Hugo Chávez consolida o controle sobre a Venezuela
Jens Gluesing
Der Spiegel, 05/09/2009
O presidente venezuelano Hugo Chávez está usando o dinheiro obtido com o setor petrolífero para financiar aquilo que ele chama de "socialismo para o século 21". O autocrata carismático está procurando consolidar o seu poder com um projeto para silenciar uma crescente oposição política.
Um poster que proclama "pátria, socialismo ou morte" adorna a prisão militar em Los Teques, um subúrbio da capital venezuelana, Caracas.
Parentes dos presos estão aglomerados nas escadas que levam ao pavilhão das celas. Os soldados abrem buracos em tortas de carne, bolos e outros pequenos presentes, procurando telefones celulares e armas.
O prisioneiro mais famoso do país é mantido em uma cela espaçosa no terceiro andar. O general Raul Isaias Baduel, 54, já foi ministro da Defesa e comandante-em-chefe do exército. Agora ele aceita avidamente dois jornais que os carcereiros permitiram que entrassem no pavilhão.
Ele não tem acesso a telefones nem à Internet.
Cinco meses atrás, um grupo de homens armados o emboscou perto da sua casa. Quando Baduel tentou usar o seu telefone celular para pedir ajuda, um deles encostou o cano de uma pistola na testa do general. Ele foi levado em um veículo de placa fria para uma base onde os seus captores identificaram-se como membros da agência de inteligência militar.
A promotoria federal alega que após Baduel ter deixado o Ministério da Defesa, há dois anos, ele teria embolsado ilicitamente o equivalente a US$ 100 mil (70 mil euros, R$ 184 mil) dos cofres públicos. Os soldados que poderiam confirmar essas acusações ainda não prestaram depoimento.
Uma audiência em tribunal foi adiada porque o juiz estaria doente. "Eu sou um prisioneiro político", afirma o general. Ele responsabiliza um amigo antigo pela sua prisão: o presidente Hugo Rafael Chávez Frias.
Um populista ardiloso
No passado, quando eram jovens soldados, os dois amigos juraram "romper os grilhões da oligarquia" para permitir que o povo venezuelano tivesse uma vida livre e justa. Eles prestaram esse juramento em dezembro de 1982, sob uma árvore centenária, debaixo da qual Símon Bolívar, o libertador da América do Sul do século 19, teria um dia descansado. Aquele foi o início da Revolução Bolivariana e da ascensão de Hugo Chávez ao poder.
Foi um percurso acidentado até o topo. Após um golpe fracassado e dois anos na prisão, Chávez conseguiu o seu objetivo ao vencer as eleições democráticas em dezembro de 1998. Hoje em dia, mais de uma década depois, Chávez, de 55 anos de idade, está preocupado principalmente em consolidar o seu poder autocrático.
O jovem intempestivo transformou-se em um populista ardiloso que governa por plebiscitos. Chávez venceu quase dez eleições e referendos (e perdeu um, dois anos atrás, que teria dado a ele o direito de candidatar-se à reeleição quantas vezes quisesse). O seu regime dividiu famílias e destruiu amizades. Ele fez com que milhares de venezuelanos deixassem o país para viver no exterior.
Mas agora o caudilho está governando o país como se este fosse a sua fazenda particular. Ele prefere exercer a sua influência pela televisão.
Aos domingos, todos os canais são obrigados a transmitir o seu programa de auto-promoção, o "Aló Presidente", bem como uma edição mais curta que é exibida várias vezes por semana. Todas as aparições oficiais do presidente também têm que ser transmitidas, o que permite que Chávez tenha facilmente 20 horas no ar todas as semanas.
Músicas folclóricas e piadas
No seu programa de televisão, Chávez entretém os telespectadores com músicas folclóricas e piadas grosseiras. Ele faz comentários sobre a situação política mundial e lê trechos da obra de Bolívar. Chávez demite e nomeia ministros ao vivo pela TV, e faz propaganda de telefones celulares e xampus produzidos por companhias nacionalizadas. Ele recorda visitas a bordéis que fez quando era um jovem soldado, e faz piadas sobre o consumo de uísque pelos seus compatriotas. Quando um telespectador liga reclamando que os hospitais estão lotados, ele faz uma promessa: "Não se preocupe. Mandarei o meu médico particular".
