Apenas transcrevendo (pois eu já disse o que tinha a dizer no segundo artigo sobre a Teoria da Jabuticaba, Estudo de casos...
Sociologia & Cia. no CNE & Cia
Roberto Macedo
O Estado de SP, 20/7/2006
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, diz que "os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do Ensino Médio o educando demonstre...", entre outros itens, o "domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania", mas não exige que sejam ministrados por meio de disciplinas específicas.
Aliás, onde a cidadania efetivamente se desenvolveu, fez isso sem esses conhecimentos "necessários", pois seria difícil precisar quais são, argumentar quanto à sua efetiva necessidade e dispor deles para efetivo uso didático nesse nível de ensino. Na sua continuidade, a História mostra que o que se entende como necessário para isso ou aquilo em geral muda ao longo do tempo. Uma razão é que existem ou surgem substitutos para o que se considera indispensável. Assim, não só a cidadania se desenvolveu sem esses conhecimentos, como há várias formas de difundi-los sem que sejam ministrados por disciplinas específicas.
Nos dez anos que se seguiram à LDB não se exigiu isso e houve várias manifestações do Conselho Nacional de Educação (CNE) nessa linha, em particular a sua Resolução 3/98, determinando que as "propostas pedagógicas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado..." para os referidos conhecimentos, sem impor disciplinas específicas.
A própria LDB diz que "... poderão organizar-se classes ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares". Assim, deixa a questão em aberto.
Entretanto, no dia 7 deste mês o CNE decidiu que "... no caso de escolas que adotarem, no todo ou em parte, organização curricular estruturada por disciplinas, deverão ser incluídas as de Filosofia e Sociologia", ficando o tratamento interdisciplinar e contextualizado limitado à minoria de estabelecimentos de ensino cuja organização curricular não seja estruturada dessa forma.
Não sou contrário a que estudantes do ensino médio recebam conhecimentos de Filosofia e Sociologia, desde que bem ensinados e sem prejuízo do que é básico nesse nível de ensino, como o domínio da Língua Portuguesa, da Matemática e de Ciências Naturais. Cabem também as Humanas, mas sem essa camisa-de-força de disciplinas específicas e isoladas umas das outras. Ademais, o CNE deveria ter ponderado as necessidades de recursos nas escolas particulares e públicas, que serão obrigadas a contratar novos professores para tais disciplinas. É fácil fazer uma reunião em Brasília e criar despesas para os outros. Depois, que se virem. Ao fazerem isso, poderiam começar recorrendo judicialmente contra a referida resolução.
Se ela pegar, e quanto ao que será ensinado aos alunos, vou limitar-me à Sociologia. Pelas suas maiores afinidades com a Economia, conheço mais sociólogos que filósofos e sei que a maior parte da Sociologia brasileira, em particular a ministrada nos cursos superiores de graduação que formam professores para os níveis anteriores, é dominada por um forte viés ideológico que privilegia a visão marxista de guerra de classes. É uma formação dogmática que se limita a tomar como verdadeiras as afirmações do evangelho de Marx e a sair por aí a interpretar fatos conforme essa visão. Não há a preocupação científica de tomá-las apenas como hipóteses entre outras e de confrontar o conjunto delas com os fatos, examinando-se dados da realidade com rigor metodológico.
Nessas condições, temo pela colocação de minhocas ideológicas na cabeça dos adolescentes. E mais: no ensino público, professores mal preparados e remunerados provavelmente aproveitarão a oportunidade para descarregar suas frustrações em cima de uma audiência depois submetida a provas para assegurar que o evangelho foi disseminado.
São também matérias abstratas, que exigem grande volume de leitura, e difíceis de ensinar e aprender, particularmente no caso de educandos que têm grandes dificuldades no domínio da linguagem, seja para ler e compreendê-la, seja para responder a exames orais ou escritos. Nessas condições estará aberto o caminho do discurso fácil pelos professores.
O que teria levado o CNE a reescrever suas resoluções anteriores? É por aí que se pode identificar a origem da idéia e conjeturar sobre seus propósitos. Veio no final de 2005 em ofício dirigido ao CNE pela Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC). Ou seja, partiu do Executivo petista, useiro e vezeiro no uso do aparato estatal para impor suas idéias. Segundo consta do novo parecer aprovado pelo CNE, a idéia foi elaborada pela SEB com a participação de "representantes de várias entidades".
Ainda nesse parecer, consta que o CNE promoveu audiência para discutir a proposta, convidando 30 entidades e pessoas, tendo comparecido 20, "entre sociólogos, professores de Filosofia e de Sociologia, representantes de entidades, estudantes e outros profissionais" (sic, exceto se eram realmente estudantes profissionais). Tudo indica que foi uma audiência restrita a interessados na aprovação da proposta.
No portal do MEC a notícia oficial dessa aprovação diz que a ocasião "foi comemorada por cerca de 150 professores e estudantes que compareceram ao auditório do CNE. Houve até champanhe após a aprovação do parecer pelos conselheiros".
Daqui de fora, o clima é o de sala de espera de hospital, onde a educação brasileira está internada por falta de cuidados efetivos, uma situação que será agravada pela ingestão goela abaixo dessa resolução, cuja espuma de frágeis argumentos mal disfarça suas verdadeiras intenções.
Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
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