quarta-feira, abril 26, 2006

71) Emb. Marcos de Azambuja: conferência sobre política externa

CONFERÊNCIA INSTITUTO TANCREDO NEVES / abril de 06

Embaixador Marcos Castríoto de Azambuja

1) Minhas premissas – e elas servirão como fio condutor deste papel - são as de que a política externa brasileira tem uma longa trajetória marcada pela racionalidade e pela prudência e o Itamaraty - instrumento principal de sua execução - uma reputação consolidada de eficácia e profissionalismo.

2) Admitidas essas premissas pareceria evidente que a continuidade e atualização das grandes linhas da política externa do Brasil e o fortalecimento de seu braço executor devam ser objetivos que interessam ao país em seu conjunto e às diferentes correntes políticas através das quais se organiza a vida política nacional.

3) Farei assim – e em primeiro lugar - a defesa de que o tratamento das grandes questões de política externa continue a se fazer – para alem de interesses setoriais ou partidários - pela identificação segura e serena de objetivos nacionais - permanentes e circunstanciais - em torno dos quais seja possível criar, sempre que possível, um amplo consenso reunindo as grandes tendências culturais, econômicas, políticas e sociais do nosso país.

4) Apesar de estar falando hoje no Instituto Tancredo Neves, não seria defensor de uma política externa para o Brasil que pudesse ser rotulada como uma “política do PFL”. Isso se aplica, naturalmente, ao PSDB, ao PT ou a qualquer outra grande corrente que pretendesse se substituir ao que me parece ser o nosso vetor central e indispensável: o de que a política externa do Brasil seja rigorosa e profundamente do Brasil no seu todo e não – exclusiva ou dominantemente - de uma das correntes ou tendências em que o país, democraticamente, se expressa.

5) O Brasil soube - e não de hoje - fazer com que sua política externa fosse uma força de aglutinação e convergência de interesses e legítimas ambições nacionais e não o terreno em que, por razões diversas, tendências e objetivos apenas sectários se manifestassem.

6) Temos sabido evitar, como regra, que a política externa seja contagiada por personalismos, voluntarismos, amadorismos, emocionalismos e vários outros “ismos” que, se tolerados, costumam fazer com que a política exterior de um país seja errática, ziguezagueante e contraditória ou, contrario sensu, rígida e inflexível e que, em decorrência, gere incertezas e desconfianças desnecessárias e contraproducentes entre vizinhos, parceiros e na comunidade internacional como um todo.

7) É preciso continuar atentos para poder reagir de forma apropriada cada vez que a política externa pareça estar sendo utilizada como instrumento através do qual se busquem essencialmente ganhos de política interna. Não sugiro – é evidente – que a política interna e a política externa sejam compartimentos estanques. Isto não é possível nem, a rigor, desejável. Há muitos terrenos em que ambas interagem com naturalidade. O que acho que se deve evitar é dissipar crédito e prestigio externos para a obtenção de pequenas vantagens políticas ou eleitorais internas com efêmeros e enganosos resultados.

8) Evito exagerar. A nossa trajetória em política externa tem tido – e não é de agora - seus equívocos e tropeços. Apoiamos muito alem do que devíamos o então colonialismo de Portugal; nosso voto na resolução sobre o “sionismo” nas Nações Unidas foi, simplesmente, um erro. Encontraria sem dificuldade não poucos outros exemplos no passado próximo ou distante.

9) Estou consciente de que uma política externa definida pela busca da consensualidade, com rigorosa execução profissional acima dos embates naturais dos jogos político-partidários apresenta, também, alguns problemas que é preciso desde logo apontar.

10) Em primeiro lugar, uma política externa, assim formulada e executada tende a ser lenta na sua resposta a novas circunstâncias e oportunidades. Embora se erre pouco, muitas vezes se demora muito a acertar. Uso, como exemplo, o fato de que o Brasil, durante muitos anos, resistiu às novas tendências internacionais para a defesa do meio-ambiente e dos direitos humanos, em parte porque continuávamos casados com idéias de repudio a quaisquer ingerências externas, mesmo depois que essas atitudes foram superadas pelo fato de que certos temas passaram a ser objeto legítimo da ação e da preocupação internacionais.

11) Vivemos anos – porque não dizer décadas – em que a política externa do Brasil sofria os constrangimentos e os engessamentos da Guerra Fria no plano internacional e os limites que impunha o autoritarismo doméstico. Hoje não poderíamos invocar - para desculpar nossos desacertos – nem essas circunstâncias nem essas atenuantes.

