprio. No limite, como os outros pagam, podem acabar se sentindo no direito de controlar o tamanho da família de cada um, o que de fato acontece em países totalitários como a China. Para piorar, isso significa também que pessoas humildes sem filho são obrigadas a subsidiar famílias ricas com filhos. Esse fato é ainda mais evidente no caso das universidades públicas, que abrigam basicamente filhos de pais mais ricos. Há algum sentido ético nisso?

A era moderna parece a “era dos direitos”, ignorando que muitos produtos e serviços não caem do céu. Logo, se alguém tem “direito” a moradia, escola e saúde, isso quer dizer que outro tem o dever de fornecer tais bens. Como dizia Bastiat, “o Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver à custa de todo mundo”. Mas deve-se ter em mente sempre que o “direito” ao ensino público representa a obrigação de outros trabalharem para pagar a conta. Rothbard questiona ainda porque o governo deveria parar na escola então, já que o ensino formal é apenas uma parte da educação toda. Será que o governo deveria fornecer revistas e jornais “grátis” para todos?

Na tentativa de separar o Estado da educação, o economista Milton Friedman defendeu a tese dos vouchers, estimulando a competição no lado da oferta e mantendo com os pais o direito de escolha. Rothbard, apesar de considerar esta idéia uma melhora em relação ao modelo atual, enxerga graves falhas nela. Em primeiro lugar, a coerção imoral aos pagadores de impostos continua. Em segundo lugar, parece inevitável que o poder do governo de subsidiar o ensino traria junto o poder de regulá-lo. O governo não aceitaria dar vales para qualquer entidade escolar, mas apenas para aquelas que preenchessem os critérios definidos pelo próprio governo. O governo ainda teria, portanto, o controle sobre o currículo escolar, os métodos de ensino, etc.

Em suma, a prescrição libertária para resolver o estado deplorável em que se encontra o sistema de educação pública pode ser resumida da seguinte forma: retirar o governo do processo educacional.

* Rothbard destaca a seguinte passagem do professor E.G. West no livro: “Protection of a child against starvation or malnutrition is presumably just as important as protection against ignorance. It is difficult to envisage, however, that any government, in its anxiety to see that children have minimum standards of food and clothing, would pass laws for compulsory and universal eating, or that it should entertain measures which lead to increased taxes or rates in order to provide children’s food, ‘free’ at local authority kitchens or shops”. Infelizmente, o autor não conheceu os “restaurantes populares” brasileiros, que como todos sabem, tinham como único objetivo o populismo em busca de votos. Alguém ainda consegue acreditar que o verdadeiro interesse dos governantes com a escola pública será educar as massas de verdade?

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