Chávez cumpre a promessa.
Os monólogos chegam a durar até oito horas. Ele parece contar com reservas intermináveis de energia. Quando Chávez cancelou recentemente metade do programa de aniversário do "Aló Presidente", que deveria durar quatro dias, muitos venezuelanos especularam que deveria haver uma crise política. Três dias depois, Chávez retornou à televisão com uma face inchada, após ter supostamente sofrido uma indigestão. Os seus oponentes acreditam que ele usa drogas para manter o seu nível de energia.
Recentemente, as suas aparições na televisão adquiriram uma agressividade incomum. Chávez adotou um tom mais confrontativo, classificando os oponentes políticos de "inimigos" que devem ser "destruídos". Assim como o seu grande ídolo Fidel Castro, quando se trata de confrontação política, ele raciocina sempre em termos militares.
"Chávez, eu te amo!"
"Mi Comandante" foi a forma como o presidente do parlamento o saudou quando o presidente foi à assembleia nacional para a comemoração do décimo aniversário da constituição venezuelana, no início de agosto. Chávez saltou de um veículo blindado de fabricação norte-americana e oficiais de campo com boinas vermelhas correram à frente dele.
Antes de ingressar no plenário, o caudilho deu uma volta a pé pela área em frente ao prédio do parlamento, onde centenas de aliados usando uniformes vermelhos haviam se concentrado nos balcões e balaustradas. Eles o esperavam havia horas.
Marlinda Chorrillo, uma pequena mulher de 62 anos, veio de Catia, uma favela próxima a Caracas. Ela abriu o caminho para frente a cotoveladas, na esperança de poder abraçar o presidente pelo menos uma vez, ou ao menos puxar a camisa dele. "Chávez, eu te amo!", gritou Chorrillo em meio ao barulho da multidão. Os indivíduos que o apoiam reverenciam o chefe de Estado como se ele fosse um Messias. Muitos penduraram o retrato de Chávez sobre o altar da família, próximo ao quadro do outro salvador.
O presidente segurava as mãos que se estendiam na sua direção, e mal podia caminhar para frente. Alguns índios, semi-nus nos seus trajes tribais, foram trazidos de avião da região amazônica apenas para esta ocasião. Eles tiveram permissão para aproximarem-se de Chávez e o abraçaram. Gotas de suor formaram-se sobre o nariz de boxeador do presidente.
Chávez é um "zambo", conforme são chamados na Venezuela os indivíduos mestiços de pele escura. A elite de pele clara de Caracas o despreza, chamando-o de "macaco", mas esses indivíduos são impotentes diante do carisma do presidente. Após abraçar os índios, estes erguem as suas lanças para homenageá-lo e, a seguir, os assessores de Chávez o empurram para o parlamento.
O caminho rumo ao socialismo
Pouco depois, quando ele aparece diante da assembleia nacional, o seu terno foi passado, e a sua gravata está novamente impecável. Chávez tornou-se agora um típico estadista. Ele exibe um pequeno livro vermelho, a constituição de 1999, que consagra o seu direito à reeleição. "Este livro garante o nosso caminho rumo ao socialismo", diz Chávez.
O seu amigo Baduel ajudou a redigir a constituição original, que seria a mais democrática da história da Venezuela. Mas Chávez achou que ela precisava ser mais socialista. Em dezembro de 2007, Chávez pediu que fossem submetidos a votação vários artigos criados para consolidar as suas políticas esquerdistas e dar a ele o direito de concorrer à reeleição quantas vezes quisesse. Baduel pediu aos eleitores que se opusessem à medida, e isso selou o fim da amizade entre os dois. O referendo fracassou, mas Baduel sabia que Chávez não desistiria.