12) Em segundo lugar, existe sempre o risco de que um profissionalismo rigoroso possa levar a um corporativismo estéril. O Itamaraty tem que estar permanentemente atento para não transformar-se em um sistema fechado de ação e reflexão e permanecer, pelo contrário, aberto e sensível às tendências que vão sendo desenhadas, de forma irresistível pela opinião pública nacional e internacional.

13) O problema sempre residirá em conciliar tradição com inovação; estabilidade com criatividade; ortodoxia com a rápida adequação a novas circunstâncias.

14) Antonio Francisco Azevedo da Silveira, que foi Chanceler do Brasil – e nada conservador por temperamento e convicção – disse de forma memorável: “A melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”. Esta indispensável conciliação entre o respeito pelas boas regras e pelos bons procedimentos e a necessidade imperiosa de ajustar o país a um mundo em acelerada mutação, faz com que a política externa do Brasil deva ser objeto de uma permanente reflexão da qual devem participar, naturalmente, governo, a oposição e todos os segmentos da sociedade civil.

15) A concepção e execução da política externa brasileira tem sido um exercício relativamente fácil. Tivemos ao longo da nossa historia sorte e juízo. Vivemos atrás de fronteiras bem desenhadas e bem definidas em relação cooperativa com vizinhos não belicosos e a nossa massa crítica desestimula veleidades agressivas e garante que tenhamos um peso extraordinário nas tomadas de decisão regionais.

16) Não estamos nem nos sentimos ameaçados pelos que nos rodeiam. Nossos gastos com defesa são muito pequenos em termos absolutos e em proporção ao nosso PIB. Espero e desejo que assim continuem a ser.

17) A América do Sul é um remanso estratégico e estamos distantes das grandes zonas de conflito e turbulências internacionais. Somos paises com uma longa história de instabilidade interna embora de bom e previsível comportamento no cenário internacional. As raras exceções apenas confirmam a regra.

18) Não precisamos falar, no nosso entorno, de uma real ou suposta liderança brasileira que, a rigor, não estamos desejosos nem a exercer nem a custear. Uma suposta liderança brasileira gera não pequeno ressentimento e desconfiança e basta deixar que os fatos da nossa geografia, demografia e poder agro-industrial, científico e tecnológico falem por si mesmos,

19) Não temos dívidas históricas a resgatar com os vizinhos. Não temos ameaças ou cobranças a fazer. É no nosso interesse coibir o comércio ilícito de bens, o tráfico de drogas e o terrorismo em todas as suas formas. Estamos, com naturalidade, do lado das boas causas.

20) O momento, contudo, requer muita sensibilidade, já que assistimos ao inicio de um novo ciclo populista na América do Sul que traz consigo uma carga de exaltação felizmente mais retórica e verbal do que real, mas que reclama de nossa parte administração cautelosa e algum distanciamento,

21) Será preciso sempre perseguir os nossos interesses estáveis e de longo prazo com paises como a Venezuela, Bolívia, Peru – onde o fenômeno populista se manifesta - sem nos identificarmos com desmandos ou excessos das lideranças atuais ou futuras desses países.

22) Sobretudo com o atual governo da Venezuela, uma prudente e cordial distancia é a melhor opção: desconfio do “bolivarianismo” de Hugo Chávez e da capacidade que o governante venezuelano tem, de promover controvérsias e polêmicas e de causar mal-estar e desconforto a seus vizinhos continentais ou hemisféricos.

23) Fizemos bem em defender a legitimidade democrática na Venezuela quando esta se viu ameaçada. Faremos melhor ao nos dissociar da retórica cada vez mais estridente de Chávez cuja administração, essencialmente incompetente, é camuflada pelo “boom” dos preços do petróleo.

24) Por seu lado nossos interesses com a Bolívia - cada vez maiores em conseqüência da presença da Petrobras a de outras empresas brasileiras naquele país e da operação do gasoduto - requerem a construção de uma relação eficaz e pragmática marcada, também, pelo necessário distanciamento de algumas posições e causas de Evo Morales.

25) Dito em outras e simples palavras, o Brasil é sócio natural e permanente de seus vizinhos, mas não é interlocutor solidário de eventuais governantes cujas agendas não nos dizem respeito e nos causam, em alguns casos, evidente embaraço e constrangimento.

26) É importante destacar o que está dito acima: um Brasil crescentemente maduro e racional terá que conviver com lideranças de rumo incerto em alguns paises próximos e terá que separar a legitimidade desses governos – democraticamente eleitos – de bandeiras e sentimentos que não são os nossos e que muitas vezes sequer nos convêm.

