Neste post, e no seguinte, coloco primeiro o resumo e depois a própria conferência efetuada pelo embaixador Marcos Azambuaja, hoje aposentado, sobre os rumos atuais de nossa política externa.
Coluna: Um balanço da política externa de Lula
Cristiano Romero
Valor Econômico, 26 abril 2006
Durante conferência proferida no Instituto Tancredo Neves, na segunda-feira, o genial embaixador Marcos Azambuja fez contundente avaliação dos três anos e quatro meses da política externa do governo Lula. Frasista célebre, Azambuja, pode-se dizer, até que pegou leve com a cúpula do Itamaraty. Nada, no entanto, escapou ao seu escrutínio.
O seminário foi promovido pelo PFL, mas, o embaixador procurou deixar claro que jamais defenderia uma política externa do PFL, assim como não deveria haver uma do PSDB ou do PT.
Aqui, a primeira cutucada nos petistas, que, capturando setores do Itamaraty, fizeram da política externa do Brasil a política externa do partido. "O Brasil soube - e não de hoje - fazer com que sua política externa fosse uma força de aglutinação e convergência de interesses e legítimas ambições nacionais, e não o terreno em que, por razões diversas, tendências e objetivos apenas sectários se manifestassem", disse ele.
No governo Lula, o Itamaraty ressoou a idéia de que o Brasil, gigante, mas sem recursos de poder (dinheiro e/ou poder bélico), deve exercer liderança na América do Sul. O plano não funcionou. E criou expectativas de financiamento regional que se frustraram. Com cofres cheios, Hugo Chávez tem feito na prática - registre-se: com enorme irresponsabilidade - o que Lula planejara.
"Não precisamos falar, no nosso entorno, de uma real ou suposta liderança brasileira que, a rigor, não estamos desejosos nem a exercer nem a custear. Uma suposta liderança brasileira gera não pequeno ressentimento e desconfiança e basta deixar que os fatos da nossa geografia, demografia e poder agroindustrial, científico e tecnológico falem por si mesmos", assinalou Azambuja.
O embaixador explicou que a forte onda populista que assola a América do Sul exige do Brasil "muita sensibilidade". O país, sugeriu ele, deve administrar a situação com cautela e impor algum distanciamento. Azambuja elogiou a posição brasileira em defesa da democracia venezuelana, ao tempo em que Chávez perdeu o cargo num malsinado golpe, mas propôs distância da retórica cada vez mais "estridente" do presidente venezuelano, cuja administração, criticou, "essencialmente incompetente, é camuflada pelo 'boom' dos preços do petróleo".
Cautela e pragmatismo devem ser dispensados também à Bolívia, onde o governo Evo Morales, premido por uma realidade de difíceis contornos e a cobrança das promessas nacionalistas que fez durante a campanha, ensaia passos contrários aos interesses brasileiros. "Um Brasil crescentemente maduro e racional terá que conviver com lideranças de rumo incerto em alguns países próximos e terá que separar a legitimidade desses governos - democraticamente eleitos - de bandeiras e sentimentos que não são os nossos e que muitas vezes sequer nos convêm", observou o ex-embaixador.
Azambuja reverenciou a escolha da América do Sul como uma das prioridades da política externa, defendeu maior engajamento numa possível aproximação com o México, mas criticou duramente a opção da diplomacia pela África. Por causa dessa agenda, Lula já fez inúmeras e inúteis viagens ao continente africano. "A escolha da África é arbitrária e poderíamos, talvez e com tão boas razões, apontar a Europa, a Ásia ou a América do Norte como áreas prioritárias de ação de nossa política externa."
Em sua palestra, Azambuja só foi um pouco mais ácido, embora não sem razão, quando falou da estranha mania petista de atribuir ao seu governo a invenção da roda. Disse ele: "Ao procurar defender para a ação diplomática brasileira um sentido de inovação dentro da continuidade, busco corrigir uma tendência um pouco ingênua e não menos irritante da atual administração: a de pretender-se iniciadora ou criadora de processos que já têm longa trajetória".
Azambuja lembrou que o governo Sarney teve o mérito da aproximação com a Argentina, com o fim dos programas nucleares paralelos e a criação do Mercosul. Itamar Franco, com o Plano Real, introduziu o Brasil no círculo dos países com "conduta macroeconômica racional".
Fernando Henrique Cardoso, com sua diplomacia presidencial, perseguiu a idéia de que o Brasil, dada a sua nova fisionomia econômica, tem aspirações legítimas e razoáveis para participar das decisões internacionais e apresentar-se como parceiro "essencialmente confiável".
O governo Lula pôde levar essas políticas adiante, disse ele, "com a vantagem não insignificante de que a oposição a seu governo nunca pretendeu retirar legitimidade de seu ativismo como ator internacional à maneira do que fizera com tanto zelo o PT sobre a política presidencial externa de seus antecessores".
O Brasil tem o direito à pretensão de obter assentos em foros políticos (Conselho de Segurança da ONU, G-8) e econômicos (OMC, OCDE etc.). O problema, na atual gestão diplomática, é que o país entrou, com enorme sede de protagonismo, em inúmeras candidaturas simultaneamente. "Nossa diplomacia sofre, no momento, de hiperatividade", ironizou o embaixador.
Olhando adiante, Azambuja propôs que o Brasil assine os protocolos adicionais do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, revalorize o Tratado de Cooperação Amazônica, avise à ONU que tem data marcada para deixar o Haiti (ele sugeriu o fim de 2007), institucionalize o Mercosul e negocie, com "realismo rigoroso", possibilidades de integração comercial, como a Alca.
"Os termos da nossa equação fundamental continuam os mesmos: procuramos acesso aos mercados protegidos, às tecnologias de ponta e aos diretórios do poder internacional", resumiu. "A nossa contrapartida é oferecer à sociedade internacional uma credibilidade assentada na democracia, no respeito aos contratos, na racionalidade macroeconômica e na transparência em matéria de política nuclear.
Um nacionalismo à moda antiga; um estatismo anacrônico; uma visão simplista do conceito de soberania e a substituição de uma gestão rigorosa da coisa pública por uma retórica retumbante não nos ajudarão." É desaconselhável não prestar atenção ao que diz o embaixador Marcos Azambuja.
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