No decorrer dos últimos meses, o presidente usou novas leis e decretos para pavimentar gradualmente o caminho rumo àquilo que ele chama de "um socialismo para o século 21". Após vencer o plebiscito de fevereiro, ele pode agora reeleger-se indefinidamente. Após a vitória, ele nacionalizou indústrias e bancos, desapropriou fazendas de café e outras propriedades rurais, e ameaçou políticos e jornalistas oposicionistas. "Estamos no caminho rumo ao totalitarismo com uma fachada legal", acusa Teodoro Petkof, um ex-guerrilheiro que agora é um membro famoso da oposição.
Erro imperdoável
A assembleia nacional aceita obedientemente as encenações do presidente, o que não é de se surpreender, já que 90% dos seus membros são apoiadores de Chávez. A oposição enfraqueceu-se ao boicotar as eleições parlamentares em 2005. Agora a única coisa que ela pode fazer é observar enquanto Chávez consolida-se no poder. "O boicote foi um erro imperdoável", reconhece Pablo Perez, 40, o governador do importante Estado de Zulia.
Perez é membro de uma nova geração de políticos oposicionistas que obtiveram cargos executivos após as eleições regionais de novembro do ano passado. Eles contam com uma quantidade importante de governos de Estado e controlam a prefeitura de Caracas.
Eles devem o seu sucesso em parte aos apoiadores de Chávez que foram tomados pela frustração. Muitos funcionários do atual regime são tão corruptos quanto a classe governante que atuava no regime do antecessor de Chávez. Os beneficiários do regime foram apelidados de "Boliburguesia" (a palavra é uma mistura dos termos "bolivariano" e "burguesia") devido aos seus hábitos caros. Eles adoram beber uísque de 18 anos, dirigir carros utilitários esportivos norte-americanos luxuosos e adquirir propriedades e casas em locais nobres. Isso levou muitos antigos apoiadores de Chávez - que costumavam seguir cegamente as recomendações do presidente - a ficar em casa no dia da eleição ou a votar em dissidentes.
O Estado de Zulia, rico em petróleo, com a sua capital Maracaibo, sempre foi um reduto da oposição. No Lago Maracaibo - uma enorme lagoa conectada ao mar aberto - há 12 mil poços de petróleo dos quais jorra um fluxo contínuo do ouro negro que transformou a Venezuela na Arábia Saudita da América Latina. Navios petroleiros saem daqui para os Estados Unidos todos os dias. O arquiinimigo de Chávez é também o seu melhor cliente.
"As nossas reservas petrolíferas durarão pelo menos 120 anos", afirma Erwin Lingg, presidente do escritório da Câmara Venezuelana de Petróleo em Zulia. Mas os petrodólares estão seguindo principalmente para os cofres do governo central. "Chávez fica com a parcela das rendas à qual temos direito", reclama o governador Perez.
"Tentativa de golpe"
A companhia petrolífera estatal PDVSA possui um monopólio para a extração e a venda do petróleo do país. A companhia já foi considerada um modelo empresarial. Mas Chávez transferiu todo o capital da PDVSA para o financiamento de dispendiosos programas sociais, e a sobrecarregou com responsabilidades adicionais. Atualmente, a PDVSA vende comida subsidiada, e financia cursos de alfabetização e campanhas políticas. Até mesmo os especialistas encontram dificuldade para descrever as atividades da companhia. "A PDV transformou-se em uma loja de produtos variados", diz Lingg. "Os nossos engenheiros estão vendendo pão e queijo".
Há sete anos, os funcionários da companhia petrolífera entraram em greve. Chávez afirmou que a revolta consistia em uma "tentativa de golpe", e demitiu 18 mil dos 40 mil funcionários da PDVSA. Milhares de trabalhadores qualificados mudaram-se para o exterior, e engenheiros petrolíferos altamente treinados logo encontraram empregos no Oriente Médio, no Canadá e na Rússia.
Na verdade, a companhia estatal necessita urgentemente de dinheiro para investimentos. Mas Chávez continua a explorando para alimentar a sua revolução. Em maio último ele ordenou a nacionalização de todas as companhias contratadas que trabalharam anteriormente para a PDVSA.
Praticamente da noite para o dia, o monopolista engoliu mais de 70 companhias que eram principalmente responsáveis pelas operações de transporte para as plataformas de petróleo.