27) Embora prefira o conceito de América do Sul tão claro em sua definição geográfica ao de América Latina, que contém um número não-pequeno de ambigüidades, acho que não devemos repudiar essa latinidade (inclusive em sua projeção ibérica) e que devemos construir, sobretudo com o México, uma relação privilegiada.

28) Não encontramos ainda com o México o terreno comum para um diálogo construtivo. Há mal-entendidos de lado a lado e é pena que as duas maiores economias ao sul dos Estados Unidos não tenham identificado os grandes temas de aproximação. Coloco a revalorização da relação com o México no alto da agenda daquilo a que deveríamos conceder atenção especial nos próximos anos.

29) Hoje as prioridades declaradas da política externa brasileira são a América do Sul e a África. Não tenho nenhuma dúvida de que a América do Sul (ou Latina) deva ser o objetivo central das nossas preocupações já que o Brasil é essencialmente uma potência regional, embora com significativas projeções e interesses em escala mundial. A América do Sul é o nosso entorno e a nossa circunstância.

30) A escolha da África como segunda área prioritária me parece essencialmente discutível. Não porque pretenda reduzir a importância da África – sobretudo a parte ao sul do Saara para nós – mas porque não consigo atribuir àquele continente um peso maior do que a outros com pelo menos igual densidade e relevância para o Brasil em todos os sentidos.

31) A escolha da África é arbitrária e poderíamos, talvez e com tão boas razões apontar a Europa, a Ásia ou a América do Norte como áreas prioritárias de ação de nossa política externa.

32) O volume de nossas transações, interesses e intercâmbio com essas outras áreas é significativamente maior do que as que temos com o continente africano e não vejo na linha do horizonte, uma alteração importante desses fluxos que deverão manter – senão ampliar – a sua importância para nós.

33) A conclusão, portanto, é de que o Brasil deveria evitar – como regra geral - a identificação de áreas prioritárias, exceção feita àquela em que geograficamente nos inscrevemos. Será útil recordar sempre que o Brasil, como ator global não deve e não pode estabelecer hierarquias entre as diferentes regiões com as quais mantêm um relacionamento cada vez mais intenso e diversificado.

34) Ao procurar defender para a ação diplomática brasileira um sentido de inovação dentro da continuidade busco corrigir uma tendência um pouco ingênua e não menos irritante da atual administração; a de pretender-se iniciadora ou criadora de processos que já têm longa trajetória.

35) É natural que cada governo busque aparecer como inventor de algumas senão de todas as rodas. Isso é da natureza mesma do jogo e não há talvez como corrigir. Registro, entretanto, minha impaciência com um comportamento que sugere que a nossa história não conta ou não houve e que o Brasil com trajetória de mais de cinco séculos teria sido inventado ontem.

36) A política externa como expressão mesma da identidade profunda da Nação e do Estado se fortalece quando apresentada não como invenção do momento e sim como formulação atualizada de interesses e objetivos que vem de longe e vão longe e que foram amadurecidos por uma longa experiência e reflexão.

37) O fortalecimento econômico do Brasil e a sua consolidação democrática, além da prática de políticas essencialmente racionais macroeconômicas é somatório de conquistas de longo curso e que devem muito aos últimos governos brasileiros. Concentro-me neles embora muitos de nossos acertos antecedam mesmo a nossa existência como nação independente no começo do século XIX.

38) Ao Presidente Sarney se deve a aproximação com a Argentina, o desmonte dos suspeitos programas nucleares paralelos e o esboço da arquitetura essencial do Mercosul.

39) Ao Governo Itamar Franco o reforço dessas tendências e, com o Plano Real, o ingresso do Brasil no círculo dos países com conduta macroeconômica racional.

40) Coube ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, em dois mandatos, através de uma vigorosa e esclarecida política presidencial dar ao Brasil uma nova fisionomia como país com aspirações legítimas e razoáveis para ascender aos mais exclusivos círculos de tomada de decisão internacionais e apresentar-nos como parceiro essencialmente confiável.

41) O Presidente Luís Inácio Lula da Silva e sua equipe puderam levar adiante essas políticas e teve ele a vantagem não-insignificante de que a oposição a seu governo nunca pretendeu retirar legitimidade de seu ativismo como ator internacional à maneira do que fizera com tanto zelo o Partido dos Trabalhadores sobre a política presidencial externa de seus antecessores.

