terça-feira, abril 18, 2006

64) Espécies ameaçadas de extinção (desenvolvimentistas...)

Um debate entre "neoliberais" e "desenvolvimentistas": primeiro foi publicado, na Folha de São Paulo, o artigo abaixo, de Roberto Troster, que reproduzi no mesmo dia.
Depois, em 30 de abril, saiu a resposta de dois "desenvolvimentistas", que reproduzo mais abaixo.
Temo que não haja, verdadeiramente, um debate, mas acusações recíprocas sobre responsabilidades respectivas pelo não-crescimento, pelas desigualdades, pelas inúmeras disfunções de nosso processo de desenvolvimento.
Enfim, duas peças do dossiê estão dadas...

Gravatazeiros
Roberto Luis Troster
Folha de São Paulo, 18.4.06 – pág. A3

Os gravatazeiros, pássaros ameaçados de extinção, não existem no resto do mundo e só sobrevivem em algumas regiões do interior da Bahia e de Minas Gerais. A degradação da caatinga e da mata Atlântica fez com que o número dessas aves se reduzisse drasticamente. Sua perpetuação é de interesse de muitos e é motivo de celebração.
Os desenvolvimentistas estão em extinção, não existem no resto do mundo e só sobrevivem em algumas regiões do Brasil e de alguns países vizinhos. O baixo crescimento das economias que seguiram seus preceitos e o bom desempenho dos países que perseveraram em políticas responsáveis fizeram com que o número desses economistas se reduzisse drasticamente. Sua perpetuação é de nenhum interesse e é motivo de preocupação.
Há uma ligação forte entre os gravatazeiros e o gravatá, espécie de bromélia terrestre. Há uma ligação forte entre os desenvolvimentistas e os políticos populistas. O discurso de ambos é imediatista. As propostas são reduções rápidas de juros, altas artificiais do câmbio e elevações aceleradas de gastos públicos, que impulsionam a economia a curto prazo e cativam os incautos. A médio e longo prazo, o resultado é mais concentração de renda, taxas de crescimento baixas e juros reais elevados.
Seu receituário é o seguinte tripé: aumento do déficit fiscal, metas de inflação flexíveis e administração imediatista do câmbio.
Uma elevação de gastos públicos tem um impacto positivo na economia ao gerar uma alta da demanda. O problema é que seu financiamento é feito ou mediante mais impostos, ou por meio de um crescimento da dívida pública, aumentando os juros para toda a economia. Resumindo, um crescimento agora ocasionando uma retração maior no futuro.
O segundo apoio do tripé é a lassitude com as metas de inflação. Uma elevação da inflação estimul a atividade econômica tirando renda dos que recebem preços – leia-se “assalariados”- e transferindo aos que fixam preços – leia-se “empresários”. Concentra a renda e desestimula investimento para aumentar os lucros, pois se ganha mais com a remarcação de preços. A evidência empírica é contundente, não há um exemplo sequer de crescimento sustentado com inflação.
O terceiro pé é uma elevação artificial do câmbio, com a compra de divisas, incentivando exportações pelo efeito preço. A barreira é o custo fiscal alto, pois se gastam recursos vultosos para adquirir reservas internacionais, além do desestímulo a investimentos em produtividade. Funciona enquanto o custo fiscal puder ser financiado e o efeito preço não exigir mais desvalorizações. Uma política que não se perpetua.
O tripé de políticas desenvolvimentistas foi aplicado no Brasil e em seus vizinhos nas últimas décadas do século passado. O resultado foi desastroso: bolhas de crescimento seguidas de crises. A conseqüência é que a renda per capita média latino-americana, que correspondia a 35% da dos países da OCDE há 25 anos, atualmente é de apenas 20% e permanece concentrada. Lastimável!
Os desenvolvimentistas debatem com fantasmas, contrapõem suas idéias às de monetaristas, ortodoxos e outras correntes de pensamento ultrapassadas, sem defensores.
Em contraposição, o crescimento sustentado tem como condição necessária o tripé oposto ao dos desenvolvimentistas: responsabilidade fiscal, comprometimento com metas de inflação e câmbio flexível. As outras condições são as que propiciam a geração de riquezas, em vez de sua apropriação. Estão baseadas em três pilares: pessoas, empresas e infra-estrutura.
O pilar mais importante para o crescimento sustentado são as pessoas. A riqueza de uma nação é feita por gente que, quanto mais capacitada estiver, mais poder[a contribuir e usufruir. A educação é a prioridade em qualquer política de desenvolvimento consistente. O segundo pilar são as empresas. Há obstáculos contra a produção que têm que ser superados: simplificar e diminuir a tributação, racionalizar a burocracia, flexibilizar a contratação de mão-de-obra etc. Quanto mais fácil for produzir riquezas, mais rico será o país.
A infra-estrutura é o terceiro pilar. Para crescer, é necessária uma infra-estrutura adequada em todas as suas dimensões: física (estradas, telefonia etc.), social (protegendo os desfavorecidos), institucional (execução de contratos, definição clara de direitos etc.) e de segurança (pessoal e legal).
O cenário atual é apropriado para aplicar políticas duradouras. A inflação está em baixa, as taxas de juros estão em queda, as exportações estão altas, as contas públicas controladas, e a economia está blindada. É um quadro adequado para que a economia brasileira deslanche de forma consistente.
Os gravatazeiros estão sendo preservados, pelo esforço de ambientalistas, no interior da Bahia. O crescimento sustentável depende do esforço de toda a sociedade brasileira exigindo uma política econômica responsável. Não há esperança nos desenvolvimentistas.