Roubo, e não expropriação
A companhia De-Ko, na costa oriental do Lago Maracaibo, é uma das vítimas. Uma unidade militar de expropriação usando uniformes vermelhos invadiu as instalações da empresa às cinco da manhã. Os proprietários foram escoltados para fora por soldados armados. "Esta companhia pertence agora à PDVSA", anunciou o líder do grupo ao diretor-presidente Jose Contreras. Ele não teve tempo sequer para retirar os seus pertences do escritório.
Os novos chefes pintaram a fachada de vermelho e colocaram um grande retrato do caudilho sobre a logomarca da companhia. Sob o retrato do presidente lê-se a frase: "Chávez reconquistou o nosso quebra-mar". Os soldados confiscaram sete embarcações de transporte, dois rebocadores, guindastes e instalações de produção no valor de vários milhões de dólares. Até hoje o governo não pagou nenhuma indenização. "Isso não foi uma expropriação. Foi um roubo", acusa Contreras.
Além disso, o governo está tentando retirar todo o poder dos sindicatos independentes dos petroleiros e obrigá-los a ingressar em um sindicato único que é dependente do Estado. "O governo fala como se fosse amigo dos trabalhadores, mas ele nos reduz à total impotência", diz o líder sindicalistas Carlos Contreras, que na verdade apoia Chávez. Ao implementar tais políticas, o presidente está dividindo a sua própria base política.
Dividindo as favelas
Não existe um melhor local para sondar o estado de espírito da população do país do que a favela 23 de Enero, que fica junto ao centro de Caracas. Os brutamontes do governo moram aqui em construções mal acabadas de tijolos e prédios arruinados da década de 1950 que destacam-se nas montanhas verdes como se fossem enormes colmeias de abelhas. Eles espancam jornalistas não desejados e oponentes do governo.
Nenhum motorista de táxi tem coragem de entrar na favela.
Chávez possui escritórios eleitorais na 23 de Enero, e a maior parte dos moradores é "chavista", conforme são conhecidos os apoiadores do presidente. "Durante o governo anterior, foi declarado estado de sítio aqui, e a policia assassinou e torturou o povo", conta Glen Martinez, 39, que é diretor da Rádio 23, a estação local de rádio comunitária.
"Chávez foi o primeiro a nos ver como cidadãos".
A Rádio 23 é uma das dezenas de "colectivos". Este é o nome adotado por grupos políticos, mas também por gangues de criminosos que dividiram as favelas entre si. Houve um tempo em que Martinez não ousaria sair sem portar um revólver. "Eu tinha muitos inimigos", diz ele. "Mas nós trouxemos paz para esta área. Agora existe um cessar-fogo".
Ele dá espaço de radiodifusão na Rádio 23 às associações locais de mulheres, fornece conselhos relativos à educação sexual e informa os leitores sobre comícios políticos. Um retrato de Che Guevara está dependurado no seu estúdio. As músicas em língua inglesa são desprezadas.
Atrás do prédio mal conservado estão equipamentos de transmissão velhos e enferrujados que foram doados pelas forças armadas. "Chávez prometeu reformar o nosso prédio", diz Martinez. Isso foi há dois anos, mas desde então eles não ouviram mais nada do presidente. A namorada de Martinez, Lisbeth Gonzalez, que criou conselhos de cidadãos na favela, e que deveria consolidar a base politica local em favor de Chávez, também está frustrada. "Nunca houve uma revolução real aqui", garante ela.
"Você não consegue me intimidar"
"O homem está ficando com medo do seu próprio povo", diz Baduel, o ex-camarada de Chávez.
Baduel divide a sua cela na prisão com um almirante e um general da guarda nacional. Eles foram presos há um ano sob a acusação de que pretendiam assassinar o presidente. Os três prisioneiros jogam voleibol juntos para manterem-se em forma.
Recentemente, Baduel enviou ao amigo uma carta, na qual escreveu: "Como presidente, você subjugou as instituições deste país e desacreditou as forças armadas. Mas você não consegue me intimidar".
Ele não espera obter uma resposta, e não tem ilusões quanto àquilo que o futuro lhe reserva. "Eu serei libertado no dia em que Chávez deixar o poder, e nem um dia antes".
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