42) O Brasil mais forte, mais estável, mais racional e mais maduro que herdou deu ao atual Presidente da República atual os meios para que, aproveitando seu temperamento expansivo, continuássemos com toda uma linha de projetos que buscam, em seu conjunto, elevar a hierarquia do Brasil na vida internacional.

43) Defendo, sem ambigüidades, a pretensão brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança e integrar um G-8 ampliado. Defendo também que o Brasil se aproxime cada vez mais da OCDE e, eventualmente, se faça membro-pleno daquela organização.

44) Minhas reservas são essencialmente de método e procedimento. É preciso que não fiquemos reféns de nossas ambições e candidaturas e que não transformemos aquilo que nos chegará, naturalmente, quando formos tudo que pretendemos ser, em um jogo oneroso e essencialmente desnecessário. Nossa diplomacia sofre, no momento, de hiper-atividade. Poderíamos e deveríamos ser mais seletivos na seleção de nossas ambições e objetivos.

45) Fico, naturalmente, satisfeito ao ver o Brasil no G-20, cuja criação tanto deve à nossa iniciativa.

46) É prestigioso também estarmos entre os quatro grandes postulantes a assentos permanentes no Conselho de Segurança. É agradável ver o Brasil, com naturalidade, ao lado de três outros pesos-pesados: o Japão, a Alemanha e a Índia.

47) Não creio que devamos insistir muito no “processo eleitoral” – por assim dizer – para o Conselho de Segurança. O que importa, certamente, é transmitir à comunidade internacional, através de um crescimento robusto, da adoção de políticas sociais apropriadas; de reforço dos direitos humanos entre nós; de busca de um desenvolvimento sustentável - com especial atenção para nossas responsabilidades amazônicas - que somos um país essencial para a construção e consolidação da paz e da segurança internacionais. Isso feito, nossas credenciais se tornarão ainda mais eloqüentes, até que, em determinado momento, sejamos convocados a assumir o lugar que nos espera.

48) Acredito que há uma outra causa que poderíamos acolher, desde já, e que seria, ao mesmo tempo, útil e virtuosa. Refiro-me a buscar para o Brasil a categoria de “investment grade” na avaliação das agências internacionais de crédito. Desejo sublinhar este ponto.

49) Nada simbolizaria melhor a nossa confiabilidade do que esse novo status, que significa que o país não representa mais, graças à previsibilidade de sua conduta, à solidez e transparência de seu comportamento um risco para os que investiram ou apostaram em nós.

50) Essa poderia tornar-se, para a próxima administração brasileira, a partir de 2007, uma bandeira e um desafio que traria enormes dividendos internos e externos e que nos colocaria onde buscamos estar: no círculo estreito dos países plenamente confiáveis em suas operações com a comunidade financeira internacional.

51) Para chegar lá, temos que abandonar tudo o que nos faz menos confiáveis e menos previsíveis. Procuro indicar, a seguir alguns outros caminhos que deveríamos percorrer a partir de 2007.

52) A política nuclear brasileira deve responder às novas inquietações causadas pelo que acontece no Irã e na Coréia do Norte, e para preservar a nossa credibilidade, devemos assinar os protocolos adicionais ao Tratado de Não Proliferação, tranqüilizando a comunidade internacional e resguardando assim o nosso programa de enriquecimento do urânio para fins exclusivamente pacíficos. A nossa transparência e a qualidade do nosso relacionamento com a AIEA devem ser preservadas com o máximo vigor.

53) É importante e urgente a revalorização do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Sua sede já está em Brasília. Opera, contudo, com poucos recursos e baixa visibilidade. Deveríamos transferi-la para Belém ou Manaus, dando-lhe meios humanos e materiais adicionais e usar, no quadro da proteção de nossos interesses amazônicos, o regionalismo em contraposição ao universalismo.

54) Devíamos indicar ao Secretário-Geral das Nações Unidas que em data certa nosso contingente deixaria o Haiti, quaisquer que sejam as circunstâncias. O processo de recuperação daquele país será, na melhor das hipóteses, longo e incerto e, já dada a nossa contribuição, é hora de anunciar a partida. Talvez o fim do ano de 2007 pudesse ser uma data apropriada.

55) A diplomacia comercial brasileira tem aumentado a cada ano sua eficácia. Aprendemos a melhor defender nossos interesses na OMC e em outros foros e, dentro e fora do Itamaraty começamos a ter um know-how sobre como avançar nossos objetivos jogando melhor as cartas em tabuleiros em que antes operávamos com pouca perícia.

56) É essencial continuar a aperfeiçoar a teoria e a prática dessa política comercial que é o terreno onde enfrentamos hoje nossos principais desafios.