Roberto Luis Troster, doutor em economia pela USP, professor titular do departamento de economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos). E-mail: troster@febraban.org.br

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Os desenvolvimentistas e as aves de rapina
Alexandre de Freitas Barbosa e Ricardo Amorim
Folha de São Paulo, 28.4.06 - pág. A3

A suposta extinção dos gravatazeiros - denunciada pelo economista Roberto Luis Troster, em artigo publicado nesta Folha em 18 de abril - merece realmente a preocupação não apenas de zoólogos, mas da sociedade brasileira. Da preservação desta espécie de pássaros, e de suas saudáveis utopias soberanas, depende o Brasil se quiser se tornar uma nação mis pujante no plano externo e um país solidário e justo internamente.
Essa espécie de desenvolvimentistas floresceu no Brasil no pós-2a. Guerra Mundial e inclui um seleto grupo de aves raras de nossa cultura intelectual: Celso Furtado, Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida, San Thiago Dantas, Darcy Ribeiro e outros que deixaram extensa prole de intérpretes e seguidores. Tiveram papel decisivo na industrialização, na estruturação de políticas de desenvolvimento, na definição de linhas estratégicas para a redução da pobreza e da desigualdade e para a afirmação da nossa soberania, destacando-se como homens públicos voltados para a ação transformadora da realidade brasileira.
A ditadura militar os exilou a todos e quando, aos poucos, voltaram, ao menos aqueles que não ficaram pelo caminho, acabaram tendo uma participação importante no processo de redomocratização, ainda que já figurassem, como convinha ao consenso liberal que estava por assumir o poder, como fõsseis de um passado a ser soterrado.
Hoje, aqui e ali, e cada vez mais, ouve-se o canto amuado dos herdeiros desses gravatazeiros, que se recusam a aceitar a naturalização da desigualdade, a impossibilidade do crescimento e a padronização opressiva imposta pelos mercados desregulados. Observam que o mesquinho interesse da supremacia financeira, travestido de responsabilidade econômica, vai além dos bancos, e se ramifica em segmentos importantes do empresariado, das classes médias e da mídia. Enfim, percebem que se destrói o que fora duramente construído no país, e que não encontra paralelo na América Latina, em troca de uma visão centrada no curto prazo e da posição pouco honrosa de pátria da finança global.
Não nos esqueçamos tampouco que as aves de rapina, para a sustentação da sua atual riqueza usurária, dependem dos esforços da geração passada, que logrou construir um mercado interno vigoroso, uma indústria de base, uma classe média vultosa e um aparelho estatal minimamente diversificado. Só a partir dessa base é que foi possível gerar as pérolas do mercado global de hoje, como a Vale do Rio Doce, a Petrobrás e a Embraer.
Por isso, Mr. Troster, não cometa a falãcia de jogar nas costas dos desenvolvimentistas ou daqueles que o senhor acredita estar menosprezando, quando assim os caracteriza, a culpa pelo baixo crescimento, pela exclusão social amplificada, pelo endividamento do Estado e pelos níveis de investimento na lona. Mais lastimável ainda é o senhor não perceber que nesses últimos 15 anos não passou nenhum economista desenvolvimentista sequer próximo do edifício do Ministério da Fazenda! Por isso, os liberais devem assumir o seu ônus enquanto senhores da política econômica e parar com esta história marota de componentes do spread bancário, de que os brasileiros são caloteiros e de que o futuro do Brasil pertence, bastando paciência e docilidade para com as premissas interesseiras da ortodoxia econômica. Até quando?
Senão, responda: quem fabricou o déficit em conta corrente e o populismo cambial do Plano Real? Quem multiplicou a dívida pública na década passada? Quem elevou o desemprego e taxas nunca vistas no país? Quem falou que os ganhos de produtividade eram sustentáveis e que estávemos, em 1995 - lembra-se, Mr. Troster? - à beira de um novo ciclo de crescimento? Quem produziu os juros mais altos do mundo e, pior ainda, fez a sua defesa?
Mais quem disse que os desenvolvimentistas estão em extinção no mundo inteiro? Talvez o senhor esteja lendo apenas as análises requentadas do Banco Mundial, do FMI e afins. Afinal, economistas do establishment como Joseph Stiglitz e Jeffrey Sachs estão inclusive defendendo uma maior atuação do Estado na economia, por meio de políticas ativas para enfrentar a globalização. Na verdade, a população gravatazeira cresce e vem influenciando a economia de outros solos. Basta olhar para Índia e China, países até há pouco pobres, mas hoje, dinâmicos, e que têm se inserido no mercado internacional partindo da defesa de seus interesses nacionais.
Enfim, não se trata de uma discussão em torno dos princípios da ciência econômica, que o senhor crê serem universais, porque sustentam seus interesses, mas sobre que tipo de nação e sociedade queremos construir. Mas sabemos que esses conceitos lhe são desconhecidos, sequer são considerados como variáveis nas suas contas repletas de juros compostos.

Alexandre de Freitas Barbosa, 35, é doutor em economia aplicada pelo Instituto de Economia da Unicamp. Ricardo Amorim, 35, é doutorando em teoria econômica pelo Instituto de Economia da Unicamp.

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