O direito só pode ser achado na lei
João Luiz Mauad
O Globo, 13 de agosto de 2009
"Direito Achado na Rua" é uma corrente do pensamento jurídico brasileiro, oriunda da Universidade de Brasília, cujo enunciado básico é que a justiça deve assentar-se não na lei, mas nos reclamos da sociedade manifestados através dos movimentos e organizações sociais. Seus adeptos (espalhados pelos diversos níveis do Poder Judiciário) têm como missão, entre outras, o combate ao legalismo, considerado um instrumento de injustiças sociais. Os sectários dessa excrescência da ciência jurídica se dizem comprometidos com a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, além de outros objetivos não menos nobres e politicamente corretos.
Salta à vista que estamos diante de algo muito perigoso, pois a partir da sua função precípua de aplicadores da lei, os magistrados são os principais confirmadores ou negadores daquilo que entendemos por justiça. Seu papel é, portanto, extraordinário, não só no aspecto social, como também econômico.
O que distingue um país livre de um país submetido à arbitrariedade, segundo Hayek, é a certeza de que, no primeiro, as ações do Estado serão regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas, as quais tornam possível prever, com razoável grau de certeza, de que modo as autoridades usarão seus poderes coercitivos em dadas circunstâncias, permitindo a cada um planejar suas ações com base nesse conhecimento.
O corolário necessário do que vai acima é que, diante da lei, todos os cidadãos, sem qualquer exceção, devem ser tratados com equidade pela autoridade judiciária. Tal princípio, por sua vez, conflita, e é de fato incompatível, com qualquer tentativa de estabelecer nivelamento material ou substantivo intencional entre os indivíduos, visto que não há maneira de se nivelar seres humanos, naturalmente diferentes, sem tratá-los de forma desigual.
É uma verdadeira aberração, portanto, vincular a função judicial com objetivos diversos daqueles que lhe são inerentes e necessários - tais como a erradicação da miséria, da marginalidade ou a redução das desigualdades de renda. Seria desculpável, e mesmo previsível, que uma pessoa comum, sem maiores pretensões intelectuais, desconsiderasse o princípio constitucional e universal da igualdade perante a lei, em prol de objetivos político-ideológicos, mas na cabeça de um juiz, essa conduta é perigosa demais.
Independentemente das convicções e sentimentos de cada um, o papel do magistrado não é julgar conforme a sua ideologia ou de acordo com as possibilidades das partes, mas zelar pelo fiel e preciso cumprimento de leis, que foram editadas e aprovadas por outro poder, constituído exatamente para tal fim. Se a norma legal porventura não é boa ou está ultrapassada, cabe ao Legislativo reformá-la, não aos juizes descartá-la. Vale lembrar que estes são investidos nos cargos por concurso, não pelo voto. Suas funções são servir e guarnecer a lei, nunca fazer política à revelia daquela. É óbvio que o juiz pode e deve ter opiniões, mas elas estão muito longe de ter significado, abrangência ou força de lei.
É importante destacar também quão perigosas, do ponto-de-vista econômico, tendem a ser essas posturas messiânicas. A crescente evocação dessa aberração em nossos tribunais acabará corroendo alguns dos princípios basilares das sociedades livres, prósperas e democráticas, entre as quais a segurança jurídica, a propriedade privada e o respeito aos contratos.
A boa economia política ensina há muito tempo que o Império da Lei é condição necessária para o desenvolvimento das nações. Adam Smith, ainda em meados do século XVIII, observou que a prosperidade raramente acontece em Estados que não desfrutem de uma ordenada administração da justiça; onde as pessoas não se sintam seguras de suas propriedades; onde o cumprimento dos contratos não esteja amparado pela lei e a autoridade ocupada em fazer cumpri-los. Em poucas palavras, o comércio, a indústria e os serviços poucas vezes florescem num ambiente onde não exista um bom grau de confiança na justiça.
Resumo da ópera: na sinistra ilusão de fazer "justiça social", esses juízes laboram no sentido de inviabilizar o próprio progresso do país, sem o qual nunca conseguiremos um real e permanente combate à pobreza.
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2 comentários:
Ao procurar o que andam dizendo sobre o fato de o SETOR PÚBLICO ser MAIS PRODUTIVO do que o privado, me deparei com este blog.
Estou impressionado com o ideário deste diplomata.
Diria tudo aqui, em comentário, mas foi extrapolado o limite de pouco mais de 4000 caracteres.
Então, coloquei, parte da (minha) VERDADE em meu próprio blog:
http://tentandoser.blogspot.com/2009/08/parte-boa-do-judiciario-outros.html
Vou levar prá lá esta pérola d'"O GLOBO" também!
Caro Anônimo (eu nunca vou entender porque pessoas que pretendem debater publicamente se escondem no anonimato, em lugar de assumir responsabilidade pelo que escrevem),
Voce disse que está impressionado, mas não diz se é agradavelmente ou negativamente, provavelmente este último caso, pois do contrário não teria escrito.
Se quer saber mais sobre a suposta produtividade do setor público, recomendaria ler este outro post em outro blog meu:
http://textospra.blogspot.com/2009/08/493-o-suposto-aumento-da-produtividade.html
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