57) A diplomacia sozinha não é suficiente e é preciso estimular cada vez mais as parcerias com associações comerciais, com entidades públicas ou privadas e com os grandes escritórios de advocacia e consultoria que operam no comércio internacional.

58) O MERCOSUL deve ser equipado para acolher novos sócios e enfrentar novos desafios. Precisa de um grau maior de institucionalização e parece-me esgotado o ciclo em que - para que funcionasse – bastava contar com a disposição informal e flexível de seus dois grandes sócios. Há um déficit de idéias que sejam ao mesmo tempo realistas e visionárias,

59) É preciso tratar futuras possibilidades de associação – sobretudo a ALCA – com um realismo rigoroso e não sermos levados nem pela ingenuidade nem pela paranóia. Os interesses se identificam e se defendem com objetividade sem que seja preciso transformar esses interesses em causas contaminadas por considerações ideológicas em que predomine a paixão e a emoção.

60) Minhas maiores inquietações incidem hoje, contudo, sobre uma arquitetura administrativa que me parece claramente desaconselhável.

61) Há em andamento um programa de expansão dos quadros do Itamaraty, que prevê a absorção, nos próximos quatro anos, de quatrocentos novos diplomatas. Não acredito que precisemos desses números e, sobretudo, não acredito que precisemos fazer a incorporação de novos quadros nessa escala e velocidade. Temo que ocorra – em conseqüência - uma perda importante de qualidade na seleção e na formação do pessoal.

62) Não me parece que a diplomacia brasileira esteja carente hoje de números e que se deveria buscar um aproveitamento e uma qualificação profissional cada vez maior dos funcionários que já existem e não a ampliação tão explosiva de seus números.

63) Se por um lado é desejável que o acesso à carreira diplomática seja o mais aberto e democrático possível não é menos verdade que as exigências de qualificação acadêmica e intelectual não podem ser colocadas em um patamar inferior. O diplomata deve continuar a ser um agente cosmopolita do interesse nacional. Deve poder defender o Brasil em vários campos e vários idiomas e, sobretudo, no inglês que é a língua franca do nosso tempo.

64) Vejo nesse aumento exagerado e apressado de quadros, uma manifestação adicional da tendência tão característica do momento político atual brasileiro, de fazer crescer o aparelho do Estado e criar posições e vagas não requeridas pela realidade atual ou pelas mais projeções mais razoáveis para o futuro próximo.

65) Interromper logo o processo em curso e fazer com que o Instituto Rio Branco – continue a formar pequenas turmas de alta qualificação é objetivo que vai muito além de sua definição administrativa. Uma diplomacia inchada e com critérios mais frouxos de admissão e qualificação é um passo em sentido contrário à busca da excelência que temos perseguido. Ao oferecer a miragem de emprego para muitos estamos sacrificando a idéia da qualidade dos poucos necessários para que se possa conduzir bem a nossa política externa.

66) Chego ao fim destes comentários. Os termos da nossa equação fundamental continuam os mesmos: procuramos acesso aos mercados protegidos, às tecnologias de ponta e aos diretórios do poder internacional.

67)A nossa contrapartida é oferecer à sociedade internacional uma credibilidade assentada na democracia, no respeito aos contratos, na racionalidade macroeconômica e na transparência em matéria de política nuclear.

68) É indispensável prosseguir no rumo certo e dar provas permanentes de confiabilidade e previsibilidade. Não perdemos o rumo embora tenhamos perdido posições nos últimos anos para a Rússia, a China e a Índia que são aqueles grandes paises emergentes com os quais somos comparados. Não podemos nos distanciar desse pelotão cuja cadência deveria ser a nossa em crescimento, abertura e integração na economia mundial. Um nacionalismo à moda antiga; um estatismo anacrônico; uma visão simplista do conceito de soberania e a substituição de uma gestão rigorosa da coisa pública por uma retórica retumbante não nos ajudarão.

69) É com essa exortação que termino essas reflexões em que procurei me valer de uma longa experiência para antever algumas dificuldades e oportunidades futuras. É sempre mais fácil perceber o passado do que antecipar o futuro. Os historiadores acertam mais do que os profetas.
Procurei, contudo – sem fugir ao desafio do tema – identificar certas linhas de reflexão e ação que permitam que no próximo quatriênio, em matéria de política externa, o Brasil não se afaste do que tradicionalmente tem feito e abandone, sem qualquer hesitação, tudo aquilo que virou peso morto, excesso de bagagem ou resíduo descartável.

Marcos Castríoto de Azambuja

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